quarta-feira, 19 de junho de 2024

Vereda da Poesia = 38 =


Trova Humorística de Bandeirantes/PR

JOSÉ REGINALDO PORTUGAL

Estes carecas sofridos,
sem cabelos ... que ironia,
deixam piolhos perdidos
por falta de moradia!
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Soneto de Assaré/CE

PATATIVA DO ASSARÉ
(Antonio Gonçalves da Silva)
Assaré/CE, 1909 – 2002

O Burro

Vai ele a trote, pelo chão da serra,
Com a vista espantada e penetrante,
E ninguém nota em seu marchar volante,
A estupidez que este animal encerra.

Muitas vezes, manhoso, ele se emperra,
Sem dar uma passada para diante,
Outras vezes, pinota, revoltante,
E sacode o seu dono sobre a terra.

Mas contudo! Este bruto sem noção,
Que é capaz de fazer uma traição,
A quem quer que lhe venha na defesa,

É mais manso e tem mais inteligência
Do que o sábio que trata de ciência
E não crê no Senhor da Natureza.
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Aldravia do Rio de Janeiro/RJ

DALADIER CARLOS

metáforas
não
eliminam
liberdades
abrem
alternativas
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Soneto do Rio de Janeiro

NARCISA AMÁLIA DE CAMPOS
São João da Barra/RJ, 1852 – 1924, Rio de Janeiro/RJ

Por que Sou Forte
(a Ezequiel Freire)

Dirás que é falso. Não. É certo. Desço
Ao fundo d’alma toda vez que hesito...
Cada vez que uma lágrima ou que um grito
Trai-me a angústia - ao sentir que desfaleço...

E toda assombro, toda amor, confesso,
O limiar desse país bendito
Cruzo: - aguardam-me as festas do infinito!
O horror da vida, deslumbrada, esqueço!

É que há dentro vales, céus, alturas,
Que o olhar do mundo não macula, a terna
Lua, flores, queridas criaturas,

E soa em cada moita, em cada gruta,
A sinfonia da paixão eterna!...
- E eis-me de novo forte para a luta.
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Trova Premiada  em Cachoeiras de Macacu/RJ, 1999 

ANTONIO COLAVITE FILHO 
Santos/SP

“Cara-de-pau!” E o grã-fino 
não se abala, não se afoba;
e no rosto, enfim, ladino,
passa um óleo de peroba…
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Poema de Maringá/PR

CÔNEGO BENEDITO VIEIRA TELLES
Bueno Brandão/MG, 1928 – 2022, Maringá/PR

Lembranças da Velha Árvore

A árvore traz-me lembrança
dos verdes anos, agora.
Como foi bom ser criança,
com meu sonhos desde a aurora.

Toda a árvore oxigena o ar,
purifica a natureza.
Escuta os cantos do mar, 
e da brisa co´a sutileza.

O vento farfalha a copa,
da árvore, folhas e flores,
e a ave seu ninho envelopa
para abrigar seus amores.

Às vezes, no entardecer,
prateia a lua as ramagens.
Velha árvore a fenecer!...
Com ela, as frescas aragens!

A árvore dos ancestrais,
plantada com seus carinhos.
Terno abrigo de animais,
dos ninhos dos passarinhos!

Ó árvore frondosa, bendita,
que antepassados plantaram.
Árvore alegre, bonita,
de ti, saudades ficaram!
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Quadra Popular

Muito vence quem se vence
muito diz quem diz tudo,
porque ao discreto pertence
a tempo fazer-se mudo.
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Soneto de Portugal

MANUEL BOCAGE
(Manuel Maria de Barbosa l'Hedois du Bocage)
Setúbal, 1765 – 1805, Lisboa

Apenas vi do dia a luz brilhante

Apenas vi do dia a luz brilhante
Lá em Setúbal no empório celebrado,
Em sanguíneo caráter foi marcado
Pelos Destinos meu primeiro instante.

Aos dois lustros a morte doravante
Me roubou, terna mãe, teu doce agrado;
Segui Marte depois, e em fim meu fado
Dos irmãos e do pai me pôs distante.

Vagando a curva terra, o mar profundo,
Longe da pátria, longe da ventura,
Minhas faces com lágrimas inundo.

E enquanto insana multidão procura
Essas quimeras, esses bens do mundo,
Suspiro pela paz da sepultura.
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Trova de Sorocaba/SP

DOROTHY JANSSON MORETTI
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

Que as estrelas com seu brilho,
   e o sol, com seu loiro raio,
        iluminem cada filho 
 do adorável mês de Maio!
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Poema de Lisboa/Portugal

ANTONIO JOSÉ DA SILVA
Rio de Janeiro/RJ, 1705 – 1739, Lisboa/Portugal

A Mulher e o casamento

Toda mulher que não for
Inclinada ao matrimônio,
Se a não levar o amor:
Trate logo de depor
Seu tirano desdenhar;
Seu rigor, deve escolher
Ou casar, por não morrer,
Ou morrer por não casar.
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Haicai de Promissão/SP
Primeiro Haicai Japonês no Brasil (1908)

