Certa feita, um asno achou uma pele de leão. Cuidou, pois, de cobrir-se, como podia, com a pele, embora esta pouco lhe conviesse. E, como se viu vestido com a roupa de leão honrado, exibindo uma valentia muito superior à que lhe legara a Natureza, aterrorizava todos os outros animais.
Com desmedida presunção, pisoteava o pasto que partilhava com as ovelhas e os cordeiros e, com semelhante empáfia, apavorava dóceis animais silvestres, como os cervos e as lebres nas matas.
Todavia, quando assim pomposamente desfilava no bosque, deparou-se com o seu dono — o aldeão de quem se havia desgarrado — e que, por acaso, passava por aquelas matas.
Achando-o assim vestido com uma pele de leão, o aldeão agarrou-o pelas longas orelhas — que haviam ficado descobertas — e, dando-lhe cruéis vergastadas, arrojou-lhe fora a vestimenta enganosa.
— Aos que não te conhecem, tu provocas, facilmente, pavor e espanto; mas aos que sabem quem verdadeiramente és, já não podes apavorar: sempre foste e serás o que és: um asno. E enverga, apenas, as roupas que o teu pai natural te legou: não cobices as honras alheias — que não te pertencem — para que não sejas menosprezado quando delas fores desnudado! A quem pensavas indevidamente honrar?
Fontes: Flavius Avianus. Fábulas. século V. versão em português de Paulo Soriano, a partir de tradução anônima espanhola de 1489.
Imagem obtida em https://www.youtube.com/watch?app=desktop&v=bXMpzUTbs-M
Nenhum comentário:
Postar um comentário