Aqui fora, conversando com o sol e com as plantas, percebo a chegada do vento mansamente sem causar alarde.
Arrisquei um "buenas tardes”, mas me disse que podia falar na minha língua, pois ele percorrera os mais distantes rincões do planeta e conhecia todos os idiomas e dialetos.
Então perguntei a ele que bons ventos o traziam (não resisti a essa brincadeira). Indaguei se ele estava com alguma dúvida.
Respondeu que sim, se era verdade que uma mulher quis tentar me estocar.
Após muitas risadas respondi que não era uma mulher e sim uma alienígena, portadora de apenas dois neurônios, e que não deveria ser levada em conta.
Mais risadas.
Nisso uma garça branca chegou, vestida de bombacha e com uma cuia de chimarrão, e depois de saudar a todos perguntou ao vento se ele já tinha lido o texto do Luís Fernando Veríssimo, o qual afirmava que pessoas tristes ouvem o vento gemer e pessoas alegres, ouvem o vento cantar.
Nesse momento, o amigo vento entoou uma maravilhosa canção encantando todos nós.
Um quero-quero e uma maritaca, que observavam a cena, vendo a boa acolhida que a garça branca teve, juntaram-se a nós.
Formada a roda de chimarrão continuamos nossa conversa. O quero-quero, que também veio lá do sul do Brasil, disse com orgulho que tinha lido a trilogia "O tempo e o vento" de Érico Veríssimo. A maritaca já foi logo perguntando se ele tinha participado do filme "O vento levou". O vento sorriu e soprando levantou as penas da falante ave. Risadas de todos na roda.
Eu pedi que contasse algumas de suas peripécias mais atuais.
Com face de criança arteira perguntou se eu soube do cargueiro que com uma lufada o fez ficar atravessado e interromper a passagem do canal de Suez.
– Consegui o maior congestionamento de navios de todas as épocas: mais de quatrocentos.
Disse também que, às vezes, apenas se divertia levantando saias das moças ou arrancando a peruca de carecas e, há pouco tempo, levou areia do Saara e jogou nos olhos de pessoas em países que estavam atrapalhando a paz mundial.
Imaginando as cenas, rimos juntos por algum tempo.
Ele afirmou que vagara por bilhões de anos antes da vida surgir no planeta e necessitava umas peraltices para acalmar a tempestade interior (devolveu com outra brincadeira).
Um tanto nostálgico, falou que durante esses bilhões de anos no planeta, ainda sem nenhuma forma de vida, contou com a companhia de um fiel amigo: o tempo.
Ficaram tão unidos que pensaram em formar uma dupla sertaneja, Éolo & Cronos, mas desistiram porque o rádio ainda não havia sido inventado e não haveria audiência. Risos.
Indaguei o motivo de andar tão mal-humorado.
Calmamente, ele disse que não. E que até já convocara uma coletiva de imprensa para explicar e desmentir esse boato. Tudo inútil, mal prestaram atenção no que eu disse, distraídos olhando o celular.
Já havia implorado aos seres humanos que parassem de testar bombas atômicas, que não poluíssem o meio ambiente, que não jogassem lixo nos mares e rios. Explicou que isso aquecia o ar e o jogava em correntes diferentes do seu curso normal. Quando percebia, já se transformara em ciclones ou devastadores furacões.
Eu lhe disse, com ar consternado, que não via possibilidade desses ditos humanos alterarem esse tipo de conduta.
Que se preparem para acontecimentos piores, vaticinou.
Ele, então, me envolveu em um tépido abraço e assobiando deslocou-se para outras paragens, prometendo voltar para outras conversas.
E, de longe, brincou que por mais força que fizesse jamais despentearia o meu topete.
A borboleta, pousando em meu joelho, indagou se o vento tinha debochado de minha careca.
Até as plantas ao redor gargalharam.
Fonte: Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: mirabolantes. Santos/SP: Bueno ed., 2021. E-book enviado pelo autor.
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