sábado, 19 de setembro de 2020

Carolina Ramos (Obrigada, Vizinha!)


Conheci-a por acaso, num jantar, e, logo, sua afetividade cativou-me.

Minha amiga é uma senhora tranquila, muito simpática e atenciosa. E muito querida, também.

Não lhe menciono o nome por discrição. Não sei se gostaria de vê-lo declinado em letra de forma.

Contudo, para identificá-la é fácil. Afora as múltiplas qualidades que possui, bastaria se dissesse que de suas mão gentis sai o mais gostoso arroz doce que muita gente já comeu em toda sua vida! E o melhor, é que posso me instalar, gostosamente, entre os felizes provadores desse delicioso quitute.

Por mais de uma vez, a terrina fumegante já atravessou a rua que nos separa e gentilmente transpôs a minha porta.

E como é sabido que essa terrina fumegante, e tão apetitosa, chega, sempre em datas significativas e só, naturalmente às mesas de amigos, creio que posso, em definitivo, chamar de amiga àquela que enriquece minha ceia natalina, perfumando-a com o cheiro adocicado da canela em pó. Canela que amorena a brancura daquele arroz doce, cuja lembrança faz crescer água na boca.

Neste verão tórrido, mais uma gentileza devo agradecer à estimada vizinha.

Seu casarão branco, cercado de flores, é uma das visões mais agradáveis que meus olhos captam, quando, ao contornar o quarteirão, dou de frente com aquele cromo suavemente colorido onde a primavera parece eternizar suas bênçãos.

E é assim que, todos os dias pela manhã, eu saúdo minha vizinha, mesmo sem vê-la. E, mesmo sem vê-la, eu lhe agradeço, com muito carinho, aquelas flores tão lindas que ela planta no canteiro de minha alma, todos os dias, sem mesmo saber o bem que me faz!

As coisas mudam. Eu mudei de endereço e essa amiga gentil mudou-se para mais perto de Deus. Sua casa também mudou de função, as flores não mais existem porque suprimidos os canteiros. Apenas não mudou aquele perfume de canela que ficou na lembrança e que mais se acentua quando os sinos avisam que o Natal está às portas. E então, intimamente repito:

— Obrigada, vizinha! O mundo seria bem melhor, se copiasse a sua cordialidade.
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(Crônica publicada no jornal "A Tribuna", de Santos)

Fonte:
Carolina Ramos. Feliz Natal: contos natalinos. São Paulo/SP: EditorAção, 2015.
Livro enviado pela autora.

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