quarta-feira, 16 de junho de 2010

Cecy Barbosa Campos (O Homem Transparente)

Desenho por Felipe Corsini
Recebi da autora o livro Recortes de Vida, onde estão reunidos diversos textos em prosa, muitos deles premiados em Concursos. Para o leitor que não conhece seus textos, coloco o texto que me chamou atenção entre os 28 que compõem o livro, o qual obteve Menção honrosa no 7. Concurso de Contos da A.D.L. Boa Esperança,MG, em 2008.
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Liberato não fazia jus ao próprio nome. Era um homem baixo, encolhido, parecendo estar sempre com medo e desconfiado, olhando de esguelha para um lado ou para o outro, às vezes, para trás. Não tinha nada de liberado, extrovertido ou comunicativo.

Sempre sozinho, não tinha amigos. Parecia não se interessar pelo convívio com outras pessoas e, até mesmo, teme-las, preferindo ser sua própria companhia. Em contrapartida, os “outros” também o ignoravam, e ninguém tentava aproximação com aquele homenzinho, que se sentia quase invisível.

Quando na repartição, trabalhava corretamente, cumprindo a sua função de maneira precisa, não deixando de realizar as tarefas que lhe competiam, mas nunca tomando a iniciativa para aumentar, num milímetro, as suas responsabilidades.

Quieto, entrava em sua sala; quieto saía. Tão quietamente, que numa tarde ficou esquecido e a repartição foi fechada com ele lá dentro. Como era uma sexta-feira, só foi encontrado na segunda, quando o homem da limpeza chegou antes do início do expediente. Assustado, deparou com Liberato no momento em que, abrindo todos os cômodos, ia dar início à faxina, animadamente, empunhando uma vassoura.

O homenzinho, sentado à sua mesa, tinha a cabeça apoiada nos braços cruzados. Dormia profundamente numa imobilidade que levou o faxineiro apavorado a pensar que tinha encontrado um defunto. Deixou cair a vassoura, e o barulho acordou Liberato que abriu um olho, depois outro e, sem nada dizer, levantou-se e saiu do recinto.

Acomodado com o que lhe tinha acontecido, Liberato tomou um café preto e, rotineiramente, voltou ao escritório para recomeçar um dia normal de trabalho como se nada tivesse acontecido. Na entrada, cruzou com o faxineiro, mas nao trocaram palavra. Com a fisionomia inalterada, assentou-se à sua mesa de trabalho, acomodando-se na mesma cadeira onde tinha sido encontrado naquela manhã, após as cinquenta horas em que permanecera no escritório.

Os colegas não observaram nada de diferente nele. Continuava silencioso, magro e pálido. Apenas, a barba por fazer trazia-lhe um aspecto descuidado que não lhe era habitual. O homem da limpeza passou o dia encafifado. Não entendia como o "seu" Liberato já se achava no escritório antes do início do expediente; estranhou a sua saída e na sua volta observara que ele parecia mais miúdo, mais branco, quase transparente.

Liberato não comentou com ninguém o que lhe acontecera. O faxineiro, que não queria saber de confusão para o seu lado, também não contou a estranha situação para o pessoal do escritório e nem para seus colegas de limpeza. Afinal, a corda sempre arrebenta para o lado mais fraco, pensou ele, lembrando as sábias palavras de sua falecida mãe. No caso, como a parte mais fraca era ele próprio, melhor não falar nada.

Naquela semana, Liberato parecia mais silencioso do que nunca. Em alguns dias, não saiu do escritório para almoçar e, na sexta-feira, não teve ânimo para voltar à sua casa. Na segunda, o faxineiro tornou a encontrá-lo pela manhã e notou que ele parecia menor, mais branco, quase transparente.

A situação se foi repetindo, ignorada por todos, exceto pelo faxineiro que nada fazia além de observar Liberato, achando que, qualquer dia, ele ia desaparecer de tão magro, tão quieto, tão transparente.

Numa fria manhã de segunda-feira, quando o homem da limpeza chegou, notou apenas uma marca no assento da cadeira giratória da sala de Liberato e um fio de cabelo grisalho sobre os papéis um pouco amassados, talvez, pela pressão de braços cruzados. Liberato não estava lá. O que teria acontecido com ele não chegou a preocupar ninguém exceto, talvez o faxineiro, mas não por muito tempo.

Desaparecera, ignorado por todos e ignorado por um mundo no qual não encontrou o seu lugar.

Fonte:
Cecy Barbosa Campos. Recortes da Vida. Varginha,MG: Alba, 2009.

Cecy Barbosa Campos



Natural de Juiz de Fora (MG), Bacharel em Direito e licenciada em letras (inglês) pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Mestre em teoria da literatura pela mesma universidade. Professora de Literatura Inglesa e Norte-Americana, aposentada. Leciona nos cursos de graduação e pós-graduação do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora.

Entidades a que pertence
Academia Juiz-forana de Letras.
Academia Gran Beryense de Letras, Artes e Ciências.
Academia de Letras Rio-Cidade Maravilhosa;
Academia Rio Pombense de Letras, Ciências e Artes.
Clube de Escritores de Piracicaba.

Publicações:
- The Iceman Cometh: a carnavalização na tragédia e
- O Reverso do Mito e outros ensaios.
- Recortes da Vida.

Trabalhos em Congressos e Encontros Literários:
- Maya Angelou`s and Conceição Evaristo`s Social Poetry. São José do Rio Preto, 2009.
- O Teatro do Absurdo nos Estados Unidos: uma visão comparativa. Juiz de Fora, 2008.
- Escritores Afro-descencentes. Belo Horizonte, 2007.
- Conceição Evaristo e Toni Morrison: convergências e divergências.
- Toni Morrison`s Beloved: from novel to film. Fortaleza, 2005.
- O Teatro Inglês. Muriaé, MG, 2004.
- Preconceito em uma sociedade materialista: The Sculptor`s Funeral de Wila Cather. Divinópolis, MG, 2003.
- Good Country People, de Flannery O`Connor. 2002.
- A presença ausente de personagens femininas em peças de O`Neill. Londrina,PR, 2001.
- Women Characters in some of Flannery O`Connor`s short-stories: the reversal of the myth. Gadsden, Alabama, USA. 2000.

Participações:
- Coleção Prosa e Verso, do Grupo Sul-mineiro de Poesia e Academia Varginhense de Letras.
- Modernos Contos Brasileiros.
- Antologia da Academia Dorense de Letras.
- Antologia Letras Contemporâneas.
- Prêmio Missões.
- Antologia del`Secchi.
- Antologia da Academia Chapecoense de Letras.

Fonte:
Cecy Barbosa Campos. Recortes da Vida. Varginha,MG: Alba, 2009.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Balthazar de Godoy Moreira (Poemas Avulsos)


MATRIZ DE PINDAMONHANGABA

Sempre a contemplo com devotamento!
Entre os seus velhos muros abençoados,
Fechando os olhos, em recolhimento,
Sinto a presença dos antepassados!

Sinto-os tão perto que, por um momento
Quase os diviso junto a mim, parados:
Os que vieram para o casamento...
Os que vieram para os batizados...

Amo esta velha e veneranda igreja!
E peço a Deus que a poupe, exatamente
Assim como é, para que sempre seja

Como um símbolo vivo, onde se encerra
A fé singela e sã de minha gente
O espírito imortal de minha terra!

VELHO BOSQUE

Descendo-se depois, pela ladeira,
Acha-se o velho bosque. Um Deus amigo
Parece que aqui fez o seu abrigo
À sombra da ramada hospitaleira.

Eros ou Pan, arrasta-nos consigo
E entre uma lenda e uma canção brejeira
Nos entretem, durante a tarde inteira,
Na doce evocação de um sonho antigo!

Curvam-se os ramos para nos saudar!
Há em cada fresta o arco-íris de uma flor
E cada tronco que nos vê passar

Como um livro de poemas encantados
Conta a singela história de um amor,
Num par de corações entrelaçados!

O PARAÍBA

Vem de longe, dos vales nebulosos
Da Serra da Bocaina, derivando
Ora entre fráguas, em cachões ruidosos,
Ora em remansos, rebalsado e brando.

Casas, pontes e bosques retratando,
Choças de pobre e casarões suntuosas,
De longe vem, por estirões rolando
Ou traçando coleios preguiçosos.

Mas quando em meio do arrozal virente
Tendo a minha cidade descoberto,
O curso inclina caprichosamente,

Alheio à várzea marginal e a serra,
É só para poder ficar de perto
Namorando mais tempo a minha terra!

JARDIM DA CASCATA

Nos meus dias de infância, que saudade
Das reinações que por aqui fazia!
Então este jardim que parecia
O recanto mais lindo da cidade!

Anos depois, na flor da mocidade
Quando em sonhos minha alma se aprazia,
O Jardim da Cascata me sorria ...
E era o sítio mais lindo da cidade!

Agora velho, de cabelos brancos,
Vendo os jovens aos pares, ternamente
Noivando de mãos dadas, nestes bancos,

Eu penso ainda, com sinceridade,
Que o Jardim da Cascata é realmente
O recanto mais lindo da cidade!

