domingo, 9 de junho de 2024

Vereda da Poesia = 29 =


 Trova Humorística de Nova Friburgo/RJ

RODOLPHO ABBUD
1926 – 2013

Um longo teste ela fez,
de cantora com requinte:
– Cantou somente uma vez,
mas foi cantada umas vinte!
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

MARIA NASCIMENTO SANTOS CARVALHO

E-MAIL

Deletei muitas coisas que me disse,
digitadas em seu computador;
assim que descobri que era tolice
guardar frases bonitas, sem amor.

Temendo que a memória me traísse,
deixei à vista as que me causam dor
para que, nunca mais eu me iludisse
e, em vão, corresse o risco de me expor...

Deletei muita coisa e, na verdade,
não pude deletar toda a saudade
que salvei num arquivo do meu peito...

Pois quanto mais tentava deletar,
mais vinha uma mensagem me avisar
que deletar saudades... não tem jeito...
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Aldravia do Rio de Janeiro/RJ

LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)

Espelho
Meu
Espelho
Meu
Cadê
Eu ?
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Soneto de Portugal

LUÍS VAZ DE CAMÕES
Coimbra, 1524 – 1580, Lisboa

SONETO I 
         
Enquanto quis Fortuna que tivesse
Esperança de algum contentamento,
O gosto de um suave pensamento
Me fez que seus versos escrevesse.

Porém, temendo Amor que aviso desse
Minha escritura a algum juízo isento,
Escureceu-me o engenho co tormento,
Para que seus enganos não dissesse.

      Ó vós que Amor obriga a ser sujeitos
A diversas vontades! Quando lerdes
Num breve livro casos tão diversos,

  Verdades puras são, e não defeitos...
E sabeis que, segundo o amor tiverdes,
Tereis o entendimento de meus versos!
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Trova Premiada  em Nova Friburgo/RJ, 2014

ARLINDO TADEU HAGEN 
Juiz de Fora/MG

O velho poeta inspirado
me lembra, em sua euforia,
tronco velho alimentado
pela seiva da poesia!
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Poema de Balneário Camboriú/SC

PEDRO DU BOIS
(Pedro Quadros Du Bois)
Passo Fundo/RS, 1947 – 2021, Balneário Camboriú/SC

CALMA

Na calmaria cede espaço ao cansaço.
Descansa o silêncio e se desentende
em ritos descontinuados. Desavenças
e calçadas ressoam passos. Acalma
o vento. Reclama ao vento a passagem.
Impressiona o sono em ideias aleatórias
de descobertas e conformismos. No
dito recupera da razão o lídimo saber
sobre a calma na alma despossuída.
Em passos atravessa a hora e despede
do gerânio a flor inacabada. Gira o Sol
em retorno: o dia permanece na explosão
sintética da espera. A calma na calúnia
desdita arrebenta os sinos entre torres.
O desafogo na morte: calma arrebatada
ao espírito. Acalma o corpo ao começo.
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Quadra Popular de Alandroal/Portugal

FERNANDO MÁXIMO

Melhorar nossa atitude,
de forma quotidiana,
é cumprir na plenitude
a razão da vida humana.
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Soneto de Volta Redonda/RJ

ANTÔNIO OLIVEIRA PENA

IMPROVISO

Não qual a estrela, na manhã serena,
à flor de um lago, quase a se esconder,
o modo peculiar de me envolver
com o riso à flor da boca, tão pequena!

Nem qual a ave do céu, que, junto ao ninho,
chama contente pelo companheiro,
em cujo peito o amor é mais fagueiro,
e é calmo, p’ra que haja algum espinho.

É várzea em flor, à noite, escondida,
emanando um perfume sem igual
à minha mal-aventurada vida...

(Quem dera fosse o seu olhar, quem dera!
a pino o sol, sobre esse mesmo val,
numa confirmação da primavera!)
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Trova de de Pau dos Ferros/RN

MANOEL CAVALCANTE

Puseste-me na clausura!
E hoje, em sonhos sem sentido,
eu me alimento da jura
que murmuras noutro ouvido…
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Poema de Maia / Porto / Portugal

JOSÉ CARLOS MOUTINHO

RIO TEJO

Tu que vens de tão longe,
Pequeno, quase criança,
Deslizas, crescendo pela avenida do teu leito,
Ladeado pelas alamedas,
Verdejantes, arborizadas e floridas
Das margens da tua vida,
Tornas-te adulto,
Mais maduro e belo,
Quando os raios solares,
Refletem no teu corpo,
És romântico com o luar,
És sereno quando queres,
Turbulento, quando te provocam,
Podes ser a alegria e a morte,
Exiges respeito!

Não corras tão depressa,
Porque vais perder-te no mar.

Um dia, recusaste-me,
Nas águas do teu ventre,
Devolveste-me à vida,
Toleraste a minha inocência!

