sexta-feira, 10 de maio de 2024

Laé de Souza (Eta Carnaval!)

Carnaval é considerado uma festa diabólica. Tanto que para se livrar dos perigos e tentações e rezar pelas almas mais fracas, que nessa época realizam-se os retiros espirituais dos quais Belarmino participou muitas vezes em isolamento total do mundo material. E nos últimos, para penitenciar-se de pequenos pecados, com jejum e tudo.

Neste ano, não falou nada e, na sexta-feira, sumiu. Procurou-se pelo Belarmino por tudo quanto era lugar, desde delegacias até necrotérios e nada. 

Um menino da vizinhança disse ter visto passar o seu Belarmino vestido com uma bermuda preta com adornos brancos nos fundos, uma camiseta com bolinhas nas mangas, no peito um verso carnavalesco e nas costas um desenho da Tiazinha, e de tênis sem meia. Mas conversa de menino ninguém nunca sabe se é verdade ou fantasia.

Com os parentes desanimados e dado como integrante da lista de desaparecidos, no entardecer da quarta-feira, chega o Belarmino, vestido do jeitinho que descreveu o guri. Ele, nem aí com perguntas simultâneas da mulher, alegando muita de dor de cabeça da ressaca, pediu que não fizessem barulho e nem o chamassem porque queria dormir e se curar. Assustados com o jeito bravo e olhos esbugalhados, ninguém teve coragem de contestar.

Descobri numa conversa de boteco, ainda ontem, o que ocorreu.

Belarmino, depois de tomar algumas, se abriu comigo. Vinha de algum tempo cabisbaixo. Depois que fora dispensado do emprego, notou que a mulher e filhos não estavam lhe dando o devido respeito. Seu comando vinha caindo e a mulher até lhe passava alguns carões. 

Aquele ciúme que ela tinha, parece que se esvaiu e que ele não estava lá essas coisas para despertar vontade em ninguém. A mulher implicava não com sua demora fora de casa, mas suas idas e vindas para a rua a toda hora, sem saber o que fazer. E lhe dizia com energia: "Resolve Belarmino, ou fica fora ou dentro que está atrapalhando a limpeza da casa." Já começava a ouvir insinuações, tipo "quem te quer", "te olha", e aí decidiu. Queria ver se estava assim mesmo tão jogado. Pegou o dinheiro da última parcela do seguro-desemprego e torrou na roupa, confetes e serpentinas e deixou uns caraminguás para gastar em cervejas e para o que aparecesse. Nunca se sabe.

Confessou-me que percebeu que seu astral não estava tão baixo assim. Enganou-se a mulher. Encontrou, pelas cinco noites, gente que se amarrou na dele que não foi fácil! Abraçou e foi agarrado por mulheres bonitas ao som dos tamborins, mas na segunda noite já estava pulando de mãos dadas com uma fulana que era artista de cinema e se amarrou no jeitão dele e ele no dela.

Estava por cima e ainda era o tal.

Fiquei confuso quando o Belarmino começou a tirar a roupa, ficando com a tal bermuda e camiseta dizendo: "Olha ela aí!" dirigiu-se para a rua saindo de mãos dadas com uma fulana de tanguinha, sutiã e sapato alto, como se estivessem ainda no desfile.

Segurei o impulso para não falar ao Belarmino que aquela era a Maria Pedreira, doida varrida de vários carnavais.

Aproveito o ocorrido, para pedir aos amigos que se acontecer comigo, pelo amor de Deus, não me avisem não.

Fonte> Laé de Souza. Acredite se quiser. SP: Ecoarte, 2000. Enviado pelo autor.

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