BANDEIRA DE MINHA TERRA

Metro e meio de pano em cores vivas,
O rubro e o auri-verde nacionais,
Um cruzeiro de estrelas expressivas,
Um fulgente diadema ... nada mais.

No entanto, nestes símbolos banais,
Sinto cheio de enlevo, redivivas,
Na mensagem de nossos ancestrais,
Quantas, quantas lembranças emotivas!

E então, a escola, o templo em que rezamos
O rio, a serra, as várzeas de esmeraldas,
O lar a que com fé sempre voltamos,

E onde entre amigos nossa dor se acaba,
Tudo isso evoco quando te desfraldas
Nobre pendão de Pindamonhangaba!

Fontes:
http://www.pindavale.com.br/
http://www.portalpinda.com.br/

Festividades dos XVI Jogos Florais de Curitiba

Estamos em festa. Venha participar!

Nosso site está em construção: http://www.ubtcuritiba.com/

A UBT- Seção de Curitiba apresenta a programação de um dos mais importantes eventos culturais do Paraná em 2010:
"XVI Jogos Florais de Curitiba".
Convidamos e contamos com a sua presença!

Abraço fraterno,
Maria da Graça Stinglin de Araújo
Presidente

PROGRAMAÇÃO OFICIAL – XVI JOGOS FLORAIS DE CURITIBA - 2010

Dias 18, 19 e 20 de junho de 2010

Dia 18 de junho (sexta-feira)

17h45m – Saudação aos visitantes, no saguão do Hotel .Participação de Milton I. Fadel (cantor) e Manoel Moskalewski (músico).

18h15m - Saída para a Câmara Municipal de Curitiba, (a uma quadra do Hotel).

19h – Solenidade de abertura, na CÂMARA MUNICIPAL DE CURITIBA
* Premiação dos estudantes classificados no XVI Jogos Florais de Curitiba.
* Homenagens.
* Apresentação musical, Fabiano Crusara (tenor), Júlio Enrique Gómez (pianista).

Dia 19 de junho (sábado)

8h45m – Passeio turístico por alguns pontos da cidade. Ônibus apanhará os trovadores e convidados no Hotel.
* Almoço - Livre

14h30m – Solenidade de premiação dos trovadores classificados (âmbito internacional-nacional-estadual).
Local: Salão “PARANÁ”, nas dependências do Hotel.
* Apresentação musical: Coral “La Vie en Rose”, da Rede Feminina de Combate ao Câncer, sob a regência da maestrina Ellisana Gazda Kunn.

18h- Saída para o jantar na Chácara "Sapolândia" – ônibus para os visitantes (ida e volta).

19h – Jantar. (Sapolândia – chácara do Vereador João Claudio Derosso, Rua Antonio de Paula, 3695).
* Lançamento do livro "Paraná em Trovas”, organizado por Vânia Maria Souza Ennes .
* Roda de Samba do IEP, com os músicos: Aderli Santi, Cesar Basseti, Harry Korman, Kleber Humphreys, Manoel Moskalewski, Mário G. Damasceno, Milton Fadel, Nivaldo Gouvea Júnior, Orlando Dias e Paulo Dorsa.
* Revoada de trovas.

Dia 20 de junho (domingo)

9h15m: Embarque no hotel, dos visitantes.

10h - Missa em trovas, na Igreja São Francisco de Paula - Rua Desembargador Motta, nº 2.500
* Apresentação musical a cargo de Cirlei Donim (cantora lírica)

12h - Almoço de despedida (por adesão) no Restaurante do Hotel.
*************************************************************************
Hotel “Paraná Suíte” – Rua Lourenço Pinto, nº 456 –– próximo do Shopping Estação e da Câmara Municipal de Curitiba. Fone/fax (41) 3322-4242.

OBS:
Dia 17 de junho – Palestra com Antônio Augusto de Assis –
“A TROVA DE LUIZ OTÁVIO”,
Biblioteca Pública do Paraná, rua Cândido Lopes, nº 133, 3º andar.
Fonte:
UBT/Curitiba

Lançamento do livro "Paraná em Trovas”, organizado por Vânia Maria Souza Ennes

Fonte:
UBT/Curitiba

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Raimundo Nonato da Silva (Os Passarinhos)


Quem engaiola um canário
Um Graúna ou um vem-vem
Dê liberdade pro pássaro
Olhe escute e veja bem
Não faça do pássaro um réu
Ele não ofende ninguém

Eu tenho pena demais
Quando vejo um passarinho
No viveiro ou na gaiola
Sem liberdade e sozinho
Deus lhe fez para voar
Pra cantar e ter um ninho

A lua clareia a noite
De dia o sal é aceso
Mas quem prende um passarinho
Na consciência tem peso
Quem Deus fez para ser livre
Não era para estar preso

O passarinho parece
Um cantador de viola
O pássaro enfeita a floresta
Com a sua cantarola
Deus não gosta de quem prende
O pássaro numa gaiola

Se lembre que a floresta
Tem o ar mais belo e puro
Quem polui a natureza
Espere que no futuro
Deus vai cobrar sua conta
Com correção e com juro

Se a mata fosse minha
O rio, o lago e a fonte.
Talvez existisse hoje
Verde colorindo o monte
E todo mundo sonhava
Com um bonito horizonte

Se a mata fosse minha
Eu zelava até de mais
Mandava varrer a cama
Onde dorme os animais
Porque os brutos precisam
Dormir na cama da paz.

Se a mata fosse minha
Eu mandava alguém cercar
Com uma grande muralha
E mandava eletrificar
As paredes pra dar choque
Em quem quer lhe devastar

Não mate um sabiá
E nem outro passarinho
O cantador da floresta
Só quer amor e carinho
Não faz o mal pra ninguém
Mas alguém destrói seu ninho

Se a mata fosse minha
Lá tinha alegria e festa
Os animais tinham paz
Pássaro fazia seresta
E o homem sem coração
Não devastava a floresta

Se a mata fosse minha
E se eu mandasse nela
Se alguém pegasse um machado
Pra cortar uma árvore bela
Eu cortava os pés de quem
Quer cortar a raiz dela

Se a mata fosse minha
Não seria devastada
Ninguém destruía as árvores
Não existia queimada
Como a mata não é minha
Eu não posso fazer nada

Fontes:
Colaboração do poeta.
Imagem por Wilson Gorj.

Aparecido Raimundo de Souza (Consequências de um Esbarrão)

Imagem de Gutoliva (Guto de Oliveira)
Foi um encontro, aliás, uma trombada casual, muito ligeira, num dia em que faltou luz no prédio comercial onde o Eduardo e a Fernanda trabalhavam. Ela descia afoita, para um lanche de 15 minutos na padaria da esquina. Ele subia para o sexto piso, onde possuía um estúdio de fotografias.

Na pressa, Fernanda jogou longe uma caixa repleta de envelopes que o rapaz carregava com cuidado especial. Se sentindo culpada pela trombada inesperada e, conseqüentemente, vendo o desespero do moço para apanhar os invólucros que se espalharam, se abaixou, solícita, e o ajudou a recolher os pertences.

— Perdão, perdão. Nossa como sou desastrada. Não era intenção...

Eduardo, de cócoras, ia recebendo um a um os envoltórios e os colocando de volta na caixa, ao tempo que jogava a culpa para si próprio:

— Não há o que perdoar. Eu é que não olhava pra frente. Vinha com os pensamentos longe. Machuquei você?

Passando das palavras imediatamente à ação, depositou num canto os documentos — na verdade negativos de filmes — e acariciou o braço de Fernanda. Havia um minúsculo esfoladinho e brotava um filete pequeno de sangue.

—Está doendo?

Fernanda meneou a cabeça de modo negativo.

— Desculpe.

Os olhos de Eduardo, nesse instante, ficaram muito próximos da garota. Os lábios, perto demais, pareciam, na realidade, querer se juntar num beijo de intensidade voraz. Eduardo, contudo, era tímido para essas coisas do amor. Fernanda, por sua vez, nunca havia experimentado um trocar de salivas apaixonado, nem sentido um friozinho na barriga, como o que sentia naquele momento.

Não fosse um sujeito barrigudo com duas crianças pedir passagem, certamente os rostos de ambos teriam se unido no mesmo calor da emoção que os envolvia em cálida ternura.

— Você não me disse seu nome.

— Não! Sou o Eduardo.

Ela se abriu num sorriso largo e meigo.

— O meu é Fernanda. Qual é o seu andar?

— Sexto, 604.

— Décimo segundo, l.20l.

— O que você faz no 604?

— Sou fotógrafo. E você, no l.20l?

— Secretária de um consultório dentário.

Ficaram em silêncio por alguns minutos.

— Quer saber de um segredo? Estou precisando, não é de hoje, passar a mão em mim e fazer uma visitinha a uma cadeira de dentista. Meu sorriso anda meio desfalcado. Seu patrão por acaso é muito careiro?

— Não é patrão, é patroa. Boa de jogo. Faz qualquer coisa para segurar um cliente. A propósito: você me disse que é fotógrafo?

