quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Gercina Isaura da Costa Bezerra (Considerações sobre o Material de Leitura)

A leitura enquanto exercício da cidadania exige um leitor crítico que, além de construir a significação global do texto, seja capaz de transpor os limites do texto incorporando-o reflexivamente aos seus conhecimentos para melhor compreender a realidade que o cerca. Uma sociedade realmente democrática, preocupada com a superação das diferenças sociais, certamente estaria comprometida com a formação desse leitor. Mas essa responsabilidade tem cabido à escola, como se ela sozinha fosse capaz de executar essa tarefa. O mais grave é que dentro do espaço escolar, o desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita parece caber apenas ao professor de língua materna. Não é raro a cobrança da proficiência dos alunos nessas habilidades por parte dos professores das demais disciplinas. São também inúmeros os estudos e as análises dos textos veiculados nas aulas de língua portuguesa. Exagerando, temos a impressão de que as atividades de leitura e escrita só acontecem nas aulas de língua materna. Certamente isso não é verdade. Temos conhecimento de análise de textos didáticos das demais disciplinas, mas ao que parece, a grosso modo, essas análises estão voltadas para a adequação das definições e conceitos, bem como para as ideologias e preconceitos presentes nos textos.

Nossa prática tem nos mostrado, que o desconhecimento dos processos de leitura pelos professores de outras disciplinas, os leva a selecionar textos que dificultam a compreensão dos alunos, levando-os a decorar conceitos sem entendê-los.

Assim, esse trabalho objetiva demonstrar que a escolha inadequada do material de leitura pode comprometer sua compreensão. Devido ao reduzido espaço, selecionamos apenas o capítulo 6 do livro “Os seres vivos” para exemplificar algumas dessas inadequações. A razão de tal escolha deveu-se ao fato de ser um texto tradicionalmente adotado na sexta série e a dificuldade que os alunos apresentaram para compreendê-lo.

O título do capítulo é “A biodiversidade da terra”, a expectativa despertada seria para um texto que tratasse da variedade de formas de vida do planeta, bem como de seus habitats, comunidades e ecossistemas formados pelos organismos. Além disso, seria possível incluir considerações sobre seu potencial econômico e sua importância social, cultural, ecológica etc. Mas o capítulo trata mesmo é da classificação dos seres vivos, que na diagramação do texto aparece como um subitem. Assim, se o leitor iniciante (Nesse texto denominamos leitor iniciante aquele indivíduo que ainda está desenvolvendo suas estratégias de leitura. Ao leitor que ainda não é proficiente) tiver um idéia do que seja biodiversidade terá sua expectativa de leitura fustrada, por outro lado, se desconhecer a palavra acabará por associá-la a classificação dos seres, podemos afirmar que o título se constitui numa pista falsa para a compreensão do texto.

Textos mais longos têm além do tópico principal, outros subtópicos de unidades menores como o parágrafo. O tópico e os subtópicos constituem uma estrutura em que uns se subordinam aos outros, todo esse sistema deve ser facilmente percebido pelo leitor, pois a percepção da relação e da hierarquia que se estabelece entre eles é um componente essencial da compreensão textual. No texto analisado falta uma explicitação geral e objetiva dessa hierarquia, a presença excessiva de figuras, títulos e itens entrecortando o texto, prejudica o seu fluxo e dificulta a percepção do mesmo como um texto único, uma vez que sua articulação encontra-se fragmentada. Um exemplo disso é o trecho em que os autores explicam o que é gênero e como vários gêneros constituem uma família temos a intercalação de um subtópico com sete parágrafos, e que se constitui numa informação secundária (“O nome científico dos seres vivos é escrito em latim”) que poderia estar diluída no corpo do texto sem desviar a atenção do leitor do seu assunto principal. Por isso não fica claro para o leitor que a classificação é feita a partir de sucessivos agrupamentos até formar um conjunto maior, segundo o critério de características semelhantes. Esses são apenas alguns exemplos das inadequações que encontramos no texto.

Há professores que, desconhecendo os processos de desenvolvimento da leitura e seus mecanismos, esperam do aluno do segundo ciclo uma eficiência leitora que ainda está em processo. Ler é mais que decifrar, a decodificação é apenas um primeiro estágio da leitura eficiente. Não se pode alcançar a um comportamento praticando um hábito contrário a ele. Decifrar obriga a ter um comportamento diante da escrita que é o oposto daquele indispensável para um bom leitor. A escrita é uma linguagem para os olhos e não para os ouvidos; ler não é traduzir o escrito em oral para chegar a compreensão. A capacidade de compreender supõe a possibilidade de antecipar, no caso da leitura, a decifração impede a antecipação, ou a dificulta, no melhor dos casos.

A leitura consiste numa busca de índices mínimos e não na investigação total dos signos escritos. Um bom leitor compreende um texto em um tempo mínimo, sem se preocupar com cada uma das palavras do texto. Isso porque o sentido de uma frase não é a soma dos sentidos das palavras que a compõe, mas é determinado pelo texto e pelo contexto, nos quais estão inseridas. Da mesma forma que, a percepção isolada dos elementos que compõe uma paisagem impedem a visão global da mesma, a decifração não leva a compreensão do texto porque não se concentra na percepção do todo.

Essa percepção não se restringe ao registro passivo de estímulos exteriores, mas resulta de uma reorganização da estrutura do conhecimento, diante de um novo estímulo. Assim, a percepção é uma aprendizagem que depende das experiências anteriores daquele que aprende, isso é importante a medida em que dirige nossa atenção para o papel das vivências do aprendiz e de suas experiências de vida.

Dessa forma, podemos dizer que a leitura resulta da interação entre as informações visuais que estão no texto, e as informações não visuais que se constituem das experiências anteriores armazenadas na memória do leitor.

Nesse sentido, o papel de todo professor, seja de que nível for, não se resume a transmitir conhecimento, seu papel é o de instrumentalizar o aluno de forma a dar-lhe condições de ampliar o seu entendimento da realidade que o cerca, tornando-o capaz de atuar nessa realidade. Sendo o texto principal fonte de veiculação do conhecimento, e instrumento de trabalho daqueles que ensinam, faz-se necessário que estejamos comprometidos com a formação desse leitor crítico, propiciando ao aluno condições para tal.

Ao selecionar ou ao produzir um texto para trabalhar com os alunos, o professor ou o autor do manual deve considerar que a compreensão de um texto não depende apenas da competência lingüística do aluno, mas também das condições que o texto oferece, a observação de alguns aspectos, na seleção do texto, podem contribuir para que o aluno desenvolva suas estratégias de leitura.

O texto é o elemento simples da comunicação escrita, pois é a sua organização de conjunto que, por si mesma, contém o significado; e a comunicação escrita diz respeito ao relacionamento intertextual. Assim, o leitor iniciante deve confrontar-se com textos completos, que funcionem como tal e que se remetam uns aos outros, pois sendo unidade mínima da escrita, é também a entrada mais fácil para o sentido ancorado no contexto no qual esse texto funciona.

Desde o início, deve-se apresentar textos significativos utilizados em situações concretas de comunicação, centrados nos interesses e necessidades daquele que aprende, enfim autênticos.

Muitas vezes, acreditando estar “facilitando” a aprendizagem, a maioria os manuais costumam utilizar uma linguagem artificial, tentando dar ao texto escrito características da linguagem oral. No texto analisado por exemplo, na página 46 encontramos:

“Aquilo que você fez com os animais representados no quadro, os cientistas fizeram com todos os seres vivos da natureza, mas usando outros critérios.”

Acontece que o aluno não fez absolutamente nada no referido quadro, porque já estava feito. Isso era necessário para se garantir o uso de critérios que atenderiam às intenções dos autores. Não há possibilidade de no texto escrito se estabelecer uma interação imediata, salvo no contexto da internet. O problema está no fato dos autores tentarem dar ao texto escrito características da linguagem oral, o que causa confusões com relação aos referenciais principalmente. Os parágrafos também são substituídos por itens, descaracterizando a estrutura do texto, havendo inclusive supressão de elementos coesivos que garantiriam uma legibilidade maior do texto. O uso da ilustração como bengala, pode até ser que em alguns casos auxilie na compreensão, mas no caso do texto analisado podemos afirmar que as imagens foram mal utilizadas. Essas inadequações, codificam um discurso artificial, perdido entre a linguagem oral e a linguagem escrita, não favorecendo ao aluno a utilização do seu conhecimento prévio, nem o auxilia no conhecimento sobre como ler.

Para facilitar a aprendizagem não é necessário descaracterizar o texto, pode-se alcançar essa “facilitação” por meio de uma seleção gradual e criteriosa, observando além da autenticidade e da relevância, a estrutura formal do texto.

É assim que, FULGÊNCIO et LIBERATO (1992: 37), apontam a identificação do tópico de um texto como indispensável para a compreensão do mesmo. O que as autoras definem como tópico discursivo é o assunto principal do texto, por isso afirmam que, a dificuldade de identificar o tópico de um texto compromete a sua legibilidade. Isso acontece porque é essa identificação que estabelece o quadro de referência, a partir do qual o leitor passa a criar expectativas que guiam a sua interpretação, auxiliando-o inclusive a desfazer possíveis ambigüidades. As autoras acreditam que o aparecimento do tópico na primeira sentença, ou ainda, a referência reiterada a um mesmo elemento, podem facilitar a identificação de tópicos. De acordo com as autoras,

“os lingüistas têm chamado atenção para a estrita correlação - (...) - entre ser tópico e ocupar uma posição inicial. Essa correlação parece natural: é de se esperar que a ordem das palavras enunciadas reflita a ordem em que seus correspondentes psicológicos (seus referentes) se organizam no processo cognitivo.” (FULGÊNCIO et LIBERATO, 1992: 29).

Elas também demonstram por meio de exemplos, que a má sinalização ou a representação inadequada do tópico compromete a legibilidade dos textos. Assim, aquele que escreve ou seleciona material de leitura para o leitor-aprendiz, deve preocupar-se em oferecer textos nos quais a identificação do tópico não se constitua numa dificuldade.

Para as autoras, um outro aspecto importante da organização textual é a paragrafação. Baseando-se nas teorias de REHFELD, consideram que a divisão do texto em parágrafos funciona para o leitor como uma pista sinalizadora da estruturação do texto; pois “o leitor desenvolve uma estratégia de processamento que o leva a prever, nos pontos onde há mudança de parágrafo,(...), uma quebra na uniformidade de um bloco de texto, e o início conseqüentemente de uma nova unidade.”(Id. ibid., p.56).

A compreensão do texto é facilitada à medida em que a divisão dos parágrafos corresponda às expectativas do leitor e vá de encontro às suas estratégias de leitura. Dessa forma, a organização dos parágrafos deve funcionar como um elemento que revela a estruturação semântica, formal e discursiva do texto, evidenciando as unidades em torno das quais se organiza.

A teoria da paragrafação pode parecer, a princípio, que não atinja diretamente o leitor iniciante, mas apresenta implicações importantes com relação a aprendizagem da estratégia da paragrafação. Pois, se uma paragrafação adequada facilita a leitura no caso de leitores eficientes, por outro lado, ela possibilita ao leitor inexperiente a dedução das bases da organização dos parágrafos, levando-o a internalizar essa estratégia. Assim, uma forma de levar o aluno a adquiri-la, é colocá-lo em contato com textos que apresentem uma divisão de parágrafos que reflita a estruturação semântica, formal e discursiva do texto, de modo que evidencie as unidades em torno das quais é constituído.