HYOKOTSU
(Shuhei Uetsuka)
Kumamoto, 1875 – 1935, Promissão/SP

A nau imigrante
chegando: vê-se lá no alto
a cascata seca
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Sextilha Agalopada de Natal/RN

JOSÉ LUCAS DE BARROS
Serra Negra do Norte/RN, 1934 – 2015, Natal/RN

Ninguém quer sucumbir em luta inglória,
por mais tosca que seja sua lança,
porque a vida é um tesouro inestimável
que no campo dos sonhos se balança,
e por ela assumimos neste mundo
as melhores promessas de esperança.
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Trova de Ponta Grossa/PR

SONIA MARIA DITZEL MARTELO
1943 – 2016

 A Natureza hoje chora
a cruel devastação
que faz o verde ir embora  
e veste de cinza o chão !
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Glosa de Fortaleza/CE

NEMÉSIO PRATA

MOTE:
Saudade... espelho quebrado,
com cacos por todo chão
que ao deixar-me angustiado
faz sangrar meu coração!
José Feldman 
Campo Mourão/PR

GLOSA:
Saudade... espelho quebrado,
não mais reflete, uniforme,
as lembranças do passado
na minha memória, informe! 

Quebrado, sem serventia,
com cacos por todo chão
em cada pedaço eu via
reflexos de uma ilusão!

Hoje, ao chão espatifado,
só reflete uma lembrança
que ao deixar-me angustiado
faz-me chorar, feito criança!

Reflexos da uma saudade
que, espalhada pelo chão,
ao lembrá-la, é bem verdade,
faz sangrar meu coração!
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Aldravia de Belo Horizonte/MG

AUXILIADORA DE CARVALHO E LAGO

fugitivo
solitário
é
meu
coração
sagitário
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Soneto de São Felipe (hoje Eirunepé)/AM

PADRE MANUEL ALBUQUERQUE
(Manuel Rebouças e Albuquerque)
1906 – 1977, Rio de Janeiro/RJ

Prova Infalível

Quando eu soltar meu último suspiro;
quando o meu corpo se tornar gelado,
e o meu olhar se apresentar vidrado,
e quiserdes saber se inda respiro,

eis o melhor processo que eu sugiro:
—  Não coloqueis o espelho decantado
cm frente ao meu nariz, mesmo encostado,
porque não falha a prova que eu prefiro:

— Fazei assim: — Por cima do meu peito.
do lado esquerdo, colocai a mão.
e procedei, seguros, deste jeito:

—  Gritai “MARIA!” ao pé do meu ouvido,
e se não palpitar meu coração,
então é certo que eu terei morrido!
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Trova Humorística de Belo Horizonte/MG

DODORA GALINARI

Na venda, a moça esculacha
pelo engano que se deu:
pediu a maior bolacha,
e o vendedor lhe bateu!
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Poema do Recife/PE

JORGE FILÓ

Idas e Idas

Nunca é tarde a partida
E sempre cedo é a ida
Pra quem um fio de vida
Servia de inspiração
Cada gole um novo tema
Em cada trago um poema
Tudo dentro do esquema
Sem dar-se trela à razão.

Vai-se cedo mais um forte
Sem precisar de transporte
Nessa bússola sem norte
Sem que se saiba o destino
Na visão do indeciso
Viaja sem dar aviso
Pois num instante impreciso
Bate o derradeiro sino.
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Triverso de Curitiba/PR

ÁLVARO POSSELT

Meu violão me intriga
Morre de tanto rir
quando lhe coço a barriga
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Spina de Capanema/PR

CLEUSA PIOVESAN

Saldo Final 

Velhice sem idade,
Idade sem traumas,
Medo? Só sobreviver.

Saldo de noites mal dormidas,
Bem vividas em poesia insone,
Instigam minha ânsia de viver.
Tive amores, paz, medo, dores...
Tenho benção de não esquecer!
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Trova de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

Ouço ainda, ao longe, o canto
de um velho carro de boi...
Lembrança de um tempo e tanto,
que há tanto tempo se foi!
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Acróstico* de Jacarepaguá/RJ

ANTONIO CABRAL FILHO

Acróstico Rimado

Agora eu preciso ver
Como a jiripoca chia,
Riscar e não escrever
O que a caneta exigia;
Sair por aí sozinho
Tonto como a vaca louca,
Irritando meu vizinho
Com mais outro bate-boca,
Ou então cair de quina
Rumo à terra do Drummond
Inventando um mal na esquina
Mais que a dona Trianon,
Ainda que a mesma seja
Dependente de cerveja
Ou eu cumpra minha sina.
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Poetrix de Santa Maria de Itabira/MG

ANÍSIO LAGE

epitáfio

sou na vida um opróbio
escrevam em minha lápide:
finalmente sóbrio!
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Soneto de Coimbra/Portugal

LUIS VAZ DE CAMÕES
Coimbra, 1524 – 1580, Lisboa

Aquela triste e leda madrugada,
Cheia toda de mágoa e de piedade,
Enquanto houver no mundo saudade
Quero que seja sempre celebrada.