— Disse e confirmo.

— Lembrei de um detalhe interessante. Veja só como são as coisas. Mamãe, dias atrás, me disse que vai mandar fazer um book e me dar de presente no dia do meu aniversário.

— E quando é?

— Segredo. Não posso revelar...

— Nem pra mim?

Eduardo e Fernanda continuaram a jogar conversa fora e a trocar pequenos afagos e carícias. Pareciam colados no piso frio daquele lance de escadas. A pressa se dissipara como por encanto.

— Verei você de novo?

— Claro! Diga onde e quando?

— Calma! Dá pra mim o seu telefone?

— Não posso...

— E por que não?

— Se o der, ficarei sem.

Um sorriso cheio de graça bailou iluminado, no rosto dos dois jovens.

— Então, me dá só o número?

— Só se você me der o seu antes.

— Certamente que sim.

Quase Fernanda perde a hora de voltar ao serviço. Eduardo também se esqueceu de tudo, até das clientes que o esperavam na sala. Subiram juntos, vagarosamente, agarradinhos um no outro, trocando palavras melosas.

— Eu fico aqui. Não quer chegar? Um cafezinho, ao menos?

— Meu tempo esgotou. Amanhã, tudo bem. Se os elevadores estivessem funcionando...

— Olha só como as coisas acontecem na vida da gente. Graças a uma súbita falta de energia acompanhada de uma ligeira colisão de corpos, você cruzou o meu caminho.

— Não foi bem um caminho, mas uma escada enorme...

— Que me fez ficar literalmente preso nos seus degraus.

Dia seguinte, voltaram a se ver e a se falar. Desta vez, não no interior do edifício, ou no lance de escadas onde tudo começou, mas num restaurante aconchegante, perto dali, com música ao vivo e até uma garrafa de champanhe, para comemorar.

De mãos juntas, rostinhos colados, corações batendo descompassados, iniciaram um romance bonito que, meses depois, acabou, realmente, em namoro sério, oficializado na casa dos pais dela, com direito a troca de alianças, presentes, bolo, muita cerveja, churrasco e uma recepção inesquecível para confraternização dos parentes, amigos mais chegados e o anúncio, em primeira mão, da vinda de um lindo bebezinho.

— Vai ser um menino.

— Qual o quê! É menina. E será linda como a mãe...

Foi um encontro, aliás, uma trombada, um esbarrão casual, muito ligeiro, num dia em que faltou luz no prédio comercial onde o Eduardo e a Fernanda trabalhavam. Ela descia afoita, para um lanche de 15 minutos na padaria da esquina. Ele subia para o sexto piso, onde possuía um estúdio de fotografias.

Com esse casal, os desígnios de Deus seguem em frente. A história se repete e haverá de se renovar, indefinidamente. Na verdade, é o milagre da vida, através do seu cotidiano, dando continuidade ao essencial, promovendo a sua parcela de felicidade para que o dia a dia das pessoas não passe como o caracol que se desfaz em baba, ou como o feto abortivo que não viu a luz do sol.

Fonte:
Colaboração do Autor.

Lançamento do Livro “Destino: Inferno”, de Lee Child



Muita aventura, com doses extras de adrenalina e um final de tirar o fôlego. Essa é foi a receita criada Lee Child no seu novo lançamento no Brasil: o livro "Destino: Inferno", publicado pela Editora Bertrand Brasil. Este é o terceiro livro lançado no país com o protagonista Jack Reacher, um norte-americano durão, formado na Academia Militar de West Point, ex-capitão da Polícia do Exército e que, atualmente, roda pelos EUA lutando contra bandidos, sem residência fixa, documentos ou vínculo com qualquer pessoa.

Uma rua movimentada de Chicago, na ofuscante luz do meio-dia. Jack Reacher está simplesmente passeando. Holly Johnson, jovem atraente e atlética, carregando cabides, atrapalhada com seu par de muletas, está obviamente precisando de uma mãozinha. É claro que ele para a fim de oferecer ajuda à pobre moça. Mas o que Reacher encontra é uma arma apontada diretamente para sua barriga. Agora, os dois terão que que se unir e confiar um no outro para enfrentar o inferno que os aguarda. E, reféns de um grupo de melicianos, precisarão sobreviver ao mais terrível pesadelo de suas vidas. Será que a forte coragem de Jack Reacher dará conta do inferno que está por vir?

Lee Child escreve de maneira clara, direta e dura, assim como é Jack Reacher. Sem entrelinhas ou enrolações, cada palavra no livro é um tiro certeiro e imediato. "Destino: Inferno" possui cenas marcadas, com entrada e saídas definidas, cores, iluminação, climax. Desta maneira, o leitor se sente dentro daquele ambiente, como se estivesse acompanhando Jack Reacher durante a sua intensa aventura. Os capítulos apresentam ligações perfeitas, que servem como boas (e necessárias!) pausas, para que o leitor recupere o fôlego e continue a leitura.

A Editora Bertrand também está com uma ação nas mídias sociais onde o General Garber, militar responsável pelo treinamento e comando do herói Jack Reacher na época em que ele ainda fazia parte da Academia Militar, o apresenta para o mundo digital. Você pode se atualizar sobre a vida de Jack Reacher e participar de promoções no Twitter (http://bit.ly/GarberTwitter).

Além disso, você pode ser amigo do General Garber no Orkut (http://bit.ly/GarberOrkut) e no Facebook (http://bit.ly/GarberPerfilFB) . Se quiser saber mais detalhes, curiosidades e trocar informações com outros leitores e fans de Jack Reacher, basta fazer parte da Comunidade Oficial no Orkut (http://bit.ly/comjackreacher) e na Página do Facebook http://bit.ly/GarberPagFB.

Não coma poeira... Siga o rastro de Jack Reacher.

Fonte:
Parceria com a Editora Bertrand.

Lee Child (1954)



Lee Child é o nome artístico de Jim Grant, escritor nascido na Inglaterra, em 1954. Atualmente, ele vive em Nova Iorque. Seu primeiro livro, “Dinheiro Sujo” (killing floor), ganhou o prêmio Anthony Award por melhor romance de estreia. As obras de Lee Child contam as aventuras de Jack Reacher, um ex-policial do exército americano que vaga pelos Estados Unidos envolvido em situações de risco.

Lee Child nasceu em Coventry, na Inglaterra, mas seus pais mudaram-se com ele e seus três irmãos para Handsworth Wood, em Birmingham, quando ele tinha quatro anos, em busca de melhores condições de vida.

Frequentou a escola King Edward's, em Birmingham - frequentada também por J.R.R. Tolkien e Enoch Powell. Seu pai era funcionário público e seu irmão mais novo, Andrew Grant, também é escritor.

Em 1974, aos 20 anos, Grant cursou a Universidade de Direito de Sheffield, em Sheffield, embora não tivesse intenção de se tornar advogado. No período da faculdade, trabalhou nos bastidores de um teatro. Quando se formou, ao invés de seguir o Direito, conseguiu um emprego na área comercial de um canal de TV.

Grant entrou na Granada Television, que faz parte da ITV do Reino Unido Network, em Manchester, como diretor de apresentação. Lá, ele estava envolvido com diversos programas, incluindo Brideshead Revisited, "A Joia da Coroa", Prime Suspect, e Cracker. Ficou envolvido na transmissão de mais de 40 mil horas de programação para a Granada, escreveu milhares de anúncios publicitários, notícias e trailers. Permaneceu na emissora de 1977 a 1995.

Depois de ser despedido por causa de uma reestruturação na empresa, decidiu que queria começar a escrever romances, afirmando que são "a mais pura forma de entretenimento".

Em 1997, seu primeiro livro, "Dinheiro Sujo" (Killing Floor), foi publicado e em 1998 mudou-se para os EUA.

Em 2007, Grant colaborou com 14 outros escritores para criar a série "O Manuscrito de Chopin", narrado por Alfred Molina, que foi transmitido semanalmente na Audible.com, de 25 de setembro de 2007 até 13 de Novembro de 2007.

Obras e prêmios
Killing Floor (Dinheiro Sujo) - 1997
Vencedor do Anthony Award Vencedor do Barry Award Indicado ao Dilys Award Indicado ao Macavity

Die Trying (Destino: Inferno) - 1998
Vencedor do WH Smith Thumping Good Read Award

Tripwire (Não lançado no Brasil) - 1999
Running Blind (Não lançado no Brasil) - 2000
Echo Burning (Não lançado no Brasil) - 2001
Without Fail (Não lançado no Brasil) - 2002
Indicado ao Dilys Award Indicado ao Ian Fleming Steel Dagger Award
Persuader (Não lançado no Brasil) - 2003
Indicado ao Ian Fleming Steel Dagger Award
The Enemy (Não lançado no Brasil) - 2004
Indicado ao Dilys Award
One Shot (Um Tiro) - 2005
Indicado ao Macavity Award
The Hard Way (Não lançado no Brasil) - 2006
Bad Luck and Trouble (Não lançado no Brasil) - 2007
Lista Oficial do Theakston’s Old Peculier Crime Novel of the Year Award 2009
Nothing To Lose (Não lançado no Brasil) - 2008
Gone Tomorrow (Não lançado no Brasil) - 2009
61 Hours

Histórias Curtas
- "James Penney's New Identity", do livro "Fresh Blood 3" (editado por Mike Ripley e Maxim Jakubowski) e do livro "Thriller" (US)
- "The Snake Eater by the Numbers", do livro "Like a Charm" (editado por Karin Slaughter)
- "Ten Keys", do livro "The Cocaine Chronicles" (editado por Jervey Tervalon e Gary Phillips)
- "The Greatest Trick of All", do livro "Greatest Hits" (editado por Robert J Randisi)
- "Guy Walks Into a Bar...", publicado no jornal "The New York Times" em 6 de junho de 2009

Fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Lee_Child

domingo, 13 de junho de 2010

Silviah Carvalho (O Coração que Ama!)


