quinta-feira, 27 de junho de 2024

Vereda da Poesia = 46 =


Trova Humorística de São Paulo/SP

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

- Canta mal, essa "coroa"...
- Pois saiba que é minha tia.
- Se a música fosse boa...
- Pois é de minha autoria!
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Poema de Lisboa/Portugal

ANTERO JERÓNIMO

Descarnar a impoluta palavra
Até à chama viva da carne
Como sílex que golpeia o marasmo
Dos dias bocejados e estéreis

Expor-se à pudica avidez
Sangue ígneo renegando a venosidade
Correndo em disseminado apelo
Como um simples ato de sobrevivência

Revolver a cegueira
Guardada em redoma ilusória
Numa vontade insofismável
De extrair da forma disforme
Os contornos invisíveis ao olhar

Por fim sopesar o rosto nas mãos
Em breve e maravilhado apelo
Frestas de compreensão que se agitam
Onde o sal do cansaço rejubila.
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Aldravia de Belo Horizonte/MG

CLEVANE PESSOA

Perfume 
floral
alcança
espíritos 
adoça 
sonhos
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Soneto de Santos /SP

VICENTE DE CARVALHO
1866-1924

A um poeta moço

Desanimado, entregas-te, sem norte,
Sem relutância, à vida; e aceitas dessa
Torrente que te arrasta — a só promessa
De ir lentamente desaguar na morte.

Que pode haver, em suma, que te impeça
De seguir o teu rumo contra a sorte?
Sonha! e a sonhar, e assim armado e forte,
Vida e mágoas, incólume, atravessa.

Ouve: da minha extinta mocidade
Eu, que já vou fitando céus desertos,
Trouxe a consolação, trouxe a saudade,

Trouxe a certeza, enfim, (se há sonhos certos)
De ter vivido em plena claridade
Dos sonhos que sonhei de olhos abertos.
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Trova Vencedora em Astolfo Dutra/MG, 2024

ARTHUR THOMAZ
Campinas/SP

O velho ator, alquebrado,
da realidade fugindo,
ainda sonha acordado,
com a plateia o aplaudindo.
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Poema de Americana/SP

IZABEL RODRIGUES

Renúncias 

Toda renuncia gera dor
Por menor que seja 
O sonho sonhado
Deixar para trás e seguir
Pode acontecer
E acontece diariamente
Mas causa danos
Contornáveis ou irreversíveis 
Marcam ficando indeléveis cicatrizes
E cada um conhece as suas profundamente
Embora sigam 
Uns expondo-as agressivamente 
Outros caminhando disfarçadamente
Pela vida
Apesar da carga pesada 
Mas invisível 
Carregada...
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Quadra Popular de Paredes/Portugal

TIAGO
(António José Barradas Barroso)

Nosso querer tão velhinho,
cheio de ternuras e afetos,
se deu, aos filhos, carinho,
mais ainda deu aos netos.
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

RONALD DE CARVALHO
(Ronald Arthur Paula e Silva de Carvalho)
1893 – 1935

Vida

Para um destino incerto caminhamos,
Tontos de luz, dentro de um sonho vão;
E finalmente, a glória que alcançamos
Nem chega a ser uma desilusão!

Levanta-se da sombra, entre altos ramos,
Como um fumo a subir, lento, do chão,
A distância que tanto procuramos,
E os nossos braços nunca atingirão...

Mas um dia, perdidos, hesitantes,
A alma vencida e farta, as mãos tateantes,
De repente, paramos de lutar;

E ao nosso olhar, cansado de amargura,
As montanhas têm muito mais altura,
O céu mais astros, e mais água o mar!
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Trova de Belo Horizonte/MG

ALMIRA GUARACY REBÊLO

Já não combato a ansiedade
que me consome e angustia;
a dor da minha saudade
eu a transformo em poesia.
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Poema Do Rio de Janeiro/RJ

CASSIANO RICARDO
(Cassiano Ricardo Leite)
São José dos Campos/SP, 1895 – 1974, Rio de Janeiro/RJ

Canção para poder viver

Dou-lhe tudo do que como,
e ela me exige o último gomo.
Dou-lhe a roupa com que me visto
e ela me interroga: só isto?

Se ela se fere num espinho,
O meu sangue é que é o seu vinho.

Se ela tem sede eu é que choro,
no deserto, para lhe dar água:

E ela mata a sua sede,
já no copo de minha mágoa

Dou-lhe o meu canto louco; faço
um pouco mais do que ser louco.

E ela me exige bis, "ao palco"!
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Haicai de Irati/PR

SÍLVIA MARIA SVEREDA 

Plena madrugada.
O olhar ainda reflete
o brilho da lua.
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Sextilha de São Simão/SP

THALMA TAVARES

É feliz quem vê mais o lado bom
e o poeta está sempre com a razão.
Apesar de que o estro tudo enxerga;
e olha o triste e o que alegra o coração.
Há, no entanto, quem vê somente a lama
sem ter olhos pra ver a imensidão.
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Trova de Santos/SP

CLÁUDIO DE CÁPUA
São Paulo/SP, 1945 – 2021, Santos/SP

Que esta trova seja um hino,
que ouças o pobre a gemer
e, ouvindo o planger do sino,
saibas o irmão socorrer.
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Glosa de Fortaleza/CE

NEMÉSIO PRATA

MOTE:
Vejo o mar beijando a areia 
no raiar de um novo dia, 
ouço o canto da sereia, 
com promessas de alegria! 
José Feldman
 (Campo Mourão/PR)

GLOSA: 
Vejo o mar beijando a areia 
e me agarro ao corpo dela; 
pra muitos, ela era a feia, 
para mim, era a mais bela! 

