sábado, 19 de novembro de 2022

A. A. de Assis (Jardim de Trovas) 18

 

Nilto Maciel (Conselho de Luís XVIII)


Durante muito tempo Carlos Prado se considerou desenhista de primeira grandeza. Também muita gente o considerava assim.

Desde menino garatujava, desenhava, pintava. Criança-prodígio, diziam seus pais e parentes. Seria um Michelangelo. Pena ser brasileiro.

Fez-se homem. E, para sorte sua, chegou ao Brasil a Missão Artística Francesa. Com ela, Charles Pradier. Correu ao encontro do artista famoso. Conheceu-o. Viu seus desenhos brasileiros. Sobretudo os de D. João VI. Tudo lhe parecia magnífico. A corte portuguesa parecia a francesa. Magnifique! Elogiava todos os quadros do visitante. Sempre em francês. “Ah! que vous êtes génial!” E não largou mais o francês. Até decorou frases inteiras de Chateaubriand: “Une heure après le concher du soleil, la lune se montra au-dessus des arbres à l’horizon opposé”*. E também de Ronsard, Rabelais, Corneille, Racine, Molière, la Fontaine, Montesquieu, Voltaire, Rousseau, Diderot, e muitos outros. Quase morreu de tanto ler. Quase trocou o desenho pela literatura. E se se tornasse poeta? Sim, por que não escrever versos? Em francês, naturalmente. Tentou. Quis imitar André Chénier. Desistiu logo. Seu destino era mesmo o desenho.

A seguir, viajou à Europa. No rastro do suíço. Ah se pudesse hospedar-se na casa dele! Porém Charles nem deu ouvidos a Carlos. De qualquer modo, encontrava-se no Velho Mundo. No melhor dos mundos. Logo ficaria célebre e rico. Seu nome na boca dos reis. E, se tudo se desse como imaginava, logo arranjaria uma francesinha. Casaria na Sainte-Chapelle, na St.-Germain-l’Auxerrois, na Notre-Dame. Se tivesse mais sorte, com uma princesa. E nunca mais veria o Brasil, terra de índios e negros. Sim, nada de morrer no Brasil, obscuro e pobre. Queria seu lugar na galeria dos grandes pintores. Precisava retratar reis, rainhas, princesas. Seria famoso. Mais que Pradier e Debret.

Em Paris conheceu outros pintores e desenhistas. E também condes e condessas, duques e duquesas. O melhor da corte de Luís XVIII. Já falava francês como qualquer parisiense. E até pensou mudar de nome: Charles Pré. Aconselharam-no a mudar de ideia. O nome não agradava.

Na verdade, Carlos Prado queria mesmo conhecer Luís XVIII. E retratá-lo. Houve espanto. O rei nem sequer o receberia. Ele insistia, insistia. Procurava condes, cardeais, madames. Uns riam, outros não o viam. Talvez fosse maluco. Enfim lhe trouxeram a resposta do monarca. Resposta ingrata e desairosa: A França não precisava de desenhistas brasileiros. Fosse desenhar o rei do Brasil. Se é que lá havia rei. Ou se é que o Brasil existia mesmo.

Desiludido, ou mais iludido ainda, voltou à Pátria. E procurou seguir o conselho de Luís XVIII. Depois de muitas idas e vindas, conseguiu ver o rei. Extasiou-se. Finalmente diante de um rei. Embora brasileiro e português. Nesse dia adoeceu, teve insônia, embriagou-se. Tudo em vão. Pois o retrato que fez do rei quase o levou à prisão. D. João indignou-se. Aquilo não era arte. Aquela garatuja não valia nada. Um desaforo! Rei com cara de plebeu. Não, não parecia um rei. Aliás, aquilo não era retrato. Aquele idiota não desenhava nada.
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*Uma hora depois do pôr do sol, a lua surgiu acima das árvores no horizonte oposto.

Fonte:
Nilto Maciel. Pescoço de Girafa na Poeira. Brasília/DF: Secretaria de Cultura do Distrito Federal/Bárbara Bela Editora Gráfica, 1999.
Livro enviado pelo autor.

Caldeirão Poético LVI


Carlos Gildemar Pontes

Cajazeiras/PB

NA LUZ DA TUA IMAGEM


Quando em pensamento vivo
uma confusão ao certo,
se sou do teu sol cativo
ou do teu luar deserto.

Fez-se um desejo infinito
que até ao mar revolta,
mesmo velejando aflito
todo coração se solta.

Em toda vontade canto
mesmo que me choque a alma
se do amor sou oriundo,

vou te alentar com o manto
para embalar a calma
do meu sonho mais profundo.
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Manoel Virgílio
Rio de Janeiro/RJ

NADA


Difícil, nesta vida, o fazer nada!
O nada é um vazio; não se acaba.
Um nada que, sem cores, transparente,
é nulo e faz vazia a vida da gente.

Difícil programar não fazer nada!
Calar e não pensar, é dura saga.
Não sonhar, não querer, não desejar,
no nada se acabar; nada criar.

Viver sem nada ter, sem nada crer!
Sem crer a nossa vida já é nada,
um nada que, sem fé, em nada brada.

Negar a criatura, o próprio ser;
negar o criador, por vezes cada,
será negar razão, ao próprio nada!
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Nilze Costa e Silva
Natal/RN

NAVEGANDO

A Nave de Prata por trás da vidraça
Amanhece palavras, entardece ternura
Conduz seus versos com tanta candura
Anoitece nuvem no céu que se esgarça.

A Nave de Rubi por trás das canções
Procura caminhos por navegar
Singrando poemas em pleno mar
Transforma seus versos em orações.

O terno poeta, agora distante
Navega em nós pelo pensamento
E pela lembrança sempre constante

Deixando mais belo seu sonho lídimo
Foi poetar lá no firmamento
O imenso poeta Horácio Dídimo
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Paulo Roberto Coelho Ximenes
Fortaleza/CE

MAGIA NO MUNDAÚ

À noitinha, na praia, a lua brilhou
leiteando os contornos alquebrados
até a salsugem se quedou ao prateado
uma gaivota ia passando... E voltou.

Um artista se enamorou do violão
o coqueiro chamou o vento pra dançar
o sol nem tinha mais hora pra chegar,
a caipirinha empederniu a ilusão.

Do nada... uma sereia enfeitiçada!
Seu tênue rasto na areia se moldou
(no blues o devaneio se propaga).

A poesia no Mundaú se alastrou.
O poeta assistiu a tudo. Disse nada.
Mesmo assim, a lua brilhou!
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Vicente Vieira
Fortaleza/CE

LOUCO POETA

Sabemos que todo poeta é louco
Mas que nem todo louco é poeta
O primeiro se nota pouco a pouco
O segundo só estando bem alerta.

Como o poeta busca a fuga do real
E o louco dela sempre se locupleta
Não sei se para o bem ou para o mal
A semelhança dos dois: quase completa.

Há no entanto uma certa desavença
Pois o poeta incorpora sempre o belo
E o louco não adota nenhuma crença

É bem possível então notar a diferença
Ao tentar se estabelecer um paralelo:
A sensibilidade do poeta é sempre intensa.

Fonte:
Luciano Dídimo (org.). 100 sonetos de 100 poetas. Fortaleza/CE: Expressão Gráfica e Ed., 2019.

George Abrão (A minha igreja)


- Sua igreja, George?

- Sim, minha! E eu explico o porquê:

Desde a minha mais tenra infância, ou melhor, desde que nasci ela já era minha, pois lá fui batizado; depois, aos meus sete anos, nela fiz a minha Primeira Eucaristia; e mais tarde, o meu Crisma.

E durante todo esse tempo da minha infância e pré-adolescência a frequentei, nela vivi a minha religião. E ela chamava-se Igreja Matriz do Senhor Bom Jesus da Pedra Fria, desde o ano de 1822, até que, na Festa de Agosto do ano de 1958, no dia 08, por razões que aqui não valem ser mencionadas, a minha querida igreja foi fechada por período indeterminado, ficando proibida a realização de cerimônias religiosas oficiais do templo, tornando-se assim o mesmo um imóvel comum, pois a Matriz foi transferida para a Igreja São Francisco de Assis, na Cidade Baixa de Jaguariaíva. Então, todo o povo residente na Cidade Alta sentiu-se órfão, sem o seu ponto de referência e de encontro durante as novenas e as missas diárias e dominicais.

Mas, iluminado pelo Espírito Santo, um grupo de moradores, liderados pelo Sr Iraceu Pedroso (Zico da Caixa), que era auxiliado por sua esposa, dona Maria, por Santinha Bussi, por Eni Faria, pelas freiras do Colégio Bom Jesus, demais pessoas da vizinhança e muitos devotos de várias partes da cidade Alta, resolveu continuar com a reza de terços diários, todo início de noite, suprindo assim um pouco da falta de cerimônias religiosas dos moradores.

Lembro-me que para lá me dirigia sempre, no horário dos terços para, junto com meus primos e outros amigos auxiliarmos na reza.

Só que, como todo o sofrimento um dia acaba, passados alguns anos, a Igreja do Senhor Bom Jesus da Pedra Fria ganhou o status de Santuário do Senhor Bom Jesus da Pedra Fria, que conserva até hoje.

Então, a igreja é minha, pois vivi parte de minha vida nela, a amo e a revejo sempre em minhas lembranças e nos meus sonhos e, a cada vez que vou à minha terra natal, dirijo-me até ela onde faço minhas orações e choro a minha saudade.

