segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Vereda da Poesia = 133 =


Poema de
DANIEL MAURÍCIO
Curitiba/PR

Eterna ausência

Esse teu olhar
Abriu uma janela
Em meus arquivos.
Revivi a mesma
Paixão.
Senti calado
A mesma ausência
De outrora.
= = = = = = 

Trova de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

Estás só... Mas, mesmo assim,
como se fora um castigo,
sinto um ciúme sem fim
do "ninguém" que está contigo!
= = = = = = 

Poema de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ

À deriva

Quem me deixa à deriva, desconhece
Que meu barco é movido a sentimentos
Pois meus sonhos, toda vez que a maré cresce,
Agradecem ao poder feliz dos ventos.

Mesmo que a dor me exponha ao relento,
Movimento o meu amor com a fantasia
E é assim que sobrevivo: eu me alimento
Do momento que alimenta a poesia.

A magia de quem sofre e faz sua parte
Vem da arte que se despe da moldura,
Pois nem mesmo um folhetim é um encarte
Para a arte que se esculpe com ternura.

Só quem sabe repintar-se com nobreza,
Vê beleza em cada riso que se doa
E se um riso é feliz por natureza,
Num sorriso, a alegria empluma... e voa.

Num rabisco inusitado, a parceria
Que há com Deus, mais espontânea se revela...
É assim que Ele desenha a fantasia
Da poesia a que harmoniza a cor da tela.

Só quem tem dom de amar e transcrevê-lo
Faz quem lê-lo, transportar-se e compreender
Que a linha solitária de um novelo
Só termina, quando quem sabe tecer

Abençoa o terno olhar embevecido
De quem vê, num simples risco de um bordado,
A ternura que repousa num tecido
Construído om amor, luz e cuidado.

Quem me deixa à deriva, não me deixa,
Alimenta minha eterna inspiração,
Porque, quando minha emoção se queixa,
Ela deixa tão triste meu coração...
Que até mesmo a invenção de alguma gueixa,
Complementa minha dor de solidão.

Quem me deixa, nunca foi meu par perfeito,
Não me deito com olhares insensíveis...
Conteúdos sempre têm algum defeito
E os defeitos também são imprevisíveis...

Meu navio só precisa de um motor:
É o amor que ainda tens para me dar
E se amar é recriar um sonhador,
Deixa ao menos, pelo menos, eu te amar.
= = = = = = 

Trova Premiada em Irati/PR, 2023
MARIA LÚCIA DALOCE 
Bandeirantes / PR 

Quem constrói os seus caminhos
com base em reais valores,
enfrenta as pedras e espinhos
e, ainda, semeia flores!
= = = = = = 

Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Entrelinhas 

  Há no entrelaçar das nossas linhas
      Um mágico encontro,
     Desenhado e tecido pelo destino.
 Há no entrelaçar dos nossos lábios
 Carícias que realizam sonhos,
    Sonhos repletos de cores,
      Aromas,  lindas lembranças...
       Há no entrelaçar dos nossos corações,
  Uma aquarela,
    Um bailado encantado, juntinhos
        Num mesclar de vidas,
    Amor e desejo,
Êxtase e desassossego...
= = = = = = 

Trova Popular

À noite quando me deito
eu rezo à Virgem  Maria,
para sonhar toda  a noite
com quem penso todo o dia.
= = = = = = 

Soneto de
RAUL DE LEONI
Petrópolis/RJ, 1895-1926

Serenidade

Feriram-te, alma simples e iludida.
Sobre os teus lábios dóceis a desgraça
Aos poucos esvaziou a sua taça
E sofreste sem trégua e sem guarida.

Entretanto, à surpresa de quem passa,
Ainda e sempre, conservas para a Vida
A flor de um idealismo, a ingênua graça
De uma grande inocência distraída.

A concha azul envolta na cilada
Das algas más, ferida entre os rochedos,
Rolou nas convulsões do mar profundo;

Mas inda assim, poluída e atormentada,
Ocultando puríssimos segredos,
Guarda o sonho das pérolas no fundo.
= = = = = = 

Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

“Bem-vinda à vida, criança!”, 
diz o parteiro sorrindo. 
E a frase é um hino à esperança, 
no seu momento mais lindo! 
= = = = = = 

Soneto de
VICENTE DE CARVALHO
Santos/SP, 1866 – 1924

Soneto da mudança

Não me culpeis a mim de amar-vos tanto
Mas a vós mesma, e à vossa formosura:
Que, se vos aborrece, me tortura
Ver-me cativo assim do vosso encanto.

Enfadai-vos. Parece-vos que, em quanto
Meu amor se lastima, vos censura:
Mas sendo vós comigo áspera e dura
Que eu por mim brade aos céus não causa espanto.