Sozinhos, nós dois na praia, 
no raiar de um novo dia; 
ficar ali na gandaia 
era tudo o que eu queria! 

Porém veio a maré cheia, 
e, bem de longe, do mar, 
ouço o canto da sereia, 
querendo nos naufragar! 

Me amarrei, que nem Ulisses, 
ao ouvir a cantoria 
da Ligeia, em meio aos Sirtes, 
com promessas de alegria!
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Aldravia de Porto Alegre/RS

ALCIONE SORTICA

Lembranças
e
saudades
são
velhas
comadres
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

AFONSO CELSO
(Afonso Celso de Assis Figueiredo Júnior)
Ouro Preto/MG, 1860 – 1938, Rio de Janeiro/RJ

Senhorita

Ela, às vezes, nas rendas da mantilha,
Com a esbelteza audaz de uma espanhola,
A trança negra, onde áureo pente brilha,
E o busto altivo donairosa enrola;

E provocante, lânguida, casquilha,
Desferindo fragrâncias de corola,
Cativa muito orgulho, que se humilha
Pedindo amor, como quem pede esmola!

Então, os seus olhares atrevidos,
Não sei por que, recordam dois bandidos,
Armados de punhais longos e finos,

Que entre as moitas floridas da alva estrada,
Traiçoeiramente, ficam de emboscada
Para assaltar incautos peregrinos!
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Trova Humorística Premiada em Astolfo Dutra/MG, 2024

PAULO R. O. CARUSO
(Paulo Roberto Oliveira Caruso)
Niterói /RJ

Ela traiu o marido
pelo celular... Que cena!
E um mistério irresolvido:
nasceu chifre ou uma antena?
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Poema de Santo André/SP

PAM ORBACAM
(Paula Miasato)

O fio

Tudo o que calo ou falo
Constitui a significância de tudo o que vivo e pereço
É o que arde aos ouvidos quando calo
Que faz morada no meu peito enquanto morro
E é o que voa ao vento enquanto falo
Que se desfaz, dilui e evapora.
De que importa o som que ecoa sem resposta....
De que vale o silêncio, perante tamanha lacuna...
Vivo e morro no silêncio ardente do que calo
Enquanto mato e vivifico, proferindo a secura da boca.
Alienada no pensamento que cala
Enfastiada no movimento que fala
Nesse ouvido meu que ouve
Mil palavras, mil palavras...
É tudo que calo ou falo 
que me gela as mãos, o peito e a alma.
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Triverso de Osório/RS

SUELY BRAGA

Entro no meu eu
Olho o meu eu.
Só enigmas.
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Setilha de Fortaleza/CE

NEMÉSIO PRATA

Ao médico, eu consultei 
para saber a razão 
desta dor que me atormenta, 
dia e noite, o coração: 
sabe o que ele receitou, 
e a dor, ligeiro, passou? 
Xarope de trovação!
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Trova de Angra dos Reis/RJ

JESSÉ NASCIMENTO

Sinto uma grande alegria 
e o alvo sempre persigo: 
conquistar a cada dia 
um novo e leal amigo.
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Hino de Curitiba/PR

Letra: Ciro Silva

I
Cidade linda e amorosa da terra de Guairacá.
Jardim luz, cheio de rosa Capital do Paraná.
Pela ridente paisagem
Pela riqueza que encerra,
Curitiba tem a imagem
Dum paraíso na terra.

II
Viver nela é um privilégio
Que goza quem nela está.
Jardim luz, cheio de rosa.
Capital do Paraná.

Pérola deste planalto
Toda faceira e bonita.
Na riqueza e na opulência
Vive, resplande, palpita

III
Subindo pela colina
Altiva sempre será.
Jardim luz cheio de rosa
Coração do Paraná.
Salve! cidade querida
Glória de heróis fundadores.
Curitiba, linda joia
Feita de luz e de flores.
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Poetrix de Salvador/BA

GOULART GOMES

A$$alariado

vende a vida inteira
pelo pão de cada dia
a liberdade boia, fria
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Soneto de Portugal

GONÇALVES CRESPO
(Antônio Cândido Gonçalves Crespo)
Rio de Janeiro/RJ, 1846 – 1883, Lisboa/Portugal

Quimeras

O mar já me tentou: aspirações fogosas
Fizeram-me idear fantásticas viagens;
Eu sonhava trazer de incógnitas paragens
Notícias imortais às gentes curiosas.

Mais tarde desejei riquezas fabulosas,
Um palácio escondido em múrmuras folhagens,
Onde eu fosse ocultar as cândidas imagens
Das virgens que evoquei por noites silenciosas.

Mas, tudo isso passou: agora só me resta
Das quimeras que tive, uma visão modesta,
Um sonho encantador, de paz e de ventura.

É simples: uma alcova, um berço, um inocente,
E uma esposa adorada, envolta, a negligente!
De um longo penteador na imaculada alvura...
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Trova de Caicó/RN

MARA MELINNI
(Mara Melinni de Araújo Garcia)

Nas noites de solidão...
— Lua, que embala os amores,
és, em tua mansidão,
a musa dos trovadores!
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Fábula em Versos da França

JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry, 1621 – 1695, Paris

O leão velho

Decrépito o leão, terror dos bosques,
E saudoso da antiga fortaleza,
Viu-se atacado pelos outros brutos,
Que intrépidos tornou sua fraqueza.

Eis o lobo com os dentes o maltrata,
O cavalo com os pés, o boi com as pontas,
E o mísero leão, rugindo apenas,
Paciente digere estas afrontas.

Não se queixa dos fados; porém vendo
Vir o burro, animal de ínfima sorte:
«Ah! vil raça — lhe diz — morrer não temo,
Mas sofrer-te uma injúria é mais que morte!»

(tradução: Bocage)

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