terça-feira, 20 de agosto de 2024

Eduardo Martínez (Aurelino, o empertigado)

Era desagradável por natureza. Alguns não gostavam das gravatas que usava, outros implicavam com o sotaque carregado de erres. No entanto, todos não suportavam o seu modo de dizer as horas.

— 18 menos 5.

Empertigado que nem pavão, Aurelino desfilava soberba por onde passava. Ninguém se atrevia a dizer coisa que o desabonasse, mesmo que o vaidoso merecesse ser achincalhado. Era homem de posição, e prudência era necessária para não ser alvo de perseguição por tolice. Um biltre, é verdade. Todavia, biltre com o alforje repleto de poder. 

O traste empoderado, além da canalhice e da maneira de dizer as horas, era mais pontual que bexiga de velho durante as madrugadas frias. E ai de quem não estivesse pronto na hora marcada.

— Seu Jorge, amanhã passo aqui às 10 menos 15 para que você me apare o bigode.

— Não vai querer cortar o cabelo, doutor?

— Semana que vem.

O barbeiro, que era bom na tesoura, mas ruim em matemática, se desdobrava para descobrir a que horas o freguês iria aparecer. Por sorte, naquele dia, estava por ali o pequeno Juliano, menino afeito a contas. 

— 9h45!

— Tem certeza?

— Se duvida, por que o senhor não faz as contas?

Sem tutano para tanto, Jorge tratou logo de colocar a desconfiança de lado. Pegou o caderno de espiral debaixo do balcão e anotou o compromisso. 

No dia seguinte, na hora marcada, lá estava Aurelino para cortar as pontas do bigode. Cumprimentou o barbeiro, que ligeiro foi dar algumas espanadas na cadeira para o ilustre freguês se acomodar.

Corta daqui, corta dali, eis que, de repente, a cabeça do Aurelino tombou para o lado. O corpo seguiu caminho idêntico. 

Jorge, a princípio, imaginou que o mais ilustre cliente estaria lhe pregando uma peça. Que nada! O coração do homem havia cansado de bater exatamente às 10 menos 10.

Fonte: Blog do Menino Dudu. 18 agosto 2024.

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