Compareceu perante o juiz um avarento e queixou-se, com expressões de lástima, de que um homem, há muitos anos, lhe devia uma certa soma, da qual só tinha pago os juros.
— Vai chamá-lo, – disse o juiz - traze-o à minha presença. Quero saber por que é que ele não te pagou ainda, e não posso condená-lo sem ouvi-lo.
O avarento saiu e, logo depois, trouxe o devedor pelo braço, insultando-o e maltratando-o com crueldade.
— Ei-lo aqui, senhor juiz. É um homem mau, um vizinho péssimo, que não tem nenhuma compreensão do dever, que não respeita as leis e que não me pagou ainda o dinheiro que lhe emprestei generosamente.
— Fala agora tu, devedor! - ordenou o juiz. – Por que é que não pagaste a este homem o que lhe devias?
— Senhor! – balbuciou o homem humildemente. – Eu devia-lhe cem sequins* que ele me emprestou. Paguei-lhe a metade. Depois, como não lhe pudesse pagar o resto, ele cobrou por suas próprias mãos, apropriando-se das minhas terras, vendendo os meus frutos, roubando o meu camelo e despojando-me das minhas roupas. Hoje nada mais tenho, senão estes andrajos que cobrem o meu corpo e estas mãos para pedir esmolas.
Então o juiz, compadecido pela miséria daquele pobre homem e revoltado contra a avareza do credor, voltou-se para este e perguntou-lhe;
— Que mais queres deste homem? Já o reduziste à mais negra miséria. Sê um pouco piedoso, desperta na noite de tua alma algum sentimento generoso. Deixa-o ir em paz.
— Não, senhor juiz.
— Mas de que modo queres que ele te pague?
— Quero que ele venha para minha casa, para servir-me como escravo, até pagar os juros que me deve.
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* Sequins = Antigas moedas de ouro fabricadas e utilizadas na Itália
Fonte> Francisca Júlia da Silva. Livro da infância. Publicado originalmente em 1899.
Disponível em Domínio Público.
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