sexta-feira, 2 de agosto de 2024

Vereda da Poesia = 73 =


Trova Humorística de Bandeirantes/PR

ISTELA MARINA GOTELIPE LIMA

Por que tamanho barulho,
de um alarme por tão pouco?
Tocou tanto o tal bagulho...
que acabou ficando rouco!
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Poema de Guimarães/Portugal

JOÃO GARÇÃO

Sentimento

A água está parada, muito quieta no meio da noite.
E é preciso perguntar-lhe: és água de um rio?
És água dum mar? És água dentro dum copo
sobre uma mesa muito antiga e sonhada?
És água para um cavalo beber? Para um cão se banhar?
Para um homem e uma criança se lavarem ao relento?
Para uma mulher, para um gato, para um lobo?

E a água talvez não te responda. Nunca te responda.
Ou te responda tarde de mais. Ou nem sequer te ouça.

Mas tu pergunta. Pergunta e espera pela resposta.
Mesmo que os minutos passem entre ti e a água
E devagar uma silhueta se desloque
e depois se detenha no meio das árvores imóveis.
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Trova de Taubaté/SP

ANGÉLICA VILLELA SANTOS
Guaratinguetá/SP, 1935 – 2017, Taubaté/SP

Com tudo desmoronando
na batalha pela vida,
fica a Esperança, amparando
nossa força  esmorecida.
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Soneto de Vila Velha/ES

EDY SOARES

Reminiscências

Lá se foi a mocidade.,.
A minha turma animada,
minha pacata cidade
e os campinhos de pelada.

Bate uma baita saudade
quando eu lembro a molecada,
saltitante e sem maldade,
se encharcando na enxurrada.

Eu brinquei de pega-pega,
de pique-lata e carrinho;
cama de gato e corrida...

Em cada briga uma esfrega,
eu fui bandido e mocinho
na melhor fase da vida!
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Trova Premiada  em Fortaleza/CE, 2006

JOSÉ PEREIRA DE ALBUQUERQUE 
(Fortaleza/CE)

Ontem, moço e sem cansaços, 
fui feliz em minha lida; 
hoje, velho, arrasto os passos 
pelas esquinas da vida… 
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Poema de Vila Velha/ES

APARECIDO RAIMUNDO DE SOUZA

Fim de romance

– “Tudo acabado entre nós...
Sejas feliz em tua jornada...”
Eu notava em sua meiga voz,
que toda aquela expressão era forçada...

Mas a tudo ouvia sem dizer-lhe nada,
Sabendo ser falso o seu prazer atroz...
E ela resoluta e com a voz embargada:
– “Esqueça o feliz tempo em que vivemos sós...”

E seguimos um para cada lado
Num orgulho de tudo terminado,
Sem sequer volvermos os olhos para trás...

Todavia eu notei... Notei enquanto ela falava,
Que da flor dos olhos seus brotava
uma lágrima dorida, um sofrer a mais!...
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Trova Popular

Se tu fosses pé de pau
eu queria ser cipó:
vivia em ti enroscado
no teu corpo dando nó.
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Soneto de Belo Horizonte/MG

SÍLVIA ARAÚJO MOTTA

Ternura e carícias

Mês de setembro mato a dor da espera!
A decantar paixão, minha alma agora
não quer inverno... canta a primavera!
Não perco a chance! Venho sem demora.

Jamais pensei viver real paquera!
Demorei tanto pra mandar embora
a solidão que esconde triste fera!
Quem tem ventura e paz feliz não chora!

Não fujo mais! Esqueço o tal passado!
Neste presente quero seu momento,
provar do mel, carinhos, só delícias,

sentir na boca o gosto ser amado
no corpo nu, sem mágoa ou sofrimento...
Trago ternura, beijos, mil carícias!
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Trova do Rio de Janeiro/RJ

LUIZ POETA
Luiz Gilberto de Barros

Tanto achismo e tanto achado,
tanto eu acho e "desachei",
que olhando do lado errado,
eu percebo que acertei.
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Poema de Joinville/SC