Fonte:
George Roberto Washington Abrão. Momentos – (Crônicas e Poemas de um gordo). Maringá/PR, 2017.
Ebook enviado pelo autor.

4 Concursos de Trovas com Inscrições Abertas


CONCURSO DE TROVAS DE TAUBATÉ
Prazo: 30 de novembro de 2022

NACIONAL / INTERNACIONAL
(Trovadores do Brasil e do mundo, exceto Estado de São Paulo):

Veteranos e Novos Trovadores
Tema: Livro (L/F)
Máximo de 02 trovas

Estadual (Trovadores do Estado de São Paulo, exceto Taubaté)     
Tema: Progresso (L/F)
Máximo de 02 trovas

Municipal (Trovadores de Taubaté):  
Tema: Prece (L/F)
Máximo de 02 trovas

HUMORÍSTICA (Todos os trovadores independente de categoria):  
Tema: SOGRO (no masculino mesmo)
Máximo de 02 trovas

Trovadores Mestres (título outorgado pela UBT Taubaté desde 2015)
Tema: Porvir (L/F)
Máximo de 02 trovas

- Valem palavras derivadas, cognatas e mesmo somente a ideia do tema contida na trova; a trova deve ser inédita, escrita em língua portuguesa e de autoria própria;

- É obrigatório que o Novo Trovador indique essa condição (no corpo do e-mail);

Envio por email:

Fiel Depositário - Raul Filho

ubttaubateconc@gmail.com

Ao enviar por e-mail: No campo Assunto colocar: Concurso de Trovas de Taubaté 2022;

- No corpo do e-mail são dados obrigatórios: o tema a que concorre, a trova, a condição junto a UBT Nacional caso seja Novo Trovador e a identificação (nome, cidade/estado/país, telefone/whatsApp e e-mail);
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CONCURSO DE TROVAS DE NATAL/RN
Prazo: 30 de novembro de 2022

NACIONAL/INTERNACIONAL E ESTADUAL
Estação(ões) (L/F):
1 (uma) Trova.

NACIONAL/INTERNACIONAL E ESTADUAL
Deslize(s) (Humor)
1 (uma) Trova.

A palavra tema deverá constar na Trova.

COMO ENVIAR:

No âmbito nacional/internacional, deverá haver menção à categoria (veterano ou novo trovador);

Enviar a identificação com nome, endereço, telefone e e-mail (se possuir);

ÂMBITO NACIONAL / INTERNACIONAL

 Por e-mail:
(Magnus Kelly)

magnuskelly@yahoo.com.br

ÂMBITO ESTADUAL
(Jerson Brito)

jersonbrito.pvh@gmail.com
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I CONCURSO DE TROVAS DA UBT- NOSSA SRA. APARECIDA/SE
Prazo: 31 de Dezembro de 2022.

NACIONAL/INTERNACIONAL
Veteranos: Roça (L/F)
01 trova inédita por concorrente

Novo Trovador: Sertão (L/F)
01 trova inédita por concorrente

Humor (todos os trovadores independentes da categoria): Chapéu (H)
01 trova inédita por concorrente

– É obrigatório constar a palavra tema na trova;

– Acima da trova o autor deve colocar a categoria na qual está concorrendo.

Enviar por e-mail:

ubtaparecida2021@gmail.com,

fiel depositário Ademarcos Dantas Santana.
 
– No mesmo corpo do e-mail com as trovas, deverá constar o endereço completo do Trovador (sem anexo).

CLASSIFICAÇÃO:

a) Veteranos:

5 Vencedores [1º ao 5º]
5 menções honrosas [6º ao 10º]
5 menções especiais [11º ao 15º].

b) Novos trovadores:
5 vencedoras [1º ao 5º]
5 menções honrosas [6º ao 10º]

c) Trovas humorísticas:
5 vencedoras [1º ao 5º]
5 menções honrosas [6º ao 10º]

– A premiação, composta de certificados, será enviada diretamente aos premiados via e-mail.
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I JOGOS FLORAIS DE IRATI/PR
Prazo: 28 de fevereiro de 2023.

ÂMBITOS ESTADUAL, NACIONAL/INTERNACIONAL

Trovas líricas ou filosóficas.

Veterano: (em todos os âmbitos)
tema: Pedra  
Máximo de 02 (duas) inéditas

Novo Trovador: (em todos os âmbitos)
tema: Rocha
Máximo de 02 (duas) inéditas

Humorística (em todos os âmbitos e categorias)
tema: Cascalho
Máximo de 02 (duas) inéditas

A palavra tema ou cognato devem obrigatoriamente constar do corpo da trova.

Modo de Envio:

Enviar no corpo do e-mail: as trovas, bem como, o tema, âmbito e a categoria pela qual concorre o trovador, bem como nome, endereço, telefones e e-mail. Não serão aceitos anexos.

Nacional/internacional

olgaagulhon@hotmail.com

Âmbito estadual

jersonbrito.pvh@gmail.com

A premiação acontecerá no dia 28 de julho de 2023, (sábado) às 15 horas, no Centro Cultural Clube do Comércio, em Irati (PR).

Serão concedidos Diplomas e medalhas aos classificados.

A premiação será enviada por correios para o premiado que não puder comparecer na data da premiação.
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sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Varal de Trovas n. 572

 

Aparecido Raimundo de Souza (Crotildo)


O CHULÉSIO RESOLVEU se desfazer do seu papagaio de estimação. Para ele, um ser exoticamente totêmico (1). Quase surreal. Claro, a separação se faria a contragosto, é verdade. Amava o bicho como um apaixonado que se encanta por uma jovem bela e formosa, extremamente gostosa a ponto de despertar paixões avassaladoramente pecaminosas. Na linha dos quarenta, precisava de grana para cobrir despesas urgentes e não tinha nada de valor que pudesse colocar à venda. Lembrou do Crotildo. Havia achado o coitadinho fazia tempos, em meio de um depósito de lixo, próximo a sua antiga moradia, quando ainda o louro se constituía num bebezinho dependendo de carinhos e cuidados.

Bleso (2) de nascença, Chulésio se via às voltas com certas dificuldades para se comunicar com as pessoas. Por conta da sua foniatria (3), ficava nervoso, perdia o bom senso e a lógica do raciocínio. Nessas ocasiões, levado pela alteração verbal, se sentia demolido, arrasado na segurança com a convivência entre seus próprios consanguíneos, totalmente desmantelado e claro, esfacelando os neurônios e confundindo tudo dentro da sua cabeça. Sem saída, preparou o Crotildo, para colocá-lo em exposição, à porta de casa. Morava num bairro próximo ao centro com a mulher e dois filhos numa edificação de alvenaria, herança do pai, onde um quintal enorme permitia que seus trabalhos de carroceiro fossem de vento em popa.

Entretanto, com a chegada da pandemia, os serviços caíram à zero. Viraram, da noite paro o dia, gatos pingados, até que cessaram de vez. E não só isso: o prefeito baixou por conta da Covid-19, uma ordem que proibia os donos de carroças colocarem seus animais para puxarem coisas que uma pessoa comum e normal não levaria à termo. Em razão disso, seus dois cavalos deixaram de contribuir cotidianamente para o aumento da renda, aumento esse que vinha exatamente das tranqueiras e quinquilharias as mais diversas que carregava de manhã à noite, além da entrega para um comércio de materiais de construção como areia, sacos de cimento, botijões de gás, tijolos, enfim, até móveis e instrumentos musicais entravam no extenso rol.

De repente, as carroças ao sabor das longas esperas no espaço sem produzir coisa alguma, seguidas dos belos pangarés tomando ar fresco e comendo às custas do infeliz-patrão, sem produzir o essencial, Chulésio passou a comercializar objetos que carecia até para seu uso imediato e pessoal. Nessa leva foram lotes de lajotas e telhas coloniais para o beleléu (pretendia fazer um puxadinho nos fundos do terreno), móveis de sala e quarto que ganhava em doações. Até aparelhos eletrodomésticos, como geladeira (ele tinha duas), televisão, fogão (eram em número de quatro) guarda roupas e, de lambuja, um berço novinho em folha. Sem um quadro de melhoras, e ao escasso das coisas armazenadas, careceu de partir para o “valha me Deus, nossa Senhora”.

Em meio dessa confusão desordenada, teve que dançar, ou melhor, pular de cabeça se adequando no meio da miserenta da fome conforme a música que ela tocava em sua barriga. Ou isso ou a sua família passaria pelo imensurável da fome negra. Sem eira nem beira, jogou em troca de alguns cobres, o leito do casal com colchão que ganhara da mãe e, desde então, se viu dormindo com a esposa numa esteira, bem como os jiraus (4) dos filhos, em repeteco, uma garota de doze anos e um garoto de quinze. Sem mais nada rendoso, final de tudo, restou o papagaio. Seu querido e amoroso Crotildo. Vender o Crotildo, era como se um médico precisasse, num piscar de olhos, arrancar uma parte de seu corpo.

Sem opção, a alma inteira derramando o fel da tristeza, escreveu numa cartolina as palavras simples, destituídas da longevidade correta do português: “VENDU UGENTI O CROTILDU, MEO PAPAGÁO”. Nos primeiros dias, os vizinhos tentaram demovê-lo da ideia. Contudo, sem uma opção mais digna, não havia como voltar atrás. Por assim, logo que acordava, levava o papagaio para a frente da residência. Final da tarde, o recolhia. Os “passantes” que se faziam alheios às dificuldades do desditoso (fosse por morarem fora e cruzarem com a rua para um simples corte de caminho), paravam para indagarem o que o Aua (5) comia.