O coração que ama,
É oásis no deserto e alimento ao faminto,
Água ao sedento, força para o fraco,
Consolo ao aflito.

É paz em meio à guerra,
Não tarda, não se esconde,
É um pouco do céu aqui na terra.

O coração que ama
Não busca glória e nem recompensa,
A ninguém diminui, a ninguém entristece,
Na bonança está presente,
Na tormenta não desaparece.

O coração que ama tudo suporta,
Perdoa sem ser perdoado,
Ama sem ser amado,
Não maltrata quando maltratado,
Não julga quando é julgado.

O coração que ama
Não se cansa de fazer o bem,
Não difama, não agride, não acusa,
Sabe a hora de ouvir e a hora de falar,
E se nada pode fazer, sabe a hora de calar.

O coração que ama desse jeito,
Aprendeu com a crucificação,
Que se não pode pôr nos ombros sua cruz,
Te sustenta, te carrega e te ajuda em oração.
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Vânia Moreira Diniz (Morte na Solidão)

Solidão (pintura de Celso Felipe Carvache)
Mauro estava pensativo. Em raras ocasiões tinha tempo para se deter pensando em alguma coisa. Agia mais do que pensava. e naquele momento enquanto procurava um ponto de ônibus, cansado e atrasado para o trabalho, sua mente martelava dolorosamente.

Desde pequeno suas dificuldades tinham sido muitas e sua família simples morando no interior não lhe havia dado muitas opções. Estudara num colégio público local e logo tivera que parar para trabalhar em dois horários e ajudar seus pais e irmãos.

Muito pequeno compreendera que a vida não era nenhuma brincadeira, porque nas raras ocasiões em que jogava bola com seus amigos era sempre interrompido para atender

a mãe ou porque realmente as horas de trabalho eram intensivas e desgastantes.

Vendia doces, engraxava sapatos e além disso a partir de certo horário atendia num restaurante levando a domicílio pedido de clientes.

Quando completou 14 anos resolveu sair daquela cidadezinha do interior mineiro e tentar a vida na capital.

Esse passo havia sido difícil. Deixar a família, os irmãos pequenos e chegar sozinho em uma cidade grande, sem emprego ou meios de sobreviver, exigia uma coragem que nem de longe pensou possuir.

Trouxe uma carta de recomendação do pequeno estabelecimento em que trabalhava porque todos gostavam muito dele.

No começo pareceu que esse cuidado não adiantaria muito e algumas noites dormiu ao relento em bancos da praça quando estavam vazios ou ninguém o incomodava.Conheceu alguns meninos de sua idade ou mais velhos e mudava de rumo todas a s vezes que sentia o ar pesado ou notava insistência que fumasse ou cheirasse alguma coisa para ele desconhecida.

Acedeu umas duas vezes, mas sentiu-se tão mal que prometeu jamais repetir a dose.Ademais tinha uma índole pouco afeita a qualquer novidade e não gostava de sair de certos hábitos. Tinha uma cabeça boa e sabia como todo menino de sua idade dos efeitos devastadores no uso de drogas.

Havia trazido uns trocados de sua cidade que sua mãe economizara com muito sacrifício e que valeu alguns pães com manteiga ou qualquer coisa que não lhe deixasse prostrado de fraqueza.

Naquele dia achou perto dali um jornal abandonado e resolveu folheá-lo talvez á procura de emprego.Ali mesmo na Rodoviária começou a carregar malas ou ajudar em alguma coisa e sua índole diferente chamou atenção de certas pessoas que freqüentavam o lugar.

Conseguiu uma caixa de engraxate e como tinha prática arranjou alguns fregueses.

A vida não estava sendo fácil, pois havia garotos que se tornaram hostis à sua presença e foi com dificuldade e uma boa dose de sorte que um rapaz ofereceu-lhe emprego numa firma para entregas de mercadorias ou algum outro serviço da mercearia, em troca de cama e comida. Ele aceitou. E dedicou-se encantando fregueses e até ao próprio patrão que era o pai do rapaz.

Assim foi durante algum tempo e ele conseguiu matricular-se em uma escola pública à noite para acabar o primeiro grau, pois já ganhava metade de um salário mínimo e dormia no porão da lojinha.

Não pensava em outra coisa senão trabalhar e estudar. Queria vencer.

Seu patrão era um bom homem. Viu sua luta e enorme dificuldade e como não pudesse lhe pagar o que merecia arranjou-lhe emprego parte da tarde num escritório como officeboy e deixava que ele continuasse dormindo lá.

Conheceu várias pessoas , fez amizades, arranjou outra colocação num prédio como servente e tinha um quartinho para dormir. Um depósito mas que importava?

Quando conheceu Luiza já tinha passado situações difíceis e jamais namorado à sério. Mas aquela menina bonita que entrava no colégio pontualmente e olhava-o insistentemente atraiu completamente sua atenção.

Saíram juntos, mas o namoro não prosseguiu. Era um rapaz bonito, sem dúvida e isso fazia com que muitas moças o procurassem, porém ele fugia de tudo que pudesse transtornar seus planos. O futuro era sua meta. E ele não queria se afastar dela.

A jovem Luiza, entretanto fascinou-o e cedo entendeu que ela nada queria com um zelador de prédio apesar da atração que o rapaz exerceu. Compreendeu isso e sofreu mais ainda perseverando em suas intenções. Há muitos anos empregado no mesmo lugar, sem pagar aluguel pudera até de vez em quando mandar alguma coisa para ajudar os pais.

Seus estudos eram imprescindíveis e com muito sacrifício acabou o 2º grau.

Quando fez concurso para servente no serviço público e passou, não acreditou. Não era um salário fora do comum, mas para ele era tudo o que queria.

Em todo esse tempo jamais tirou da cabeça a moça por quem tinha tão rápido se apaixonado. Tinha relacionamento com outras, mas seu pensamento estava sempre nela.

Sua vida melhorara, alugara um quarto e começara seu novo emprego com determinação. O tempo passava e ele continuava a estudar, fazendo o curso superior em Administração.

E nesse momento fizera um retrospecto de toda o seu passado. Não era mau. Tivera êxito em muitas coisas e pretendia continuar.

Três Anos depois

Mauro havia se casado e lamentavelmente a jovem morrera num acidente de ônibus a dois anos atrás. Gostara da mulher sem, no entanto ter sido realmente apaixonado por ela. Mas sua morte prematura traumatizara-o de verdade. Não tiveram filhos e a figura de Luiza atravessara seus pensamentos mesmo quando estava casado.

Nunca a perdera de vista e sabia até onde morava. Encontraram-se por acaso a seis meses e o rapaz insistira com ela em nova oportunidade. Casaram-se em dois meses.

Mauro ganhava razoavelmente e tinha galgado desde então passos firmes em direção aos seus ideais. Estudava ainda e muito apaixonado pela mulher não conseguia enxergar o quanto ela desdenhava seu valor e suas conquistas profissionais.

Luiza montara um pequeno salão de beleza mas freqüentemente precisava de ajuda em seus gastos que se tornavam cada vez maiores. Ele tudo procurava entender e muitas vezes fechava os olhos em atitudes estranhas da mulher. Amava-a e era tudo.

Brigavam e a moça em diversas ocasiões sumia deixando o marido transtornado.

Voltavam sempre porque ele a compreendia e ela precisava dele.

Jamais a jovem pensou em ter filhos e ele lamentava essa resistência a alguma coisa que lhe faria tão feliz. Mas, na verdade não queria forçá-la a nada.

Viveram assim uns longos tempos e as brigas eram muitas e freqüentes. O amor de Mauro era quase uma obsessão e quando resolveu deixá-la sabendo que ela lhe enganava,

voltou em dois dias pedindo-lhe perdão. Nada o demovia da vontade de tê-la em seus braços em oportunidades várias. No fundo sabia que ela não o amava. Queria conforto, isso sim.

Conclusão

A vida passou entre choques, separações e até agressões físicas mas jamais Mauro pensou em separar-se dela.

Ultimamente sentia-se mal muitas vezes e imaginava que os aborrecimentos que lhe magoavam a existência contribuíam bastante para isso. Tivera oportunidade de separar-se dela e até tentar outra vida mas não admitia nem conseguia pensar em outra mulher.