Além desses aspectos, FULGÊNCIO et LIBERATO, apoiadas nos estudos de CHAFE, chamam atenção para a necessidade de se oferecer ao leitor iniciante, textos que possuam um equilíbrio entre informações dadas e novas. As autoras consideram informação dada, àquela que o emissor presume que esteja presente na mente do receptor no momento da comunicação; e informação nova, àquela que o emissor presume que está introduzindo na mente do receptor no momento da comunicação. O equilíbrio entre esses dois elementos é que possibilita a progressão do texto, garantindo sua compreensibilidade. Um texto só com informações dadas torna-se redundante e circular, por outro lado, um texto só com informações novas também torna-se incompreensivo, pois o processo de compreensão depende de um conhecimento anterior para que as informações novas sejam processadas. É a progressão resultante do equilíbrio desses dois tipos de informação, que garante a coerência do texto, por isso o professor deve considerar esse aspecto ao selecionar ou ao produzir textos para seus alunos.

CONCLUSÃO:

A análise exaustiva do texto não foi nosso objetivo aqui, muito menos pretendemos esgotar todos os aspectos que podem auxiliar o leitor no desenvolvimento da compreensão. Foi nosso desejo despertar a atenção daqueles que ensinam para a importância de avaliar técnica e criticamente o material com o qual se está trabalhando, isso porque muitas vezes é esse fator que está dificultando a aprendizagem de nossos alunos. Para melhor auxiliar nossos alunos a desenvolver suas estratégias de leitura, é necessário que àquele que o orienta tenha conhecimento e reflita sobre as condições necessárias para promover este processo. Uma consideração importante e que pode fazer diferença é a sensibilidade do professor com relação ao conhecimento prévio e interesses dos alunos, a maneira utilizada para envolvê-los no planejamento e seleção do material de leitura, considerando o grau de motivação desses.

Relacionamos aqui, alguns itens que consideramos importantes para facilitar a legibilidade do texto:

- Os professores devem propiciar condições para que o aluno desenvolva estratégias de leitura que viabilizem a compreensão textual;

- Deve-se elaborar materiais de leitura que facilitem a aquisição de estratégias por parte dos alunos, enfatizando as pistas fornecidas pelo texto de forma relevante;

- Os educadores devem levar em consideração o conhecimento prévio dos alunos, a partir do qual se estabelece a formulação de hipóteses.

São inúmeras as sugestões que caberiam aqui no intuito de tornar nosso aluno um leitor mais proficiente. O importante é ter em mente que ler exige que haja interação entre autor/texto/leitor; no caso de haver deficiência em algum destes elementos, a compreensão textual não se efetuará.

Enfim, foi nossa principal intenção neste artigo chamar a atenção para o fato de que quando o material de leitura oferece pistas inadequadas ou ineficientes seu entendimento estará comprometido.

Fonte:
Gercina Isaura da Costa Bezerra (Mestrado UNESP)
Considerações sobre o Material de Leitura

XIII Seminário do CELLIP (Centro de Estudos Linguísticos e Literários do Paranpa) 21-23 out 1999 - Campo Mourão . Maringá: Depto. de Letras da UEM, 2000 - Org. Thomas Bonnici (CD-Rom)

P.S. Com o intuito de preservar os direitos autorais da autora, as referências bibliográficas foram propositalmente retiradas, o que não afeta em hipótese alguma a veracidade e importância do documento.

Margarida da Silveira Corsi (Do Romance ao Palco, do Palco ao Romance: uma reflexão a ser feita)

Este trabalho faz parte de nossa pesquisa de mestrado que trata da reversibilidade ocorrida nas obras de Alexandre Dumas Fils (La dame aux Camélias, do romance para peça) e de José de Alencar (da peça As asas de um anjo para o romance Lucíola), e é uma tentativa de conceituação da reversibilidade, prática bastante comum no século XIX.

Este problema, sempre nos veio à mente como uma difícil missão, pois, quando nos deparamos com a confecção de suas possíveis respostas, descobrimos a importância de alguns pré-requisitos para essa conceituação. Para afirmarmos exatamente o que é reversibilidade, precisamos saber, em primeiro lugar, quando ocorreu, que razões levaram os autores a praticá-la e qual é o seu contexto histórico-literário. Tendo em vista estes questionamentos, começaremos, então, por buscar tais dados na historiografia literária e por visualizar um período em que os autores europeus e brasileiros, buscando ganhar espaço no meio literário, dividiam-se entre mais de um gênero; prática que, acreditamos, ter dado origem à reversibilidade.

Durante o século XIX, essa prática dos autores dividirem suas atividades criadoras entre gêneros literários diferentes, trabalhando em princípio com aquele que lhes assegurasse um sucesso ou reconhecimento imediato, para em seguida dedicar-se àquele ao qual direcionavam seu talento e preferência, tornou-se comum durante o período de ascensão do teatro e da prosa ficcional, na França. Assim, muitos autores que se destacaram na historiografia literária com o cultivo de um gênero literário específico, começaram suas carreiras com outro ou dividindo seu tempo entre dois gêneros literários diferentes.

No Brasil, essa divisão de talento entre dois gêneros é tão comum quanto na França, no entanto, a primeira opção dos autores brasileiros é pela produção dramatúrgica o que se dá em função da rápida ascensão que o teatro podia lhes proporcionar e de um espírito renovador que intuía a recriação da dramaturgia nacional.

Esse interesse dos autores brasileiros pelo teatro intensificou-se ainda mais após de 1855 com a inauguração do Teatro Ginásio Dramático que, inspirado no Théâtre Gymnase Dramatique de Paris, inovara o teatro brasileiro, dando um grande salto para o aprimoramento da nossa dramaturgia, introduzindo na corte o teatro realista francês que passaria a ser o estilo escolhido pelos grandes escritores do teatro nacional. É o que confirma João Roberto Faria ao dizer que “ A 12 de abril de 1855, no pequeno teatro de 256 lugares, rebatizado com o nome de Teatro Ginásio Dramático - inspirado certamente no Gymnase Dramatique de Paris -, a nova empresa inaugurou seus trabalhos, sem saber que dava o primeiro passo de uma importante renovação teatral, que logo se cristalizaria.” E acrescenta que “O Ginásio não só introduziu a nova escola francesa (realista) entre nós como despertou o interesse de uma jovem geração de intelectuais para o gênero dramático” Como podemos perceber através das palavras de João Roberto Faria, a abertura do Teatro Ginásio Dramático é um dos passos mais significativos para impulsionar uma vasta produção teatral no país e, por conseqüência para estimular nossos autores a produzirem para o teatro, sobretudo aqueles que se iniciavam na arte literária.

Nesse momento, muitos de nossos autores buscaram na dramaturgia uma maneira mais fácil e rápida para ascender-se no meio literário, por isso, muitos deles que preferiam a prosa de ficção ou a poesia trabalharam conjuntamente dois gêneros (dramaturgia e prosa ficcional). Dentre os autores brasileiros que buscavam sobressair como escritores, produzindo textos para o teatro, estão Joaquim Manuel de Macedo, José de Alencar e Machado de Assis, que foram atraídos pela possibilidade de destacar-se enquanto autor de uma comédia ou de uma tragédia encenada no teatro dramático do Rio de Janeiro. Essa atração dos escritores pelo texto teatral fez da arte dramática um dos gêneros prediletos do Romantismo brasileiro. Nesse período, era natural que “todo escritor, fosse qual fosse a sua vocação, tentasse adquirir no teatro o seu certificado de proficiência ficcional. Escrever romances era facultativo. Escrever peças praticamente obrigatório”.

Diferentemente dos autores brasileiros, os franceses tiveram desde o início a opção de escrever tanto para a dramaturgia quanto para a prosa de ficção, pois os dois gêneros estavam no auge de popularidade no contexto francês do início do século XIX, enquanto no Brasil o romance dava seus primeiros passos e o teatro buscava reerguer-se. Isso porque “a palavra romantismo, na França, aplica-se a toda uma época, mais exatamente, a todas as obras escritas dentro dela e que se inspiraram no espírito do século novo, traduzindo suas exigências” O Romantismo francês foi uma época de gênios e de obras-primas, nas artes da poesia, do romance e do teatro; portanto, uma época de vastas produções em todos os gêneros literários. Foi também um período de afirmação do valor literário, de mudanças progressivas na cultura, na sociedade e, por conseqüência, na dramaturgia e na prosa de ficção.

Assim, tanto a dramaturgia quanto a prosa ficcional eram sinônimo de trampolim para a conquista de um espaço na sociedade intelectual da França do século XIX. No entanto, houve épocas de predileção por um ou outro gênero. Durante o início do Romantismo, ou melhor num período que podemos chamar de pré-romantismo, era muito interessante para os literatos investirem na tragédia, a qual era muito incentivada pelo imperador. Depois do surgimento do drama romântico, o próprio público incentivou o cultivo de peças centradas na liberdade de expressão e na valorização dos conceitos burgueses. Entre 1840 e 1850, o folhetim perdurou como o gênero almejado por todo escritor. Entretanto, apesar da existência de momentos mais interessantes para um ou outro gênero, a dramaturgia e a prosa ficcional sempre foram gêneros bem estruturados na França e, por isso, eram sinônimo de grande expressão literária perante os autores renomados e aqueles que desejavam alcançar o sucesso por meio da literatura.

Data-se de 1827 (prefácio de Cromwell) e de 1830 (Hernani) a brutal irrupção do teatro romântico”. É, principalmente, nesse momento que a dramaturgia ganha novos rumos, pois o novo público, associado ao desejo de inovação dos gêneros literários, faz surgir uma nova forma de produção teatral, não mais centrada nos moldes clássicos, mas em busca de modernidade. Assim, “Os novos senhores do país freqüentavam o teatro: lacaios enriquecidos, fornecedores do exército, beneficiários da agiotagem ou da especulação sobre os bens nacionais, burgueses promovidos a altos cargos” os quais não apreciavam o teatro clássico, ao modelo de Corneille ou Racine, e davam mais atenção aos melodramas que pareciam mais convenientes para um público iletrado que desejava divertir-se.

Os dramas de Victor Hugo, Vigny e Alexandre Dumas Père, as tragédias de Delavigne e as comédias de Escribe marcaram um momento de evolução do teatro francês e predominaram durante um bom tempo nos teatros parisienses. As fases diferentes porque passou o teatro francês do início do século XIX testemunham a ascensão de muitos autores e de muitos estilos dramáticos. Foram a tragédia, o drama, as peças da école du bon sens, as comédias de costumes, o teatro de variedades, os vaudevilles e por fim o teatro realista, todos surgidos em decorrência de um desejo de inovação e de afirmação do talento de seus autores.

Paralelamente ao desenvolvimento da arte dramática, no início do século XIX, a prosa de ficção também sofreu transformações importantes para o seu aprimoramento enquanto forma literária. Popularizou-se através dos folhetins, a partir de 1840(É importante esclarecer que, segundo Marlyse Meyer, o folhetim surgiu em 1836, mas popularizou-se a partir de 1840), e ganhou novas formas com o romance social, o romance histórico, o romance negro. Depois de sua inserção nos periódicos, passa a ser uma das formas mais populares da representação literária francesa, levando aos periódicos escritores já renomados no teatro e também aqueles que buscavam alcançar a fama através das tiras fatiadas.

Mas, apesar da dupla possibilidade de produção que os autores franceses tiveram, os motivos que os levaram, no início de suas carreiras, à produção dramatúrgica não diferem daqueles dos autores brasileiros, pois ambos desejavam uma ascensão mais rápida e, como o teatro era uma maneira de o autor apresentar-se diretamente ao público, eles procuravam mostrar seus talentos nos palcos dos grandes teatros parisienses para depois partirem para a produção romanesca e, em, muitos casos, como o de Balzac e de Dumas Père, dirigirem-se depois de renomados para a publicação em folhetins que, além da glória, eram vantajosos financeiramente.