E o Chulésio aos acanhados das tartamelâncias (6), explicava:

— Eli... co... co... mi... de... de... tu... tu... do.  Se... men... se... men... tes... de... gi... gi... ras... sol... ar... rois... fei... fei... jãum... ma... ma... car... rãum...  pã... um... pu... pu... ro... ou... com... um... ca... ca... fé... fe... ba... ba... na... na... chu... pa... pa... man... ga... ga... gos... ta... de... ce...  ce... nou... ra...  e... ma... ma... çã...

Em face dessa fartura alimentar, as pessoas iam embora sem mostrarem o devido interesse em ter o Crotildo como novo membro engrossando o clã (7). Assim foi o mês todo. Nada. Quando menos se esperava, surgia um filho de Deus e o Chulésio repetia o menu com toda a sutileza que o seu tatibitate (8) permitia:                       

— Eli... co... co... mi... de... de... tu... tu... do.  Se... men... se... men... tes... de... gi... gi... ras... sol... ar... rois... fei... fei... jãum... ma... ma... car... rãum...  pã... um... pu... pu... ro... ou... com... um... ca... ca... fé... fe... ba... ba... na... na... chu... pa... pa... man... ga... ga... gos... ta... de... ce...  ce... nou... ra...  e... ma... ma... çã...

Dois meses e nenhum avanço propício à negociação do popular Amazona aestiva (9). Final do dia, Chulésio em decorrência do seu borboró (10), se via cansado e desgastado, aflito e angustiado por não conseguir se desfazer da sua “criaturinha verde”. Três meses e a situação se complicou. O redizer veemente e reiterado do que o Crotildo mandava para a barriguinha (amiudado dez, quinze, vezes ou mais), o inquietou. Por derradeiro, final do quarto mês de tentativas infrutíferas, o cidadão se emputeceu de vez. Quase noite, quando resgatava do poleiro o seu melhor amigo, um gaiato se achegou e mandou a pergunta. Chulésio, enraivecido, fora de si, não deixou por menos:
— Eli... co... co... mi... de... de... tu... tu... do.  Se... men... se... men... tes... de... gi... gi... ras... sol... ar... rois... fei... fei... jãum... ma... ma... car... rãum...  pã... um... pu... pu... ro... ou... com... um... ca... ca... fé... fe... ba... ba... na... na... chu... pa... pa... man... ga... ga... gos... ta... de... ce...  ce... nou... ra...  e... ma... ma... çã... e... ca... ca... em... em... tre... nóis... Cro... Cro... til... do... man... man... da... vo... vo... cê...  pla… pla… plan…tar… tar… ba… ba… ta… tas.  
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Notas de rodapé:
1 Totêmico – Conjunto de ideias e práticas baseadas na crença da existência de um parentesco místico entre seres humanos.
2 Bleso – Aquele que gagueja. Grosso modo, o que fala picotado ou aos saltos.
3 Foniatria – Parte da medicina que estuda os distúrbios e as afecções da voz.
4 Jiraus – Apoios ou estrados para colchões.
5 Aua – Uma das muitas espécies de papagaios. Outras podem ser encontradas, como os Chauás, as Arinárias, os da Nova-Zelândia, os de-Peito-roxo, os Charão, e os Moleiro, entre outros.
6 Tartamelâncias – Uma das muitas maneiras de grafar aqueles que tartamudeiam ou falam com certa dificuldade.  
7 Clã – Grupo de pessoas pertencentes a uma família unidas pela consanguinidade.
8 Tatibitate – Pessoa que se comunica com a voz defeituosa.  
9 Amazona aestiva – Outro nome do Papagaio-verdadeiro.
10 Borboró – Sujeito gago, ou que tem conturbações no ritmo da linguagem.


Fonte:
Texto e notas enviadas pelo autor.

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

Daniel Maurício (Poética) 43

 

Humberto de Campos (Manias)


Em um trabalho recente na "Edinburgh Review", o crítico inglês John Browing denuncia, a título de curiosidade, um certo número de manias de escritores nacionais, procurando, ao que parece, demonstrar a feição patológica de todos eles. Por esse trabalho de pesquisa, foi que eu vim a saber, com espanto, que Walter Scott dormia com o chapéu na cabeça, que Wordsworth almoçava arrepiando o pelo de um gato, que Goldsmith só trabalhava assobiando, que James Macpherson gostava de estrangular passarinhos, e que Poppe, não obstante as aparências de saúde perfeita não conciliava o sono senão quando o criado fazia barulho no quarto contíguo, batendo desesperadamente numa bacia.

Para o crítico de Edimburgo, essas originalidades constituem anomalias, aberrações, moléstias mentais interessantíssimas, patenteadas, segundo diz na obra literária que as suas vítimas produziram. Eu me permito, entretanto, o direito de contestar semelhante tese, baseando-me no exemplo de um homem perfeitamente sadio, como é, no caso, o coronel Evaristo de Souza Portela.

O coronel Evaristo Portela, grande fazendeiro em Minas, era um dos homens mais virtuosos produzidos, até hoje, pelo município de Uberaba. Chefe de família exemplaríssimo, não havia passado, jamais, uma noite fora de casa. Viagem que ele fizesse, ou realizava-a em companhia da sua digna esposa, a veneranda D. Geralda, mãe dos seus únicos catorze filhos, ou fazia-a tão curta que estava de volta, à noite, para dormir na fazenda.

A posse do Sr. Raul Soares no cargo do ministro da Marinha determinou, entretanto, uma profunda modificação na vida do conceituado fazendeiro. Compadre do ilustre político e correligionário que lhe levara à pia dois filhos, o coronel não podia, absolutamente, faltar à grave cerimônia do cais dos Mineiros; como cumprir, porém, esse dever de amizade, de cortesia, e de solidariedade política, se D. Geralda, sua companheira inseparável de dezesseis anos de sono no mesmo leito, não se podia abalar para uma viagem tão tentadora, mas, ao mesmo tempo, tão rica de incômodos e inconvenientes?

- O que não tem remédio, remediado está! - exclamou, afinal, uma tarde, o coronel, depois de profundas cogitações.

E mandando arrumar duas malas de mão, tomou o trem, no dia seguinte, com destino ao Rio de janeiro.

A primeira noite de capital foi para o honrado fazendeiro um suplício, um martírio, um tormento. Habituado à vida rigorosamente domestica, não lhe foi possível, em absoluto, conciliar o sono. E de tal modo lhe nasceu a saudade da casa dos filhos, e, principalmente, da esposa, que o criado do Grande Hotel, onde ele se hospedara, ainda o encontrou com os olhos da véspera quando lhe foi, de manhã, levar o café.

O dia, passou-o o coronel mais ou menos distraído, fazendo compras, visitando amigos, palestrando com os conhecidos. À noite, porém, voltou, com a saudade, a tortura da insônia. Debalde fechava os olhos, apertando as pálpebras: à simples lembrança de que se achava tão longe, tão distante de casa, fugia-lhe o sono, deixando-o a remexer-se, aflito, no leito largo, a amassar nervosamente os lençóis.

À meia noite, após duas horas de martírio na cama, o coronel não pôde mais: ergueu-se do leito, em pijama, pondo-se a andar, nervoso, de um lado para outro do quarto. E estava já, há meia hora, nesse exercício, quando teve, de repente, uma ideia: tocou a campainha, chamou o criado, e pediu:

- O senhor não tem, por aí, uma escova, dessas para cabelo?

- Tem, sim, senhor.

- Traga-a.

O criado trouxe a escova, o coronel agarrou-a pelo meio, do lado do pelo, com a mão aberta, e, apagando a luz, atirou-se no leito.

E dormiu, sereno, até de manhã…

Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925.

A. A. de Assis (Sutilezas semânticas)


Quando se fala disso, vem logo à mente a fundamental importância do acento. Dizem até que a violência entrou no mundo no momento em que alguém, ao transcrever a frase “Jesus mandou que nos ‘amássemos’ uns aos outros”, esqueceu-se do precioso acento... e deu no que deu: a doce sentença transformou-se num zangado pé de briga – “Jesus mandou que nos ‘amassemos’ uns aos outros” –, de onde resultou que até hoje continuamos  a nos amassar.

A simples troca de posição de uma palavra na oração, um errinho na acentuação, uma letrinha, uma desinência, um hífen, qualquer sinalzinho pode mudar completamente o sentido de uma frase, às vezes provocando sérios estragos. Vocês se lembram, por exemplo, das brincadeiras que a garotada fazia na escola: “Não se esqueça de colocar o acento no ‘cágado’”. “Cuidado... não ponha acento no segundo ‘o’ do ‘coco’’’...

Se você quiser continuar o brinquedo, chame alguém que esteja por perto e curta a magia de alguns mínimos sinais na construção dos significados:

O avião caiu no “rio” – O avião caiu no “Rio”.  A galinha vai “por” ali – A galinha vai “pôr” ali.   “Algum homem” já pisou na Lua, mas “homem algum” pisou em Vênus.