MARY BASTIAN

Parado no ar

Largo solto no ar
Tal como ventania
Meu brado de protesto
Meu grito de agonia
Por ver passar o tempo
Como calmaria
E a vida se acabar
Como um fim de dia

O brado corta o tempo
À procura do eco
Pra todos ouvirem
O grande protesto
Da vida vazia
Como balão da festa
Que finda afinal
Sem nem ter começado

Mas o eco é surdo
Não ouve o protesto
Não escuta o grito
E o brado emudece
O grito agoniza
A vida se acaba
Como um fim de dia
Como um fim de festa
Como calmaria

No ar só o vento
Num grito de agonia
No fim do meu dia
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Trova Humorística de São Paulo/SP

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

Os dois donos têm receio
que a maloca caia e, agora,
toda noite tem sorteio:
enquanto um dorme... o outro escora!
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Dobradinha Poética de Bandeirantes/PR

LUCÍLIA ALZIRA TRINDADE DECARLI

Miragem

Tua volta, arrependido,
não passou de uma miragem,
mas meu coração sofrido,
buscou no sonho uma aragem!…

Meu telefone, em plena madrugada
toca, insistente, pronto a me assustar!…
Atendo e, então, ouço uma voz velada,
que o meu ouvido adentra a sussurrar.

Assim, baixinho, segue a voz amada:
pede perdão, jamais me quis deixar;
diz que o viver sem mim é mais que nada,
e, sem demora, quer comigo estar.

Ante a surpresa tento responder,
espanto as mágoas, pois desejo crer
nesse argumento, frente ao qual renasço…

E, por amar demais, bem sei, não minto,
murmuro, agora, quanta falta eu sinto
desse sussurro e, mais… do seu abraço!
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Trova de Curitiba/PR

ANDREA MOTTA

Sem fazer-me de rogada,
só persiste uma verdade:
Poesia em mim fez pousada,
sem ter qualquer leviandade.
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Spina de São Paulo/SP

SOLANGE COLOMBARA

Depois da chuva 

Gorjeios no arco-íris 
encantam aos olhos,
fluem no entardecer,

aquietando todo o meu ser.
Em um relance de nuances 
carmins, a vida é benquerer.
As marcas da chuva secam
sem pressa, até o alvorecer.
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Trova de Campinas/SP

ARTHUR THOMAZ

Se recordar é viver
duas vezes um instante,
mil vezes quero rever
nosso momento distante.
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Soneto de São Simão/SP

THALMA TAVARES

Amor em dois tempos

Rompendo a neblina que embaça o passado,
o sol em minha alma desperta a saudade
e eu volto contente à feliz liberdade,
ao álacre jogo do tempo encantado,

do idílio inocente, do beijo apressado
temendo os olhares do pai da beldade.
Depois uma flor do gentil namorado
no peito da amada era a felicidade!…

Não sei em que ponto perdeu-se o lirismo
do amor que os "ficantes", em seu modernismo,
mataram o encanto e a pureza ideal.

E enquanto eles "ficam", ao som da balada,
o amor vai perdendo a feição encantada,
mudando-se em coisa sem graça e banal.
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Trova Premiada na Academia Brasileira de Trova/1991

ARMINDO DOS SANTOS TEODÓSIO
Brumadinho/MG

Não há ninguém que resista
aos caprichos da mulher
que, quando cisma, conquista
até mesmo o que não quer!
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Poema de Tambaú/SP

SEBAS SUNDFELD
Pirassununga/SP, 1924 – 2015, Tambaú/SP

Calmaria

Esse entardecer que demora
é dia que se vai embora;
é azul que mergulha o poente;
é nuvem que foge no ar;
é onda que desliza macia;
é brisa que sopra de fora;
é barco que volta do mar.
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Trova Humorística de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

– Chamaste meu pai de otário?
Repete-o, se és homem, vem!
– Chamei não, pelo contrário,
mas que ele tem cara, tem!
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Escada de Trovas de São Paulo /SP

FILEMON MARTINS
(Filemon Francisco Martins)

Felicidade

NO TOPO:
"Felicidade não é
Despejada como o vinho,
Vem de dentro, como a fé,
Pondo flores no caminho..."
Carlos Ribeiro Rocha
Ipupiara/BA, 1923 – 2011, Salvador/BA

SUBINDO:
"Pondo flores no caminho"
o Amor presente se faz
e mesmo estando sozinho
planta a semente da Paz.

