domingo, 5 de junho de 2022

Laurindo Rabelo (Poemas Escolhidos) XI

AO TROVADOR


Trovador, o que tens, o que sofres,
Por que choras com tanta aflição?
O teu pranto assaz me compunge,
Trovador, ah! não chores mais não!

Se acaso a mulher que tu amas
Te tratou com acerbo rigor,
Trovador, ah! por isso não chores,
Oh! não creias, por Deus, em amor.

O amor da mulher é a nuvem
Quando o vento a impele no ar...
O amor da mulher é volúvel,
É tão vário qual onda do mar.

O amor da mulher é um frágil
Pequenino, adoidado batel,
Que vagueia sem norte, sem rumo,
'Té quebrar-se em ignoto parcel.

O amor da mulher é luzerna
Numa noite de inverno a luzir;
É estrela do céu entre nuvens
Que a furto se vê reluzir.

A mulher tem o dom da beleza
Tem maneiras que sabem levar...
Mas no meio de seus atrativos
A mulher tem o dom de enganar.

Um exemplo tu tens em Helena
Que os muros de Tróia abateu,
Que infida, deixando o consorte,
Para os braços de Páris correu.

A mulher tem feitiço nos olhos
E nos lábios veneno letal;
A mulher nos ilude chorando
E sorrindo nos crava o punhal.

O amor da mulher, como a rosa
Desabrocha, mas logo fenece;
A quem hoje a mulher idolatra,
Amanhã menospreza, aborrece.

Trovador, ah! esquece essa ingrata,
Não mendigues a sua afeição;
Oh! despreza a quem te maltrata,
Não suspires por ela mais não!

Eu sinto angústias
Me sufocar;
Não há remédio,
Senão chorar.

Eia, choremos;
Comece o canto;
Também cantando
Se verte o pranto.

O canto às vezes
É brisa d’alma
Que o mal consola
E a dor acalma.

E cada letra
Que o canto diz,
Um ai exprime
Do infeliz!

O canto é prece
Que voa a Deus,
Se um triste canta
Os males seus...

E livre o canto
No ar se isola;
O céu penetra
E Deus consola.

Depois que a ingrata
Feriu-me tanto,
Que de mim fora,
Sem este canto!...

Talvez que as chagas
Fossem mortais,
Se as não curasse
Com estes ais.
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RISO E MORTE

Eu vim ao mundo chorando,
Chorar é o meu viver;
Quando eu deixar de chorar,
Estou prestes a morrer.

Quando a alma ao infortúnio
Assim ligado se tem,
Como termo da desgraça
A morte não longe vem.

Quando eu deixar de chorar,
Quando contente me rir,
Não se enganem, desconfiem,
Que não tardo a sucumbir.

Vem, oh! morte, ver meu pranto.
Não receies, podes vir;
Choro nos braços da vida,
Nos teus braços me hei de rir.

Muitas vezes um prazer
Que parece de ventura,
Não é mais que um riso d’alma
Vendo perto a sepultura.

O feliz ri-se da vida
Por ver nela o seu jardim;
O desgraçado, na morte
Por ver da desgraça o fim.
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O CEGO DE AMOR

Pensam que vejo, não vejo,
Não vejo, que cego estou;
De que me servem os olhos,
Se minha luz se apagou?

Ah! não deixes que me perca
Nesta imensa escuridão;
Ó anjo que me cegaste,
Vem ao menos dar-me a mão.

Ao avistar-te nos olhos
A luz divina senti,
E por perder-te de vista,
A minha vista perdi.

Ah! não deixes...

Se eu cair, dá-me teus braços,
Dá-me pelo amor de Deus,
Que talvez recobre a vista
Caindo nos braços teus.

Ah! não deixes…
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JÁ NÃO VIVE A MINHA FLOR

Perdeu a flor de meus dias
Todo o perfume de amor,
Ramo seco pende d’alma,
Já não vive a minha flor!

O tempo, que tudo muda
Não minora a minha dor;
Já não tenho primavera,
Já não vive a minha flor.

Só encontro no deserto
Bafejo consolador;
Fechai-vos, jardins do mundo,
Já não vive a minha flor

Fonte:
Laurindo Rabelo. Poesias completas. Ministério Da Cultura. Fundação Biblioteca Nacional

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