Assim, essa busca de afirmação e reconhecimento no meio literário fez grandes autores do contexto francês dividirem seu tempo de criação entre os dois gêneros literários mais reconhecidos e apreciados pelo público da época: dramaturgia e prosa de ficção. Victor Hugo (1802-1885), apesar de durante algum tempo de sua carreira ter se dedicado à poesia e de ter sido um grande poeta, dividiu grande parte de seu tempo de criação entre a dramaturgia e a prosa de ficcional.

E, de acordo com Jean Gaumier “o teatro projetava sua glória recente e o romance contribuía para desenvolvê-la entre o grande público” Alexandre Dumas Père (1802-1870) também iniciou sua carreira escrevendo mais de um tipo de texto, eram versos, comédias e dramas, e, depois de já ser reconhecido pelo pelo público, perferiu a prosa de ficção e passou a publicar em folhetins. É o que afirma Jean-François Josselin: “On connaît les mensurations impressionnantes de l’oeuvre de Dumas - plus gigantesque que celle de ses contemporains Balzac et Hugo: trois cents volumes au moins repartis entre le théâtre, le roman (surtout), les contes, les nouvelles, les traités, e bien sûr les memoires.” Honoré de Balzac (1799-1850), apesar de ser conhecido quase que exclusivamente como romancista, também começou sua carreira dividindo seu poder criador entre a dramaturgia e a prosa de ficção. Escreveu no início o drama Cromwell e o romance Sténie, mas, apesar de ter buscado o sucesso imediato no teatro, mostrou-se, desde o princípio mais propenso à prosa de ficção do que à dramaturgia, por isso sua passagem pelo teatro foi rápida e pouco fecunda em relação à sua produção romanesca. Alexandre Dumas Fils (1824-1895), seguindo os passos do pai, dividiu-se desde o princípio de sua carreira entre a dramaturgia e a prosa de ficção.

Em 1846, publicou Aventures des quatre femmes et d’un Perroquet e levou ao palco a peça Le bijou de la reine. Nos primeiros anos teve intensa produção de romance, sem nunca ter abandonado a dramaturgia. Mas foi somente a partir da encenação de La Dame aux Camélias que passou a dedicar-se mais às produções teatrais em detrimento da prosa de ficção. Sua obra compõe-se de 30 peças e 15 romances. A dedicação simultânea a esses dois gêneros fez com Dumas adaptasse seu texto escrito em princípio em prosa de ficção para o teatro. Composto e publicado em 1848, o romance La Dame aux Camélias obteve, desde o início, um grande sucesso com o público leitor e, depois de adaptado ao teatro, em 1852, foi aclamado pelo público parisiense, por sua inovação e pelo cunho realista que apresentavam suas cenas. Como vemos, essa experiência de Dumas foi positiva para o público e para a crítica que já haviam apreciado o romance e que terminaram por consagrar a peça como chef-d’oeuvre de um novo estilo dramatúrgico: o teatro realista francês.

Dentre os “romancistas-teatrólogos” ou “teatrólogos-romancistas” brasileiros, Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882) é quem mais obteve sucesso com a dramaturgia. Escreveu durante seu tempo de dedicação ao teatro 15 peças de teor e estilos variados, são comédias farsescas, dramas românticos, uma burleta, um drama sacro, uma comédia realista e um drama realista. A dedicação paralela entre o drama e o romance não impediu que o autor de Luxo e Vaidade e de A Moreninha fosse apreciado, durante o Romantismo, tanto por ser um autor iniciador da prosa de ficção no Brasil quanto por seu bom desempenho na dramaturgia. Machado de Assis (1839-1908), depois de dar os primeiros passos de sua carreira, escrevendo resenhas críticas e algumas poesias, também dedicou-se algum tempo ao teatro. Neste período, escreveu 12 peças, dentre as quais está Forcas Caudinas, que fora mais tarde transformada no conto Linha Reta, Linha Curva.

Da leitura de seus textos teatrais Quintino Bocaiúva dissera: “São para serem lidos e não representados”. A prova disso é que, ao efetuar a reversibilidade de sua peça para conto, o autor precisou apenas modificar a estrutura do texto, passando do discurso direto para o indireto e dando voz a um narrador já perspicaz que conhece as personagens interiormente. Alencar (1829-1877), assim como Macedo e Machado, também dividiu seu poder criador entre o teatro e a prosa de ficção, e apesar de ter iniciado sua carreira publicando três folhetins de sucesso, decidiu dedicar-se, por algum tempo, ao teatro em detrimento da prosa ficcional. Esta escolha inicial, feita em função da importância que a dramaturgia tinha na época e do desejo de Alencar de contribuir para o aprimoramento e para a afirmação do teatro realista no Brasil, não foi em vão, pois, durante algum tempo, sobretudo depois da inauguração do teatro Ginásio Dramático do Rio de Janeiro, a dramaturgia realista brasileira, baseada na nova estética teatral francesa, ganhou espaço, pouco a pouco, nos palcos cariocas.

Alencar só retornou à ficção romanesca depois do fracasso de O Crédito, em 1857, e da proibição de sua peça As Asas de um anjo, em 1858. Depois de decepcionar-se com o teatro, retomou a prosa ficcional, quando publicou o romance Lucíola em 1864, o qual apresentava o mesmo tema da peça As Asas de um anjo. Daí em diante, apesar de não abandonar por completo a produção teatral, passa a dedicar-se muito mais à produção de romances. Pode-se dizer que o tempo que Alencar trabalhou com a dramaturgia não foi somente importante por sua contribuição à renovação teatral brasileira, mas também porque a partir de sua experiência teatral, valorizou a estrutura de seus romances, atribuindo-lhes elementos característicos da dramaturgia. Além dessa influência interna nos textos, Alencar, assim como Dumas Fils, fez uso da reversibilidade, quando transformou sua peça As Asas de um anjo no romance Lucíola. O resultado dessa adaptação foi um romance bem trabalhado e que respondia às expectativas do público-ledor e da crítica moralista que havia rejeitado a peça em função de sua temática e das cenas realistas que apresentava.

É interessante acrescentar que, no momento da reversibilidade, a opção dos autores que se dedicaram às duas modalidades narrativas acaba direcionando-se para o gênero de sua preferência, ao qual demonstra possuir mais aptidão e talento, sobretudo, quando isso significa ter mais oportunidade de afirmação pessoal no meio literário. Essa predileção pela modalidade a que os autores acreditavam ter mais predileção pode ter contribuído para a opção de Dumas Fils e de Alencar para a transformação de seus textos iniciais, pois, coincidentemente, os dois autores transformaram seus textos originais em gêneros diferentes que atestavam suas preferências por um determinado gênero. Dumas partiu do romance para o teatro e Alencar do teatro para o romance. Escolhas que podem ter sido impulsionadas pelas vantagens que cada modalidade podia oferecer ao escritor, no dado momento de sua produção ou de sua transformação.

Dumas escreveu e publicou seu romance num momento em que a prosa de ficção estava no auge de sua produção no contexto literário francês, durante o advento do folhetim (É preciso esclarecer que Dumas publicou seu romance em volumes, mas não deixou de ser favorecido pelo advento do folhetim que impulsionou toda a prosa ficcional desse momento), e sua peça foi ao palco num momento de decadência, ou melhor, de proibição da inserção do romance nos jornais, quando o teatro mostrava-se como a melhor forma de ascensão para o literato, e Alencar escreveu sua peça-teatral, em 1857, exatamente quando o teatro brasileiro se reerguia e transformou-a em romance no momento mais culminante da prosa de ficção nacional.

Os dois autores, além do amor pela produção teatral ou romanesca, tiveram senso de oportunismo, escrevendo suas obras nos gêneros que acreditavam ser os mais adequados para o primeiro momento e as transformaram também quando era mais coerente para alcançarem o apoio do público e da crítica, sem é claro deixar de considerar suas preferências.

Diríamos, então, que a reversibilidade, além de transformação, adaptação e conversão de um texto em outro, é decorrência de uma prática que intuía a realização pessoal do autor e que testemunhava sua capacidade de criação, pois, para tanto, era preciso que ele estivesse apto a usar de sua pena criadora tanto para a produção dramática quanto para a ficcional. É, além de tudo isso, prova de que a arte literária pode manifestar-se da maneira que for mais conveniente ao escritor, desde que continue sendo uma forma de representação social que diverte e instrui sem deixar de atender aos desejos da sociedade que representa ou que intenta agradar. Assim, a transformação de um romance em uma peça-teatral ou de uma peça-teatral em romance testemunha o desejo do autor de atender às preferências do público-leitor ou dos espectadores.

Ao executar a reversibilidade, esse autor, além de apresentar o texto no gênero narrativo de preferência do seu receptor atual, retira os elementos que lhes são desagradáveis e insere outros de sua preferência, tornando-o mais agradável ao público e à crítica. Dessa forma, a reversibilidade é positiva tanto para o público-receptor quanto para o literato, uma vez que este ganha com a conquista de novos leitores ou espectadores e aquele com o prazer que sente ao ler um texto ou ao ver uma peça que respeite seus limites morais ou sociais.

Fonte:
Margarida da Silveira Corsi (mestrado-UNESP-Assis)
Do Romance ao Palco, do Palco ao Romance: uma reflexão a ser feita
XIII Seminário do CELLIP (Centro de Estudos Linguísticos e Literários do Paranpa) 21-23 out 1999 - Campo Mourão
Maringá: Depto. de Letras da UEM, 2000 - Org. Thomas Bonnici (CD-Rom)

P.S. Com o intuito de preservar os direitos autorais da autora, as referências bibliográficas foram propositalmente retiradas, o que não afeta em hipótese alguma a veracidade e importância do documento.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Arlete Piedade (1956)

Arlete Piedade Louro Daniel (Fada das Letras) nascida a 19 de Junho de 1956, numa pequena aldeia do distrito de Santarém - Portugal, onde passou a sua infância, até ir estudar em Santarém onde fez o curso da escola secundária, e iniciou a sua vida profissional numa seguradora com a idade de 17 anos incompletos.

Em 1980 por motivos de ordem pessoal, passa a residir e trabalhar na zona de Lisboa, onde se manteve até 1994, ano em que regressa a Santarém para cuidar dos negócios da família.

Já na infância e adolescência se manifestava o seu interesse pela leitura e escrita, ficando célebres as suas composições na escola primária e secundária. Mas com a entrada na idade adulta, o início das responsabilidades familiares e o nascimento dos dois filhos, apenas na leitura se refugiava por vezes para viver em fantasia realidades alternativas á vida monótona do dia a dia de uma grande cidade.
Com a volta a Santarém e os filhos já crescidos, continua a refugiar-se na leitura até que com a descoberta do mundo virtual e incentivada por amigos encontrados nesse novo meio, começa então a escrever poesia como forma de expressão de sentimentos, de início apenas no romantismo, e recentemente com crónicas, contos e poesia de intervenção social.

Destaca-se entre os amigos referidos, Roberto Oliveira, seu grande incentivador que a convidou para participar no seu site Mundo Poeta, no início da sua formação em 2003, dando origem a uma amizade que se tem mantido ao longo dos anos.

Nas crónicas, os seus temas preferidos são a cultura do seu povo e a sua cidade de Santarém - Portugal, as quais publicou no Jornal Ecos até á suspensão deste e também no Recanto das Letras.