Por vezes achava que isso era uma doença. E uma doença fatal e traiçoeira.

Profissionalmente estava muito bem, porém um mal-estar tomava conta dele.

Foi ao médico e submeteu-se a vários exames . Luiza percebeu e perguntou-lhe o que tinha

- Não sei disse-lhe ele. Só que pareço piorar a cada dia.
- E os exames?
- Ainda não tive uma resposta. Tenho uma consulta marcada amanhã. Quer ir comigo?
- Não posso. tenho um compromisso. Você sabe, estou querendo vender o salão.
- Quer ajuda? Poderei ver isso para você.
- Mal consegue cuidar de você mesmo -e essas palavras o magoaram- Ainda amava a mulher-

Luiza estava desconfiada que o marido tinha um problema sério de saúde. Ela resolveu procurar o médico e perguntar-lhe.

Ele era um clínico que muitas vezes os atendera e o médico embora com delicadeza fora muito franco com Luiza. Ela não podia acreditar.

- Câncer, Doutor? E o médico silenciosamente confirmara.

Luiza começou a arrumar sua vida. vendeu o salão e Mauro piorava cada vez mais. teve que ser internado para novos exames, seu pulmão estava quase completamente bloqueado.

Foi naquele dia que já respirava com dificuldade que pode ver em cima da mesa uma carta com a letra de Luiza. Dizia simplesmente

Mauro
Sinto muito mas não posso continuar com você. Isso já era previsto. Passei muitos anos com você mas não nasci para isso. Cuide-se. Espero que melhore e não me procure mais.
Luiza

Ele leu as palavras com a sensação de que já sabia o que estava escrito. Deitou-se entorpecido e pensou que até isso ela conseguira: Deixa-lo morrer na solidão.

Fechou os olhos imaginando que ela ficaria bem. Teria uma pensão razoável.

Ele lhe proporcionara isso na luta insana para chegar até ali.

E a ele restava morrer, morrer na solidão.

Fonte:
Vânia Diniz .

Leia mais Gastando menos: Troque Livros!


Sabe aquele livro que você já leu, releu, adorou, mas agora está parado na sua estante? Porque não proporcionar a outra pessoa o mesmo prazer que você teve com essa leitura – e, de quebra, obter créditos para novas descobertas literárias? Se você gostou da ideia e quer renovar a sua estante sem precisar gastar nada e ainda contribuir para com a circulação de literatura variada e de qualidade, a Estante Virtual indica o caminho.

Lançado há quase um ano, o Programa Nacional de Troca de Livros é uma iniciativa da Estante Virtual que faz circular conhecimento, sem deixar de movimentar a economia. Para participar basta levar os seus livros seminovos a um dos sebos participantes do programa e trocar por créditos, em reais, para adquirir novos títulos. 149 sebos de 65 cidades já aderiram ao programa,.

O processo, além de simples, é transparente: no sebo o material é avaliado e, havendo interesse do livreiro, o valor é estabelecido pelo menor preço do livro novo em uma consulta feita no site Buscapé, no momento da negociação. Os cálculos para a troca são os seguintes: o livreiro dá um crédito de 25% do valor de mercado do livro para troca por títulos do acervo local ou 20% em vale-compra virtual, que pode ser usado na compra online de livros dos acervos de mais de 500 sebos da Estante Virtual que aceitam o Pagamento Digital.

Ao estabelecer esse formato, o Programa Nacional de Troca de Livros proporciona uma avaliação justa, que reconhece o valor literário do produto oferecido. Dessa maneira, o programa favorece os livreiros, pois garante um fluxo constante de renovação do acervo, e beneficia os leitores que ao exercitarem a salutar prática da troca – que possui ainda o bônus de ser uma atitude ecologicamente consciente – têm acesso a novos livros sem gastar nenhum dinheiro.

Regulamento do Programa Nacional de Troca de Livros

1. Os sebos participantes do programa garantem, para livros seminovos, um crédito de 25% do valor pago pelo cliente nas livrarias convencionais. O crédito pode ser revertido na aquisição imediata de livros do acervo do livreiro, ou ainda na forma de um vale-compras, a ser usado posteriormente.

2. Entende-se por livro seminovo um exemplar em perfeito estado de conservação, com aspecto de novo, sem qualquer avaria ou sinal de desgaste e sem quaisquer anotações ou grifos no corpo do texto. Dedicatórias ou nomes na contracapa, porém, não são problemas, e não invalidam a troca.

3. A troca não é obrigatória, estando condicionada à análise de estoque pelo livreiro (que pode ter já livros demais daquele título ou mesmo daquele gênero em estoque) e também condicionada à análise do potencial de venda do livro no sebo, que precisa ser de médio a alto.

4. O referencial para o cálculo do crédito do cliente será o valor de mercado dos livros nas principais livrarias convencionais. A pesquisa de preços será feita pelo livreiro, na presença do cliente, no site Buscapé, entre as ofertas das seguintes reconhecidas livrarias online: Saraiva, Galileu, Travessa, Cultura, Americanas e Submarino. Valerá como preço de mercado o preço mais competitivo encontrado, uma vez que é sobre ele que os sebos tradicionalmente norteiam a precificação dos livros dos seus acervos.

5. Modalidade de troca por vale-compras virtual: alguns sebos oferecem também o serviço de vale-compras virtual, remetendo o crédito do cliente como saldo em uma conta Pagamento Digital, o qual o cliente pode utilizar para adquirir novos livros em outros sebos da Estante que já estão aceitando o Pagamento Digital (já cerca de 400). Nessa modalidade, o vale-compras a ser concedido varia conforme o sebo. Consulte a listagem de participantes e procure pelo símbolo do Pagamento Digital para identificar os postos de troca que efetuam esta modalidade de troca.

Notas:
A recompra em dinheiro não faz parte do programa. Os sebos que desejarem oferecê-la, podem negociar diretamente com o cliente um percentual de avaliação ou um valor fixo, conforme suas políticas habituais de recompra.

Fontes:
Estante Virtual.
http://www.estantevirtual.com.br/

Ronaldo Correia de Brito (Menino Sonhando o Mundo)


Quando tio Gustavo retornou do Sul, era madrugada. Ouvi os latidos dos cachorros, as batidas na porta de casa e o nome do meu pai chamado alto. Depois escutei minha mãe chorando, transtornada com a magreza do tio, seu semblante envelhecido. Tudo se passando junto de mim, em torno da rede em que eu fingia dormir para escutar as histórias que nunca me contavam.

- Menino não precisa saber certas coisas - era o que diziam, me enxotando para longe dos mais velhos.

Ofereceram ao tio o pouco que havia em casa: rapadura, queijo, coalhada fresca. Antes, o tio não comia esses alimentos rudes. A fome e o sofrimento na terra distante acabaram com seus orgulhos de homem.

- O Sul não existe - falou enquanto mastigava. - É pura invenção de violeiro repentista. Eles enchem a cabeça da gente de promessas mentirosas. Viajar é o mesmo que correr atrás de fumaça.

Mamãe olhava o irmão, em seguida olhava meu pai, arrumava a roupa vestida às pressas, sem ajuda de um espelho. Era a mais inquieta de todos nós, a que menos compreendia o mundo nebuloso de onde tio Gustavo retornava. Para ela, além do Sertão só existiam a Amazônia e o Sul.

Meu pai me dava instrução para o dia que eu tivesse de migrar. Aprendera a ler sozinho e ensinava o que sabia. Nossos livros estavam gastos, de tanto passar de mãos. Não eram muitos: A História Sagrada, As Mil e uma Noites, o Romance de Carlos Magno e os Doze Pares de França, A Ilíada. Para que precisávamos de mais livros? Toda sabedoria do mundo se concentrava nestes. Sem transpor os cercados da fazenda, conhecia as cidades da Terra: as de antigamente e as de agora.

- Você foi ao Mato Grosso? - perguntou meu pai.

- Fui, comecei a viagem por lá. Trabalhava numa fazenda de café. Os grileiros me fizeram de escravo. Nunca via a cor do dinheiro, pois estava sempre devendo ao barracão. Tomaram minhas roupas e até o fumo do cigarro eles controlavam. Tive malária e pensei que não escapava com vida. Ninguém daqui sabe o que é uma febre. Ela sempre chegava na hora certa e era a única certeza naquelas paragens. Quando senti que ia morrer, fugi por dentro da mata. Nem sabia para que lado ficava o norte. Desaprendi a olhar o céu e a me guiar pelas estrelas. Só enxergava a copa alta das árvores.

O tio enrolou um cigarro na palha de milho e de onde eu estava senti o cheiro conhecido do fumo. Quando crescesse eu também fumaria como todos os homens.

- Atravessei muitos rios até chegar à cidade; quase morro. Mas estou de volta e é como se nunca tivesse saído pra lugar nenhum.

- Você viu a cidade? - perguntou meu pai, com sua calma habitual.