Um homem de “bem” – Um homem de “bens”. Ruim “de” bola – Ruim “da” bola. O menino caiu ”de” cama – O menino caiu “da” cama. Não gosto de “pão duro” – Não gosto de “pão-duro”. O médico chegou “” tempo – O médico chegou “a” tempo. Maria “saiu daqui há pouco” – Maria “sairá daqui a pouco”. Os dois são amigos do JoséOs amigos do José são dois. A volta à escola do filhoA volta do filho à escola. “Vendo tacho” – “Tá chovendo”.

Depois de “certa idade”, ninguém mais tem “idade certa”. Melhor um “cachorro amigo” do que um “amigo cachorro”. Quem não vive para servir não serve para viver. Melhor que ser um “bom orador” é ser um “orador bom”. Na lagoa, quem “nada” tem “tudo”.

O “concerto” da orquestra só poderá começar após o “conserto” do piano. Além de bom “cavaleiro”, ele é também um bom “cavalheiro”. Não sei se vou “amar-te” ou vou “a Marte”.

Vaga o vaga-lume: vaga luz num vago mundo procurando vaga. Rodo, rodo, rodo, devagar a divagar, divagando sobre o modo menos vago de vagar. A cada “hora” ele “ora”. Havia a via, “havia ação”, havia o espaço, “aviação”.

Acertei a “sexta” bola na “cesta”. O sineiro começa a “suar” quando faz “soar” o sino. Era um plebeu “com sorte”, tornou-se um príncipe “consorte”. Primeiro eu “boto a calça”, depois “calço a bota”.

O vô “houve por bem” dizer que não “ouve bem”. “Passo a passo” se chega ao “Paço”. Luísa “cose” a blusa enquanto Joana “coze” o frango. Só porque ele tem um “auto” acha que pode falar tão “alto”. Ave, “avós”, hão de um dia devolver “a vós” “a voz”.
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – 20-10-2022)

Luiz Damo (Trovas do Sul) XXXVI


A alegria da chegada
que sempre assinala a vida,
também pode ser manchada
pela dor da despedida.
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A força que à vida impele
de alguém que busca fazê-lo,
não se esconde à cor da pele,
nem no estilo do cabelo.
= = = = = = = = =

A luta, à primeira vista,
tudo leva a amedrontar,
mas a quem for otimista,
faz todo sonho medrar.
= = = = = = = = =

Ando de carro e consinto,
com cinto estou mais imune,
mas, no perigo, não minto,
sinto medo do ato impune.
= = = = = = = = =

Ao construir um lagar
que receba a uva madura,
escolha bem o lugar
e terá vinho em fartura.
= = = = = = = = =

A vida mostra o caminho
que deve ser palmilhado,
há quem queira andar sozinho
do que mal acompanhado.
= = = = = = = = =

Fazer da riqueza a estrela
para um vil brilho emitir,
é lutar pra não perdê-la
contra o Sol sem competir.
= = = = = = = = =

Mesmo em cena imaginária,
colher uvas, nunca queira,
da gigantesca araucária,
nem pinhão, de uma videira.
= = = = = = = = =

No começo da existência
a fragilidade impera,
mas, devagar, na sequência,
com vigor, o homem supera.
= = = = = = = = =

No semblante há quem escreva
com expressões garrafais,
"nesta casa, não se atreva,
entrar sem as credenciais".
= = = = = = = = =

Nunca meças a conquista
com os olhos do prazer,
mas sob o ponto de vista
do que ela pode trazer.
= = = = = = = = =

O fim da vida decorre
de uma ruptura vital,
quem a teme, dela corre,
mas é pego em seu final.
= = = = = = = = =

O homem, sem referenciais,
descrê até nas orações
e o que sobram, são sinais,
da falta de convicções.
= = = = = = = = =

O que foi felicidade
pode ao pranto nos levar,
nos faz chorar de saudade
ou de tristeza chorar.
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O que o mentiroso admira
é gerar falsa grandeza,
tendo por arma a mentira,
seja no ataque ou defesa.
= = = = = = = = =

Poderá à morte ocorrer
de um corpo ser transladado
para onde, antes de morrer,
ninguém ousa ser levado.
= = = = = = = = =

Que a viagem não culmine
num desfecho assustador,
nem o sonho em vão termine
na ausência do sonhador.
= = = = = = = = =

Quem muito fala no impulso
desliza, escorrega e tomba,
torna-se um espinho avulso
no abissal mundo da bomba.
= = = = = = = = =

Se apressares a partida
abrevias a chegada,
desde que, nunca tolhida,
a vida na caminhada.
= = = = = = = = =

Se a dor invade a cabeça
e o cansaço arder na mente,
descanse e restabeleça
a energia e siga em frente.
= = = = = = = = =

Se à dor o pranto extravasas
darás vida às cicatrizes,
tal mergulho em águas rasas
da infância em dias felizes.
= = = = = = = = =

Se as origens desconheço,
não mereço resgatar,
aquilo que com apreço
a vida quis me ofertar.
= = = = = = = = =

Sempre que distante fores,
ou daqui, longe estiveres,
nunca te esqueças das flores
prontas pra quando vieres.
= = = = = = = = =

Se os maus se sobressaírem
sempre arrastam seguidores,
se os bons tudo consentirem,
não teremos vencedores.
= = = = = = = = =

Transformar o sonho em luta
é premissa a conquistá-lo,
não somente de conduta,
mas na forma de buscá-lo.
= = = = = = = = =

Vive bem este momento,
que outro igual nunca o terás,
busca em Deus o provimento
com lisura, apreço e paz.

Fonte:
Luiz Damo. A Trova Literária nas Páginas do Sul. Caxias do Sul/RS: Palotti, 2014.
Livro enviado pelo autor.

Leandro Bertoldo Silva (Foi lá na venda do Seu Lidirico)


Foi lá na Venda do Seu Lidirico que eu conheci uma das lendas vivas da nossa história. Lidirico Almeida, atleticano, nascido em Novo Cruzeiro (?!), no ano de 1927.

Chegou na cidade de Araçuaí, no Norte de Minas Gerais, em meados da década de 40 e, como ele mesmo me disse, se voltou à sua cidade de cinco a seis vezes ao longo de todos esses anos foi muito. Desde então, ele mantém um dos pontos comerciais mais tradicionais do lugar: a Venda do Seu Lidirico, “que tem de tudo e cada coisa que tem eu explico”… E ele também! E como explica…

Sentado em uma cadeira simples de bar ao lado da neta atrás do balcão, Seu Lidirico chegou a levantar quando nos viu – eu, minha esposa, minha filha, minha sogra e meu sogro Gelson Pinheiro, outra lenda viva da nossa história que merece capítulo especial.

Tínhamos ido de Padre Paraíso a Araçuaí para conhecermos dois lugares muito comentados: uma “flor e cultura”, que não floresce apenas flores e transpira cultura, como tudo naquela cidade, e… a Venda do Seu Lidirico.

A floricultura era o primeiro destino. Por isso, Seu Lidirico sentou-se pacientemente como se soubesse que o melhor sempre fica por último, afinal o apressado come cru, como diz o bom mineiro. Acenei para ele como quem falasse “estou indo aí” e podia ver as histórias e causos se ajeitando em sua cabeça para serem contados, como se já não tivessem sido centenas de vezes…

A conversa de mineiro de que um lugar fica bem pertinho um do outro, “bem ali”, esticando o beiço, nesse caso era verdade. Era só atravessar a rua. Quem vai em um tem que ir no outro. E Seu Lidirico estava lá, nos esperando certo da nossa visita.

Nunca havia conhecido uma celebridade de verdade, porque as falsas se acham; as verdadeiras acham as pessoas, no carinho das mãos que recebem, no afeto do aperto que sentimos na verdade do coração como uma ponte que liga pessoas. Foi assim, nesse bem-querer, que fomos recebidos por Seu Lidirico e sua esposa, Dona Iaiá, chamada por sua neta a pedido dele.

Não sabíamos para quem olhar. Os casos se misturavam e se completavam sempre com precisão de datas e uma memória invejável de quem a própria história pedia licença. O início da venda, as primeiras casas da rua, os únicos dez carros da cidade, se muito, quando chegaram, a data do casamento (1948), o número de filhos – quinze no total – e os mais de 30 netos somando, ao todo, 98 pessoas vivas, excetuando uma nora que morreu intoxicada na fazenda – “só morreu essa nora nesses anos todos”, explicava Seu Lidirico, eram algumas das muitas histórias que se sucediam.

Esses e outros causos, até a partida do Atlético contra o São Paulo na noite anterior vencida pelo time mineiro com gol contra, eram contados, comentados e explicados enquanto apresentava as famosas cachaças produzidas por um dos filhos na região que, claro, provamos, eu e meu sogro, e levamos dois litros, enquanto Dona Iaiá dividia a conversa entre o engarrafar outros dois litros de cloro para a venda e as fotos tiradas sempre atrás do balcão, como se aquela amizade nascente já fosse antiga.

Fico feliz em encontrar pessoas assim em que a simplicidade é verdadeira e que a história também se faz verdadeira e espontânea na hora, sabendo que está sendo escrita e conhecida não apenas nas páginas dos livros, mas ali, ao vivo, porque se tem um lugar que tem história para contar é mesmo lá na Venda do Seu Lidirico.

Para que possam conhecer mais do que tem na Venda do Seu Lidirico, passa lá, é bem ali… Pertin, pertin, um tirin de bala de bodoque, no Norte de Minas Gerais, em Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha.