Convidada por Victor Jerónimo poeta e escritor português radicado no Brasil, a participar das cirandas de temas sociais do seu grupo Ecos da Poesia e da Antologia Poética, Dois Povos, Um Destino, pela primeira vez teve a oportunidade de transpor os seus poemas das telas do computador para o formato escrito em livro.

Mais notícias sobre esta obra em: http://www.ecosdapoesia.net/noticiasliterarias/ecos1.htm

Faz parte do movimento poético com sede em Santiago do Chile e que espalhou por todos os continentes, Poetas del Mundo pelo qual foi nomeada cônsul na cidade de Santarém – Portugal.

Idealizou e promoveu as seguintes cirandas:

Ciranda do Mundo Poeta, publicada em: http://www.mundopoeta.net/ciranda/

Ciranda dos Namorados, publicada em:
http://www.mundopoeta.net/fadadasletras/cirandas/index.htm

Ciranda Línguas em conjunto com a poetisa brasileira Deth Haak, publicada em: http://www.ferool.info/ciranda.htm

Ciranda Basta, em conjunto com Victor Jerónimo e Efigénia Coutinho, publicada em: http://www.avspe.eti.br/cirandas/basta/indice.html

Fez parte do Júri convidado para a Ciranda-Concurso “Cartas” publicada em:
http://www.cirandasdeletras.cantodapoesia.net/ciranda_concurso_cartas.htm

Além destas, tem participado em várias cirandas publicadas em diversos sites na Internet.
O seu poema “Quisera” ganhou uma Menção Honrosa no III Concurso Literário de Contos e Poesias da Editora Guemanisse de Teresópolis no Brasil, em Outubro de 2006, pelo que foi incluído na Antologia “Convergentes”;

O seu conto de natal “A Chegada” foi classificado em quinto lugar no concurso de Contos de Natal do Centro de Estudos Culturais de Petrópolis no Brasil em Dezembro de 2006.

Em Fevereiro de 2007 publica o seu primeiro livro a solo, em edição de autor, “Sonetos da Fada das Letras”

Em Maio de 2007 participou na Antologia Poética “Poetas de Santarém” a convite da direcção do Jornal “O Mirante” um dos maiores órgãos regionais da zona Centro de Portugal.

Em Março de 2007 dá início a encontros poéticos ao vivo, que até o momento tiveram lugar em instituições de apoio a idosos, em conjunto com poetas amigos com vista a estreitar o convívio, divulgar a poesia e mitigar a solidão de quem assiste.

Em Junho de 2007 funda em conjunto com Alexa Wolf e Edyth Teles de Menezes, a associação cultural ULLA – União Lusófona das Letras e das Artes, para promoção e divulgação de escritores e artistas que se expressam em português.

Fonte:
http://www.joaquimevonio.com/

Arlete Piedade (Conto: A Chegada)

Era já noite alta, as estrelas brilhavam no céu escuro e límpido, iluminado pelo brilho das constelações e nebulosas que se recortavam claramente naquele firmamento esplendoroso de luz e quietude.

José caminhava desde há vários dias e noites apenas com pequenas paragens para os animais descansarem, e sua esposa e o Menino comerem algum parco alimento que lhe permitisse prosseguir naquela viagem, cujo fim ele esperava alcançar nos dias seguintes.

As suas pernas cansadas prosseguiam no entanto com um ritmo próprio como se não pertencessem ao mesmo corpo e fossem comandadas por algum mecanismo desconhecido de um tempo futuro, ou talvez passado, José não sabia, mas sentia que elas não lhe pertenciam e alguma força superior as comandava em seu lugar e lhe fazia sentir aquela urgência em prosseguir sem descanso até o Menino estar seguro em terra egípcia.

Olhou para trás brevemente, alertado por algum ruído diferente e quase imperceptível e viu sua esposa que dormitava sentada no burro exausto que no entanto ia também arrastando as suas patinhas desabituadas daquele piso, e envolvido na manta que o protegia do frio noturno do deserto, o pequeno vulto do filho de Maria, mas a quem ele amava com um amor tão forte que sentia que daria a sua vida para o proteger e a sua mãe.

Um pequeno vulto negro no céu, se destacou por breves momentos contra o brilho da noite estrelada e José pensou que fosse uma ave noturna e em breve esqueceu, enquanto prosseguia incansável rumo ao sol nascente cujos clarões da aurora já começavam a pincelar o céu com rosas e violetas sob um fundo dourado.

Em breve o sol esplendoroso e ardente iria subir rapidamente no céu e cada dia era mais difícil prosseguir viagem sob o calor sufocante.

José sabia que mais á frente existia um pequeno oásis com algumas árvores e um pequeno poço que servia há várias gerações para os caminhantes do deserto sobreviverem naquelas paragens inóspitas matando a sua sede e dos animais e esperava alcança-lo antes do sol ficar a pino sob as suas cabeças para pararem um pouco e descansarem da fadiga.

Enquanto o sol se erguia rapidamente ofuscando o brilho das estrelas, José viu que sua esposa quase tombava da montada, devido ao extremo cansaço e lutava para aconchegar a sua preciosa carga, ao seu colo cansado.

Parando a sua marcha José acorreu e tomou para o seu colo, o menino que dormia ainda, embora desse sinais de em breve despertar, pois que entreabria os seus olhinhos escuros e curiosos, mas depois os voltava a fechar devido á luminosidade ardente.

José colocou-o sentado sob os seus ombros e o menino colocou os bracinhos á volta da sua cabeça para se segurar, depois de José lhe ter ajeitado o seu turbante para o proteger do calor ardente.

Foram prosseguindo e José ia falando com o seu filho para o distrair da fome e da sede e do calor, contando histórias que ouvira a sua pai, de homens de outros tempos e das lutas que travavam no deserto contra leões e bandidos, e como guerreiros, sempre venciam, depois de lutas muito difíceis e demoradas, cheias de ciladas e armadilhas.

O menino ouvia com interesse debruçado sobre a sua cabeça para melhor ouvir, e assim foram caminhando com Maria dormitando atrás sob o burrinho até que alcançaram o oásis.

No entanto o velho poço estava quase entulhado com pedras derrubadas que algum vândalo sem respeito pelos outros caminhantes, ou alguma tempestade ou luta, tinham originado.

José olhou para os odres em pele, onde só uma pequena gota restava, quente e salobra, e retirando o menino de sob os seus ombros, coloco-o cuidadosamente sentado á sombra de uma tamareira, que no entanto por não ser a época, não tinha frutos, dizendo-lhe: - Jesus meu filho, fica aqui sentado que eu vou ajudar tua mãe a desmontar para descansar também um pouco aqui junto de ti.

O menino sorriu em silêncio acenando com a cabeça afirmativamente e José aproximou-se de sua esposa ajudando-a a descer da montada e retirando do alforje, uma manta resistente, estendeu-a á sombra da árvore e lá acomodou os dois seres mais importantes da sua vida para um breve descanso enquanto prendia com um laço comprido, o burrinho á árvore também.

No entanto o pobre animal também exausto deixou-se cair junto a seus donos e assentou a sua cabeça entre as patas para também descansar.

Então José despindo a sua túnica aproximou-se do poço entulhado e com esforço começou a tentar remover as pedras enormes que o tapavam, o que parecia ser tarefa superior ás suas forças humanas, dado a tamanho e o peso das mesmas.

Mas José não era homem de desistir, quando estava em causa a sobrevivência da sua família e ficou olhando em volta, concentrando-se e procurando uma solução para o problema.

Reparou então numa árvore mais afastada do poço e que devido á falta de água
estava quase seca, e indo ao seu alforje de lá retirou uma foice com uma lâmina afiada e curva que tinha levado para acudir a alguma emergência no deserto.

Aproximando-se da árvore com aquela ferramenta rudimentar, começou a cortar o seu tronco pacientemente, para fazer uma alavanca que lhe permitisse remover as pedras do poço.

Ergueu os olhos ao céu numa prece silenciosa e tomado de um súbito vigor ao olhar para o seu filho que brincava com um pequeno tronco fazendo desenhos na areia, atacou com força redobrada a pequena árvore, que em breve estava decepada sob os seus golpes certeiros.

Então aproximando-se do poço, começou a manobrar a sua ferramenta improvisada e as pedras começaram a ceder, e a serem levantadas pela habilidade do homem conjugada com a ferramenta rudimentar e intemporal que também lhe iria servir de cajado se resistisse pois o seu tinha-se partido ao escalar uma encosta pedregosa.

Em breve a água escura e fresca estava á vista e José mergulhando os seus odres na água, os encheu completamente e os levou a seu filho que bebeu cuidadosamente e a sua esposa que ainda mais parcamente bebeu a sua porção de líquido vital á vida.

Desdobrando um recipiente em pele que traziam no alforje, colocaram também um pouco de água que o animal sorveu com evidente satisfação e até se levantou como se quisesse continuar a caminhada, mas na verdade procurava algo para comer.
Comida, José procurou no fundo do alforje e encontrou um pouco de pão seco, que molhou com um pouco de água fazendo uma açorda tosca que deu a comer a sua esposa e seu filho, e também um pouco para o animal.

Para ele próprio, apenas algumas gotas de água para lhe umedecerem a boca ressequida e a pele abrasada do calor do sol, enquanto se sentava por momentos junto aos seus á sombra da árvore raquítica.

A sua cabeça tombou por breves momentos e Maria disse-lhe com ternura para que descansasse algum tempo, que o Egito já estava á vista e que estavam livres da perseguição do inimigo.

José fechou os seus olhos e uma visão estranha por breves momentos de sono sobressaltado o assaltou, e viu uma cruz alta erguendo-se contra um céu escuro em que nuvens de tempestade e raios se entrecruzavam e compreendeu num relance que a sua missão estava longe de estar concluída, mas de momento podia descansar um pouco.

O sol declinava no horizonte, quando todos retomaram a marcha e em breve o céu estrelado onde um cometa com uma longa cauda, fez a sua aparição, recordou a José que naquela noite se completavam três anos do nascimento do menino em Belém, e que uma estrela assim brilhante lhe tinha indicado o estábulo e que agora lhe indicava de novo o caminho seguro para nessa noite cruzarem a fronteira do Egito e ficarem em segurança na terra prometida.

Guiado pela estrela, José foi caminhando sem desfalecer sentindo uma presença benéfica junto de si, guiando os seus, e quando o sol se reergueu de novo, iluminou uma paisagem nova e diferente onde verdes planícies se avistavam ladeando um rio de água azul tão brilhante que corria preguiçosamente através dos campos circundantes e ao longe estranhos edifícios pontiagudos, ou mesmo montanhas, José não sabia, se erguiam por detrás de uma cidade magnífica cujos minaretes rebrilhavam como jóias ao sol da manhã.

Tinham chegado! Era o Egito, a terra prometida! José tinha cumprido a primeira parte de sua missão de pai e protetor do seu filho e da sua esposa.

Esta obra concorreu e venceu o "IV Concurso Historias de Natal", cuja premiação ocorrera no dia 20/12/2006 no Teatro Municipal de Petrópolis/RJ, Brasil,

Fonte:
http://www.mundopoeta.net/fadadasletras/a_chegada.asp.htm

Arlete Piedade (Poesias: Oh Mar! - Acesa)

Oh Mar!

Oh mar azul que serves de união,
entre duas margens tão distantes,
áqueles que saturados de paixão,
vivem com promessas de amantes...

acima, o firmamento e as estrelas
e os espíritos dos que, saudosos,
nas noites longas, como caravelas
navegam no céu, buscando amorosos!

Oh! Insondáveis mistérios humanos,
que no vale de lágrimas,vagueiam,
unidos na incerteza desse porvir...

por sobre o mar, ao longo de anos,
buscam esse contacto, que anseiam
num tempo do futuro,ainda por vir!