Sem mexer-me na rede, para não descobrirem que eu escutava a história e percebia o alvoroço da família, busquei imagens dos meus livros para ilustrar a conversa misteriosa dos adultos.

- Fale da cidade - pediu minha mãe.

- A cidade é tão conhecida, que nem é preciso visitar. A gente tem na memória.

Contou sobre o que eu mais esperava ouvir. O viaduto elevado como os jardins suspensos da Babilônia, maravilha do mundo por onde passavam pessoas e carros. Embaixo, plantações de flores trazidas do levante e do poente. A torre de uma catedral gótica, parecendo o minarete de uma mesquita de Bagdá. Cheguei a ver o califa Harum al Raschid, suas duas mil concubinas e o muezim anunciando a oração para os fiéis. Lembrava um aboio de vaqueiro tangendo o gado no fim de tarde. Embalado pela voz do tio, avistei um primo no exílio da Babel, erguendo as paredes de um edifício alto. O elmo rolava da cabeça, ele tombava anônimo das muralhas do castelo franco e ficava caído no chão de asfalto. Ninguém chorava por ele.

O resto se confundiu nos sonhos, como a noite no dia que principiava.

Fontes:
Jornal de Literatura Rascunho.
Imagem = http://mardepalavras.blogspot.com/

Bráulio Tavares (Literatura e Enigmas, nas obras de Guimarães Rosa)


James Joyce gabou-se certa vez de que os críticos literários iriam passar cem ou duzentos anos tentando decifrar o seu “Ulisses”. O mesmo poderia ser dito de Guimarães Rosa, ele também um notório preparador de armadilhas. Os livros de Rosa estão cheios de pequenas coisas incompreensíveis que fazem a gente se deter na leitura: “Mas o que diabo será isto?” A coisa funciona como aqueles alçapões de pegar aves ou bichos: se a gente pisa e passa adiante escapa, mas, se parar, o alçapão se abre e nos engole. Com o texto de Rosa é a mesma coisa. Vemos algo indecifrável, paramos, pensamos... e o alçapão que se abre é o do entendimento, quando “matamos a charada” e por trás da resposta vemos o sorriso largo e maroto do autor, satisfeito como um menino.

Rosa era mais enigmático do que Joyce, no sentido do emprego de símbolos propositais, códigos encobertos, alusões semi-aparentes à flor do texto. Perceber uma dessas referências cifradas (e mais ainda, constatar que o autor, em carta ou entrevista, confirma nossa descoberta) é experimentar a irresistível vertigem de supor que naqueles textos de dimensões colossais tudo é enigma, código, charada pronta com resposta à nossa espera.

Um livro como “Recado do Nome” de Ana Maria Machado, analisando as alusões veladas nos nomes dos personagens de Rosa nos dá uma medida dessa intencionalidade ferrenha. Saímos da leitura envoltos numa paranóia semântica, na idéia fixa de ver duplo sentido no termo mais casual. Tudo é armadilha, tudo “está ali por algum motivo”. Há um episódio em que Rosa comentava com João Cabral um trecho (se não me engano do “Corpo de Baile”) em que alguém corta a jugular de um animal, e no fim da frase ele usa assim a pontuação: “.!.”, ou seja, ponto, exclamação e ponto. Como Cabral parecesse não entender, Rosa piscou o olho e disse: “É para a exclamação ficar parecendo o jato de sangue... Gostou?!” Esse espírito lúdico, travesso, de meninão de óculos brincando com a linguagem, é uma das características mais simpáticas da obra de Rosa.

Em “Recado do Morro”, por exemplo, existe uma complexa associação de nomes próprios entre os sete arruaceiros que ameaçam Pedro Orósio, as sete fazendas percorridas por ele em sua viagem, e sete “planetas” (Sol, Lua, Vênus, Marte, etc.) Duvido que algum crítico conseguisse deslindar esse paralelo se o próprio Rosa não o tivesse explicado tintim por tintim numa carta ao seu tradutor italiano, Edoardo Bizarri. A correspondência de Rosa com Bizarri e com o tradutor alemão, Curt Meyer-Clason, nos fornece uma avalanche de revelações sobre o que está oculto sob seus textos. Escritor em igual medida metódico e intuitivo, catalografista e improvisador, Rosa é um caso fascinante de uso permanente da chamada “intertextualidade” e da escrita que permite múltiplas leituras. Nem toda literatura é charada e enigma, mas a dele sem dúvida o é, e me arrisco a dizer que é um poço inesgotável.

Fontes:
Portal Cronópios. Este artigo foi publicado em sua coluna diária sobre Cultura no "Jornal da Paraíba" (http://jornaldaparaiba.globo.com).
Caricatura = Jornal da PUC - Edição 178 - 27/10/2006

Projeto Viajando na Leitura, de Laé de Souza


Executado em parceria com empresas de transporte coletivo, destina-se aos usuários de ônibus intermunicipal, interestadual e metrô. Os passageiros têm à disposição obras do escritor Laé de Souza para leitura. A idéia é proporcionar entretenimento e incentivar o hábito da leitura com crônicas curtas e bem-humoradas.

Na aplicação no metrô o usuário retira a obra, como empréstimo, com os monitores em estandes instalados nas entradas das estações. Lê durante o percurso e a devolve em qualquer estação nas gôndolas instaladas junto às saídas. O projeto já foi desenvolvido no metrô-SP, na linha 5 – Lilás (Largo Treze / Capão Redondo) durante 15 dias.

Na aplicação em ônibus, o passageiro recebe a obra para leitura no início da viagem, devolvendo-a ao motorista ou aos monitores, no final da viagem. O projeto já foi aplicado em parceria com a Viação Cometa, na linha Sorocaba-São Paulo.

Fonte:
Laé de Souza. Projetos de Leitura. http://www.projetosdeleitura.com.br/proj04.html

Olga Agulhon (Sobre os Trilhos)



(Crônica vencedora nos “II Jogos Florais de Caxias do Sul”)

Nada havia… Ninguém jamais tinha se aventurado pelas entranhas da floresta misteriosa.

Por respeito ou medo, nenhum homem pisara, ainda, o solo escuro e úmido. Apenas a mata reinava, triunfante, majestosa, numa paz que se perderia para sempre.

De outras plagas, vieram homens barulhentos, com seus machados e serrotes, quebrando o silêncio de pássaros dormindo. Cortaram árvores e atearam fogo, clareando as noites com o cheiro de óleo queimado, cheiro de morte e progresso. Fizeram picadas, abriram clareiras. Sem dó nem piedade, violentaram a mata, rasgaram o ventre da terra virgem.

Sob lonas pretas, de mulheres valentes nasceram os primeiros filhos desta terra inóspita, onde construiriam suas vidas com suor e sangue.

Depois vieram os trilhos, o trem cortando a mata desbravada. Sobre os trilhos, encarrilhando a história, tudo vinha, tudo ia, tudo se transformava.

A madeira tombava, as casas eram erguidas. Ao redor da primeira igreja, a primeira hospedaria, a primeira escola, o primeiro boteco, o primeiro comércio de secos e molhados.

Sobre os trilhos, e depois sobre jipes e caminhões, que cortavam estradas esburacadas, empoeiradas ou lamacentas, levas e mais levas vieram, e continuaram vindo. Eram homens e mulheres cheios de esperança, coragem e vontade de enriquecer na terra prometida.

Do trem desceram também as primeiras mulheres pintadas, de vestidos rodados e cheiro de colônia, que alegravam os homens sozinhos, e também os casados. Tantas histórias… Personagens de muitas delas, mulheres encostadas no fogão, alisando chão de terra batida com barro e carvão, parindo os filhos na garra, lavando as roupas debaixo de um vento feito de pó, fazendo novenas… Mulheres cansadas da lida! De outro lado, maridos suados, no trabalho pesado, e, noutras cenas, fazendo filhos ilegítimos com aquelas que vendiam o que tinham… Mulheres cansadas da vida!

Contam-se ainda histórias de anjinhos que não sobreviviam à rudeza da falta de conforto e assistência, de homens que matavam por mais um palmo de terra, de amores e traições… Tantas histórias…

Com meus pais e uma irmã mais velha, chegamos com quase nada. Era pequena a mudança, tudo que tínhamos cabia na carroceria de um caminhãozinho velho.

Eu também faço parte dessa história. Vim menina, magricela, e nada mais trazia comigo além de um pequeno embornal com algumas pedrinhas de jogar e um punhado de sonhos, não muitos, apenas o quinhão que me cabia aos cinco anos.

A cidade aberta na mata já era uma moça bonita, viçosa e cheia de promessas.

Perdi de vê-la engatinhar, de dar os primeiros passos… Não vi a derrubada da mata, não vi ser levantada a primeira casa nem ser aberto o primeiro comércio, mas ainda havia muitas ruas e estradas a sua volta onde se podia atolar.

Com o tempo, meu pai também comprou um jipe e era comum encontrá-lo colocando correntes nos pneus… Era uma estratégia utilizada para vencer as subidas e outros trechos mais difíceis das estradas em dia de lamaçal.

