sábado, 26 de outubro de 2024

José Feldman (Os caçadores das compras perdidas)

Era uma manhã ensolarada quando Epitáfio de Carvalho Troncoso, um homem de meia-idade, decidiu que era hora de fazer compras no supermercado. Sua esposa, Dona Etelvina, uma mulher de coração grande e paciência infinita, concordou em acompanhá-lo. Afinal, a última vez que Epitáfio foi ao mercado sozinho, ele trouxe para casa uma caixa de chá de hibisco, um item que ninguém lembrava de ter pedido.

Assim, armados com uma lista de compras que, segundo Dona Etelvina, era "um pouco mais longa do que o habitual", eles adentraram no supermercado. A atmosfera estava cheia de aromas de pão fresco e frutas maduras, e Epitáfio, que por anos havia se considerado um expert em compras, estava confiante.

"Vamos começar pela seção de frutas", sugeriu Dona Etelvina, já mirando as maçãs. 

Epitáfio, no entanto, estava mais interessado em fazer uma competição com ele mesmo: quantas maçãs conseguiria pegar de uma vez? Ele se agachou, esticou os braços e, no meio da sua acrobacia, acabou derrubando uma maçã que rolou para longe.

"Uma já foi", ele disse, rindo. 

Mas a coisa não ficou por ali. Enquanto tentava pegar a maçã perdida, ele se distraiu e, sem querer, esbarrou em uma prateleira de latas de molho de tomate, que começou a desabar como uma cascata descontrolada. Latas rolavam para todos os lados, e Epitáfio ficou paralisado por um momento, tentando avaliar a situação.

"Querido, você não acha que está exagerando?", perguntou Dona Etelvina. "Isso é um supermercado, não um circo!"

Epitáfio, em sua defesa, apenas deu de ombros e continuou a coleta das latas caídas. Ao menos algumas delas estavam intactas.

Após o "incidente do molho de tomate", eles prosseguiram para a seção de cereais. Dona Etelvina sempre dizia que era a parte mais tranquila, mas Epitáfio, que não conseguia resistir a um bom desafio, decidiu que era hora de testar a resistência dos pacotes de cereal. Ele começou a empilhar os pacotes um sobre o outro, como se estivesse construindo uma torre de Babel.

"Se essa torre cair, vai ser um desastre", alertou Dona Etelvina. 

No entanto Epitáfio estava determinado. "Confie em mim, vai dar certo!" 

Naquele momento, tudo parecia tranquilo, até que, em uma fração de segundo, um pacote de cereal escorregou e, como um efeito dominó, derrubou todos os outros. Cereais voaram para todos os lados, e Epitáfio estava, mais uma vez, cercado por uma cena digna de comédia pastelão.

"Você é mesmo um talento para desorganizar tudo, Epitáfio!", comentou uma senhora que passava, rindo da situação. 

Epitáfio, com um sorriso amarelo, começou a juntar os pacotes, enquanto Dona Etelvina tentava ajudar. Mas na tentativa de recolher os cereais, Epitáfio começou a se irritar.

"Por que sempre eu?", ele resmungou, olhando ao redor, como se estivesse no centro de um espetáculo de teatro. "Todo mundo aqui é tão calmo, e eu sou o único que parece um maluco!"

Dona Etelvina, tentando aliviar a tensão, disse: "Querido, relaxe! Isso é só um dia de compras. Não vale a pena perder a paciência."

Finalmente, após o que parecia uma eternidade, Epitáfio e Dona Etelvina conseguiram completar a lista. Mas, ao se dirigirem para o caixa, a carrinho de compras, já cheio de itens, parecia um verdadeiro campo de batalha: frutas, cereais, e uma quantidade razoável de latas de molho de tomate estavam misturados, parecendo uma obra de arte moderna.

Assim que passaram pelo caixa, Epitáfio se distraiu novamente, olhando para uma promoção de biscoitos. E, claro, foi o suficiente para que o carrinho, que já estava em estado de colapso, cedesse. Tudo se espalhou pelo chão: biscoitos, frutas, e até um pacote de arroz que, por alguma razão, decidiu se juntar à festa.

"Não, não, não!" gritou Epitáfio, em um momento de desespero. Ele se agachou para pegar as coisas, enquanto outros clientes olhavam, divertidos. 

Algum tempo depois, ele se levantou, tentando manter a dignidade, mas a cena era insustentável.

"Eu não aguento mais!", ele exclamou, olhando ao redor. "O que eu fiz para merecer isso? Até o arroz está me olhando com desprezo!"

Dona Etelvina, rindo, colocou a mão no ombro dele. "Amor, acho que precisamos de mais do que apenas compras. Precisamos de uma boa dose de calma! Vamos para casa e esquecer isso tudo."

Epitáfio, ainda um pouco frustrado, concordou. 

"Ok, mas da próxima vez que você me acompanhar para o mercado, prometo não fazer mais malabarismos com as maçãs!"