Acesa

Vou fazer um poema que será teu
sem mostrar ao mundo meu sentir
para que brilhe na noite de breu
e te mostre ao longe meu sorrir

para que na madrugada sonolenta
te acompanhe ao saires de casa
e saibas que o coração acalenta
a paixão rubra e acesa em brasa

no entanto a vida passa e foge
e o que era ardente, esfria hoje
sem o sabor dos beijos fumegantes

não me deixes só, á espera perdida
assim envelhecendo sem ter guarida
sem beijos, e carinhos de amantes!

Fonte:
http://www.joaquimevonio.com/

Pedro Valdoy (1937)

Francisco Pedro Curado Neves nasceu em Estremoz a 25 de Março de 1937.
- Fez o ensino secundário em Lisboa e o curso de Máquinas Marítimas na Escola Náutica Infante Dom Henrique, considerado superior.
- De 1955 a 1958 esteve em Lourenço Marques a trabalhar na Repartição de Finanças e como jornalista com o pseudónimo de Pedro Valdoy. Nunca concorreu a prêmios literários por ser contra os seus princípios.
- Em Agosto de 1958 regressou a Lisboa, onde permanece até agora.
- Durante seis anos navegou em navios Paquetes como Oficial Engenheiro de Máquinas, em especial pelo continente africano.
- Devido ao casamento, pôs as viagens de lado.
- Desde os oito anos que adora escrever. Quando estudante, fundou o jornal de Parede O GAVIÃO .
- No fim da década de 50 foi jornalista em Lourenço Marques.
- Conviveu com Reinaldo Ferreira, filho do repórter X, Moura Coutinho e José Craveirinha, então diretor do BRADO AFRICANO.
- Tem poemas publicados em vários jornais de Moçambique, Ilha da Madeira e Portugal Metropolitano.
- Participou nos Encontros de Poesia realizados em Vila Viçosa, em 1988. Colaborou em diversas antologias de poesia.
- Em 1990 publica o livro de poemas, POEMAS DO ACASO. Em 1991 edita mais um de poesia, HÁ CANDEIAS NO FIRMAMENTO. Em 2001 NO SILÊNCIO DE UMA PALAVRA.
- Tem mais três livros virtuais editados pela AVBL (Academia Virtual Brasileira de Letras) - http://www.avbl.com.br/
- Presta colaboração nos jornais POETAS & TROVADORES e ARTES & ARTES.
- Foi Secretário da Direção da Associação Portuguesa de Poetas, durante dois mandatos.
- Pertence à Tertúlia Rio de Prata
- Esteve na direção do Cenáculo Literário e Cultural Marquesa de Valverde.
- Foi Diretor do jornal Literário HORIZONTE.
- Profissionalmente é engenheiro.

Fonte:
http://www.joaquimevonio.com/espaco/pedro_valdoy/pedrovaldoy.htm

Pedro Valdoy (Poesias: Minhas Janelas - Minha Flor)

Minhas Janelas

Minhas Janelas
abrem-se para o futuro
com o brilho do Sol
com o sorriso de uma flor

Através delas sonharei
como poeta que sou
por entre os arbustos
da floresta do amor

Sentirei meu corpo leve
através da beleza e da magia
no encanto das flores
que derramam suas pétalas a meus pés

Mas o inesperado surge
por entre uma brisa suave
na beleza de uma princesa
com o seu belo sorriso

As árvores entoavam cânticos
com aquele novo amor
na sensualidade pura
para um novo amor.


Minha Flor

Minha flor do campo
tuas pétalas
são o sorriso da minha alma

São a ternura
dos sessenta por entre
a brisa de um passado

A sensualidade
de teu corpo irrequieto
desliza pelas ondas do mar

O amor eterniza-se
nas árvores frondosas
do nosso bosque

A tua sensibilidade
comoveu meu coração
na concha entreaberta

As borboletas
dançavam por entre as nuvens
recheadas do teu afecto

O passado longínquo
alargou nossos sentimentos
levados pelo vento

Agora o teu regresso
ao correr das pétalas
neste mundo presente

Fonte:
http://www.joaquimevonio.com/espaco/pedro_valdoy/pedrovaldoy.htm

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

O Barroco

O final do século XVI, em Portugal, era vivido num clima de insatisfação e intranquilidade. A Igreja, inconformada com a expansão do protestantismo, se armou para contra-atacar com a contra-Reforma. O estado português, que no início do século vivera seu período de maior glória com as conquistas ultramarinas e o sucesso do comércio com o oriente, via-se, nessa época, em plena decadência, no período mais negro de sua história.

É nesse período de inquietações e tensões que veremos surgir o Barroco, estilo que será praticado por todas as formas de arte.

Em Portugal, o Barroco teve início em 1580, com a unificação da Península Ibérica em razão do desaparecimento de D. Sebastião, rei de Portugal, na batalha de Alcácer-Quibir, no norte da África. O Barroco se estenderá até 1756, com a fundação da Arcádia Lusitana em pleno século XVIII.

No Brasil, o Barroco teve início com a publicação de Prosopopéia, de Bento Teixeira, em 1601, uma das muitas imitações de Camões na literatura brasileira. O final do Barroco ocorrerá em 1768 com a fundação da Arcádia Ultramarina e a publicação do livro Obras Poéticas, de Cláudio Manuel da Costa. O barroco, portanto, floresceu entre dois classicismos: o do século XVI (Renascimento) e o do século XVIII (Arcadismo).

Desde o começo da reforma Luterana, a Europa vivia em permanente tensão. Nunca as questões religiosas tiveram tanta importância. Foi uma época em que muitos morreram perseguidos por crenças e religiões.

Os países que adotaram outras religiões romperam com a Igreja Católica interessados não apenas nas questões religiosas, mas, também, na econômica. Ao manifestarem sua independência, eles puseram as mãos em muitos dos bens da Igreja em seu território.

A Igreja, que já perdia influência desde o Renascimento Comercial, resolveu não tolerar mais esta afronta e contra-atacou em duas frentes: no Concílio de Trento (1545 a 1563) e com a Companhia de Jesus (1534). A Companhia de Jesus, por meio de seus jesuítas, tornou-se inimiga da sociedade burguesa, das monarquias absolutas, dos protestantes e judeus. Foram cem anos de batalhas religiosas em que muitos foram mortos em revoltas e nas fogueiras da Inquisição. O comércio Português com as Índias encontrava-se em declínio e Portugal, que se endividara pensando exclusivamente nessas conquistas, não tinha outra atividade que lhe rendesse o necessário (a agricultura tinha sido completamente abandonada).

Para piorar ainda mais o quadro econômico, surgiu um problema político: D. Sebastião, rei de Portugal, desaparecera em Alcácer-Quibir, deixando o trono sem herdeiros portugueses que o substituíssem. Temos, então, a unificação da Península Ibérica sob o comando do rei espanhol Henrique II.

Sob o domínio da Espanha, rapidamente chegava a Portugal e ao Brasil a influência da Escola Espanhola ou Barroca.

No Brasil, aconteciam a invasão dos holandeses, o apogeu e a decadência do ciclo da cana-de-açúcar.

Marcado pelas lutas religiosas e pela crise econômica, surgia o Barroco, combatendo a forma abstrata, idealizadora e equilibrada do Renascimento e colocando em cena a luta entre pólos opostos: o homem e Deus, o pecado e o perdão, a religiosidade medieval e o paganismo renascentista, o material e o espiritual. Tentando fugir da realidade, o autor barroco sobrecarrega a poesia de figuras como a metáfora, a antítese, a hipérbole e a alegoria. A arte assume, então, uma tendência sensualista, que se traduz num exagerado rebuscamento.

O termo barroco denominou todas as manifestações artísticas do século XVII e XVIII: a literatura, a música, a pintura, a escultura e a arquitetura.

A origem da palavra remete-nos a vários sentidos:
• Forma de raciocínio em que, de duas premissas iniciais, se infere uma
conclusão;
Ex.:
I) todos os homens são mortais
II) Pedro é homem
III) logo, Pedro é mortal.

• Pérola defeituosa, de formação irregular;
• Terreno desigual, assimétrico.

Qualquer desses significados é bom e estabelece relações com a estética barroca, a qual apresenta jogo de idéias, rebuscamento, assimetria.

Mesmo considerando o Barroco como o primeiro movimento literário e Gregório de Matos nosso primeiro poeta realmente brasileiro, ainda não se pode isolar o Brasil de Portugal. Como afirma Alfredo Bosi: “No Brasil, houve ecos do Barroco europeu durante os séculos XVII e XVIII: Gregório de Matos, Botelho de Oliveira, Frei Itaparica e as primeiras academias repetiram motivos e formas do barroquismo ibérico e italiano”. Além disso, os dois principais autores do Barroco, Gregório de Matos e Padre Vieira, tiveram suas vidas divididas entre Portugal e Brasil. Por essas razões, não estudaremos separadamente o Barroco português e brasileiro.

Cultismo e conceptismo

Podemos notar dois estilos no barroco literário: o Cultismo e o Conceptismo.

Cultismo é o estilo barroco caracterizado pela linguagem rebuscada, culta, extravagante; pela valorização do pormenor mediante jogos de palavras, com visível influência do poeta espanhol Luís de Gongora; daí o estilo ser conhecido, também, por Gongorismo. Eis o soneto mais famoso desse estilo:

Enquanto, em vão, de ouro bunido brilhar
O sol já suplantado em seu cabelo,
E tua branca fronte, enquanto a um lírio
Ardente mira ao prado, mas sem vê-lo,

E enquanto aos lábios teus seguindo vão
Mais do n´alva ao cravo muitos olhos,
E enquanto anula com desdém loução
Cristais sem par seu desdenhoso colo,
Goza o cabelo, o colo, o lábio, a fronte,
Antes que enfim não só tua era dourada,
Tu também, mais cravo e sol luzente
Em prata se envelheçam, flor de ontem
E disso ainda caias transformada
Em fumo, em terra, em pó, em sombra, em nada

Luís de Gongora

Paráfrase

Enquanto o sol brilha tentando competir com seus cabelos;
Enquanto a brancura do teu rosto olha com desprezo a brancura do lírio, porque o seu rosto é mais branco;
Enquanto teus lábios vermelhos são cobiçados por mil olhares e dão inveja ao cravo da manhã que ninguém vê;
Enquanto teu colo ofusca o brilho do cristal
Enquanto, moça, tens toda essa beleza, aproveita antes que te transformes em terra, em fumo, em pó, em sombra, em nada.


Conceptismo: é o estilo barroco marcado pelo jogo de idéias, de conceitos, seguindo um raciocínio lógico, racionalista, que utiliza uma retórica aprimorada. Um dos principais seguidores do Conceptismo foi o espanhol Quevedo.

Uma crítica conceptista ao estilo cultista

Se gostas da afetação e pompa de palavras e do estilo que chamam de culto, não me leias.

Quando este estilo florescia, nasceram as primeiras verduras do meu; mas valeu-me tanto sempre a clareza, que só porque me entendiam comecei a ser ouvido. (...) Este desventurado estilo que hoje se usa, os que o querem honrar chamam-lhe de culto, os que o condenam chamam-lhe de escuro, mas ainda lhe fazem muita honra. O estilo culto não é escuro, é negro, e negro boçal e muito cerrado. É possível que somos portugueses, e havemos de ouvir um pregador em português, e não havemos de entender o que diz?!

