sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

A. A. de Assis (O passado foi ontem)

Rua do Café, onde a moçada fazia o footing* nas noites de sábados e domingos

Deu-se há um tempão bem grande o anteontem do mundo – um monte de milhões de anos. Mas o ontem aconteceu há pouquinhas décadas, um século no máximo, quase assim “que nem que eu”, que nasci quando as coisas estavam apenas começando a mudar para o futuro.

Em 1940 eu menino estudava no Grupo Escolar Barão de Macaúbas, em São Fidélis-RJ. A humanidade vivia então o drama da Segunda Guerra Mundial. No Brasil vigorava a ditadura de Getúlio Vargas. Televisão era ainda um sonho. O rádio já falava e cantava, mas com chiados e um barulhinho chamado “estática”. A música era romântica: valsa, bolero, samba canção. Os pares dançavam com os rostos colados. Telefone, daqueles de manivela, era um luxo só de rico. Geladeira também. O trem era o maria-fumaça. O ônibus era daqueles de focinho com bagageiro no teto.

Havia em nossa cidadinha somente uma rua calçada, a Rua do Café, onde a moçada fazia o footing nas noites de sábados e domingos. Os rapazes ficavam em pé de um lado e do outro da rua, enquanto as garotas passavam pra lá e pra cá, de braços dados. No mês da festa do padroeiro o footing mudava para a praça em frente à igreja, em meio às barraquinhas e maxambombas.

O “veículo” mais comum era o cavalo. Umas poucas pessoas tinham charretes; outras, mais raras, tinham bicicletas. Automóveis, só dois, que funcionavam como “carros de aluguel” – o do Orbílio (um pé-de-bode daqueles com capota de lona) e o do Theodoro (um estiloso sedanzinho preto).

Aí um fato novo se deu quebrando a rotina. Um jovem e arrojado comerciante, Zito Simão, foi ao Rio de Janeiro e comprou um carrão V-8. Por falta de estradas rodáveis para o interior, ele despachou o veículo de trem. No dia da chegada, a estação lotou de gente atraída pela emoção de receber o primeiro automóvel de luxo da pacata urbe. Zito estava lá, de terno branco e gravata borboleta, pronto para pilotar o possante sob os aplausos dos conterrâneos.

Parece coisa de outroríssimas eras. Mas foi “ontem” sim. Faz só 80 anos.

 (Crônica publicada na edição de hoje do Jornal do Povo)
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* footing = local numa cidade onde se faz passeio, especialmente com objetivo de arranjar namorado(a).
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Antonio Augusto de Assis (A. A. DE ASSIS), poeta, trovador, haicaísta, cronista, premiadíssimo em centenas de concursos nasceu em São Fidélis/RJ, em 1933. Radicou-se em Maringá/PR desde 1955. Lecionou no Departamento de Letras da Universidade Estadual de Maringá, aposentado. Foi jornalista, diretor dos jornais “Tribuna de Maringá”, “Folha do Norte do Paraná” e das revistas “Novo Paraná” (NP) e “Aqui”. Algumas publicações: Robson (poemas); Itinerário (poemas); Coleção Cadernos de A. A. de Assis – 10 vol. (crônicas, ensaios e poemas); Poêmica (poemas); Caderno de trovas; Tábua de trovas; A. A. de Assis – vida, verso e prosa (autobiografia e textos diversos). Em e-books: Triversos travessos (poesia); Novos triversos (poesia); Microcrônicas (textos curtos); A província do Guairá (história), etc.

Fontes:
https://angelorigon.com.br/2024/12/05/o-passado-foi-ontem/
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

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