Tens a grandeza da tua autoridade
Serás eternamente importante
Marcaste a minha vida.
Meu Rio Tejo!
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Haicai de Pedro Leopoldo/MG

WAGNER MARQUES LOPES

O mês é de agosto.
Ao sol, pipa sem cerol:
brinquedo bem posto.
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Setilha Sobre o Mar, de Bacabal/MA

MARIA ROSÁRIO PINTO

É bom pegar uma onda
É bom nos banhar no mar.
O mesmo mar que atraí
Sempre vem nos assustar
Nele nos purificamos
Por Yemanjá clamamos
Mãe! Vem nos ajudar.
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Trova de Orós/CE

FRANCISCO MARCONE DE LIMA

Há uma revolta contida
na mágoa que me consome.
Para alguns muita comida,
quando tantos passam fome!
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Glosa de Fortaleza/CE

NEMÉSIO PRATA

MOTE:
Sofredor desde menino 
e tendo o sonho por meta 
quis saber qual seu destino 
diz-lhe o cigano: - Poeta!
CAROLINA RAMOS 
Santos/SP

GLOSA:
Sofredor desde menino 
neste mundo deletério, 
sem instrução, sem ensino, 
seu destino era um mistério. 

Pelo mundo peregrino 
e tendo o sonho por meta 
o menino, em desatino, 
pensou até ser profeta. 

Nesta procura o menino, 
quase louco, pobrezinho, 
quis saber qual seu destino 
consultando um adivinho! 

Vejo uma luz reluzir 
no teu futuro de esteta, 
e posso te garantir, 
diz-lhe o cigano: - Poeta!
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Aldravia de Mariana/MG

ANDREIA DONADON-LEAL

bebo
nas
noites
tonéis
de
poesia
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Soneto do Rio Grande do Sul

ALMA WELT
Novo Hamburgo/RS, 1972 – 2007, Rosário do Sul/RS

A RISADA DA CAVEIRA

O estranho fato de existir a Morte
Só pode ser de Deus a brincadeira
De mau gosto, feia, um tanto forte.
Senão, vejam a risada da caveira:

Seu riso alvar, sarcástico, grotesco,
E o corpo estilizado de fantoche
Do mais puro estilo picaresco
De escultor chegado no deboche.

Também não dá pra gostar da fedentina
Do banquete dos vermes que outrora
Os poetas chamavam de vermina.

Perdoe-me o fiel que tanto reza,
Que acha tudo belo e tudo preza,
E não vê o absurdo sob a aurora...
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Trova Premiada  em Caxias do Sul/RS, 2012

ROBERTO TCHEPELENTYKY 
São Paulo/SP

Sobre a parreira, o luar
no sereno te retrata…
E os teus olhos a brilhar:
“Duas uvas”… cor de prata…
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Spina de Bragança/PA

ROSE ROSÁRIO

ENTRELAÇO DOS VENTOS

Orvalho, gotas primaveris
esperançando paz, amor;
Cantata colhendo ventos,

engravida de melodias, notas sublimes. 
Adentrando ouvidos nos primeiros raios, 
tempo introspecto move os pensamentos.
Natureza indomável faz estremecer, festeja
sentires, entrelaçando suas cores, sedentos.
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Trova de Bandeirantes/PR

ADALBERTO DUTRA RESENDE
Cataguazes/MG, 1913 – 1999, Bandeirantes/PR

Quem seu ciúme proclama,
fazendo questão de expô-lo,
insulta aquela a quem ama,
e ainda faz papel de tolo…
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Poema de Portugal

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESSEN
Lisboa, 1919 – 2004, Porto

JARDIM PERDIDO

Jardim em flor, jardim de impossessão,
Transbordante de imagens mas informe,
Em ti se dissolveu o mundo enorme,
Carregado de amor e solidão.

A verdura das arvores ardia,
O vermelho das rosas transbordava
Alucinado cada ser subia
Num tumulto em que tudo germinava.

A luz trazia em si a agitação
De paraísos, deuses e de infernos,
E os instantes em ti eram eternos
De possibilidades e suspensão.

Mas cada gesto em ti se quebrou, denso
Dum gesto mais profundo em si contido,
Pois trazias em ti sempre suspenso
Outro jardim possível e perdido.
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Poetrix do Rio de Janeiro

RICARDO ALFAYA

exposição

Enxugo dilemas
No varal, toalhas
Manchadas de poemas.
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Soneto de Campo Grande/MS

REGINALDO COSTA DE ALBUQUERQUE

PÁGINA VIRADA
 
Tarde da noite, em meio à quietude das ruas,
encontro nesta banca há muito abandonada,
no entulho de jornais e traças junto à entrada,
revista masculina, expondo moças nuas.
 
E tremo ao desfazer a página virada…
No encarte especial, fotografias tuas
em poses sensuais dizem verdades cruas
que sangram cicatriz que imaginei curada.
 
A propaganda exalta algum lugar distante…
A lua espreguiçada em seu quarto minguante
lança cintilações sobre esta saudade oca…
 
Por um momento a banca agita a velha porta…
Se o teu vulto é ilusão ou real, o que importa?
Aplaco a minha dor beijando a tua boca…
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Trova de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS
(Antonio Augusto de Assis)

A laranja era tão doce, 
que o limão ficou com medo: 
– por inveja, ou lá o que fosse, 
acabou ficando azedo...
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Poema de Lisboa/Portugal

ARMANDO SILVA CARVALHO

A CHAVE INGLESA

Era um corpo inteiramente
português.
Transido de ternura
o óleo das suas mãos
protegia-me
o coração.

 Não sei que mecanismo
despertava em si
quando chorava,
fazia crescer a relva,
meus dentes indecisos
como crias
corriam e devoravam.

 Escreveu-me duas cartas
em cima de um trator
e nelas descrevia
em frases simples
o modo tortuoso
que me fez traidor.

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