A madrugada se estende como um tapete sujo e sem graça, daqueles que você encontra em liquidações de garagem. E eu, no meio desse tapete, revirando-me na cama como um frango assado esquecido no forno. A insônia e a falta de inspiração formam uma dupla imbatível, tipo Batman e Robin da desgraça criativa. Só que, no caso, o Coringa sou eu, rindo histericamente do meu próprio fracasso literário.
Deveria estar sonhando com mundos fantásticos, personagens cativantes e reviravoltas mirabolantes. Em vez disso, a minha mente é um deserto árido, onde o único oásis é a contagem regressiva para o amanhecer. E cada segundo parece uma eternidade, martelando nos meus ouvidos como o baterista de uma banda de heavy metal bêbado.
A inspiração, essa vadia ingrata, me abandonou faz tempo. Acho que ela fugiu para uma ilha deserta com um grupo de escritores adolescentes que escrevem fanfics eróticas sobre duendes. E eu, aqui, com um bloqueio criativo do tamanho do Monte Everest.
Já tentei de tudo para driblar a insônia. Chá de camomila? Me deixa mais irritado. Contar carneirinhos? Acabo imaginando um churrasco e fico com fome. Meditação guiada? Adormeço no meio e acordo com a voz da instrutora dizendo: "Visualize sua paz interior… Zzzzzz… Ei, acorda!".
O problema é que a minha cabeça não desliga. Fica repassando os mesmos pensamentos obsessivamente: Por que a geladeira faz esse barulho estranho? Será que eu deixei o ferro ligado? Por que a Adele ainda não me convidou para ser o tema de uma música?
E, claro, a questão central: Por que diabos eu não consigo escrever NADA?!
Já tentei escrever sobre a minha insônia. Virou um tratado filosófico existencial tão chato que nem eu aguentei reler. Tentei escrever sobre a falta de inspiração. Virou uma metalinguagem pretensiosa que faria Jean-Paul Sartre ter um ataque de soluços.
Chego a invejar os meus vizinhos. Aposto que eles estão lá, roncando como ursos em hibernação, enquanto eu luto contra a sanidade em meio à escuridão. Será que eles têm o segredo para uma vida plena e bem dormida? Ou será que eles só usam tampões de ouvido e tomam soníferos escondido?
De repente, uma luz! Tive uma ideia! Vou escrever sobre… não, espera, já escrevi sobre isso antes. Era sobre um astronauta que se apaixona por uma alienígena que trabalha em um food truck de tacos espaciais. Foi um fracasso retumbante.
Acho que preciso mudar de ambiente. Talvez o problema seja o meu quarto. Essa cama, com esse colchão macio e esses lençóis de algodão que me abraçam como uma mãe judia superprotetora. Espera aí… talvez o problema seja o edredom! Ele é tão quentinho e aconchegante que me induz ao sono, mas não ao sono profundo e revigorante, e sim a um estado de semi-coma que me deixa mais cansado do que antes.
É isso! Vou me livrar do edredom! Vou dormir no chão, enrolado em um cobertor de lã áspero e desconfortável. Assim, vou ficar acordado e alerta, pronto para capturar as ideias que ousarem cruzar o meu caminho.
(Cinco minutos depois)
Ok, o chão é duro. O cobertor pinica. E estou com frio. Mas pelo menos estou acordado! E… e… e…
(Ronco alto e prolongado)
Pelo visto, a maldição do edredom é mais forte do que eu imaginava. E a insônia, a inspiração zero e o sono incontrolável formam um triângulo amoroso perverso que me condena a uma vida de crônicas inconclusivas e madrugadas desperdiçadas.
Mas, ei, pelo menos tenho material para escrever. De novo. Se eu conseguir acordar, é claro. E se a inspiração resolver dar as caras. E se a parar de assistir vídeos de gatinhos no YouTube… Bem, talvez eu devesse me contentar em dormir e sonhar com a Adele me convidando para um show. Pelo menos no sonho, eu sou um escritor famoso e bem-sucedido. E a pizza de calabreza com borda recheada nunca acaba.
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JOSÉ FELDMAN nasceu na capital de São Paulo. Formado em patologia clínica, não concluiu o curso superior de psicologia. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais; trovador da UBT São Paulo e membro da Casa do Poeta “Lampião de Gás”. Foi amigo pessoal de literatos de renome (falecidos), como Artur da Távola, André Carneiro, Eunice Arruda, Izo Goldman, Ademar Macedo, e outros. Casado com a escritora, poetisa e tradutora professora Alba Krishna mudou-se em 1999 para o Paraná, morou em Curitiba e Ubiratã, radicou-se definitivamente em Maringá/PR em 2011. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras e de trovas, como Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Academia de Letras Brasil-Suiça, Academia de Letras de Teófilo Otoni, Confraria Brasileira de Letras, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia Virtual Brasileira de Trovadores, União Brasileira dos Trovadores, etc, possui o blog Singrando Horizontes desde 2007, com cerca de 20 mil publicações e o blog Pérgola de Textos, com textos de sua autoria. Atualmente assina seus escritos por Campo Mourão/PR, onde pertence a entidades da região. Publicou mais de 500 e-books. Dezenas de premiações em trovas e poesias.
Fontes:
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
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