sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Renato Frata (Em uma tarde de outono)

Na languidez de um olhar ao poente em uma tarde de outono, como se perdido na imensidão, fundem-se as cores da saudade e nessa introspecção silenciosa a noite, de manso, acolhe para si as inspirações para bordá-las com agulhas de tricô em movimentos constantes e medidos. 

Usa o esgarçado de nuvens que o vento raleou para juntá-las aqui e ali e vai cosendo como a um véu que a cobrirá em pétalas de bons pensamentos, de bons sentimentos que o olhar saudoso carrega em si; e não há maior sinceridade que nesse instante, eis que desprovido de outro sentimento que não o amor.

Produto da lembrança, a saudade revive apenas o aprazível na mais perfeita simbiose entre o querido, o lembrado e o vivido; e consegue nele colocar de volta na mesma intensidade o sabor que se sentiu, o olor que se absorveu, a sensação que se marcou indelével e que embora invisível, se perpetua no tempo haja quantos lembrares se possa ter.

Sentimento que enlaça a ausência em abraço apertado ao fazer dela a um só tempo escudo como arma de defesa, e corpo estranho a incomodar como a de ataque. Ele nos impele a querer de novo e de novo o momento saudoso movido por um suave desejo de reproduzir à distância o que se experimentou na presença. 

Por isso sonhamos de olhos abertos, parados, absortos, vagueantes e extasiados.

É desejo impossível, claro o de reviver momentos, por isso, apesar de gratificante, a saudade consegue machucar. É como tentar atrasar voltando o ponteiro do tempo, esse que uniu urdindo no seu emaranhado a teia de nossos sentimentos e, por si, nesse alinhavo, promoveu a passagem do momento produtor da saudade lembrada.

Nesse aspecto, o tempo é ingrato e não pensa, não possui memória e nem lembrança. Na sua constância – que os homens medem por segundos, minutos, horas, dias, semanas, meses, anos, séculos, eras - ele segue sem qualquer objeção nas dimensões do universo. Nós, com o nosso sentimento é que lhe damos a conotação de rapidez e de demora, o chamado ‘espaço-tempo’ na tentativa de demonstrar que são indissociáveis quando os ligamos a um acontecimento que nos faz feliz, ao tempo que coloca em nossa mente o desejo de quero mais.

Por que nessa receita há uma tarde de outono e não de qualquer outra estação do ano? Serão elas menos apropriadas ao bom sentimento saudade? Creio que não, mesmo porque a saudade não possui folhinha e nem parede onde possa ser pregada a se despetalar a cada dia. 

Outono porque é a estação mais colorida: ela possui o cinza do inverno, o brilho do verão, a vivacidade colorida da primavera e se faz, nesse contexto, a união do bom e perfeito que todas possuem.

Quem tentar, verá que tenho razão.
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RENATO BENVINDO FRATA, trovador e escritor, nasceu em Bauru/SP, em 1946, radicou-se em Paranavaí/PR. Formado em Ciências Contábeis e Direito. Além de atuar com contador até 1998, laborou como professor da rede pública na cadeira de História, de 1968 a 1970, atuou na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Paranavaí, (hoje Unespar), atualmente aposentado. Atua ainda, na área de Direito. Fundador da Academia de Letras e Artes de Paranavaí, em 2007, tendo sido seu primeiro presidente. Acadêmico da paranænse Confraria Brasileira de Letras. Seus trabalhos literários são editados pelo Diário do Noroeste, de Paranavaí e pelos blogs:  Taturana e Cafécomkibe, além de compartilhá-los pela rede social. Possui diversos livros publicados, a maioria direcionada ao público infantil.

Fontes:
Texto enviado pelo autor. 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

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