Para quem tinha pouca idade e pouco juízo, tudo parecia muito divertido. Poeira? Desenhávamos nos vidros dos carros e das casas, e nasciam ali as primeiras letras e as mais belas paisagens. Lama? Fazíamos panelinhas e bonecos de barro… Verdadeiras estatuetas, dignas de exposição. Era a arte, ou a “arte”, brotando da fértil terra vermelha que a floresta nos deu como resposta.

Se o começo foi difícil, se nem todos os valentes pioneiros têm busto na praça, se existem deslizes e trechos menos poéticos nessa caminhada, se algum sangue foi derramado junto com o suor de uma brava gente, parece-me tudo perdoável…

Este é o lugar que se fez nosso ninho e nele deixamos nossas marcas.

Da esperança aqui plantada, quantas bênçãos já colhemos!

Nascidos aqui ou de outras paragens, somos, todos, filhos desta terra por escolha e pelos mandos do coração.

As estações não são mais as mesmas e o trem não mais apita pelos caminhos, mas entramos para sempre nos trilhos dessa história.

Fontes:
Academia de Letras de Maringá
Imagem = http://despojosdodia.blogs.sapo.pt/arquivo/trilhos.jpg

Al Berto (Poemas Avulsos)


DIZEM QUE A PAIXÃO O CONHECEU

dizem que a paixão o conheceu
mas hoje vive escondido nuns óculos escuros
senta-se no estremecer da noite enumera
o que lhe sobejou do adolescente rosto
turvo pela ligeira náusea da velhice

conhece a solidão de quem permanece acordado
quase sempre estendido ao lado do sono
pressente o suave esvoaçar da idade
ergue-se para o espelho
que lhe devolve um sorriso tamanho do medo

dizem que vive na transparência do sonho
à beira-mar envelheceu vagarosamente
sem que nenhuma ternura nenhuma alegria
nunhum ofício cantante
o tenha convencido a permanecer entre os vivos

E AO ANOITECER

e ao anoitecer adquires nome de ilha ou de vulcão
deixas viver sobre a pele uma criança de lume
e na fria lava da noite ensinas ao corpo
a paciência o amor o abandono das palavras
o silêncio
e a difícil arte da melancolia

HÁ-DE FLUTUAR UMA CIDADE

há-de flutuar uma cidade no crepúscolo da vida
pensava eu... como seriam felizes as mulheres
à beira mar debruçadas para a luz caiada
remendando o pano das velas espiando o mar
e a longitude do amor embarcado

por vezes
uma gaivota pousava nas águas
outras era o sol que cegava
e um dardo de sangue alastrava pelo linho da noite
os dias lentíssimos... sem ninguém

e nunca me disseram o nome daquele oceano
esperei sentada à porta... dantes escrevia cartas
punha-me a olhar a risca de mar ao fundo da rua
assim envelheci... acreditando que algum homem ao passar
se espantasse com a minha solidão

(anos mais tarde, recordo agora, cresceu-me uma pérola no coração. mas estou só, muito só, não tenho a quem a deixar.)

um dia houve
que nunca mais avistei cidades crepusculares
e os barcos deixaram de fazer escala à minha porta
inclino-me de novo para o pano deste século
recomeço a bordar ou a dormir
tanto faz
sempre tive dúvidas que alguma vez me visite a felicidade

OS AMIGOS

No regresso encontrei aqueles
que haviam estendido o sedento corpo
sobre infindáveis areias

tinham os gestos lentos das feras amansadas
e o mar iluminava-lhes as máscaras
esculpidas pelo dedo errante da noite

prendiam sóis nos cabelos entrançados
lentamente
moldavam o rosto lívido como um osso
mas estavam vivos quando lhes toquei
depois
a solidão transformou-os de novo em dor
e nenhum quis pernoitar na respiração
do lume

ofereci-lhes mel e ensinei-os a escutar
a flor que murcha no estremecer da luz
levei-os comigo
até onde o perfume insensato de um poema
os transmudou em remota e resignada ausência

SEM TÍTULO E BASTANTE BREVE

Tenho o olhar preso aos ângulos escuros da casa
tento descobrir um cruzar de linhas misteriosas, e
com elas quero construir um templo em forma de ilha
ou de mãos disponíveis para o amor....

na verdade, estou derrubado
sobre a mesa em fórmica suja duma taberna verde,
não sei onde
procuro as aves recolhidas na tontura da noite
embriagado entrelaço os dedos
possuo os insectos duros como unhas dilacerando
os rostos brancos das casas abandonadas, á beira mar...

dizem que ao possuir tudo isto
poderia Ter sido um homem feliz, que tem por defeito
interrogar-se acerca da melancolia das mãos....
...esta memória lamina incansável

um cigarro
outro cigarro vai certamente acalmar-me
....que sei eu sobre as tempestades do sangue?
E da água?
no fundo, só amo o lodo escondido das ilhas...

amanheço dolorosamente, escrevo aquilo que posso
estou imóvel, a luz atravessa-me como um sismo
hoje, vou correr à velocidade da minha solidão
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Fontes:
http://www.astormentas.com/alberto.htm
Imagem = montagem sobre foto recebida por e-mal, autor desconhecido.

Al Berto (1948 – 1997)


Al Berto, pseudônimo de Alberto Raposo Pidwell Tavares (Coimbra, 11 de Janeiro de 1948 - Lisboa, 13 de Junho de 1997), poeta, pintor, editor e animador cultural português.

Nascido no seio de uma família da alta burguesia (origem inglesa por parte da avó paterna). Um ano depois foi para o Alentejo. Em Sines passa toda a infância e adolescência até que a família decide enviá-lo para o estabelecimento de ensino artístico Escola António Arroio, em Lisboa.

Filho de família da alta burguesia de origem britânica extraordinariamente conservadora, na sua adolescência, traja de modo displicente de calças de ganga e tênis rotos, para escândalo geral. Terá sido a primeira afirmação da sua diferença intelectual.

A 14 de Abril de 1967 foi estudar pintura na Bélgica, na École Nationale Supérieure d’Architecture et des Arts Visuels (La Cambre), em Bruxelas.

Após concluir o curso, decide abandonar a pintura em 1971 e dedicar-se exclusivamente à escrita. Regressa a Portugal a 17 de Novembro de 1974 e aí escreve o primeiro livro inteiramente na língua portuguesa, À Procura do Vento num Jardim d'Agosto.

O Medo, uma antologia do seu trabalho desde 1974 a 1986, é editado pela primeira vez em 1987. Este veio a tornar-se no trabalho mais importante da sua obra e o seu definitivo testemunho artístico, sendo adicionados em posteriores edições novos escritos do autor, mesmo após a sua morte.

Al Berto morre de linfoma em Lisboa a 13 de Junho de 1997.

Deixou ainda textos incompletos para uma ópera, para um livro de fotografia sobre Portugal e uma «falsa autobiografia», como o próprio autor a intitulava.

1988 - Prêmio Pen Club de Poesia pela obra O Medo.

Poesia
1982 - Trabalhos do Olhar
1983 - O Último Habitante.
1984 - Salsugem.
1984 - A Seguir o Deserto.
1985 - Três Cartas da Memória das Índias
1985 - Uma Existência de Papel.
1987 - O Medo (Trabalho Poético 1974-1986).
1989 - O Livro dos Regressos.
1991 - A Secreta Vida das Imagens.
1991 - Canto do Amigo Morto.
1991 - O Medo (Trabalho Poético 1974-1990).
1995 - Luminoso Afogado.
1997 - Horto de Incêndio
1998 - O Medo.
2007 - Degredo no Sul

Prosa
1977 - À Procura do Vento num Jardim d'Agosto.
1980 - Meu Fruto de Morder, Todas as Horas.
1988 - Lunário
1993 - O Anjo Mudo
2007 - Dispersos

Teatro
2006 - Apresentação da Noite

Fontes:
http://nescritas.com/homenagemalberto/
http://pt.wikipedia.org/wiki/Al_Berto

A. A. de Assis (A Língua da Gente) Parte 23 (final)


22. Palavras “traiçoeiras”

Vale parafrasear São Francisco de Assis: “Onde há dúvida, que eu busque o Aurélio”. Os dicionários existem para servir. Usemos, portanto, e abusemos deles. Rui Barbosa escrevia cercado de dicionários por todos os lados. Guimarães Rosa também. E Machado, e Bandeira, e Drummond. O próprio Aurélio. Você não se lembra se é giló ou jiló? Quer saber a diferença entre eminente e iminente? Abra o “livrão” e terá a resposta, rápida e segura. Supomos, porém, ser útil recortar (e ter sempre à mão) uma pequena lista de palavras havidas e tidas como “traiçoeiras”. Daremos a forma correta de algumas delas, marcando em negrito as letras que exigem maior atenção:

Abóbada, abstêmio, acessório, adivinhar, adolescente, aforismo, aleijado, amerissar, analisar, antediluviano, anteontem, anteprojeto, ascendente, ascensão, ascensor, assessor, aterrissar (ou aterrizar), atrás, atrasar, azia, baliza, bandeja, bege, beneficente, bicarbonato, bilboquê, bissexto, braguilha, bugiganga, bulir, burburinho, bússola, cabeleireiro, camundongo, canjica, caranguejo, casimira, cataclismo, cinquenta, coabitar, convalescente, corrimão, curtume...

