sábado, 17 de agosto de 2024

Carolina Ramos (Trovando) “22”

 

Leon Tolstói (O gatinho)

(fábula)

Era uma vez um irmão e uma irmã − Vássia e Kátia. Eles tinham uma gata. Na primavera, a gata sumiu. As crianças procuraram por todo canto, mas não conseguiram achar. Um dia, estavam brincando ao lado do celeiro e ouviram, lá em cima, alguma coisa miando com vozes finas. Vássia subiu correndo a escada para o forro do celeiro. Kátia ficou embaixo e toda hora perguntava: “Achou? Achou?” 

Mas Vássia não respondia. Afinal, Vássia gritou:

− Achei! A nossa gata… e ela teve gatinhos; são lindos; venha cá, depressa.

Kátia foi para casa correndo, pegou leite e levou para a gata. Os filhotes eram cinco. Quando cresceram um pouco e começaram a sair do cantinho onde nasceram, as crianças escolheram para elas um gatinho cinzento de patas brancas e levaram para casa. A mãe deu todos os outros gatos, mas aquele ficou para os filhos. As crianças lhe davam comida, brincavam com ele e dormiam junto com o gatinho.

Um dia as crianças foram brincar na estrada e levaram o gatinho.

O vento remexia a palha na estrada, o gatinho brincava com a palha e aquilo divertia as crianças. Depois viram no caminho umas folhas de azedinha, foram colher e esqueceram o gato. De repente ouviram alguém gritar bem alto:

− Para trás! Para trás!

E viram um caçador vir correndo e, na frente dele, dois cachorros que olhavam para o gatinho e queriam agarrá-lo. Mas o gatinho era bobo e, em vez de fugir, se agachou no chão, arqueou as costas e olhou para os cachorros. 

Kátia ficou assustada com os cachorros, começou a gritar e fugiu para longe deles. Mas Vássia foi correndo na direção do gato e o pegou na mesma hora em que os cachorros pularam na direção dele. 

Os cachorros queriam agarrar o gatinho, mas Vássia pulou de barriga em cima do gato e o escondeu dos cachorros.

O caçador chegou a galope e enxotou os cachorros; Vássia levou o gatinho para casa e nunca mais saiu com ele para o campo.

Fonte: Liev Tolstói. Livros de leitura para crianças. Publicado originalmente em 1864.  Disponível em Domínio Público

Vereda da Poesia = 86 =


Trova de Ilhavo/Portugal

DOMINGOS FREIRE CARDOSO

O pranto que ninguém viu
e em mim só ficou guardado,
foi o que mais me feriu
por não ter sido chorado…
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Poema de Lisboa/Portugal

ANTERO JERÓNIMO

Trazes pombas na brancura das tuas mãos
Feridas por cicatrizar no peito dilacerado
O mar dos teus olhos fala de promessas e sonhos adiados
Candura do rosto emoldurando a beleza 
dessa fragilidade acesa e delicada.

Ofereço-te a frescura desta terna flor 
para que possas guardar em mim todos os segredos
Encontrar um abraço no sorriso dos meus olhos
E a coragem renovada de um novo recomeço.

Em cada manhã
Por cada suspiro de primavera
Me desassossegues com o oiro da tua luz
Sussurres brisas acordando a nossa paixão
Rasgando as densas sombras
E eu renascerei ao extinguir-me em ti.
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Trova de Paredes/ Portugal

TIAGO
ANTÓNIO BARRADAS BARROSO

Quis colher o sol e a lua,
Depô-los no teu regaço,
Quis cantar de rua em rua,
Os versos que já não faço.
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Soneto de Portugal

NATÁLIA CORREIA
Fajã de Baixo/São Miguel, 1923 — 1993, Lisboa

Mãe ilha

No coração da ilha está um vaso
Cheio das pérolas que pra mim sonhaste,
Ó mãe completa da manhã ao ocaso,
Pastora dos meus sonhos, minha haste.

Partí pras Índias do meu estranho caso
—ó danos que dos versos sois o engate!—
E com maus fados se entendem ao acaso
Lírios e feras do meu vão contraste.

Ave exausta, o retorno quem me dera,
Vou no canta dos órfãos soletrando
O âmbar da manhã que ali me espera.