Mas se não der para ir, se avexe não, como dizem por lá, ouça abaixo a música, pois até música feita por Miltinho Edilberto e Xangai, apresentada no programa Sr. Brasil, do Rolando Boldrin, Seu Lidirico tem, afinal, é a venda do Seu Lidirico, “que tem de tudo e cada coisa que tem eu explico…”. E ele também! E como explica…

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Silmar Böhrer (Gamela de Versos) 31

 

Fernando Sabino (Mais invenções)


OUTRO DIA falei nos meus dotes geniais de inventor. Esgotei o assunto? De forma alguma. Meus inventos se multiplicam, e ainda esta semana ouvi em mim o borbulhar do gênio: num rasgo de espetacular inventiva, entupigaitei* com meu engenho o mecânico que aqui esteve para consertar o aparelho de ar condicionado.

Para começo de conversa, o aparelho de ar condicionado ainda está para ser inventado. Muitos outros inventos de nosso tempo, aliás, não passam de contrafações grosseiras daquilo que minha imaginação já criou com todos os requisitos de perfeição: uma televisão que fosse mesmo verdadeiro cinema em miniatura, por exemplo, sem risquinhos nem distorções; um helicóptero que fosse mágico como um tapete voador, sem aquelas assustadoras pás que têm de girar o tempo todo, sob pena de despingolar-se* do ar a caranguejola* e esborrachar-se no chão.

Voltando ao ar condicionado: não posso crer que aquele cubo de aço gigantesco, cheio de hélices e gradinhas, seja a última palavra da ciência para diminuir o calor dos ambientes interiores. Não passa de um ventilador disfarçado, girando dentro de uma geladeira sem porta e sem lugar para guardar os alimentos. Na era dos motores a jato, já podiam ter inventado coisa mais jeitosa. Pois o dito mecânico, a certa altura, para justificar o mau funcionamento do meu aparelho de refrigeração, alegou que eu o fazia funcionar na velocidade máxima, tirando dele menor proveito:

— Em alta velocidade, o exaustor puxa com mais força aqui por baixo o ar frio que vai entrando aqui por cima.

E como que para provar o que dizia, largou junto ao que chamava de exaustor um papelzinho, que ficou pregado na grade protetora:

— Por aqui vai-se embora o ar quente, mas parte do ar frio também — arrematou.

Um tijolo de burrice me baixou na cabeça, diante de semelhante raciocínio. Acabei concluindo que quanto mais aparelhos houvesse na sala, mais exaustores haveria, jogando para fora o ar frio produzido, e a temperatura continuaria na mesma.

O cara concordou, todo sabidão. Então é que me ocorreu a solução, aventada pela sapiência do tal mecânico, antes que ele me provasse que a melhor maneira de refrigerar a sala era manter o aparelho desligado: por que não separá-lo em dois aparelhos, distantes um do outro, como os alto-falantes de som estereofônico? De um lado o que jogava ar frio para dentro, do outro o que jogava ar quente para fora — sugestão que ofereço aqui, gratuitamente, ao Admiral, ao General Electric, e outras altas patentes da indústria eletrodoméstica.

Poderia oferecer aos industriais desta praça outras invenções de minha lavra, mais modestas mas não menos sinceras: tampa de mola para os dentifrícios, como aquela dos lança-perfumes, evitando que ela caia no ralo da pia, e tenha de ser retirada, com prodígios de paciência, mediante uma pinça ou mesmo aquele grampo enferrujado que pode ser sempre encontrado debaixo da saboneteira; rede protetora para aparar os objetos que fatalmente tombam do armário do banheiro, quando se abre a portinha de espelho; fechaduras à altura dos olhos, para evitar a ridícula postura assumida por quem olha pelo buraco; papel higiênico com pensamentos de folhinha, conselhos úteis, fases da Lua, máximas do Barão de Paranapiacaba e do Marquês de Maricá; sabonete com orifício para se enfiar o dedo e não escapar da mão; e outras, mil outras invenções geniais nascidas da minha cachimônia*. E olhem que hoje praticamente não saí do banheiro.

Rubem Braga tem a veleidade de reclamar primazia da invenção de uma torneira externa nas geladeiras, para água gelada — ideia que já me havia ocorrido muito antes e que até hoje, ao que me conste, não foi ainda aproveitada. Um americano patenteou, antes de mim, o disco silencioso — invento que se destina não somente a fazer alguns minutos de silêncio para quem detesta a música das vitrolas automáticas dos bares, mas também a ensinar aos papagaios e às mulheres a não falar. Um italiano, ao que me consta, resolveu industrializar, como se fosse dele, a minha invenção do cigarro já fumado: uma ampola de plástico, como aquela de fluido para isqueiros, contendo a fumaça comprimida de vinte cigarros, e que se atarracha numa piteira, para uma fumadinha de vez em quando; dispensa fósforos e isqueiros, não oferece perigo de incêndio, não larga cinza no tapete e (consta) não provoca o câncer. Só que o tal italiano confessou, meio encabulado, que depois de umas tragadas no seu (nosso) invento, não resiste e acaba acendendo um cigarrinho.

Certa ocasião, resolvi inventar uma proteção efetiva contra a chuva: uma espécie de saco de plástico transparente, sob o qual andaríamos pela rua sem perigo de nos molharmos. Tive, porém, de abrir orifícios para os braços e, a fim de que estes também não se molhassem, protegê-los com mangas. Emprestando maior facilidade ao uso da nova indumentária, acabei abrindo-a na frente, de alto a baixo, e guarnecendo-a com botões. Abri também a proteção sobre a face, de resto dispensável, para facilitar a respiração. Restou a da cabeça, como um capuz. Eu havia inventado a capa de chuva.

Então, desapontado, rendi um preito* de homenagem ao guarda-chuva — essa invenção extraordinária que jamais teria me ocorrido, imutável através dos séculos, objeto surrealista cuja origem se perde na noite dos tempos, obra de arte cuja perfeição é o testemunho do gênio criativo do homem.
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* Notas:
Cachimônia = mente .
Caranguejola = armação ou máquina pouco firme.
Despingolar-se = desandar, descambar.
Entupigaitei = causei embaraço.
Preito = manifestação de respeito.

Fonte:
Fernando Sabino. Deixa o Alfredo falar. Publicado em 1976.

Luiz Poeta (Poemas Escolhidos) 10


BARBUDOS E AFINS


Já fui Jesus, já fui John Lennon, Che Guevara...
E fui Leminski... Raul, Dührer... fui Benito,
todo barbudo como eu tem essa cara
dos que alcançam, sem querer, o infinito.

Nunca. fui mito, dos caminhos que escolhi,
alguns tão lindos e outros tristes ou perversos,
são a essência desse tempo em que eu vivi,
quando me li, vendo inocência nos meus versos.

Já fui Cabral e fui Gregório... fui Camões
sem olho cego... sou ilustre luso... leiro,
de barba em riste mas, nos olhos... emoções...
fui Dom Quixote... e nunca tive escudeiro...

Engels, Hemingway, Júlio Verne, Aiatolá ,
fui quatro Beatles, fui Machado... Juarez...
não sou freguês das lâminas de barbear...
Eric Clapton... e até monge japonês.

Abraham Lincoln, Marx, Bee Gees, fui todos eles
e mais alguns, na aparência ou na atitude,
filosofia, ideologia...herdei deles,
e agora velho, ainda esperam que eu mude.

A mesma barba, o cavanhaque e o bigode,
os mesmos óculos... de grau... e quem diria...
ainda faço rock'n roll, blues e pagode,
jazz, bossa nova, tango, samba e poesia.
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CONVITE

A dor convida o meu amor para brincar...
Ele é ingênuo e inocente e não diz não...
A brincadeira é dentro do meu coração,
Só que o amor só brinca mesmo é de sonhar.

A dor lhe mostra uma lágrima infeliz,
Chorando, diz que que o coração se acostumou
Com esse pranto, que o sonho renegou,
E a tristeza, ao mesmo pranto pediu Bis.

O amor hesita, mas a dor é insistente
E dramatiza de forma tão convincente,
Que ele sente uma lágrima cair,

Porém meu sonho toma a mão da alegria
E o meu amor transforma a dor em fantasia
E a poesia faz meu coração sorrir.
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CUPIDOS PASSIONAIS

Quando Cupido esvaziou a sua aljava,
Sem acertar bem dentro do teu coração,
Não era o teu mais doce amor que ele alvejava,
Ele flechava, sem querer, tua razão.

Teu raciocínio se esquiva... não se fere,
Ele prefere observar a trajetória
Desse projétil... estudando quem desfere
Os seus desejos, sem saber da tua história.

Casos de amor são como setas de Cupido
Que se desviam do destino original
E vão ferir quem se tornou tão distraído

Com a solidão, que é incapaz de perceber
Que um amor, quando se torna passional,
Jamais acerta o coração que ele quer ter.
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GENTE QUE SONHA

Tem gente que me amou e eu não amei...
Tem gente que eu amei e não me amou;
Tem gente que não sabe o que eu sei,
Tem gente que nem sabe quem eu sou.

Tem gente que partiu ou que ficou,
Tem gente que ficou... mas já partiu,
Tem gente que não viu o que olhou,
Tem gente que olhou o que nem viu.

