Alceu Wamosy
Uruguaiana/RS, 1895 – 1923, Santana do Livramento
DESILUDIDO
Por que te hás de aquecer ao sol dessa esperança
nova, que despontou na tua alma ingênua e crente?
Se ela é como sorriso em lábio de criança,
que se há de transformar em pranto, de repente...
A ventura completa, é céu que não se alcança,
mas que a gente vislumbra, além, perpetuamente:
esse céu mentiroso, é um céu que foge e avança,
se é maior ou menor a aspiração da gente.
Sê simples e sê bom, mas não julgues que um dia,
hás de o teu coração, repleto de alegria,
para sempre fechar, como quem fecha um cofre!
Crê que a desilusão é o sonho pelo avesso,
e que só se é feliz, dando-se o mesmo apreço
ao gozo que se goza, e à mágoa que se sofre!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
Eduardo Guimaraens
Porto Alegre/RS, 1892 – 1928, Rio de Janeiro/RJ
CHOPIN: PRELÚDIO NO. 4
Do fundo do salão vem-me o seu pranto sobre-humano,
como do fundo irreal de um desespero hoje olvidado:
dir-se-ia que estes sons têm um tom de ouro avioletado;
há um anjo a desfolhar lírios de sombra sobre o piano.
Doce prelúdio! Que ermo e doloroso desengano
fala, através do seu vago perfume de passado?
Sobre Chopin a noite abre o amplo manto constelado:
um delírio de amor anda por tudo, insone, insano!
Em cada nota solta há como um lânguido lamento.
– Oh, a doçura de sentir que o teu olhar, perdido,
sonha, recorda e sofre, ao doce ritmo vago e lento!
E o silêncio! E a paixão que abre em adeus as mãos absortas!
E o passado que volta e traz consigo, inesquecido,
um aroma secreto e vago e doce, a flores mortas!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
Humberto de Campos
Miritiba/MA, 1886 – 1934, Rio de Janeiro/RJ
ÍNTIMO
Minha mãe! minha mãe! Tu, que adivinhas
esta mágoa amaríssima que eu canto,
tu, que trazes as pálpebras de pranto
cheias, tão cheias como eu trago as minhas;
tu, que vives em lágrimas, e tinhas
a vida, outrora, tão feliz, enquanto
deste teu filho, que tu queres tanto,
todas as mágoas serenando vinhas;
tu, que do astro do bem segues o brilho,
pede ao Deus que, apesar das tuas dores,
ainda persiste a castigar teu filho,
que eu não morra a sofrer, como hoje vivo,
esta angústia de uma árvore sem flores
e esta mágoa de pássaro cativo.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
Martins Fontes
Santos/SP, 1884 – 1937
BEIJOS MORTOS
Amemos a mulher que não ilude,
e que, ao saber que a temos enganado,
perdoa por amor e por virtude,
pelo respeito ao menos do passado.
Muitas vezes, na minha juventude,
evocando o romance de um noivado,
sinto que amei outrora quanto pude,
porém mais deveria ter amado.
Choro. O remorso os nervos me sacode.
E, ao relembrar o mal que então fazia,
meu desespero inconsolado explode.
E a causa desta horrível agonia,
é ter amado, quanto amar se pode,
sem ter amado quanto amar devia.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
Raul de Leoni
Petrópolis/RJ, 1895 – 1926, Itaipava/RJ
UNIDADE
Deitando os olhos sobre a perspectiva
das coisas, surpreendo em cada qual
uma simples imagem fugitiva
da infinita harmonia universal.
Uma revelação vaga e parcial
de tudo existe em cada coisa viva:
na corrente do bem ou na do mal
tudo tem uma vida evocativa.
Nada é inútil; dos homens aos insetos
vão-se estendendo todos os aspectos
que a ideia da existência pode ter;
e o que deslumbra o olhar é perceber
em todos esses seres incompletos
a completa noção de um mesmo ser...
