CIGANA
quem me dera ser vagabundo
de um mundo
qualquer!...
quem me dera ir,
pelos caminhos,
com a única saia que tivesse p'ra vestir...,
(nem curta nem comprida...)
... uma saia fora de moda, desgraciosa,
mas forte e vistosa!...
quem me dera ir...,
a comer as amoras dos valados,
a dormir sobre a grama, sem telhados
que não fossem os do céu!...
ser "eu"...
acenar aos que trabalham nos campos,
e parar,
a ouvir as canções populares!...
seguir sempre sozinha, comigo
e com o sol...
ver nascer o arrebol,
e caminhar... sem destino...
ao som não sei de que hino...
mas livre... livre!...
livre de ter que dizer
"muito prazer"
a toda hora!...
livre dos compromissos,
das etiquetas,
e de todas as tretas
que me acorrentam
e me lançam névoa sobre os ideais!...
livre das exposições,
das reuniões,
das aulas do forjaz
e outros que tais!...
livre de tudo!...
sem a ambição de possuir um "canudo",
sem educação!...
poder lamber as mãos,
e rir de troça,
dos que passam nas estradas,
de óculos escuros,
e grandes "espadas"!...
ah!... ser simples!...
não pensar na modista,
nem no dentista,
nem nas unhas por polir...
nem pensar na guerra
nem na pobreza...
saber só que a naturez
é bela e igual para todos!...
saber só, que caminho sozinha,
feliz com a minha liberdade!...
não conhecer a saudades
do que ficou para trás!...
e saber que há sempre,
um fruto maduro,
e uma estrela brilhante
para cada caminhante!...
seguir... seguir sempre!...
sem um fito... sem um fim...
mas caminhar mesmo assim...com o vento a bater-me
nas tranças do cabelo, às lufadas,
e a deixar-me beijar
todas as noite
pelo luar das estrelas!...
quem me dera ir...
sem pátria, nem lei...
abraçada aos sonhos que sonhei!...
ah! cigana perdida,
a sorrir
nas estradas da vida!...
CÍRCULO
todo o caminho é belo se cumprido.
ficar no meio é que é perder o sonho.
é deixá-lo apodrecer, no resumido
círculo, da angústia e do abandono.
é ir de mãos abertas, mas vazias,
de coração completo, mas chagado.
é ter o sol a arder dentro de nós,
cercado,
por grades infindas...
culpa de quem, se fiz o que podia,
na hora dos descantes
e das lidas?
ah! ninguém diga que foi minha!
Ah! ninguém diga...
minha a culpa,
de ter dentro do peito,
tantas vidas!...
MUTILAÇÃO
meu corpo, lancei-o ao mar,
para que o mar o levasse,
e matasse aos peixes belos,
a fome dos meus anelos...
meu olhos, joguei-os longe!
atirei-os às estrelas solitárias
de uma noite...
doei meus lábios vermelhos
à criança prostituída...
mais! entreguei os meus nervos
aos violinos da vida...
e daqueles longos cabelos,
fiz agasalhos de tiras,
com que embrulhei, ressequido
os troncos das árvores velhas...
hoje p'ra além do meu cansaço,
só me resta o coração,
que continua a bater
transfigurado, no espaço!
INTERMEZZO
do cais, partiram os navios
onde eu quis ir sempre,
e nunca fui...
no jardim, morreram as flores
que o meu olhar só beijou
através das grades brancas...
e pelos caminhos,
passaram por mim,
sem olharem para trás uma só vez,
todos que tinham pressa de chegar...
só eu fui devagar...
cada vez mais devagar
quanto mais perto estava.
a desejar, as flores que morriam
por detrás das grades brancas...
os navios que partiam
envolvidos na bruma,
e os caminhos, nunca percorridos...
só eu fui devagar...
DE LONGE
Não chores Mãe... Faz como eu, sorri!
Transforma as elegias de um momento
em cânticos de esperança e incitamento.
Tem fé nos dias que te prometi.
E podes crer, estou sempre ao pé de ti,
quando por noites de luar, o vento,
segreda aos coqueirais o seu lamento,
compondo versos que eu nunca escrevi...
Estou junto a ti nos dias de braseiro,
no mar... na velha ponte... no Sombreiro,
em tudo quanto amei e quis p'ra mim...
Não chores, mãe!... A hora é de avançadas!...
Nós caminhamos certas, de mãos dadas
e havemos de atingir um dia, o fim..
REVOLTA
Quero, e não quero!...
Creio... e desespero!...
Renego, mas aspiro,
E em cada viravolta,
Mais grito e mais me firo!...
Aonde esperei, não espero!...
Aonde desejei, já não desejo,
E se algum dia vi,
Hoje não vejo!...
Deus... Ó Deus!...
Para que lado ficam os teus céus?!…
Um comentário:
Maravilhosas poesias
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