– Você vai à parada do dia 7 tocando bumbo! – garantiu o obstetra à minha mãe.
Não deu.
E ela gostava tanto de setembro.
Casou-se em setembro.
Um de seus filmes favoritos – ao lado de “As neves do Kilimanjaro” e “Candelabro italiano” – era “Quanto setembro vier”.
Quando setembro viesse, viria o segundo filho. De preferência, uma filha.
Esperara um ano antes pela Rita de Cássia, e vim eu. Desta vez, em setembro, Rita de Cássia haveria de vir.
Mas no dia 31 do mês do agouro, dos ventos e dos cachorros loucos, sentiu que o tempo virava – lá fora e dentro de si.
Entrou em trabalho de parto enquanto o céu começava a desabar – ou o céu desabou quando ela começou a sentir as dores, não é mais possível saber, e não faz diferença, pois não há relação de causa e efeito. Ou há?
Imaginemos que à primeira contração correspondeu um relâmpago, à segunda um trovão, às seguintes as janelas fechadas às pressas, e então as telhas voaram, e a água desceu pelas paredes, pelo bocal da lâmpada, até que se pôde ver o céu faiscando por entre as frestas do forro de madeira, e o quarto foi inundado.
Minha vó acudiu com rezas e panos. Meu avô abriu um guarda-chuva sobre a cama, para proteger a parturiente – avô, avó, cama, todos com água já pelas canelas.
Minha mãe queria que tudo acabasse logo – o vendaval, as dores – mas queria também que desse logo meia-noite e fosse setembro. E nem setembro chegava, nem o temporal se ia.
Às 11 e tanto, ainda sob a tempestade e o guarda-chuva, envolvida pelas ave-marias e salve-rainhas que tentavam subir aos céus se esgueirando por entre os raios e trovões, foi mãe de novo.
No quarto inundado, fez ela mesma o batismo com o resto de água benta guardada no armário, antes que o teto viesse a desabar, e o bebê morresse pagão.
E o batizou de novo, para o caso de os estrondos terem abafado sua voz; e uma terceira vez, por garantia, e talvez porque ainda tivesse forças e houvesse água benta – ou quem sabe já fosse água da bica.
Sobreviveram todos – ela, o bebê, meus avós, os móveis, eu (possivelmente aos berros no colo de alguém), as tesouras do telhado, parte das telhas, o teto.
Ela queria tanto uma menina, que viria quando setembro viesse.
Foi mais um menino.
E ainda era agosto.
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