Padre Antonio Vieira

Fonte:
Santos, Eberth Santos. Moura, Josana. Literatura em ação. 2. ed. Uberlandia, MG: Claranto, 2004. p.60-63

Padre Antonio Vieira (1608 - 1697)

Vieira foi um escritor cuja genialidade assombra até mesmo os leitores de hoje. Foi um homem do seu tempo, participante não só dos problemas da religião, mas, também, da política e dos acontecimentos em geral.

Nasceu em Lisboa, em 1608, e morreu em Salvador em 1697. Com sete anos veio para a Bahia. Entrou para a Companhia de Jesus. Foi pregador régio, conselheiro de D. João IV, embaixador na França, na Holanda e em Roma. Para defender o capitalismo judaico e os cristãos-novos, tinha contra si a pequena burguesia cristã e a Inquisição; por defender o monopólio comercial, irritou os pequenos comerciantes; por defender os índios, teve que ir contra os administradores e colonos. Pela defesa dos judeus e cristãos novos foi condenado pela Inquisição e ficou preso de 1665 a 1667.

Vieira falava para o mundo e seu estilo estava ainda acima do barroquismo de seus contemporâneos. Ele via a história como ela deveria ser...

A definição do Pregador é a vida, e o exemplo. Ter nome de Pregador ou ser Pregador de nome não importa nada: as ações, a vida, o exemplo, as obras, são as que convertem o mundo. O melhor conceito que o Pregador leva ao púlpito, qual cuidais que é? É o conceito que de sua vida têm os ouvintes. Antigamente, convertia-se o mundo: hoje, por que não se converte ninguém? Porque hoje pregam-se palavras e pensamentos, antigamente pregavam-se palavras e obras. Palavras sem obras são tiros sem bala, atiram mas não ferem. (”Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda”).

António Vieira foi um religioso, escritor e orador português da Companhia de Jesus. Um dos mais influentes personagens do século XVII em termos de política, destacou-se como missionário em terras brasileiras. Nesta qualidade, defendeu infatigavelmente os direitos humanos dos povos indígenas combatendo a sua exploração e escravização. Era por eles chamado de "Paiaçu" (Grande Padre/Pai, em tupi).

António Vieira defendeu também os judeus, a abolição da distinção entre cristãos-novos (judeus convertidos, perseguidos à época pela Inquisição) e cristãos-velhos (os católicos tradicionais), e a abolição da escravatura. Criticou ainda severamente os sacerdotes da sua época e a própria Inquisição.

Na literatura, seus sermões possuem considerável importância no barroco brasileiro e as universidades frequentemente exigem sua leitura.

Biografia

Nascido em lar humilde, e mulato, na Rua do Cónego, perto da Sé, em Lisboa. Seu pai serviu a Marinha Portuguesa e foi, por dois anos, escrivão da Inquisição, tendo mudado-se para o Brasil em 1609, para assumir cargo de escrivão em Salvador, na capitania da Bahia. Em 1614 mandou vir a família para o Brasil. António Vieira tinha seis anos. Aplica-se-lhe a frase que ele mesmo escreveu: "os portugueses têm um pequeno país para berço e o mundo todo para morrerem."

Estudou na única escola da Bahia: o Colégio dos Jesuítas em Salvador. Consta que não era um bom aluno no começo, mas depois tornou-se brilhante. Juntou-se à Companhia de Jesus com voto de noviço em maio de 1623. Obteve o mestrado em Artes e foi professor de Humanidades, ordenando-se sacerdote em 1634.

Em 1624, quando da Invasão Holandesa de Salvador, refugiou-se no interior, onde se iniciou a sua vocação missionária. Um ano depois tomou os votos de castidade, pobreza e obediência, abandonando o noviciado. Não partiu para a vida missionária. Estudou muito além da Teologia: Lógica, Física, Metafísica, Matemática e Economia. Em 1634, após ter sido professor de retórica em Olinda, foi ordenado e em 1638 já ensinava Teologia.

Quando da segunda invasão holandesa ao Nordeste do Brasil (1630-1654), defendeu que Portugal entregasse a região aos Países Baixos, pois gastava dez vezes mais com sua manutenção e defesa do que o que obtinha em contrapartida, além do facto de que os Países Baixos eram um inimigo militarmente muito superior na época. Quando eclodiu uma disputa entre Dominicanos (membros da inquisição) e Jesuítas (catequistas), Vieira, defensor dos judeus, caiu em desgraça, enfraquecido pela derrota de sua posição quanto à questão do Nordeste do Brasil.

Após a Restauração da Independência em (1640), em 1641, iniciou a carreira diplomática pois integrou a missão que veio a Portugal prestar obediência ao novo monarca. Impondo-se pela viveza de espírito e como orador, foi nomeado pelo rei pregador régio. Em 1646 foi enviado à Holanda no ano seguinte à França, com encargos diplomáticos. Era embaixador (o pai, antes pobre, foi nomeado pensionista real) para negociar com os Países Baixos a devolução do Nordeste. Caloroso adepto de obter para a coroa a ajuda financeira dos cristãos-novos, entrou em conflito com a Inquisição mas viu fundada a Companhia de Comércio do Brasil

O povo de Portugal não gostava de suas pregações em favor dos judeus. Após tempos conturbados acabou voltando ao Brasil, de 1652 a 1661, missionário no Maranhão e no Grão-Pará, sempre defendendo a liberdade dos índios.

Diz o Padre Serafim Leite em "Novas Cartas Jesuíticas", Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1940, página 12, que Vieira tem "para o norte do Brasil, de formação tardia, só no século XVII, papel idêntico ao dos primeiros jesuitas no centro e no sul», na «defesa dos Indios e crítica de costumes". "Manoel da Nóbrega e António Vieira são, efectivamente, os mais altos representantes, no Brasil, do criticismo colonial. Viam justo - e clamavam!"

Voltou para a Europa com a morte de D. João IV, tornando-se confessor da Regente, D. Luísa de Gusmão. Com a morte de D. Afonso VI, Vieira não encontrou apoio.

Abraçou a profecia sebástica e por isso entrou de novo em conflito com a Inquisição que o acusou de heresia com base numa carta de 1659 ao bispo do Japão, na qual expunha sua teoria do Quinto Império, segundo a qual Portugal estaria predestinado a ser a cabeça de um grande império do futuro. Expulso de Lisboa, desterrado e encarcerado no Porto e depois encarcerado em Coimbra, enquanto os jesuítas perdiam seus privilégios. Em 1667 foi condenado a internamento e proibido de pregar, mas, seis meses depois, a pena foi anulada. Com a regência de D. Pedro, futuro D. Pedro II de Portugal, recuperou o valimento.

Seguiu para Roma, de 1669 a 1675. Encontrou o Papa à morte, mas deslumbrou a Cúria com seus discursos e sermões. Com apoios poderosos, renovou a luta contra a Inquisição, cuja atuação considerava nefasta para o equilíbrio da sociedade portuguesa. Obteve um breve pontifício que o tornava apenas dependente do Tribunal romano.

Regressou a Lisboa seguro de não ser mais importunado. Quando, em 1671, uma nova expulsão dos judeus foi promovida, novamente os defendeu. Mas o Príncipe Regente passara a protetor do Santo Ofício e o recebeu friamente. Em 1675, absolvido pela Inquisição, voltou para Lisboa por ordem de D. Pedro, mas afastou-se dos negócios públicos.

Decidiu voltar outra vez para o Brasil, em 1681. Dedicou-se à tarefa de continuar a coligir seus escritos, visando à edição completa em 16 volumes dos seus Sermões, iniciada em 1679, e à conclusão da Clavis Prophetarum. Possuía cerca de 500 Cartas que foram publicadas em 3 volumes. Suas obras começaram a ser publicadas na Europa, onde foram elogiadas até pela Inquisição.

Já velho e doente, teve que espalhar circulares sobre a sua saúde para poder manter em dia a sua vasta correspondência. Em 1694, já não conseguia escrever de próprio punho. Em 10 de junho começou a agonia, perdeu a voz, silenciaram-se seus discursos. Morre a 17 de Junho de 1697, com 89 anos, na cidade de Salvador, Bahia

Obra

Deixou obra complexa que exprime suas opiniões políticas, sendo não propriamente um escritor e sim um orador. Além dos Sermões redigiu o Clavis Prophetarum, livro de profecias que nunca concluiu. Entre os inúmeros sermões, alguns dos mais célebres: o "Sermão da Quinta Dominga da Quaresma", o "Sermão da Sexagésima", o "Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal contra as de Holanda", o "Sermão do Bom Ladrão","Sermão de Santo António aos Peixes" entre outros.

Vieira escreveu profecias, entre elas a que previa o retorno de D.Sebastião a Portugal; Cartas sobre o relacionamento entre Portugal e Holanda, sobre os cristãos novos, a Inquisição e a situação da Colônia; e os sermões, suas melhores obras.

Seus melhores sermões foram:
• o Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda;
• o Sermão de Santo Antonio aos peixes;
• e o Sermão da Sexagésima.

Sermão da Sexagésima

Será por ventura o estilo que hoje se usa nos púlpitos? Um estilo tão dificultoso, um estilo tão afetado, um estilo tão encontrado a toda arte e a toda natureza? Boa razão é também esta. O estilo há de ser muito fácil e muito natural. Por isso, Cristo comparou o pregar ao semear. Compara Cristo o pregar ao semear, porque semear é uma arte que tem mais de natureza do que de arte.

Já que falo contra os estilos modernos, quero alegar por mim o estilo do mais antigo pregador que houve no Mundo. E qual foi ele? O mais antigo pregador que houve no Mundo foi o Céu. Suposto que o Céu é pregador, deve ter sermões e deve ter palavras. E quais são estes sermões e estas palavras do Céu? _ As palavras são as estrelas, os sermões são a composição, a ordem, a harmonia e o curso delas. O pregar há de ser como quem semeia como quem ladrilhar ou azulejar. Não fez Deus o céu em xadrez de estrelas, como os pregadores fazem o xadrez de palavras. Se de uma parte está branco, de outra há de estar negro; se de uma parte está dia, de outra há de estar noite? Se de uma parte dizem luz; da outra hão de dizer sombra; se de uma parte dizem desceu, da outra hão de dizer subiu. Basta que não havemos de ver num sermão duas palavras em paz? Todas hão de estar sempre em fronteiras com o seu contrário?

Mas dir-me-eis: Padre, os pregadores de hoje não pregam do Evangelho, não pregam das Sagradas Escrituras? Pois como não pregam a palavra de Deus: _ Esse é o mal. Pregam palavras de Deus, mas não pregam a Palavra de Deus
.”
Lendas

Existem muitas lendas sobre o padre António Vieira, incluindo a que afirma que, na juventude, a sua genialidade lhe fora concedida por Nossa Senhora, e a que, uma vez, um anjo lhe indicou o caminho de volta à escola quando estava perdido.

Fontes:
Santos, Eberth Santos. Moura, Josana. Literatura em ação. 2. ed. Uberlandia, MG: Claranto, 2004. p.65-66
Vieira, Padre Antônio. Vieira – Sermões. 2ªed. Rio de Janeiro, Agir, 1960. p.107

Gregório de Matos (1623 ou 1633 - 1696)

Gregório de Matos e Guerra (Salvador, 7 de abril de 1623 ou 1633 — Recife, 26 de novembro de 1696), alcunhado de Boca do Inferno ou Boca de Brasa, foi um advogado e poeta brasileiro da época colonial. É considerado o maior poeta barroco do Brasil e um dos maiores poetas de Portugal.

Gregório nasceu numa família de proprietários rurais, empreiteiros de obras e funcionários administrativos (seu pai era natural de Guimarães, Portugal). De facto, a nacionalidade de Gregório de Matos é portuguesa, na medida em que o Brasil só se tornou independente no século XIX.