Se me quereis diverso do que agora
Eu sou, mudai; mudai vós mesma, pois
Ido o rigor que em vosso peito mora,

A mudança será para nós dois:
E então podereis ver, minha senhora,
Que eu sou quem sou por serdes vós quem sois.
= = = = = = 

Trova Humorística de
SÉRGIO BERNARDO
Nova Friburgo/RJ

Vovó se afoga ... e, no cais,
com vovô tentando a cura,
o boca a boca foi mais
dentadura a dentadura.
= = = = = = 

Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Doce prisão

Este vaivém do mar beijando a areia
bem se assemelha à nossa vida a dois:
Também o que nos ata é uma cadeia
que solta... e prende bem, logo depois...

Não cansa o sangue em seu volver na veia,
nem eu por ser cativo seu só, pois
você não é prisão que me aperreia
como a canga que enreda os mansos bois!

Se para ficar livre eu for deixar
a minha praia, ou minha artéria, o quê
além de desengano irei achar?

Prefiro ser cativo nesse ambiente
a que me acostumei, tendo você...
E ser feliz assim, eternamente!
= = = = = = 

Trova de
CLÁUDIO DE CÁPUA
São Paulo/SP, 1945 – 2021, Santos/SP

Unindo a seresta ao verso
quero compor na amplidão.
Sou menestrel do universo,
em tardes de solidão.
= = = = = = 

Poema de
PAULO LEMINSKI
Curitiba/PR, 1944 – 1989

Arte do Chá

ainda ontem
convidei um amigo
  para ficar em silêncio
comigo

  ele veio
meio a esmo
  praticamente não disse nada
e ficou por isso mesmo
= = = = = = 

Trova Funerária Cigana

Pra resistir tua falta,
minh'alma não tem coragem.
Só se iludido pensar
que não perdi tua imagem.
= = = = = = 

Poemeto de 
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo / SP

Sou uma leve brisa,
o beijo do dia.
Uma lágrima na noite
fria, solidão sombria.
Sou doce perfume,
suave sangria.
Gargalhada aprisionada
ou veneno, sua alforria.
Sou a rosa do tango,
drama na alegria.
Rodopiando na valsa
sorrio, faço poesia.
= = = = = = 

Trova de 
HENRIETTE EFFENBERGER
Bragança Paulista/SP

A paz nem sempre é perfeita,
esconde-se em descaminhos,
entre dores, fica à espreita,
como rosa entre os espinhos.
= = = = = = 

Poema de 
ALBERTO MARTINS
Santos/SP

O editor

Passa o dia entre livros
Que não existem, ainda estão por ser escritos
Ou nunca chegarão a ser impressos.
Não trabalha no campo
Mas tem as mãos escalavradas:
A pele dos dedos descama feito pergaminho.
De noite voltam para casa
Ele e sua sombra – enxertada de palavras.
= = = = = = 

Trova Humorística de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP

- Vou ganhar... meu santo é forte!...
E o santo: - Eu não sei jogar...
Nem sei porque pede sorte,
se aposta em “jogo de azar”?!
= = = = = = 

Soneto do
Príncipe dos Poetas Piracicabanos
LINO VITTI
Piracicaba/SP, 1920 – 2016

Ao passar do vento

Quando tremula a fronde ao passar de uma brisa
é um sorriso floral dos galhos verdejantes;
quando às águas do lago um leve sopro alisa,
como a sorrir também, felizes e arquejantes;

quando às flores, sem nome, uma aura que desliza
beija e afaga a sonhar doces sonhos distantes;
quando às nuvens no céu azul canta e suaviza
numa glória de sol e brilhos coruscantes;

eu cismo e vejo bem que os harpejos que passam
unidos pelo amor, pelo amor se entrelaçam,
e, alegres, todos vão com modos galhofeiros,

mostrando a nosso olhar, talvez muito cansado,
toda a beleza que há no vento tresloucado,
no sublime correr dos ventos passageiros.
= = = = = = 

Trova de
ARY VIOTTI
Belo Horizonte/MG

Eu só queria entender...
quem poderia explicar
por que o amar faz sofrer
e o sofrer não faz amar?
= = = = = = 

Poema de
APARECIDO RAIMUNDO DE SOUZA
Vila Velha/ES

Naquela noite

1
Ainda sinto o sabor
Da tua meiguice
na minha ternura...
Enraizando sublime amor...
Ainda sinto o calor
Do teu coração de encontro ao meu...

2
O perfume,
a maciez das ondas negras
dos teus cabelos,
a embriagar-me
e a afogar-me
os sentidos...

3
A tua doce voz, aos meus ouvidos,
ainda ouço, a sussurrar baixinho,
ao som do “meu castigo”
que, de fato, nos castigava,
nos torturava,
de amor... E de carinho...