Dentifrício, depredar, descerrar, desconcertante, deslizar, desmazelo, despender, deterioração, eletricista, embutir, difamar, digladiar, dilapidar, disenteria, empecilho, engajar, engolir, egrégio, enjeitar, entretenimento, escapulir, escassez, espocar, espectador, esplêndido, espontâneo, esquisito, estender, estrangeiro, esvaziar, exceção, exceto, excesso, exegese, excitar, exiguidade, expensas, êxtase...

Florescer, fosforescente, frustrar, garagem, garçom, grandessíssimo, gás, gasolina, gorjeio, gorjeta, haltere, harpa, haurir, herbicida, hesitar, hombridade, imbuia, imbuído, impingir, inadimplente, incrustar, intitular, invólucro, irascível, irrequieto, jabuticaba, jeito, jiló, lagartixa, laje, lampião, laranjeira, limusine, lisonjeiro, mágoa, majestoso, manjedoura, manteigueira, menoridade, meritíssimo, meteorologia, mexerico, miscigenação, misto, monge, mortadela, nódoa, óbolo, obsceno, octogésimo, ojeriza, oscilar...

Paçoca, pajem, pantomima, paralisação, parêntese, pátio, perspicaz, perturbar, pirulito, plebiscito, poleiro, polenta, prateleira, prazeroso, pretensão, pretensioso, primazia, privilégio, prostrar, puxar, quadriênio, querosene, quesito, rabugento, rebuliço, regurgitar, reivindicar, rejeitar, requeijão, rescindir, rijeza, rodízio, romeno, salobro, salsicha, sarjeta, sequer, silvícola, sinusite, sobrancelha, somatório, sotaque, sucinto, supetão, surrupiar, suscetibilidade, suscitar, tábua, tamarindo, tangerina, terraplenagem, tigela, titularidade, trapézio, traseiro, ultraje, umbigo, umidecer, urticária, usucapião, várzea, voçoroca, xará, zoeira..

Fonte:
A. A. de Assis. A Língua da Gente. Maringá: Edição do Autor, 2010.

Pedro Emílio Coll (O Dente Quebrado)


Aos doze anos de idade, Juan Pena, brigando com uns moleques de rua, levou uma pedrada num dente; o sangue correu, lavando-lhe o sujo da cara, e o dente partiu-se em forma de serra. Nesse dia começa a idade de ouro de Juan Pena.

Com a ponta da língua, Juan passava o tempo a roçar o dente quebrado — o corpo imóvel, o olhar vago, sem pensar. Assim, de rebelde e brigão que era, fez-se calado e manso.

Os pais de Juan, fartos de ouvir queixas da vizinhança e dos transeuntes — vítimas das perversidades do garoto —, e que haviam esgotado toda espécie de repreensões e castigos, achavam-se agora estupefatos e aflitos com essa transformação.

Juan não dizia uma palavra, e passava horas a fio em atitude hierática, como em êxtase, enquanto lá dentro, na escuridão da boca fechada, sua língua acariciava o dente quebrado. Sem pensar.

— Esse menino não anda bem, Paulo — dizia a mãe ao marido.
— É preciso chamar o médico.

Veio o doutor, grave e pançudo, e fez o diagnóstico: pulso normal, bochechas sangüíneas, excelente apetite, nenhum sintoma de doença.

— Minha senhora — acabou por dizer o sábio, depois de longo exame —, a honestidade da minha pessoa impõe que lhe declare...
— O quê, senhor doutor de minha alma? — interrompeu a angustiada mãe.
— Que seu filho está são como um perro. O que é indiscutível — continuou, em voz misteriosa —, é que estamos em face de um caso fenomenal: seu filho, minha estimável senhora, sofre daquilo a que hoje chamamos o mal de pensar; numa palavra, seu filho é um filósofo precoce, um gênio talvez.

Na escuridão da boca, Juan acariciava o seu dente quebrado. Sem pensar.

Parentes e amigos fizeram-se eco da opinião do doutor, acolhida com indescritível júbilo pelos pais de Juan. Dentro em pouco, citava-se em toda a cidade o espantoso caso do “menino-prodígio”, e sua fama cresceu como um balão inchado de fumaça. Até o mestre-escola, que sempre o tivera como a cabeça mais lerda deste mundo, submeteu-se à opinião geral, visto que a voz do povo é a voz de Deus. E cada um trazia a confronto o seu exemplo: Demóstenes comia areia; Shakespeare era um malandrinho esfarrapado; Edison etc.

Cresceu Juan Pena entre livros abertos diante dos olhos, mas que ele não lia, distraído pela tarefa de sua língua ocupada em tocar a pequena serra do dente quebrado. Sem pensar.

E, com o corpo, crescia-lhe a reputação de homem judicioso, sábio e “profundo”, e ninguém se cansava de louvar o talento maravilhoso de Juan.

Juan ainda em plena mocidade, e as mais belas mulheres tratando de seduzir e conquistar aquele espírito superior, entregue a fundas meditações, segundo o julgamento de todos, mas que, na escuridão de sua boca, roçava o dente quebrado. Sem pensar.

Passaram-se meses e anos, e Juan Pena foi deputado, acadêmico, ministro. E achava-se a pique de ser eleito presidente da República, quando a apoplexia o surpreendeu, acariciando com a ponta da língua o seu dente quebrado.

E os sinos dobraram; e foi decretado rigoroso luto nacional; um orador chorou, numa oração fúnebre, em nome da pátria; e caíram rosas e lágrimas sobre o túmulo do grande homem que não tivera tempo de pensar.

Fontes:
Aurélio Buarque de Holanda Ferreira e Paulo Rónai, Mar de histórias. RJ: Nova Fronteira, vol. 10 .
Desenho =
Just Do It

Pedro Emilio Coll (1872 – 1947)

Ilustração por Francisco Maduro
(tradução por José Feldman)

Em 12 de julho de 1872 nasce em Caracas, Venezuela o escritor e periodista Pedro Emilio Coll. Desde muito jovem teve contato com escritores importantes da época, já que seu pai era proprietário da Imprensa Bolívar.

As narrações e contos infantis que lhe relatava a sua velha aia Marcolina despertaram, segundo ele mesmo, seu interesse pelas letras. Estudou no Colégio La Paz de Caracas, dirigido por Guillermo Tell Villegas. Aos 22 anos abandona os estudos universitários, fundou junto com Luis M. Urbaneja Archepohl e Pedro César Domínici a revista «Cosmópolis», que está considerada como a publicação que inicia o movimento modernista na literatura venezuelana.

Também foi colaborador de «El Cojo Ilustrado»; onde publicou muitos de seus contos, entre eles O Dente Quebrado, considerado como um clássico do gênero, considerado por alguns como sua obra prima, uma sagaz pintura habitual.

Em 1896, publicou seu primeiro livro intitulado “Palabras”, uma recompilação de ensaios sobre arte e educação.

De 1897 a 1899, foi cônsul da Venezuela em Southampton, tendo a seu cargo durante este tempo a seção "Letras Hispanoamericanas" da revista Le Mercure de France, editada em París. Em julho de 1899, regressa a Venezuela, e no ano siguente, é nomeado diretor no Ministério de Fomento. Em 1901, publica outra recompilação de ensaios sobre temas literários sob o título de El Castillo de Elsinor.

Em 1911, foi incorporado a Academia de Letras. Ministro de Fomento em 1913, foi nomeado Cônsul Geral da Venezuela em Paris, em 1915 e logo, secretário da Delegação da Venezuela em Madrid, de 1916 a 1924.

Entre 1924 e 1926 foi Fiscal de Bancos e senador pelo estado Anzoátegui, até que neste ano assume a presidência do Congresso Nacional.

De 1925, data a primeira edição de seu conto tríptico, Las Divinas Personas, considerado não só uma das grandes páginas da prosa narrativa venezuelana, mas como a obra maior de Coll.

Em 1927, aparece “La escondida senda”, título que representa sua terceira recompilação de ensaios, desta vez de caráter histórico. Trabalhou como inspetor de consulados na Europa de 1927 a 1933.

No ano de 1934 ingressou na Academia Nacional da Historia, instituição em que trabalhou como bibliotecário em 1941.

Em 1948, foi publicada em forma póstuma sua obra “El paso errante”, a qual era uma seleção para a Biblioteca Popular Venezuelana do Ministerio de Educação.

Com seus outros livros, tais como A senda escondida (1927) o El paso errante (1948), delineia ainda mais seu peculiar mundo imaginativo. Duas obras recolhidas, póstumas, La colina de los sueños (1959) e La vida literaria (1972), adicionam certos matizes ao conhecimento de sua aventura literária.

Morreu em 20 de março de 1947.

Fontes:
http://www.efemeridesvenezolanas.com/html/coll.htm
http://www.venezuelatuya.com/biografias/coll.htm