"Vem de dentro, como a fé"
em silêncio, ela aparece,
é preciso estar de pé
que a bondade vem, floresce.

"Despejada como o vinho"
a Verdade humildemente
traz a Luz e de mansinho
ilumina a nossa mente.

"Felicidade não é"
impossível a ninguém,
é tão simples, pode até
ser a prática do Bem.
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Trova de Santos/SP

CLÁUDIO DE CÁPUA
São Paulo/SP, 1945 – 2021, Santos/SP

Quando o rei sol estorrica,
tortura, com seu clarão,
mais forte é aquele que fica
e dá valor ao seu chão!
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Hino de Itanhaém/SP

Num dia assim, como se fosse o maior,
Esta paisagem se pintava de azul,
Nas formas vivas, vistas lá do alto,
A natureza de Calixto em tons de amor.

Num dia assim, todo banhado de sol,
Martim Afonso ancorava as caravelas,
De paixão por estas serras, céu e mar, beleza e cor.

Itanhaém, gente da terra,
O som da pedra e do mar,
Tem novo canto, um Deus de encanto,
Anchieta a ensinar,
O que nasce de glória só tem
por destino iluminar,
Na raiz de teu povo, razão pra sonhar.

Itanhaém, ilha do tempo,
A foz do rio de abraço ao mar
Lição da vida querida,
Não param de chegar
Os teus filhos do leste,
Do norte, nordeste, de todo lugar,
O caminho da história, no berço do mar.
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Trova de Curitiba/PR

JANSKE NIEMANN SCHLENKER

Nossos braços foram feitos
para abraços e labor;
eles nasceram perfeitos
de qualquer tamanho e cor.
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Poema de São José do Rio Preto/SP

SIDNEI OLÍVIO

o que era doce se acabou

você me pede um poema
e o papel acabou
você diz que ainda me ama
e aquele tempo passou

você não me procura mais
você reclama se inflama
e ensandece
você já não é o que parece
e o nosso amor morreu na chama

o nosso amor era uma flor
murchou
o nosso amor era um ardor
michou
o nosso amor
que pena

o nosso amor cansou de ser: será?
o nosso amor gorou: sei lá!
o nosso amor se queimou
no sertão do Ceará

o nosso amor amoreceu
no pé de uma árvore
apodreceu
o nosso amor adormeceu
agora é tarde

o nosso amor pirou
se afogou no mar de Ipanema
que pena

eu me conformo me contenho
eu confesso:
o nosso amor transfigurou
na tela do cinema
evaporou (que pena)
no verso ausente
de um poema:
que pena!
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Trova de Santos/SP

ÍRIA BELCHIOR

O que fere o ser humano
é a soberba vaidade
germinando tanto dano
nesta tal desigualdade.
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Fábula em Versos da França

JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry, 1621 – 1695, Paris

O homem de meia idade

Um homem que era já de meia idade,
Tomando impertinências por vontade,
Teve duas mulheres; uma antiga,
Outra que era ainda muito rapariga.
A velha, que o queria semelhante,
A fim que fosse dela bem amante,
Todo o cabelo preto lhe arrancava;
A moça, que mais moço o desejava,
O branco lhe tirava. De maneira
Que a cabeça era já uma caveira.

Ninguém seja tão néscio que presuma
De ajuntar de mulheres um processo:
Raro com uma só tem bom sucesso,
Que sucessos terá tendo mais de uma?
Terá quem sem dar tréguas o consuma,
Quem peça e talvez furte com excesso;
Não fará em ter bens algum progresso,
Fazendo elas que tudo se lhe suma.

Cada qual das perversas, como aspira
A tirar o que é mais do seu agrado,
Arrepela sem pena de que fira.
Em puxar e arrancar vai o cuidado;
Por isso o menos mal, que o louco tira,
É sair-lhe das unhas bem pelado.
(Tradução: Couto Guerreiro)

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