Uruguaiana/RS, 1895 – 1923, Santana do Livramento
DESILUDIDO
Por que te hás de aquecer ao sol dessa esperança
nova, que despontou na tua alma ingênua e crente?
Se ela é como sorriso em lábio de criança,
que se há de transformar em pranto, de repente...
A ventura completa, é céu que não se alcança,
mas que a gente vislumbra, além, perpetuamente:
esse céu mentiroso, é um céu que foge e avança,
se é maior ou menor a aspiração da gente.
Sê simples e sê bom, mas não julgues que um dia,
hás de o teu coração, repleto de alegria,
para sempre fechar, como quem fecha um cofre!
Crê que a desilusão é o sonho pelo avesso,
e que só se é feliz, dando-se o mesmo apreço
ao gozo que se goza, e à mágoa que se sofre!
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Eduardo Guimaraens
Porto Alegre/RS, 1892 – 1928, Rio de Janeiro/RJ
CHOPIN: PRELÚDIO NO. 4
Do fundo do salão vem-me o seu pranto sobre-humano,
como do fundo irreal de um desespero hoje olvidado:
dir-se-ia que estes sons têm um tom de ouro avioletado;
há um anjo a desfolhar lírios de sombra sobre o piano.
Doce prelúdio! Que ermo e doloroso desengano
fala, através do seu vago perfume de passado?
Sobre Chopin a noite abre o amplo manto constelado:
um delírio de amor anda por tudo, insone, insano!
Em cada nota solta há como um lânguido lamento.
– Oh, a doçura de sentir que o teu olhar, perdido,
sonha, recorda e sofre, ao doce ritmo vago e lento!
E o silêncio! E a paixão que abre em adeus as mãos absortas!
E o passado que volta e traz consigo, inesquecido,
um aroma secreto e vago e doce, a flores mortas!
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Humberto de Campos
Miritiba/MA, 1886 – 1934, Rio de Janeiro/RJ
ÍNTIMO
Minha mãe! minha mãe! Tu, que adivinhas
esta mágoa amaríssima que eu canto,
tu, que trazes as pálpebras de pranto
cheias, tão cheias como eu trago as minhas;
tu, que vives em lágrimas, e tinhas
a vida, outrora, tão feliz, enquanto
deste teu filho, que tu queres tanto,
todas as mágoas serenando vinhas;
tu, que do astro do bem segues o brilho,
pede ao Deus que, apesar das tuas dores,
ainda persiste a castigar teu filho,
que eu não morra a sofrer, como hoje vivo,
esta angústia de uma árvore sem flores
e esta mágoa de pássaro cativo.
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Martins Fontes
Santos/SP, 1884 – 1937
BEIJOS MORTOS
Amemos a mulher que não ilude,
e que, ao saber que a temos enganado,
perdoa por amor e por virtude,
pelo respeito ao menos do passado.
Muitas vezes, na minha juventude,
evocando o romance de um noivado,
sinto que amei outrora quanto pude,
porém mais deveria ter amado.
Choro. O remorso os nervos me sacode.
E, ao relembrar o mal que então fazia,
meu desespero inconsolado explode.
E a causa desta horrível agonia,
é ter amado, quanto amar se pode,
sem ter amado quanto amar devia.
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Raul de Leoni
Petrópolis/RJ, 1895 – 1926, Itaipava/RJ
UNIDADE
Deitando os olhos sobre a perspectiva
das coisas, surpreendo em cada qual
uma simples imagem fugitiva
da infinita harmonia universal.
Uma revelação vaga e parcial
de tudo existe em cada coisa viva:
na corrente do bem ou na do mal
tudo tem uma vida evocativa.
Nada é inútil; dos homens aos insetos
vão-se estendendo todos os aspectos
que a ideia da existência pode ter;
e o que deslumbra o olhar é perceber
em todos esses seres incompletos
a completa noção de um mesmo ser...
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