domingo, 5 de junho de 2022

Jaqueline Machado (Aruanda entre nós) 7 – Bará Exú


Seu Bará é mesmo inefável,
de rocha é feito o Senhor...
Seu caráter imutável
vence as guerras, vence a dor..


Perambulando pelas ruas, um forte homem chorava. Ele também ria. Na verdade, mais ria do que chorava.

Sua missão estava sendo cumprida e sentia–se feliz por isso. Mas, de vez em quando chorava pelas almas que se encontravam perdidas, ao passo que ria daquelas que gostavam de praticar o mal, a fim de se sentirem superiores, macabramente felizes...

- Pobres dos que humilham, causam dor, e que, apesar de tudo, se consideram bons. Acreditam estarem agindo em nome de Deus. Afinal, tais criaturas são da opinião de que Deus castiga. Portanto, é necessário fofocar, criticar, julgar, assim, em nome do Criador, apontar quem é demônio, quem é santo.

Será que esses sujeitos são loucos ou fingem tais loucuras? – disse o homem guardião das ruas, entre uma tragada e outra de seu charuto perfumado.

Era madrugada e a lua estava cheia. Cheia de graça... E lá do firmamento para ele, a lua sorria... Bailava...

Ao observá-la, ele tira o chapéu em sinal de reverência. E lembra que, em uma de suas vidas passadas, foi poeta e compunha lindos versos em homenagem à lua. A essa deusa pequenina que mesmo nua, estava sempre vestida com os trajes de uma beleza pura e majestosa.

Ele segue andando cruzeiro afora. Até chegar à sua morada.  Ajeita a capa preta que lhe cobre as costas, e senta no centro de uma encruzilhada muito limpa. Ali, põe-se a refletir, bem debaixo do luar:

- Esses ignorantes pensam que Deus castiga! – disse ele ao dar uma gargalhada. – Estão confundindo o Pai lá de cima com o Pai lá de baixo. Da fúnebre morada.

“O mal que enxergam nos outros está em si, mas não dão o braço a torcer, preferem punir. Jogar a culpa de seus pecados nas costas de seus semelhantes. E assim fingir. Fingir para si próprios que são bons e até mesmo felizes de verdade.

“Esses me dão trabalho. Me fazem subir e descer aos infernos dia e noite. Sim, pois cabe a mim, combater ao menos um pouco, os trágicos efeitos de tamanha injustiça. É por causa dos preconceitos, julgamentos imprecisos, e da velha e boa soberba que tanta gente é acometida por desgraças. Não por castigo! Isso me tira o juízo... É fato!

“Ha, se as pessoas praticassem as leis da empatia, o mundo já teria virado céu. E eu estaria agora deitado numa rede preguiçosa escrevendo poesias, com o pensamento jogado ao léu.
     
 “Ora, tanta maldade me faz rir, ora me faz chorar. Falam mal de mim, por ignorância. Alguns religiosos até me chamam de diabo. Mas tenho um bom coração. E ele é quente. Não é frio, igual a desses cidadãos que vivem a pregar o mal, sem em Deus realmente pensar.

“Não sou ignorante. Minha vivência é grandiosa. Em tempos de outrora, fui escritor, fui padre, fui doutor, fui homem apaixonado, e romântico sonhador. Também já fui errante... Mas sobre meus erros não quero falar. As minhas falhas foram corrigidas. E hoje trabalho para a luz. E nos Terreiros, entro faceiro a dançar.”

- Falando sozinho, moço? – pergunta uma linda mulher a sorrir. Ela trajava um vestido preto e vermelho, tinha um olhar profundo. E o seu sorriso era belíssimo e sincero. A moça era a companheira de trabalho do homem que guardava a encruzilhada.

- Olá, querida Rainha. Você demorou a chegar. – disse ele deixando expelir de sua boca, uma nuvem de fumaça do seu charuto.

- O motivo da demora foram as múltiplas demandas atribuídas a mim nas últimas vinte e quatro horas.

- A bagunça está grande... Tanta gente para salvar... Às vezes, isso cansa. Por isso estava aqui com os meus botões a desabafar. Mas não se preocupe. Não estou triste. Estou onde devo estar, cumprindo minha jornada.

- Então continuemos a caminhar. Nesse exato momento tem uma jovem precisando da nossa intervenção.

Em seguida, chegam a uma casa onde um feroz demônio tenta convencer uma moça a dar fim à própria vida. Ela estava no parapeito da janela de seu quarto, prestes a se jogar.

O guardião envolve a jovem com a proteção de sua capa. Sua companheira, por meio de bálsamos de consciências sensatas, a convence a desistir do suicídio. Chorando muito, a menina volta para a cama.

O demônio ri, prometendo voltar na noite seguinte. Mas é magneticamente encurralado pelo casal guardião. E conduzido a um vale de sombra. Lá, mesmo acorrentado, o bandido se agita, grita, faz ameaças.

O guardião toma postura, ajeita o chapéu, firma o olhar e divulga: não adianta querer medir forças comigo, meu camarada. Melhor não mexer com a minha pessoa. Sabe por quê? Porque não sou qualquer um. Sou trabalhador, sou guerreiro. Sou BARÁ EXÚ!

De mãos dadas, os guardiões partem para prestar socorro a outros necessitados...

Fonte:
Texto enviado pela autora.

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