sexta-feira, 2 de agosto de 2024

Aparecido Raimundo de Souza (Tudo se fez imensurável)

SE BEM ME LEMBRO, corria uma tarde cinzenta, uma tarde longa e comprida, daquelas vespertinas que parecem carregar o peso de alguma saudade numa sacola de sonhos desfeitos. Eu me achava sentado na varanda enorme, acomodado numa velha e surrada cadeira de balanço que pertencera à minha avó. Olhava o horizonte. O silêncio se fazia ensurdecedor: nenhum riso, nenhum passo, nenhum movimento. 

Apenas o eco das lembranças, ou mais precisamente daquelas doces amarguras de como eu fiquei depois que você fez as malas e partiu. E como fiquei? Essa pergunta, tanto tempo passado, ainda ecoa em minha mente como uma espécie antiga de mantra caído em desuso. 

Recordo-me, porém, da última vez em que nos vimos. Seus olhos de fundos tristes refletiam a despedida sem volta. Seu coração, deprimido pela consternação, adernava em ritmo pesado, como se no bater seguinte um terror iminente não o deixasse seguir funcionando. 

Para piorar meu estado lastimoso, ou melhor, o nosso, eu via em tudo um quadro intrigante e maléfico aflorando sem dó nem piedade. Lembro que você segurou a minha mão com força, ao tempo em que imprimiu um vigor ardoroso, como se quisesse gravar cada detalhe na sua memória. De fato, num repente, você deixou escapar um “Até breve” choroso. 

Esse “até breve” se engrandeceu como um elástico esticado, e eu me vi preso nesse vácuo que ele imprimiu indefinido, alimentando a esperança de que você, por algum motivo, voltasse atrás e não deixasse o nosso cantinho que considerávamos sagrado e inviolável. Ledo engano! Você se foi... os primeiros dias foram os piores. Os meses subsequentes, um martírio. 

Um ano depois, já sem a chancela de sua volta, tudo se amoldou num esquecimento compacto, cada vez mais temeroso e aterrador. O vazio que você deixou, quadruplicou. Fez-se cruel, duro, foi além do humanamente palpável. A casa toda, sem a sua presença, sem a sua voz maviosa, sem a sua quentura, se enregelou. 

Os quartos, a sala, o banheiro, a cozinha se quedaram num silêncio sepulcral e constrangedor. As músicas que costumávamos ouvir juntos passaram a ser notas soltas num livro de partituras deixado num canto, parado, à mercê das traças, bem como os filmes sem nenhum significado que carecesse de ser lembrado. Eu me perdi dos lugares onde costumávamos nos encontrar no quintal imenso. 

Aliás, tudo se transformou num vazio tresloucado e insano. Me vem à mente (sempre) o lugar onde fizemos amor pela primeira vez. Ao rasgar as suas vestes, você ficou perplexa, como se um balde de tinta vermelha se esparramasse por toda a sua pele aveludada. 

Você se agarrou a mim numa afoiteza inebriante, como se aquele momento fosse por você esperado fazia um bom tempo... desde a sua partida, meu Deus, desde a sua partida, as noites por estas bandas passaram a ser as mais cruéis. 

O lado da cama onde você dormia se fez maior, triplicou de tamanho, ao instante em que agora, ao me deitar, ainda abraço no vazio a sua presença, imaginando insanamente que você está ali me esperando para nos consumirmos como se fôssemos um só. Que louca ilusão! 

Fonte: Texto enviado pelo autor 

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