domingo, 9 de junho de 2024

Contos Tradicionais Portugueses (O aprendiz de mago)

Um homem de grandes artes tinha em sua companhia um sobrinho, que guardava a casa quando precisava sair. Uma vez deu-lhe duas chaves, e disse:

– Estas chaves são daquelas duas portas; não as abras por coisa nenhuma do mundo, senão morres.

O rapaz, assim que se viu só, não se lembrou mais da ameaça e abriu uma das portas. Apenas viu um campo escuro e um lobo que vinha correndo para arremeter contra ele. Fechou a porta a toda a pressa passado de medo. 

Daí a pouco chegou o Mago:

– Desgraçado! Para que me abriste aquela porta, tendo-te avisado que perderias a vida?

O rapaz, chorou tanto que o Mago lhe perdoou. 

Uma outra vez saiu o tio e fez-lhe a mesma recomendação. 

Não ia muito longe, quando o sobrinho deu volta na chave da outra porta, e apenas viu uma campina com um cavalo branco a pastar. Nisto lembrou-se da ameaça do tio e já o sentindo subir pela escada, começou a gritar:

– Ai que agora é que estou perdido!

O cavalo branco falou-lhe:

– Apanha desse chão um ramo, uma pedra e um punhado de areia, e monta já quanto antes em mim.

Mal as palavras foram ditas, o Mago abriu a porta da casa, e o rapaz salta para cima do cavalo branco e grita:

– Foge! Que aí vem o meu tio para me matar.

O cavalo branco correu pelos ares afora. 

Mas indo lá muito longe, o rapaz torna a gritar:

– Corre! Que meu tio já me apanha para me matar.

O cavalo branco correu mais, e quando o Mago estava quase a apanhá-los, disse para o rapaz:

– Solta fora o ramo.

Fez-se logo ali uma floresta muito fechada, e, enquanto o Mago abria caminho por ela, foram para muito longe. Ainda o rapaz tornou outra vez a gritar:

– Corre! que já aí está meu tio, que me vai matar.

Disse o cavalo branco:

– Solta a pedra.

Logo ali se levantou uma grande montanha cheia de pedras, que o Mago teve de subir, enquanto eles avançavam caminho. 

Mais adiante, grita o rapaz:

– Corre, que meu tio agarra-nos.

– Pois lança ao vento o punhado de areia. - disse-lhe o cavalo branco.

Apareceu logo ali um mar sem fim, que o Mago não pôde atravessar. 

Foram dar em uma terra onde estavam em muitos prantos. 

O cavalo branco ali largou o rapaz e disse-lhe que quando se visse em grandes trabalhos, por ele chamasse, mas que nunca dissesse como viera ter ali. 

O rapaz foi andando e perguntou por quem eram aqueles grandes prantos.

– É porque a filha do rei foi roubada por um gigante que vive em uma ilha, onde ninguém pode chegar. 

– Pois eu sou capaz de ir lá.

Foram dizê-lo ao rei e o rei obrigou-o com pena de morte a cumprir o que dissera. 

O rapaz valeu-se do cavalo branco, e conseguiu ir à ilha trazendo de lá a princesa, porque apanhara o gigante dormindo.

A princesa assim que chegou ao palácio não parava de chorar. 

Perguntou-lhe o rei:

– Porque choras tanto, minha filha?

– Choro porque perdi o meu anel que me tinha dado a minha fada madrinha e, enquanto o não tornar a achar, estou sujeita a ser roubada outra vez, ou ficar para sempre encantada.

O rei mandou divulgar em como dava a mão da princesa a quem achasse o anel que ela tinha perdido. 

O rapaz chamou o cavalo branco, que lhe trouxe do fundo do mar o anel, mas o rei não lhe queria já dar a mão da princesa, porém ela é que declarou que casaria com o jovem para que dissessem sempre: Palavra de rei não volta atrás.

Fonte> Teóphilo Braga. Contos Tradicionais do Povo Português. Publicado em 1883. Disponível em Domínio Público .

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