Tem tanta gente vendo o que não vê,
Ou crendo no que pensa que não crê,
Que eu vou reconstruindo o que eu sonhar,

Meu pé sempre pisando o mesmo chão
Que faz do meu momento, um coração
Que pulsa na emoção do meu olhar.
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MUITO MAIS QUE UM PRISIONEIRO

O amor chega como um pássaro que canta;
O amor encanta com tanta espontaneidade
E com virtudes poderosas... e são tantas,
Que não há como ignorá-las, de verdade.

Alguns o prendem em gaiolas coloridas
E o exibem como um lírico troféu;
Aprisionam, entretanto, suas vidas,
Mas todo pássaro extasia-se com o céu.

Até que um dia, a porta aberta da gaiola
Mostra, lá fora, mais que um céu de passarinhos;
O amor, então, esquece a grade que o isola
E se consola com a ilusão de outros caminhos.

O amor é assim, pode voltar a qualquer hora;
Há alimento e solidão no cativeiro
Mas quando o sonho de voar fica lá fora,
Ele se sente muito mais que um prisioneiro.

Fonte:
Luiz Poeta (Luiz Gilberto de Barros). Nuvens de Versos. Campo Mourão: Editado por José Feldman, 2020.

Benedita Azevedo (Susto de Carnaval)


Dia 26 de fevereiro, o Monobloco  fecha o Carnaval carioca 2012, desfilando da Candelária à Cinelândia, sob o sol escaldante de mais de trinta e cinco graus. A Rio Branco se transformou numa grande centopeia cujas pernas eram as ruas transversais, vazadouro da multidão comprimida em todo o percurso, onde se reuniram 500 mil foliões, segundo estimativa da Polícia Militar, número recorde do bloco, em relação aos outros anos.

Ao som de sambas tais como, “Fogo e Paixão” de Wando, “Samba, Suor e cerveja” de Caetano, Sambas - enredo, xotes, funk e tantas outras. Os foliões se esbaldaram, durante três horas e meia sob o calor de quase quarenta graus, suavizados com jatos d’água, água mineral, refrigerante e cerveja bebida e despejada na cabeça. Viam-se foliões pendurados em pontos de ônibus, postes e árvores, o que fez o cantor, Pedro Luís, pedir várias vezes que descessem dali. Indiferente a esses detalhes, ao som do tamborim, da cuíca e do agogô, a multidão serpenteia, numa mistura de som e movimento bem sincronizados na despedida do carnaval de rua.

Ao meio dia, decidida a almoçar no Amarelinho, uma comida bem leve, peguei o Christian pelo braço e seguimos em sua direção. Os blocos estavam se aproximando. Eu quis chegar mais perto e andamos ao encontro dos foliões.  Num determinado ponto ele queria voltar, amedrontado com a possibilidade de ser engolido pela multidão. Paramos em um ambulante, compramos duas cervejas e voltávamos para almoçar. De repente, não o vi mais a meu lado. Pensei que poderia estar brincando, um costume seu para me assustar. Andei para um lado para o outro e nada. Fui até o Verdinho, a ver se estava por lá. Depois fui até o Amarelinho, será que entendera errado o nome do restaurante? Também não estava naquele restaurante. Dei mais uma volta no meio da multidão olhando detalhadamente para todos os lados, voltei pelo outro lado da praça e nada. Comecei a ficar meio apavorada. Será que fora sequestrado com aquela cara de gringo?  A preocupação tomou vulto e cresceu feito um monstro. Eu não deveria tê-lo convidado para ver o bloco. O que fazer agora? Telefonar para minha filha e os netos para pedir ajuda na procura daquele homem que para mim, naquele momento, parecia tão desprotegido!

Fui mais uma vez aos dois restaurantes e nada. A multidão crescia à medida que os blocos iam chegando ao destino. Agora já era muito difícil a locomoção, tive certeza de que não o encontraria e resolvi ir até o apartamento para telefonar e pedir ajuda. Ao me livrar da multidão andei o mais rápido que pude. A distância me parecia maior que de costume;  apressei o passo, virei a esquina, cheguei em frente ao prédio, a porta estava fechada. Toquei a campainha, pareceu-me um século até o porteiro abrir. O elevador estava no último andar e não chegava. Meu coração estava aflito, imaginando aquele homem em mil situações de perigo. Desci do elevador andei até o final do corredor e ia pensando se Jane estaria em casa naquele momento... Abri a bolsa e já  ia com chave à mão. Abri a porta e quase tive um desmaio ao encontrar o Christian sentado à mesa, comendo um sanduíche de queijo com presunto e suco de uva, na maior tranquilidade.

Desmoronei no sofá e agradeci a Deus por acabar com aquela angustia. Passados alguns minutos saímos para almoçar no restaurante. Segurei firma sua mão e só soltei ao nos sentirmos seguros dentro da divisória de metal que nos separava do público.

Fonte:
Recanto das Letras da autora. Crônicas.
https://www.recantodasletras.com.br/cronicas/3528395

Carlos Leite Ribeiro (Marchas Populares de Lisboa) Bairro da Bica


O elevador (bondinho) amarelo, sob a forma de um pequeno elétrico da carris, continua a galgar a encosta íngreme da Bica. E, durante a viagem lenta, podemos avistar as calçadas e os becos mais típicos do Bairro.

Os moradores da Bica sempre mantiveram uma estreita ligação com a vida marítima do Tejo. Este pitoresco bairro é composto por um conjunto de calçadas, escadinhas, quelhas e becos. A sua origem remonta a uma catástrofe natural.

Em 1597, um assentamento de terras entre o Alto de Santa Catarina e o Alto das Chagas formou um vale que deu o aspecto íngreme à Bica. Nesta altura, Lisboa era muito procurada por pessoas de fora que queriam trabalhar no rio. O grande aumento populacional fez que as zonas da Bica, São Paulo e Boavista fossem habitadas por marujos, pescadores, aguadeiros, peixeiras e todo o tipo de vendedoras.

Julga-se que o nome do bairro deriva de uma bica cuja água flui ruidosamente para um tanque do século XVlll, no Pátio de Broas ou Vila Pinheiro. Fica na Calçada da Bica. Para além desta, este espaço é composto por nomes como a Calçada da Bica Pequena, o Beco dos Alciprestes, o Largo de Santo Antoninho, a Bica Duarte Melo, a Rua do Almada, e o famoso elevador da Bica. É este que mantém estreitos os laços entre a Bica e Santa Catarina ou o Bairro Alto. Porém, nem todas as bicas e fontes se resumem à toponímia.

Construída em 1675, a Bica dos Olhos é conhecida pela sua eficácia no tratamento de doenças dos olhos. Neste bairro, eram frequentes os pregões dos aguadeiros, na sua grande maioria Galeses, que enchiam as ruas de sons e de presença humana. Em Lisboa, a falta de água era frequente. As bicas e fontes eram habitualmente locais de encontro.

A origem do Marítimo Lisboa Clube foi muito influenciada pelo Tejo e pelas suas atividades marítimas. Em 1944, um grupo de homens ligados à faina marítima resolveu fundar a coletividade.

Em 1952, a Marcha da Bica saiu pela primeira vez à rua. Nesse ano, o bairro atingiu o primeiro lugar. O que voltaria a acontecer em 1955, 1958, 1963, 1970 e 1992. Todos os meses de Junho, a Bica veste-se a rigor para a folia. As sardinhas, o vinho, o caldo verde e o arroz doce perfumam o ar. Por entre estes cheiros característicos de Lisboa neste mês, a alegria dos cantares tradicionais: “É este amor, revolto e a saber a sal, que cantam as gargantas das mulheres deste bairro, tão frescas como a água que jorra das bicas, tão rebeldes como o mar que lhes leva os seus amados”.

A organização das marchas populares da Bica está, desde sempre, a cargo do clube. O mesmo acontece com os Arraiais, que também já foram premiados. Em 1989, 1922 e 1995, a Bica ganhou o prêmio pelo melhor arraial das festas da cidade. O bairro também já levou para casa o título da rua mais bem enfeitada. Além da componente cultural, o clube dedica-se à prática desportiva, onde se inclui o atletismo, o futebol e o tênis de mesa.

MARCHA DA BICA
(Na Bica o sol brilha mais)


Letra de Carlos Barrela
Música de António Miguel Henriques

 
 “Na Bica o sol brilha mais
Vem aquecer as gaivotas
Que andam a namoriscar
Primeiro incendeia o cais
Depois vai de porta em porta
Por todo o bairro a brilhar.

Beija os corpos enlaçados
Afaga a curva de um rosto
Cobre de ouro a solidão
E anda a tecer bordados
Desde manhã ao sol posto
Sobre as pedrinhas do chão.
(Refrão)

A bica aquece
Quase endoidece
E a vida parece
Menos dura
A Bica brilha
Que maravilha
Veste-se de poesia
E de ternura

A Bica aquece
Quase endoidece
Por com tanto calor
Ser abraçada
A Bica brilha
Que maravilha
Sente-se mais feliz e
Mais amada.

Na Bica o sol brilha mais
Vem maquilhar as tristezas
Que passam de rua em rua
Faz das janelas seus vitrais
Come à mesa pobreza
Anda às avessas com a lua.

Conhece histórias velhinhas
Sabe de cor as cantigas
Que andam na Bica pelo ar
E quando chega a tardinha
Apesar de mil fadigas
Teima em não se querer deitar ...
 