Em 1642 estudou no Colégio dos Jesuítas, na Bahia. Em 1650 continua os seus estudos em Lisboa e, em 1652, na Universidade de Coimbra onde se forma em Cânones, em 1661. Em 1663 é nomeado juiz de fora de Alcácer do Sal, não sem antes atestar que é "puro de sangue", como determinavam as normas jurídicas da época.

Em 27 de Janeiro de 1668 teve a função de representar a Bahia nas cortes de Lisboa. Em 1672, o Senado da Câmara da Bahia outorga-lhe o cargo de procurador. A 20 de Janeiro de 1674 é, novamente, representante da Bahia nas cortes. É, contudo, destituído do cargo de procurador.
Em 1679 é nomeado pelo arcebispo Gaspar Barata de Mendonça para Desembargador da Relação Eclesiástica da Bahia. D. Pedro II nomeia-o em 1682 tesoureiro-mor da Sé, um ano depois de ter tomado ordens menores. Em 1683 volta ao Brasil.

O novo arcebispo, frei João da Madre de Deus destitui-o dos seus cargos por não querer usar batina nem aceitar a imposição das ordens maiores, de forma a estar apto para as funções de que o tinham incumbido.

Começa, então, a satirizar os costumes do povo de todas as classes sociais bahianas (a que chamará "canalha infernal"). Desenvolve uma poesia corrosiva, erótica (quase ou mesmo pornográfica), apesar de também ter andado por caminhos mais líricos e, mesmo, sagrados.
Entre os seus amigos encontraremos, por exemplo, o poeta português Tomás Pinto Brandão.
Em 1685, o promotor eclesiástico da Bahia denuncia os seus costumes livres ao tribunal da Inquisição (acusa-o, por exemplo, de difamar Jesus Cristo e de não mostrar reverência, tirando o barrete da cabeça quando passa uma procissão). A acusação não tem seguimento.
Entretanto, as inimizades vão crescendo em relação direta com os poemas que vai concebendo.

Em 1694, acusado por vários lados (principalmente por parte do Governador Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho), e correndo o risco de ser assassinado é deportado para Angola.

Como recompensa de ter ajudado o governo local a combater uma conspiração militar, recebe a permissão de voltar ao Brasil, ainda que não possa voltar à Bahia. Morre em Recife, com uma febre contraída em Angola.

Alcunha

A alcunha boca do inferno foi dada a Gregório por sua ousadia em criticar a Igreja Católica, muitas vezes ofendendo padres e freiras. Criticava também a cidade da Bahia, como neste soneto:

A cada canto um grande conselheiro.
que nos quer governar cabana, e vinha,
não sabem governar sua cozinha,
e podem governar o mundo inteiro.
Em cada porta um freqüentado olheiro,
que a vida do vizinho, e da vizinha
pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha,
para a levar à Praça, e ao Terreiro.
Muitos mulatos desavergonhados,
trazidos pelos pés os homens nobres,
posta nas palmas toda a picardia.
Estupendas usuras nos mercados,
todos, os que não furtam, muito pobres,
e eis aqui a cidade da Bahia.

Em honra do poeta, o título Boca do Inferno foi adoptado para as crónicas humorísticas de Ricardo Araújo Pereira, outro humorista português que critica vários aspectos culturais, muitas vezes a Igreja.

Obra

A sua obra tinha um cunho bastante satírico e moderno para a época, além de chocar pelo teor erótico, de alguns de seus versos.

Entre seus grandes poemas está o "A cada canto um grande conselheiro", na qual critica os governantes da "cidade da Bahia" de sua época. Esta crítica é, no entanto, atemporal e universal - os "grandes conselheiros" não são mais que os indivíduos (políticos ou não) que "nos quer(em) governar cabana e vinha, não sabem governar sua cozinha, mas podem governar o mundo inteiro". A figura do "grande conselheiro" é a figura do hipócrita que aponta os pecados dos outros, sem olhar aos seus. Em resumo, é aquele que aconselha mas não segue os seus preceitos.

Fonte:
http://pt.wikipedia.org/

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Irmãos Grimm (Wilhelm 1786-1859) (Jacob 1785-1863)

Os irmãos Grimm (em alemão Brüder Grimm), Jacob e Wilhelm Grimm, nascidos em 4 de Janeiro de 1785 e 24 de Fevereiro de 1786, respectivamente, foram dois alemães que se dedicaram ao registro de várias fábulas infantis, ganhando assim grande notoriedade. Também deram grandes contribuições à língua alemã com um dicionário (O Grande Dicionário Alemão - Deutsches Wörterbuch) e estudos de lingüística, e ao estudo do folclore.

Infância e estudos

A família é originária da cidade de Hanau no estado de Hesse. Os avós e bisavós eram protestantes. Os pais, Philipp Wilhelm e Dorothea Grimm, tiveram nove filhos dos quais apenas Ferdinand, Ludwig Emil, Charlotte, Jacob e Wilhelm Karl sobreviveram. A casa onde os irmãos nasceram está localizada na antiga praça das armas da cidade de Hanau. Em janeiro de 1791, Philipp foi nomeado funcionário na sua cidade natal, Steinau, em Kinzing, onde a família instala-se. Em 1796 o pai deles morre com 45 anos de idade. A mãe, a fim de assegurar ao filho mais velho todas as chances de conseguir avançar na carreira jurídica, envia os dois filhos para junto de sua tia em Kassel. Jacob freqüenta a Universidade de Marburg e estuda Direito, como o pai,enquanto seu irmão junta-se a ele um ano depois no mesmo curso. Um dos seus professores, Friedrich Carl von Savigny, abriu sua biblioteca privada para os jovens estudantes ávidos pelo saber e amantes de Goethe e Schiller, para fazê-los descobrir os escritores românticos e os minnesang. Savigny que trabalhava em uma História do Império Romano, encaminha-se para Paris em 1804 para suas pesquisas. Em janeiro de 1805, ele convida Jacob a ajudá-lo, o que este faz sem demora. Na qualidade de ajudante, ele se volta durante vários meses para a literatura jurídica. Desta época data o seu afastamento de temas jurídicos. Em sua correspondência,ele fala querer apenas consagrar-se à pesquisa sobre a "magnífica literatura da Alemanha antiga". Ambos já se interessavam pela língua e pela literatura.

Primeiros escritos

Os irmãos decidiram dedicar-se aos estudos de história e lingüística, recolhendo diretamente da memória popular, as antigas narrativas, lendas ou sagas germânicas, conservadas pela tradição oral.

Jacob Grimm retornou a Kassel aonde entrementes sua mãe tinha vindo se instalar. No ano de 1806, Wilhelm Grimm termina seus estudos em Marburg. Eles vivem com a mãe em Kassel. Jacob consegue um cargo de secretário na escola de guerra de Kassel. A seguir às guerras napoleônicas contra a Prússia e a Rússia, que começam pouco depois da sua nomeação e que colocam Kassel sob a influência de Napoleão, a escola de guerra é reformada e ele torna-se o encarregado do abastecimento das tropas combatentes, o que o desagrada e o leva a abandonar seu posto. Wilhelm Grimm, de saúde frágil, estava na época sem emprego. Desse período nebuloso, mas que os encontra muito motivados, datam as primeiras compilações de contos e histórias que nos chegaram hoje.

Após o falecimento da mãe em 27 de maio de 1808, Jacob, na qualidade de primogênito, ficou encarregado de toda a família. Ele aceita então um cargo de diretor da biblioteca privada de Jérome Bonaparte (irmão de Napoleão recentemente feito rei do jovem reino da Vestfália) e ocupa durante o ano de 1809 um cargo de assessor no conselho de Estado, ainda que não tenha sido obrigado a essa posição e dedicasse grande parte de seu tempo aos estudos.

Em 1809, por causa de sua doença, Wilhelm faz um tratamento em Halle que deve ter sido financiado por Jacob. Ele passa a residir no castelo de Giebichenstein (que pertenceu ao compositor Johann Friedrich Reichardt) e enfim em Berlim onde encontra Clemens Bretano através de quem ele conhece escritores e artistas berlinenses como, por exemplo, Ludwig Achim von Arnim. Durante a volta para Kassel, Wilhelm encontra também Johann Wolfgang von Goethe que aprova os seus "esforços em prol de uma cultura vasta e esquecida".

Desde 1806, os irmãos Grimm tinham reunido contos e desde 1807 tinham publicado artigos em revistas sobre mestres trovadores. A partir de 1810, os irmãos Grimm encontram-se novamente juntos em Kassel e em 1811, Jacob publica sua primeira obra sobre os "mestres cantores alemães" (Über den altdeutschen Meistergesang).

Depois da batalha de Leipzig em 1813, o reino da Vestfália foi desfeito e o colégio eleitoral de Hesse restaurado. Jacob Grimm perde, por isso, seu cargo de diretor da biblioteca real, mas logo encontra um emprego junto ao príncipe-eleitor, como secretário da legação. Nessas novas funções diplomáticas, ele retorna a Paris em 1814, onde emprega seu tempo livre em novas pesquisas na biblioteca. Se ele gostava das viagens, sentia, contudo o afastamento das pesquisas literárias no seu país por causa dos afazeres.

Coletores de contos e lendas

Wilhelm Grimm nesse meio tempo havia publicado o seu primeiro livro em 1811,traduções de lendas dinamarquesas antigas (Altdänische Heldenlieder). A primeira obra comum dos dois irmãos, sobre o Hildebrandslied e o Wessobruner Gebet, foi publicada em 1812 e foi seguida em dezembro do mesmo ano da primeira coletânea, Contos da Criança e do Lar (Kinder und Hausmärchen), com tiragem de 900 exemplares. O primeiro manuscrito da compilação de histórias data de 1810 e apresentava 51 narrativas. Os dois irmãos escreviam também uma edição alemã do Eddas, assim como uma versão alemã do Romance de Renart (o Reineke Fuchs), um conjunto de poemas medievais trabalhos que ficaram, no entanto, durante muito tempo, incompletos. De 1813 á 1816, os irmãos contribuíram igualmente para a revista Altdutsche Wälder, dedicada à literatura alemã antiga, mas que só dura três números.

Em 1814, Wilhelm Grimm torna-se secretário da biblioteca do museu de Kassel e instala-se no Wilhemshöher Tor um alojamento pertencente à casa do príncipe-eleitor de Hesse, onde Jacob se junta a ele quando volta de Paris. Em 1815, Jacob Grimm assiste ao Congresso de Viena na qualidade de secretário da delegação de Hesse e em seguida, retorna a Paris para uma missão diplomática em setembro de 1815. Logo depois, abandona a carreira diplomática para poder dedicar-se exclusivamente ao estudo,a classificação e ao comentário da literatura e da história. Neste mesmo ano, ao lado de uma obra de estudos mitológicos (Irmentraâe und Irmensäule), ele publica uma seleção de antigos romances espanhóis (Silva de romances viejos).

Em 1815, os irmãos Grimm produzem o segundo volume dos Contos da Criança e do Lar, reimpresso em forma aumentada em 1819. As notas sobre os contos dos dois volumes foram publicadas em 1822. Uma nova publicação que condensava os outros três volumes em um único surge em 1825 e contribui grandemente para a popularidade dos contos. Essa edição foi ilustrada pelo irmão deles Ludwig Emil Grimm. A partir de 1823 apareceu uma edição inglesa ilustrada dos Contos da Criança e do Lar. Durante a vida dos dois irmãos apareceram sete impressões da edição completa em três volumes dos contos e dez da edição reduzida a um volume único. A qüinquagésima edição, última com os autores vivos, já totalizava 181 narrativas. Algumas dessas histórias são de fundo europeu comum, tendo sido também recolhidas por Charles Perrault, no século XVII, na França, o que remete à existência de uma fonte comum.