E assim, com o recolhendo as compras espalhadas pelo chão, Epitáfio e Dona Etelvina deixaram o supermercado, prontos para enfrentar a próxima batalha da vida a dois: a cozinha.

Retornando para casa, foram organizar a cozinha.

Epitáfio: (segurando um pacote de arroz aberto) Olha, Etelvina, acho que esse arroz decidiu se rebelar contra nós. Está mais espalhado do que dentro da embalagem!

Dona Etelvina: (rindo) É, parece que ele queria ver o mundo. Ao menos, agora temos um "arroz à la chão".

Epitáfio: (suspirando) Se eu soubesse que ia ser assim, teria me limitado a comprar um pão e um queijo.

Dona Etelvina: Ah, vai! Você sabe que as compras nunca são só pão e queijo com você. Sempre tem uma aventura à vista!

Epitáfio: (brincando) Aventura é uma coisa. Mas eu não assinei para ser o protagonista de um filme de comédia!

Dona Etelvina: (com um sorriso) E você está se saindo muito bem na sua atuação. Olha só essa cena do arroz!

Epitáfio: (começando a rir) Verdade. Vou me candidatar ao Oscar de “Melhor Desastre em Supermercado”.

Dona Etelvina: (começando a juntar os biscoitos) A gente poderia fazer um filme sobre isso. “Os Caçadores de Compras Perdidas”!

Epitáfio: (fazendo pose) E eu seria o herói que sempre acaba se metendo em encrenca!

Dona Etelvina: (com um olhar divertido) E eu seria a heroína que tenta salvar o dia, mas acaba rindo da situação.

Epitáfio: (abrindo um armário para guardar as coisas) E o vilão? Quem seria o vilão da nossa história?

Dona Etelvina: (pensativa) Acho que seria o molho de tomate. Sempre pronto para causar uma explosão!

Epitáfio: (apontando para o chão) Ou o arroz, que decidiu se espalhar como um exército rebelde!

Dona Etelvina: (rindo) Isso! Precisamos de um grande final, com todos os ingredientes se unindo para fazer um jantar épico.

Epitáfio: (sorrindo) Que tal um arroz carreteiro? Assim, o arroz rebelde se redime!

Gato (Bolota): (entrando com um ar de desdém) E eu aqui, esperando um pouco de respeito. Esse chão não é um buffet, sabia?

Epitáfio: (surpreso) Olha quem apareceu! O nosso crítico gastronômico felino! O que você acha do nosso “arroz à la chão”, Bolota?

Bolota: (lambendo as patas) Precisamos conversar sobre a apresentação. Não é assim que se serve um prato!

Dona Etelvina: (com um sorriso) E você, o que sugere, senhor gourmet? Um prato sem arroz?

Bolota: (com um olhar arrogante) Bem, um pouco de atum na receita não faria mal. Mas, por favor, nada de bagunça!

Epitáfio: (brincando) Atum? Você não foi ao supermercado, foi? Se fosse, teria visto o que aconteceu lá!

Bolota: (com um olhar cético) Isso não é desculpa. A organização é fundamental, mesmo em meio ao caos.

Dona Etelvina: (começando a juntar os biscoitos) E você, o que vai fazer? Ficar sentado enquanto nós limpamos a cozinha?

Bolota: (dando um salto para uma prateleira) Eu estou aqui para garantir que nada do que vocês preparam venha a me incomodar. E se sobrar algum atum, eu aceito!

Epitáfio: (abrindo um armário para guardar as coisas) Olha, Bolota, se você nos ajudar, prometo que vou procurar um atum especial na próxima compra.

Bolota: (sorrindo com um ar de superioridade) Isso é um bom começo. Mas não se esqueçam da apresentação!

Dona Etelvina: (brincando) Claro! Atum em um prato bem decorado, com um toque de arroz do chão!

Epitáfio: (fazendo pose) E eu seria o herói que sempre acaba se metendo em encrenca, enquanto o gato dá as ordens!

Bolota: (com um olhar de aprovação) Finalmente, você entendeu seu papel.

Dona Etelvina: (rindo) Vamos lá, então! Com as nossas forças e a ajuda do nosso crítico felino, faremos um jantar épico.

Epitáfio: (sorrindo) Combinado! E que venha o próximo supermercado, porque com você e o Bolota, sempre há histórias para contar!

Bolota: (com um ar de sabedoria) E lembrem-se: a próxima vez, menos bagunça, mais atum!

Dona Etelvina: Perfeito! Vamos juntar nossas forças na cozinha e fazer isso acontecer. E, claro, sem mais malabarismos!

Epitáfio: (com um olhar determinado) Combinado! Agora vamos fazer esse jantar e deixar as aventuras para o próximo dia de compras!

Dona Etelvina: (com um sorriso) Isso! E que venha o próximo supermercado, porque com vocês haverão histórias para contar!

Fonte: José Feldman. Peripécias de um jornalista de fofocas & outros contos. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul, 2024.

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