quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Recordando Velhas Canções (Chega de saudade)

(bossa nova, 1958)
Compositores: Tom Jobim e Vinicius de Moraes


Vai minha tristeza e diz a ela
Que sem ela não pode ser
Diz-lhe numa prece que ela regresse
Porque eu não posso mais sofrer
Chega de saudade,
A realidade é que sem ela não há paz,
Não há beleza, é só tristeza
e a melancolia que não sai de mim
Não sai de mim, não sai

Mas se ela voltar, se ela voltar,
Qua coisa linda,  que coisa louca
Pois há menos peixinhos a nadar no mar
Do que os beijinhos que eu darei na sua boca

Dentro dos meus braços os abraços
hão de ser milhões de abraços
Apertado assim, calado assim, colado assim
Abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim
Que é prá acabar com esse negócio
de você viver sem mim

A Melodia da Saudade
A canção "Chega de Saudade", é um marco na história da música brasileira, sendo considerada por muitos como o ponto de partida do movimento Bossa Nova. A letra da música expressa um sentimento profundo de saudade e o desejo ardente pelo retorno de um amor ausente. A tristeza é personificada e enviada para convencer a amada da necessidade de seu regresso, destacando a dor e o vazio deixados por sua falta.

A repetição do verso "Chega de saudade" ressalta o limite da tolerância do eu lírico para com a ausência da pessoa amada, enquanto a descrição da realidade sem ela é pintada como desprovida de paz e beleza, repleta apenas de tristeza e melancolia. Essa intensidade emocional é característica das composições de Jobim, que frequentemente explorava temas de amor e natureza em suas obras.

A música também utiliza metáforas, como a comparação dos beijos que serão dados com a quantidade de peixes no mar, para ilustrar a imensidão do amor que o eu lírico sente. A promessa de abraços e carinhos sem fim reforça a ideia de um reencontro apaixonado e a necessidade de pôr um fim à distância que separa os amantes. A canção é um apelo emocional que reflete a universalidade do sentimento de saudade e a esperança de reencontro.

Embora considerada o marco zero da bossa nova, “Chega de Saudade” não é na opinião de Tom Jobim uma composição bossa nova. Em depoimento ao jornalista Tárik de Souza (para o livro Tons sobre Tom), ele esclareceu: 

“Minha mãe criou uma menina, que também se chamava Nilza (nome da mãe do Tom) e me pediu para comprar um método de violão para ela, que tinha boa voz. Comprei o método do Canhoto que trazia (...) aquele sistema antigo (de acordes) primeira, segunda, terceira. (...)

Fui obrigado a explicar para ela naquele método (...) e acabei me envolvendo com aquela sequência de acordes, completamente fáceis. Inventei uma sucessão de acordes, que é a coisa mais clássica do mundo, e botei ali uma melodia.

Mais tarde, Vinícius colocou a letra. De certa forma, sentindo a novidade da bossa nova, do João Gilberto e daquele meio em que a gente vivia, talvez Vinicius tenha sido levado a intitular a música ‘Chega de Saudade’. (...) Esse título é engraçado porque a música tem algo de saudade desde a introdução. Lembra aquelas introduções de conjuntos de violão e cavaquinho, tipo regional. (...).

Na segunda parte, passa para maior (modo maior). Acontecem todas aquelas modulações clássicas que você encontra na música antiga. Isso cria um absurdo: o ‘Chega de saudade’ já é uma saudade jogando fora a saudade!”.

Realmente, a bossa nova de “Chega de Saudade” está quase toda na harmonia, nos acordes alterados, pouco utilizados por nossos músicos da época, e na nova batida de violão executada por João Gilberto. A novidade rítmica fica muito clara, especialmente sob os versos “dentro dos meus braços os abraços / hão de ser milhões de abraços / apertado assim...”, com o violão indo na contramão da forma institucionalizada de se tocar samba. Aliás, a inovação já está presente na gravação de Elizeth Cardoso, a primeira de “Chega de Saudade”, feita para o elepê Canção do amor demais, que tem a participação de João Gilberto como violonista.

Esse disco, lançado pela pequena marca Festa, do produtor Irineu Garcia, é considerado por Tom Jobim (em depoimento a Zuza Homem de Mello, em outubro de 68) “um marco, um ponto de fissão, de quebra com o passado”. No dia 10.7.58, seis meses depois da gravação da Elizeth, aconteceu a do João, naturalmente repetindo a mesma batida de violão e apresentando o seu estilo bossa nova de cantar.

Este disco histórico, que traz na outra face o baiãozinho “Bim-Bom” (classificado no selo como samba), provocaria a pitoresca e mal-humorada reação de Álvaro Ramos, gerente das Lojas Assunção, quebrando o disco, indignado com o que o Rio lhe mandava. Atribuída no anedotário da bossa nova a Osvaldo Gurzoni, diretor de vendas da Odeon em São Paulo (que também não gostara do disco), a verdadeira identidade do autor da façanha (Ramos) seria revelada por Ruy Castro no livro Chega de saudade. Esse episódio aconteceu em São Paulo, em agosto de 58, às vésperas do lançamento do disco de 78 rotações, que precedeu em alguns meses o elepê homônimo.

Fontes: 
Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello. A Canção no Tempo. vol.2.
https://www.letras.mus.br/tom-jobim/49028/significado.html

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