Seguem-se, entre os anos de 1816 e 1818, os dois tomos de lendas recolhidas (Deutsche Sagen). Os dois irmãos haviam recolhido indiferentemente contos e lendas. É difícil separá-los sob critérios temáticos e os irmãos não os fizeram de maneira seguida. No entanto, os contos remontam no essencial a fontes orais, enquanto as lendas foram terminadas mais ou menos ao mesmo tempo, desde 1812. A demora de seis anos da publicação se explica pelo trabalho de composição de um texto publicável. O conjunto de lendas não conseguiu grande sucesso e não foi, portanto, reimpresso durante a vida dos irmãos.

Na idade de 30 anos, Jacob e Wilhelm já haviam conseguido uma posição de destaque por suas numerosas publicações. Eles viviam juntos em Kassel, com o modesto salário de Wilhelm durante um tempo. Apenas em abril de 1816, Jacob tornou-se segundo bibliotecário em Kassel, ao lado de Wilhelm que já trabalhava há dois anos como secretário. O trabalho deles consistia em emprestar, procurar e classificar as obras. Simultaneamente a suas funções oficiais, eles podiam realizar as próprias pesquisas, que foram condecoradas em 1819 por um doutorado honoris causa da Universidade de Marbourg.

Eles não teriam podido publicar tanto durante estes anos sem encorajamento nem proteções. Primeiramente eles foram sustentados pela princesa Wilhelmine Karoline de Hesse. Depois de sua morte em 1820 e a do príncipe eleitor em 1821, os irmãos mudaram-se com a irmã deles, Charlotte, para um alojamento mais simples, entre uma caserna e uma forja, não sem conseqüências embaraçosas para o trabalho deles. "Lotte", que até então ficava com a família, se casaria pouco depois, deixando os dois irmãos que se mudariam várias vezes e levariam uma vida de solteiros durante muitos anos ainda.

A paixão pela língua

É nesse período criativo que se dá o trabalho de Jacob na sua Gramática Alemã. O primeiro tomo tratava da flexão, o segundo da formação das palavras, Jacob trabalha nela com furor, sem deixar um manuscrito completo, fazendo imprimir folha após folha à medida que escrevia texto suficiente. A impressão do primeiro tomo se estendeu de janeiro de 1818 ao verão de 1819, a duração exata do trabalho dele em sua obra. Até 1822, ele trabalhará novamente no primeiro tomo de maneira a incluir apenas estudo dos sons. Como anteriormente, ele escreve e faz imprimir as páginas, princípio que ele segue também para o segundo tomo, surgido em 1826. Wilhelm tinha publicado durante esse período vários livros sobre as runas e os cantos heróicos alemães (Deutsche Heldensage), considerados como suas obras primas, surgidos em 1829.
Foi apenas após o casamento de Wilhelm Grimm com Henrietta Dorothea Wild em 1825 que o curso da vida dos dois irmãos veio a ter alguma estabilidade. Eles continuaram a viver juntos apenas até o nascimento das crianças de Wilhelm e "Dortchen". Em 1829, depois de respectivamente 13 e 15 anos de serviço na biblioteca de Kassel, os dois irmãos demitem-se. Depois da morte do diretor, o príncipe-eleitor de Hesse, Guilherme II de Hesse não entregou o posto a Jacob e os irmãos responderam à proposta da biblioteca da Universidade de Göttingen em Hanôver.

Eles vivem novamente juntos, Jacob trabalhava como professor titular, Wilhelm como bibliotecário e, a partir de 1835,também como professor. Jacob publica dois tomos suplementares de sua gramática até 1837. Ele também pôde terminar em 1834 o trabalho começado em 1811 sobre o Reineke Fuchs, e compôs uma obra sobre a mitologia germânica (Deutsche Mythologie, 1835). Wilhelm encarregou-se sozinho da terceira impressão dos Kinder und Hausmärchen em 1837.

Nesse mesmo ano, o rei de Hanôver, da Grã-Bretanha e da Irlanda, Guilherme IV morre, e a coroa de Hanôver passa para seu irmão Ernest August I. De tendências autoritárias, este rapidamente revoga a constituição relativamente liberal que havia sido instituída pelo seu predecessor, à qual os funcionários haviam prestado juramento. Sete professores da universidade de Göttingen, entre os quais Jacob e Wilhelm, assinam uma carta de solene protesto. O rei replica exonerando os professores e exilando três deles de seu estado, entre os quais, Jacob Grimm e graças a isto, Os Sete de Göttingen (o Göttinger Sieben) ganham grande repercussão na Alemanha.

Grande dicionário alemão

Os irmãos retornam a Kassel onde ficam sem emprego até que o rei Frederico Guilherme IV da Prússia convida-os para trabalhar como membros da academia de ciências e professores na Universidade Humboldt. Os dois aceitam essa oferta e se instalam definitivamente em Berlim. Jacob empreendeu, no entanto diversas viagens ao estrangeiro, e foi depois deputado no Parlamento de Frankfurt em 1848 junto com vários de seus antigos colegas de Göttingen.

Durante esse período berlinense, os dois irmãos consagraram-se principalmente a uma obra colossal: a escrita de um dicionário histórico da língua alemã, que apresentaria cada palavra com sua origem, sua evolução, seus usos e sua significação. Mas os dois haviam subestimado o trabalho a ser feito. Ainda que tenham começado essa tarefa em 1838, após a volta de Göttingen, o primeiro volume aparece apenas em 1854 e apenas alguns volumes puderam ser editados durante a vida deles. Várias gerações de germanistas darão continuidade a esta obra, e cento e vinte e três anos depois, em 4 de janeiro de 1961, o trigésimo segundo volume do dicionário foi enfim publicado. Em 1957, uma nova revisão desta obra gigantesca foi iniciada e o primeiro volume do trabalho, publicado em 1965. Em 2004, o conjunto do dicionário foi editado em forma de CD-ROM pela Edições Zweitausendeins (Frankfurt am Main).

Wilhelm Grimm morreu em 16 de dezembro de 1859. A academia de Berlim escrevia em janeiro de 1860: "No dia 16 do último mês faleceu Wilhelm Grimm, membro da Academia, que fez brilhar seu nome à designação de lingüista alemão e coletor de lendas e poemas. O povo alemão está também habituado a associá-lo a seu irmão mais velho Jacob. Poucos homens são honrados e amados como são os irmãos Grimm, que no espaço de meio século ampararam-se reciprocamente e fizeram-se conhecidos por um trabalho comum". Jacob sozinho deu continuidade à obra deles até morrer em 20 de setembro de 1863. Os dois irmãos descansam juntos no cemitério de Matthäus em Berlim-Schöneberg.

Obras

As obras comuns mais significativas de Jacob e Wilhelm Grimm são: a reunião de contos para crianças,a coleção de lendas,assim como o dicionário. Jacob Grimm trouxe contribuições de primeira importância para a lingüística alemã então nascente, que ajudaram a fundar a gramática histórica e comparada. É na segunda edição de sua Gramática Alemã que Jacob descreve as leis da fonética que regulam a evolução das consoantes nas línguas germânicas, conhecidas depois sob o nome de Lei de Grimm. Ele é também o autor de uma História da Língua Alemã (Geschichte der deutschen Sprache).

Buscando encontrar as origens da realidade histórica de seu país, os pesquisadores encontram a fantasia, o fantástico, o mítico em temas comuns da época medieval. Com suas pesquisas, tinham dois objetivos básicos: o levantamento de elementos lingüísticos para fundamentação dos estudos filológicos da língua alemã e a fixação dos textos do folclore literário germânico, expressão autêntica do espírito nacional. De qualquer forma, surge uma grande literatura infantil para encantar crianças de todo o mundo.

O compositor Richard Wagner inspirou-se em várias lendas recolhidas pelos dois irmãos para a composição de suas óperas, assim como da Deutsche Mythologie de Jacob Grimm para sua Tetralogia.

Características dos contos

Na tradição oral, as histórias compiladas não eram destinadas ao público infantil e sim aos adultos. Foram os irmãos Grimm que as dedicaram às crianças por sua temática mágica e maravilhosa. Fundiram, assim, esses dois universos: o popular e o infantil. O título escolhido para a coletânea já evidencia uma proposta educativa. Alguns temas considerados mais cruéis ou imorais foram descartados do manuscrito de 1810.

O Romantismo trouxe ao mundo um sentido mais humanitário. Assim, a violência presente nos contos de Charles Perrault, cede lugar a um humanismo, onde se destaca o sentido do maravilhoso da vida. Perpassam pelas histórias, de forma suave, duas temáticas em especial: a solidariedade e o amor ao próximo. A despeito dos aspectos negativos que continuam presentes nessas histórias, o que predomina, sempre são a esperança e a confiança na vida. É possível observar essa diferença, confrontando-se os finais da história de Chapeuzinho Vermelho em Perrault, que termina com o lobo devorando a menina e a avó, e em Grimm, onde o caçador abre a barriga do lobo, deixando que as duas fiquem vivas e felizes enquanto o lobo morria com a barriga cheia de pedras que o caçador ali colocou.

Os Contos de Grimm não são propriamente contos de fadas, distribuindo-se em:

- Contos de encantamento (histórias que apresentam metamorfoses, ou transformações, a maioria por encantamento);

- Contos maravilhosos (histórias que apresentam o elemento mágico, sobrenatural, integrado naturalmente nas situações apresentadas);

- Fábulas (histórias vividas por animais);

- Lendas (histórias ligadas ao princípio dos tempos ou da comunidade e onde o mágico aparece como "milagre" ligado a uma divindade);

- Contos de enigma ou mistério (histórias que têm como eixo um enigma a ser desvendado);

- Contos jocosos (humorísticos ou divertidos).

A característica básica de tais narrativas (qualquer que seja sua espécie literária) é a de apresentar uma problemática simples, um só núcleo dramático. A repetição, ou reiteração, juntamente com a simplicidade de problemática e da estrutura narrativa, é outro elemento constitutivo básico dos contos populares. Da mesma forma que a simplicidade da mente popular, ou da infantil, repudia as estruturas narrativas complexas (devido à dificuldade de compreensão imediata que elas apresentam), também se desinteressam da matéria literária que apresente excessiva variedade, ou novidades que alterem continuamente as estruturas básicas já conhecidas.

Essa reiteração dos mesmos esquemas na literatura popular-infantil vai, pois, ao encontro da exigência interior de seus leitores: apreciarem a repetição de situações conhecidas, porque isso permite o prazer de conhecer, por antecipação, tudo o que vai acontecer na história. E mais, dominando, a priori, a marcha dos acontecimentos, o leitor sente-se seguro interiormente. É como se pudesse dominar a vida que flui e lhe escapa.

Vários críticos afirmam serem as histórias dos Grimm incentivadoras do conformismo e da submissão. Ainda assim, a permanência dessas narrativas, oriundas da tradição popular, justifica o destaque conferido a estes autores alemães.

Contos mais famosos
Branca de Neve;
Cinderela;
João e Maria;
Rapunzel;
A Protegida de Maria;
O Ganso de Ouro;
O Alfaiate Valente;
O Lobo e as Sete Cabras;
Os Sete Corvos;
As Aventuras do Irmão Folgazão;
Os Músicos de Bremen.

Essas histórias não são de autoria dos Irmãos Grimm, apenas foram compiladas por eles.

Fonte:
pt.wikipedia.org