Fonte:
Este trabalho teve apoio de EBAHL – Equipamento dos Bairros Históricos de Lisboa F.P.
http://www.caestamosnos.org/autores/autores_c/Carlos_Leite_Ribeiro-anexos/TP/marchas_populares/marchas_populares.htm

terça-feira, 15 de novembro de 2022

Filemon Martins (Paleta de Trovas) 17

 

Rocha Pombo (Sarica)


Afinal, parece que era preciso compreender que a vida é aquilo mesmo...

Queixam-se todos, mais ou menos, da sorte; mas, lá um dia, a Providência como que nos surpreende com a sua misericórdia infinita.

Viviam, há tantos anos, naquela tristeza: ele, o pobre Luiz, paralítico e cego, uma alma simples e fina, atada aquele castigo de uma existência dolorosa, na imobilidade e na escuridão; ela, a mísera Josepha, ainda mais delicada e sensível, sempre espantada em presença da desgraça; procurando, resignada e sublime de ternura, talvez inconsciente da sua grandeza tão humilde, provar ao mundo que, ainda no meio das vicissitudes mais duras e amargas, pode um peito fiel e amoroso levar alguma coisa que zomba impassível do tempo e das amarguras.

Viviam há tanto naquela miséria; ele, ruminando mistérios, como um deus vencido e desolado; ela, a desentranhar-se em ternuras por aqueles entes tão inditosos que o destino lhe confiara.

Queixavam-se continuamente de Deus e dos homens... No entanto, só agora é que ela, a boa Josepha, está compreendendo como não tinham razão para acusar a vida. O Julio já presta algum serviço; e a coitadinha da Sarica... já sabe pedir... De certo que era horrível esmolar! Mas que direito haverá, mais do que este, sagrado para o mundo, quando se tem fome?

A primeira vez que lhe passou pelo espírito esta ideia de fazer a filhinha esmolar, a Josepha chorou tanto que o Luiz, lá da sua noite, chegara a perceber e afligir-se. Expor aquela criaturinha tão hedionda aos olhares curiosos de todos... era horrível!

Mas a miséria vence as naturezas mais resistentes... Demais, pior, mil vezes pior, do que este recurso a caridade do seu semelhante, havia no mundo tanta coisa!

A princípio, Josepha seguia de longe a aleijadinha acompanhada do Julio. Levava o coração agitado ao ver a filha arrastando-se pelas ruas e praças a estender as mãos aos passantes. Depois, tudo se foi normalizando; ficou tudo muito natural: a mãe, desafogada, lidava na casa; a Sarica e o irmãozinho exerciam fora a sua profissão.

As duas crianças, logo cedo, arranjaram-se e partiram, para só voltar à tarde, muito fatigadas, com a colheita do dia. Quando tinham sido felizes e traziam uma boa féria, o Julio entrava muito contente; mas a Sarica, morta de cansaço quase sempre, pedia logo o seu repouso numa enxerga, junto ao catre do pai. Mal tinha ela forças para afagar o cego, e dar-lhe alguma boa notícia: quando a mãe dava por ela, a Sarica dormia, atirada ao chão, como um embrulho, sem forma humana...

Uma vez, demorava ela em preparar-se, e já se fazia tarde. O Julio, muito aflito, diz-lhe que outros mendigos já deviam ter-lhe tomado os melhores pontos da praça. Josepha mesmo entendeu que era tempo de apressar a filha, ao vê-la muito cuidadosa, a compor-se melhor, a esconder bem as pobres pernas atrofiadas e torcidas. Tinha muita vergonha quando lhe viam as pernas... Da corcunda já não fazia mais caso; mas deixar aparecer o horror das pernas...

— Ah! — fez-lhe sentir a mãe sem cuidar — Tranquiliza-te... Quem haverá, minha filha, que te queira ver essas perninhas tão secas e tortas...

E o Julio disse mais:

— Será melhor até que todos vejam toda a tua tristeza...

A menina calou-se, mas revelando no gesto compungindo a infinita desconsolação de todo aquele infortúnio.

Saíram os dois. A Sarica tinha a frontezinha sumida, como imersa naquela mistura de ossos: bela frontezinha, o único sinal de majestade humana que havia naquele corpo monstruoso. Dir-se-ia uma cabeça, um semblante de anjo metido na fealdade, na hediondez de uma rã, a olhar vagamente para cima, lá do chão onde rasteja.

Horas e horas, abraçadas às vezes por um sol de Janeiro, a um canto da praça, ela passava pedindo. Quando as esmolas lhe caíam lá de cima, ela sorria e se alvoroçava, e tinha vontade de erguer-se... Mas, às vezes, as esmolas não vinham... Ela pedia inutilmente; e o Julio chegava a dizer-lhe, com maus modos, que ela não tinha jeito para o ofício; que não sabe fazer voz comovente, e que não revira para o alto os olhos meio nublados... Ela se esforçava na sua função, falando como os moribundos, e fazia, trêmula e exausta, por imitar os mais hábeis dos pedintes que enchem a praça...

Muitos daqueles eram mais felizes do que ela. Chamavam sempre a atenção do público, e sempre com fruto copioso. E, no entanto, nenhum deles tinha, como ela, o direito de pedir. Ela devia ser ali a primeira; mas a piedade dos homens não compreendia isso. Os próprios cegos não estão no seu caso. Os cegos têm ao menos o seu aspecto humano, e não sabem o que é a dor de ser... monstro. E aquele público passa às vezes por ela sem vê-la... Era horrível!

E quase sempre ia pensando assim, até chorar.

Quando, porém, as esmolas caíam, tudo se acabava; esquecia as queixas; e até o seu semblante readquiria a serenidade das auroras. Sentia-se boa e meiga, capaz de uma simpatia incondicional por todos os entes, mesmo os mais ditosos da vida. Já era alguma coisa aquela justiça, que lhe faziam, de reconhecer quanto ela é digna de compaixão.

À tarde, um dia, entrou ela, de volta das ruas, naquele triste lar. A receita fora das boas. A mãe recebeu-a, como de costume, com todos os carinhos; e o cego, lá no seu escuro, teve um farto beijo aquele dia.

Ah! a vida era aquilo mesmo... Estavam então amparados todos pela desgraça daquela criatura...

Coração de mãe, por mais vencido que ande, às vezes como que se deixa galvanizar pela própria miséria. É por isso que, ainda familiarizado com a dor, vem de repente lá do seio materno um protesto que parece espantar o próprio destino. Josepha dissera aquilo, e teve logo ímpetos de esmagar de carícias a filhinha: aquelas palavras como que despertaram naquela alma de mãe a consciência de tanta desgraça... de que os pais se aproveitam. O cego, que tem toda a sua vida concentrada na filhinha, e que, se não vê com os olhos, tem a luz
interior que devassa as profundezas do ser, estremeceu numa convulsão de pranto ouvindo aquelas palavras.

O Julio, a um lado, desconfiava de tudo aquilo. Ele sentiu que todas as demonstrações eram para a Sarica. A ele não lhe reconheciam coisa alguma. Entretanto, sem os esforços dele, a irmãzinha nada faria. Muitas vezes a Sarica chegava até a querer cantar e sorrir, a ele é que evitava tais imprudências...

— É certo — explicou a menina — eu, às vezes, tinha mesmo vontade de cantar. Eu estava triste, vendo que não me davam coisa alguma... e sem que eu soubesse como... um grupo de moços passava... e tantos níqueis eu recebia num instante, que meu coração parece que saltava... Era em tais momentos que sentia umas ânsias de cantar para o céu um hino com que uma vez sonhei, cantado pelos anjos... E não hei de morrer sem compor uma oração que exprima tudo que sinto pela bondade da minha santa... Eu sei que é santa Cecília quem me protege. Por mim mesmo, que poderia eu merecer de Deus? Se ele me fez nascer assim, não seria porventura para avisar-me que não devo esperar coisa alguma do céu neste mundo? Não, Julio, tem paciência: hei de cantar a minha oração...

— Pois se tu cantares nas ruas — disse o Julio gravemente — desde já te asseguro que não traremos um vintém. Tu bem viste hoje: foi bastante que te alvoroçasse um pouco para que ninguém mais te desse. Não há quem goste de mendigos alegres, ou de mendigos que cantem...

E suspirando muito intencionalmente:

— Não fosse eu... e havíamos de ver... Eu é que te ando a ensinar a fazer cara de miséria e ares de fome. Tu estás sempre a querer ocultar as pernas e os braços... Não fosse eu...

E concluiu amuado:

— Entretanto, nada mereço... Tu é que fazes tudo... Este mundo é mesmo assim... Não sei por que também não me fez Deus aleijado…

Fonte:
Luiz Rufatto (org.). Antologia de contos paranaenses. Curitiba, PR: Secretaria de Estado da Cultura: Biblioteca Pública do Paraná, 2014.

George Abrão (Poemas Avulsos) 2


DESFILE DAS FLORES


Na passarela encantada,
no lindo reino das flores,
todas as belas desfilaram
espalhando feitiço e amores.

A ordem foi determinada
por sua majestade o girassol,
que imponente e belo,
coordenou todo  o desfile
com sua coroa  de raios de sol.

A primeira foi a violeta,
que singela e bela,
dominou a passarela.

Depois veio o amor-perfeito
com toda a graça e beleza,
uma joia da natureza.

O lírio, por ser perfeito,
deu à festa tom de pureza
desfilando sua beleza.

