Chico, o neto dela – como é costume acontecer quando não temos irmãos -, era o meu companheiro constante de brincadeiras e folguedos.
Em tudo quanto fazíamos, à parte de Chico era sempre a mais pesada, secundária e passiva. Ele tinha sempre que dar e, nunca, que receber.
Um dia corri para casa, à saída da escola porque Chico e eu tínhamos projetado construir uma vala que fosse do poço à lavanderia.
Sem darmos por isso, cada um de nós assumiu logo o seu papel, - como de costume.
Chico era o “condenado” a trabalhos forçados, suando e repetindo esforços. E eu o implacável guarda, com uma vara na mão!
A maneira como eu estava maltratando aquele menino negro, era quase digna de um adulto imbuído de preconceitos de cor.
Foi quando a nossa preta velha chamou-nos:
- Crianças, venham pôr a minha panela no fogão!
Corremos para a cozinha. A panela estava no chão e nós a agarramos com ambas as mãos. Mas com um grito a largamos, perplexos de que ela nos tivesse mandado pegar uma coisa que, era evidente que sabia, estava extremamente quente.
Em seguida, em graves brandas palavras, tão nítidas e simples que até hoje as posso escutar, partindo do fundo do tempo, disse-nos assim:
- Ora! Vocês dois se queimaram. Que coisa mais engraçada! A cor da pele de vocês é tão diferente, mas a dor que estão sentindo é igual para ambos, não é verdade?
Concordamos que sim.
E nunca mais pude me esquecer desse episódio que sem dúvida alguma, fez de mim uma pessoa diferente.
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Wallace Leal Valentin Rodrigues nasceu em 1924, em Divisa/ES, foi para Araraquara, SP na década de 30. Estudou Ciências Econômicas em Ribeirão Preto. Foi ator e diretor de teatro, diretor de cinema, escritor, jornalista. Realizou seu primeiro filme em 1953: o documentário Aurora de uma Cidade. Foi diretor e ensaiador do TECA (Teatro Experimental de Comédia de Araraquara). Acompanhou e colaborou com a primeira escola de ballet da cidade: Escola de Ballet Mímica de Araraquara, desde sua fundação maquiando, e apoiando nos figurinos e cenários das apresentações por longo tempo. Coordenou, compôs, criou, orientou jovens e crianças em desfiles de modas ensinando como andar, sentar, colocação de mãos e pés, comportamento e postura de corpo e porte em passarela, um trabalho de alta qualificação, ensinamento europeu. Como escritor tem livros publicados no Brasil e no Exterior. Era poeta, compunha música e além do teatro, atuava junto ao grupo de rádio teatro. Em 1958 teve a ousadia de escrever, produzir e dirigir um filme: Santo Antonio e a vaca, rodado na região, sobre o folclore regional. Para tanto criou a Arabela Filmes. Além do indiscutível talento de Wallace para as artes culturais, merece nota seu trabalho na divulgação do Espiritismo, doutrina que ele assumiu aos 16 anos e divulgou por toda a sua vida. Se destacou como Redator-Chefe do jornal O Clarim e da Revista Internacional de Espiritismo. Na literatura espírita; foram dezenas de livros, uns de sua própria autoria, outros que ele traduziu e organizou. Em 1973,: passou a integrar o quadro de colaboradores da revista Planeta. Em 1973, lançou, na sede da Federação Espírita do Estado de São Paulo, seu livro Remotos cânticos de Belém, No enredo da obra, Wallace juntou histórias e personagens e os colocou num avião que é sequestrado na véspera do Natal. A mensagem que ele passa é a de que a suave melodia do Natal faz-se sentir e abranda até mesmo situações extremamente graves, como a vivida pelos passageiros. Como autor: Remotos cânticos de Belém; Meimei; Vida e mensagem; A esquina de pedra; E, para o resto da vida; Katie King. Considerado pela crítica especializada como uma das pessoas mais cultas dos últimos anos em nosso país, aos 62 anos, Wallace teve seu estado de saúde comprometido e faleceu em 1988.
Fontes:
Wallace Leal V. Rodrigues. E, Para o resto da Vida. Disponível no Jornal Mundo Espírita. Março de 2000.
Biografia = Federãção Espírita do Paraná
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
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