Beira/Moçambique
Antigamente, não havia senão noite. E Deus pastoreava as estrelas no céu. Quando lhes dava mais alimento elas engordavam e a sua pança abarrotava de luz.
Nesse tempo, todas as estrelas comiam, todas luziam de igual alegria. Os dias ainda não haviam nascido e, por isso, o Tempo caminhava com uma perna só. E tudo era tão lento no infinito firmamento! Até que no rebanho do pastor, nasceu uma estrela com ganância de ser maior que todas as outras.
Essa estrela chamava-se Sol e cedo se apropriou dos pastos celestiais, expulsando para longe as outras estrelas que começaram a definhar.
Pela primeira vez houve estrelas que penaram e, magrinhas, foram engolidas pelo escuro. Mais e mais o Sol ostentava grandeza, vaidoso dos seus domínios e do seu nome tão masculino. Ele, então, se intitulou patrão de todos os astros, assumindo arrogâncias de centro do universo.
Não tardou a proclamar que ele é que tinha criado Deus. O que aconteceu na verdade, é que, com o Sol, assim soberano e imenso, tinha nascido o Dia.
A Noite só se atrevia a aproximar-se quando o Sol, já cansado, se ia deitar. Com o Dia, os homens esqueceram-se dos tempos infinitos em que todas as estrelas brilhavam de igual felicidade. E esqueceram a lição da Noite que sempre tinha sido rainha sem nunca ter que reinar.
(Mia Couto. A Confissão da Leoa)
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