E a altiva e bela orquídea,
com toda sofisticação,
desfilou com perfeição.

Depois com saia de pétalas
veio a linda margarida,
girando bem atrevida.

E a meiga madressilva
Com toda a delicadeza
desfilou com graça e beleza.

A Maria-sem-vergonha
debochada como só ela é,
desfilou, riu, e deu no pé.

E chegou a onze horas
colorindo a passarela,
todos deram passagem a ela.

E a divertida boca -de- leão
chegou beijos jogando
e os cravos se apaixonando.

E por fim a bela rainha
sua majestade a rosa amarela
fechou o desfile na passarela.
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PRIMAVERA

Primavera!
Com seu singular perfume festeja a vida,
afastando a dormência do frio inverno,
espantando as névoas e o cinza,
colorindo e dando brilho a todas as coisas,
sugerindo o amor
e fazendo com que o amor se intensifique
no movimento dos insetos e dos animais,
no canto e na dança das aves multicores,
fazendo com que o mundo retome sua força plena
na explosão do brotar da vegetação!

Primavera!
Quisera eu ter o poder de mantê-la sempre em minha vida,
jamais deixá-la partir,
reter perpetuamente o seu perfume,
a festa de suas cores, seu brilho intenso,
a sensualidade que paira em seu ar!
Com sua força, primavera, quisera eu poder impedir
que o triste inverno um dia chegasse aos meus dias.
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SÚPLICA DE UM PECADOR

Pelos caminhos que percorri
eu sempre procurei semear flores.
Algumas sementes brotaram,
outras secaram, pela aridez,
pelo descaso, por falta de amor.
Tentei cumprir a minha parte
procurando não espalhar espinhos,
não ferir a quem estava à minha volta;
mas como não sou infalível,
assim como muitos, eu sei que pequei,
outras vezes me omiti, ou me calei.
A cada esquina do meu caminhar
recebi novos ensinamentos, nova lição,
se os apliquei bem, não tenho como julgar,
pois tal juízo não me cabe, mas sim a Ele,
ao Senhor que rege todas as coisas.
Então, nesta minhas oração, eu Lhe suplico:
Meu Deus, se for possível, absolvei-me!
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TE CUTUCO! NÃO CUTUCA! TE CUTUCO! NÃO CUTUCA!

Foi na mágica e quente Bahia
do século dezenove, que ele nasceu.
Numa animada roda de dança
num terreiro no alto do morro.

A festa estava muito animada,
quando o Zé provocou o Chico
que dançava com a Maria Fulô.
E a provocação virou briga,
briga das feias, um grande fuzuê.

O Zé puxou de um estoque,
e com passos de capoeira
ele dizia para o Chico: - te cutuco!
E o Chico respondia: - não cutuca!

E era uma briga esquisita
parecendo mais que dançavam
numa cantilena monótona:
- Te cutuco! - Não cutuca!
- Te cutuco! – Não cutuca!
- Não cutuca que eu te taco a mão!
- Te cutuco! Não cutuca!
- Olhe, eu vou te cutucar!
- Cutuca cabra safado,
pois vou a sua cara quebrar!

E a briga ficou nisso, até se acabar.
no ritmo quente dessa marcação
foi que o samba nasceu no morro,
desceu de lá e se espalhou nos salões,
se tornando unanimidade nacional!

Fonte:
Facebook do poeta.

Aparecido Raimundo de Souza (Se não fosse pela gafe cometida...)


TUDO O QUE ACONTECEU e está narrado no presente texto, não foi no tempo em que os animais falavam. De fato, são verídicos e merecem todo o crédito atribuído ao autor. Pedi um uber para me levar (eu e minha neta Ellen) ao aeroporto Santos Dumont. Menos de quinze minutos, pintou na área, um Renault Duster branco da Sandero, quatro portas, novinho em folha. No volante, uma figura estranha para os tempos atuais. Não propriamente uma figura. Na verdade, um bode. Imagine! Ao entrar no veículo, de pronto, constatei ser a criatura um bode justo e perfeito. Achei esquisito um bode trabalhando como motorista de aplicativo. Fizemos as apresentações de praxe, seguindo os protocolos de segurança:

— Seu Linguiça, bom dia. Eu sou o Bode, às suas ordens.

— Bom dia, seu Bode. Prazer em conhecê-lo.
 
— E a simpática mocinha?

— Ellen, minha neta.

— Bom dia senhorita. Seja bem-vinda.

Ellen respondeu sem desgrudar os olhos do celular:

— Bom dia, obrigada.

Antes de se ater ao caminho, a pergunta que, de antemão, sabia a resposta:

— Aeroporto Santos Dumont?

— Por favor...

— Viagem à negócios, ou a passeio?

— Passeio.

— Posso saber para onde está voando?

— São Paulo.

No trajeto de pouco mais de treze quilômetros, da Borges de Medeiros, na Lagoa Rodrigo de Freitas, até o Santos Dumont, o Bode (intercalando os olhos, ora no transito, ora dialogando comigo, pelo retrovisor) seguiu procurando ser gentil. Explicou que recente perdera o emprego. Como não arranjara nada de carteira assinada dentro de sua profissão e na especialidade que se formara, resolveu, com o dinheiro recebido de quase trinta anos, ser seu próprio patrão:

— Pesquisei daqui, dali e cheguei à conclusão que no momento em que atravessamos tempos difíceis, atrelados aos percalços de um país falido, o melhor seria me virar em algo por conta própria. Decidi ser meu patrão. E me apareceu trabalhar como motorista à semelhança dos táxis. Aqui estou belo e formoso...

— E está dando certo? — Assuntei sem muita animação.

— Até agora sim, graças à Deus. O senhor crê me faltar muito pouco para acabar de pagar o carrinho?

— Carrinho? Que carrinho?

— A lindeza que agora leva o senhor e a sua netinha ao aeroporto...

— Ah, sim. Acredito!

— Coloquei um objetivo. Por dia preciso fazer tantas corridas para alcançar o valor idealizado.

— Legal.

— Ontem, por exemplo, uma vitória inesperada. Antes do meio dia, já havia obtido o limite estabelecido...

— Parabéns. O senhor é um vencedor.

— Obrigado, meu amigo. “O pouco com Deus é muito e o muito, sem Deus é nada”.

Que chato! O Bode não parava de tagarelar:

— Hoje comecei no trampo, como todos os dias, às cinco horas da manhã. Paro ao meio dia, para um rápido almoço. Em seguida caio de novo no mundo. Às dezoito horas, me recolho. Espero ter a mesma sorte benfazeja de ontem. Antes do horário previsto galgar o “Ponto- X”. Então poderei desligar o telefone e partir para o abraço...

— Mora aqui por perto?

— Quem dera! Me escondo no Cocotá, Ilha do Governador.

— Família?

— Mulher e duas filhas. Uma com seis anos e a mais velha com treze...

— A idade da minha neta aqui.

— A Cabra me ajuda. Não estou sozinho na peleja pela sobrevivência.

Quase dei um salto repentino no banco traseiro:

— Quem?

— A Cabra, minha esposa...

— Ah, verdade...  

— Esqueceu que sou um bode?

— Olhando assim para o amigo... se a gente não prestar atenção, quase não dá para aceitar o fato de que seja um...

— Entendo. Todavia, no meu humilde modo de encarar a vida, acho que o senhor me reconheceu... como é discreto, não quis inquirir ao menos para tirar a dúvida.

— Em parte o amigo tem razão. Faço vistas grossas. Falo sempre sobre essas coisas à minha neta. Às vezes sou meio antiquado. Ensino a ela que a gente não deve ser abelhudo. A curiosidade costuma matar o gato.

O Bode aquiesceu, mostrando junto com o sorriso franco uma arcada dentária perfeita:

— O senhor tem toda razão.

Completei o que pensava, observando:

— Melhor ser um gato vivo que um bichano a caminho do cemitério...   

— Concordo plenamente com suas palavras, meu caro Salaminho...

— Perdão, amigo Bode. Linguiça. De onde foi que tirou o Salaminho?

Bode se desculpou veementemente envergonhado:

— Desculpe-me pelo vacilo, seu Linguiça. Eis nós aqui. Chegamos ao seu destino. Aeroporto Santos Dumont. Façam, o senhor e a sua netinha, uma boa e proveitosa viagem.

Puxei da carteira o dinheiro para o pagamento da corrida.

O Bode se virou e, sem deixar a alegria que inundava suas faces coradas, naquele momento, observou:

— Negativo, seu Linguiça. O senhor não me deve nada.

Franzi o cenho, interrogativamente:

— Como assim não lhe devo nada?   

— Estou lhe dizendo que estamos quites.

— Acaso errei o valor visto aqui pelo meu celular?

— De forma alguma...

— Estou, inclusive, acrescentando um pouquinho mais, como gorjeta...

— Como lhe falei, corrida sem pendência alguma. Foi um prazer ter lhe conhecido e transportado o senhor e a sua netinha. Vão em paz. Aqui está o meu cartão e o número. Se quiser me dar o prazer de outras viagens, é só mandar um alô.

Desembarcamos. O sujeito foi embora. Minha neta pediu para olhar o cartão de visitas deixado:

— Vô, o cara se chama “Bodi?!”

— Sim, minha linda. Ele é o marido da Cabra.

Sem mais delongas, entramos e rumamos para o check-in.     

Fonte:
Texto enviado pelo autor.