4
Sinto, igualmente, o compasso,
do passo,
dolente,
da dança,
que encanta,
ainda, em mim...

5
E sinto mais:
O afago dos teus braços...
E tu,
toda envolvida,
e quase vencida,
enfim...

6
Ainda agora, escuto o teu “não...”
Assim cheio de suavidade
no eco da minha saudade
Depois que tomei-te,
E apertei-te,
Em meu coração.
= = = = = = 

Trova de
GLÓRIA TABET MARSON
São José dos Campos/SP

Cor da pele? Quer saber?
não faz ninguém diferente.
Diferente é sempre ter
coração benevolente!
= = = = = = 

Poema de
EUGÉNIO DE ANDRADE
Fundão/Portugal, 1923 – 2005, Porto/Portugal

Os livros

Os livros. A sua cálida,
terna, serena pele. Amorosa
companhia. Dispostos sempre
a partilhar o sol
das suas águas. Tão dóceis,
tão calados, tão leais,
tão luminosos na sua
branca e vegetal e cerrada
melancolia. Amados
como nenhuns outros companheiros
da alma. Tão musicais
no fluvial e transbordante
ardor de cada dia.
= = = = = = 

Trova da
Princesa dos Trovadores
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Angústia, imensa, dorida,
pior que a dor de morrer,
é não ter apego à vida
e ser forçado a viver…
= = = = = = 

Hino de 
Olinda/PE

Olinda, cofre sublime
de brilhantes tradições.
Teu nome beleza exprime
e produz inspirações.
Teu céu, teu mar, teus coqueiros,
ruínas, praias, luar,
despertam sonhos fagueiros,
deslumbrando o nosso lar.

Estribilho:
Glória a Duarte Coelho,
que ouvindo o justo conselho
de inspiração genial,
deu luz, prestígio, beleza,
força, progresso e grandeza,
a ti, Olinda imortal.

Olinda, tão sedutora,
quanta beleza contens!
sendo assim merecedora
do lindo nome que tens,
De nossa brasilidade
foste o berço singular!
No teu solo a liberdade
nunca deixou de brilhar.

Olinda, honrando a memória
do artista que te fundou,
com ele reparte a glória
que a tua fama alcançou.
Que majestade suprema
existe em tudo o que é teu!
tu és, Olinda, um poema
que a natureza escreveu!…
= = = = = = 

Trova de 
ARTHUR THOMAZ
Campinas/SP

Se a vingança é seu intento,
pense antes de iniciar.
Ela só traz sofrimento
e o mal não vai reparar. 
= = = = = = 

Poema de 
LUÍS DA MOTA FILIPE 
Sintra/Portugal

De uma Lisboa esquecida

Das ondas, das maresias
Dos mares, dos rios
Das canastras, das varinas
Dos barcos, dos pescadores

Das vielas, das guitarras
Dos fados, dos destinos
Das revistas, das canções
Dos teatros, dos aplausos
Das tertúlias, das declamações
Dos poetas, dos Cafés
Das sinas, das sortes
Dos pregões, dos cauteleiros
Das floristas, das feiras
Dos arraias, dos mercados
Das rosas, das sardinheiras
Dos cravos, dos manjericos
Das esquinas, das calçadas
Dos Pátios, dos azulejos
Das praças, das fontes
Dos jardins, dos namorados
Das janelas, das varandas
Dos telhados, dos beirais
Das rezas, das procissões
Dos devotos, dos amantes
Das saudades, das paixões
Dos amores, dos corações

De uma Lisboa… esquecida
= = = = = = 

Trova de
RITA MARCIANO MOURÃO 
Ribeirão Preto/SP

Passado, velhas histórias,
vivas ainda em jornais,
são relíquias, são memórias,
que a imprensa fez imortais!
= = = = = = 

Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França

O lobo e o cão magro

A pequena distância duma aldeia,
Um lobo encontra um gozo,
E quer ferrar-lhe o dente.
O cão, manhoso,
E vendo a coisa feia,
Rabo entre pernas, diz humildemente:
«Peço perdão, mas Vossa Senhoria,
Ou não vê bem de perto,
Ou vê decerto
Em mim pobre iguaria!...
Eu sou o que se chama um carga-d’ossos;
Vendido em qualquer talho,
Não valho
Dois tremoços!...
Quer um conselho? Espere. Muito breve,
Meu dono casar deve;
Convidado
Já fui para o noivado;
Tempo de boda,
Tempo de fartura:
Faz-se gordura
Esta magreza toda!...
Tal como sou, não passo dum lambisco;
Enquanto que, depois de uns dias ledos
— Não é por me gabar — mas... um petisco
Eu devo ser
De se lamber
Os dedos!...
Deixe que eu tire o ventre de miséria,
E venha, venha então!»
O lobo crê na léria,
E larga o cão.

Passam dias — e, muito cauteloso,
Entra o lobo na aldeia.
A ver se acha no gozo
Melhor preia.
Mas em lugar seguro, o cão, velhaco:
«Por cá, meu caro? — diz; — prazer sem par!...
Dois dedos de cavaco
Eu e o guarda-portão te vamos dar;
Espera aí portanto,
Abrimos-te o ferrolho!»
Era o guarda-portão
Um canzarrão
Capaz de estrangular um lobo enquanto
O demo esfrega um olho!
O lobo, ao vê-lo, diz todo assustado:
«Senhor guarda-portão, um seu criado!»
E as pernas pôs em rápido exercício!

Ora aqui está um lobo que, a meu ver,
Mostrava não saber
Do seu ofício!

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