Ela só, quando amena e marchetada
Saía, dando ao mundo claridade,
Viu apartar-se d'uma outra vontade,
Que nunca poderá ver-se apartada.

Ela só viu as lágrimas em fio
Que d'uns e d'outros olhos derivadas
S'acrescentaram em grande e largo rio.

Ela viu as palavras magoadas
Que puderam tornar o fogo frio,
E dar descanso às almas condenadas.
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Trova Premiada em Natal/RN, 2010 

PROFESSOR GARCIA 
Caicó/RN

Cadeira velha, esquecida, 
sem dono e sem mais ninguém… 
Só a saudade atrevida 
reclama a ausência de alguém.
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Poema de Belo Horizonte/MG

CLEVANE PESSOA
(Clevane Pessoa de Araújo Lopes)

Lunar

Nasci sob teus signo e signais.
Se estou em solidão, recolho-me minguante,
à míngua de carinhos entressonhados
ou já vividos...
Se a esperança acena sua mãozinha de jade
alegro-me,  permito-me imaginar, crescente...
Quando empobreço de cansaço, perdas e ausências,
visto-me de dourado, alma nua,
em campo aberto, deixo que tua luz me envolva,
vestido longo e fascinante,
seda pura...
E então, volto a bailar...
Quando engravido,
meu corpo é semiplenilúneo,
ventre túmido, imenso.
E nasce um novo ser...
Minha mente abre a porta do imaginário 
e criativa, dá à luz
tudo que nela foi gestado...
Lua, lua, sou lunar,
minha bela fada madrinha ,
inspiração perene,
rainha...
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* Acróstico  é um gênero de composição geralmente poética, que consiste em formar uma palavra vertical com as letras iniciais ou finais de cada verso gerando um nome próprio ou uma sequência significativa.

Os acrósticos já existiam na antiguidade com escritores gregos e latinos e na Idade Média com os monges. Foi um gênero muito utilizado no período barroco, durante os séculos XVI e XVII, e ainda hoje é muito utilizado por pessoas de várias faixas etárias, classes sociais e culturas diferentes.

A palavra ACRÓSTICO originou-se da palavra grega Ákros (extremo) e stikhon (linha ou verso), onde o prefixo indica extremidade, apontando a principal característica desse tipo de composição poética: as letras de uma das extremidades de cada verso vão formando uma palavra vertical. Mas as letras podem também aparecer no meio do verso.

Segundo a Enciclopédia Britânica, o acróstico é utilizado desde a antiguidade, inclusive nos livros bíblicos dos Provérbios e dos Salmos.

Em português o acróstico apareceu no Cancioneiro geral (século XVI) e chegou a ser feito por Camões, no soneto CCIX, cujo primeiro verso é “Vencido está de amor meu pensamento".

Há muitas variantes: o acróstico alfabético, em que se vai enfileirando o alfabeto verticalmente; o mesóstico, em que as letras da palavra-chave aparecem no meio da composição, no final de cada primeiro hemistíquio ou início do segundo; e outras modalidades ainda mais complicadas.

Fizeram-se acrósticos em prosa, com as letras do começo de cada parágrafo, e se chegou a verdadeira mania de acrósticos nos tempos do barroco.

Os acrósticos podem ser simples, com frases, nomes ou palavras que não tenha ligação entre si, ou ainda poemas completos. Podem ser encarados como atividade lúdica, tornando-se um jogo muito interessante. Assim, uma das funções pode ser ressaltar as qualidades ou defeitos de alguém.

Pode-se dar evidência às letras em cada verso para evidenciar a quem são dedicados, ou ainda deixá-las sem evidência alguma, para torná-las secretas. Depende da intenção com que se fez o acróstico. Os acrósticos são ainda encontrados na Bíblia, principalmente nos Salmos, e em alguns poemas com o objetivo de revelar sua autoria.

Podemos dizer que o acróstico parece englobar três funções: 1) uma procura de virtuosidade própria dos poetas palacianos; 2) um caráter lúdico que designa todo um jogo de espírito sutil; 3) um certo gosto pelo secreto.

O duplo acróstico é uma composição difícil, na qual a leitura de duas séries de letras separadas forma uma frase significativa. Mas se relermos o repertório das curiosidades poéticas deparamos com o pentacróstico que repete cinco vezes a mesma palavra, em cinco partes verticais dos versos (v. Tratatus de Executoribus de Silvestre de Morais, Tome II, Lisboa, 1730, p. 11).

O acróstico dissimula a palavra, que ele dá, escondendo-a; e requer do leitor uma certa esperteza para descobrir a sua sutileza. Relaciona-se com a adivinha e liga-se logicamente com ela pois existem enigmas em verso cujo nome figura em acróstico. Um autor pode assinar com um tipo de assinatura  cifrada o seu próprio nome em acróstico.
(Fonte: Ana Paula de Araújo, in http://www.infoescola.com/literatura/acrostico

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