Feridas asas, enfim ali fechando
Ao pasto e á onda me unirei sincera,
Ilha no manso azul de mãe esperando.
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Trova Premiada em Blumenau/SC, 2016

FABIANO WANDERLEY
FABIANO DE CRISTO MAGALHÃES WANDERLEY
Natal/RN

Os seus carinhos maternos,
com seus infindos cuidados,
deixaram-me amores ternos,
para sempre, idolatrados!
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Poema de Portugal

DANIEL FELIPE
DANIEL DAMÁSIO ASCENSÃO FILIPE
Ilha da Boa Vista/ Cabo Verde, 1925 – 1964, Lisboa

Morna

É já saudade a vela, além.
Serena, a música esvoaça
na tarde calma, plúmbea, baça,
onde a tristeza se contém.

os pares deslizam embrulhados
de sonhos em dobras inefáveis.

(Ó deuses lúbricos, ousáveis
erguer, então, na tarde morta
a eterna ronda de pecados
que ia bater de porta em porta.)

E ao ritmo túmido do canto
na solidão rubra da messe,
deixo correr o sal e o pranto
– subtil e magoado encanto
que o rosto núbil me envelhece.
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Trova Popular

Quem roubou o meu amor    
deve ser um meu amigo...
Levou penas, deixou glórias,
levou trabalhos consigo...
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Soneto de Portugal

FERNANDO ECHEVARRÍA
Cabezón de la Sal/Espanha, 1929 – 2021, Porto/Portugal

Qualquer coisa de paz

Qualquer coisa de paz. Talvez somente
a maneira de a luz a concentrar
no volume, que a deixa, inteira, assente
na gravidade interior de estar.

Qualquer coisa de paz. Ou, simplesmente,
uma ausência de si, quase lunar,
que iluminasse o peso. E a corrente
de estar por dentro do peso a gravitar.

Ou planalto de vento. Milenária
semeadura de meditação
expondo à intempérie a sua área

de esquecimento. Aonde a solidão,
a pesar sobre si, quase que arruína
a luz da fronte onde a atenção domina.
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Trova de Lisboa/Portugal

EDUARDO BORGES DA CRUZ
1896 – ????

Coração, não tenhas pressa...
Bate mais devagarinho...
Quem muito corre, tropeça
ou pode errar o caminho.
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Poema de Portugal

MANUEL ANTÓNIO PINA
Sabugal, 1943 – 2012, Porto

Completas

A meu favor tenho o teu olhar
testemunhando por mim
perante juízes terríveis:
a morte, os amigos, os inimigos.
E aqueles que me assaltam
à noite na solidão do quarto
refugiam-se em fundos sítios dentro de mim
quando de manhã o teu olhar ilumina o quarto.
Protege-me com ele, com o teu olhar,
dos demónios da noite e das aflições do dia,
fala em voz alta, não deixes que adormeça,
afasta de mim o pecado da infelicidade.
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Trova de Lisboa/Portugal

GABRIEL DE SOUSA

O porvir já vem traçado
nas linhas da nossa mão,
mas poderá ser moldado
se tivermos ambição.
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Soneto de Portugal

CESÁRIO VERDE
JOSÉ JOAQUIM CESÁRIO VERDE
Lisboa, 1855 – 1886, Lumiar

Árvores do Alentejo

Horas mortas … Curvada aos pés do Monte
A planície é um brasido … e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a bênção de uma fonte!

E quando, manhã alta, o sol desponte
A ouro a giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis no horizonte!

Árvores, corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!

Árvores! Não choreis! Olhai e vede:
Também ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota de água!
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Trova de Sandim/Vila Nova de Gaia/Portugal

DIMAS LOPES DE ALMEIDA
1915 – 1994

Um moinho de ilusão
no meu peito se contém,
pois não vivo só de pão,
vivo de sonhos também.
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Poema de Lisboa/Portugal

CRISTÓVAM PAVIA
FRANCISCO ANTÓNIO LAHMEYER FLORES BUGALHO
1933 – 1988

Ao meu cão

Deixei-te só , à hora de morrer.
Não percebi o desabrigado apelo dos teus olhos
Humaníssimos, suaves, sábios, cheios de aceitação
De tudo… e apesar disso, sem o pedir,
Tentando insinuar que eu ficasse perto,
Que, se me fosse, a mesma era a tua gratidão.

Não percebi a evidência de que ias morrer
E gostavas da minha companhia por uma noite,
Que te seria tão doce a minha simples presença
Só umas horas, poucas.
Não percebi, por minha grosseira incompreensão,
Não percebi, por tua mansidão e humildade,
Que já tinhas perdoado tudo à vida
E começavas a debater-te na maior angústia,
A debater-te
Com a morte.

E deixei-te só, à beira da agonia, 
Tão aflito, 
Tão só 
E sossegado.
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Trova de Avis/Portugal

FERNANDO MÁXIMO

Pecador arrependido,
que o seja, mas de verdade,
terá sempre garantido
do bom Deus a piedade!
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Soneto de Portugal

FLORBELA ESPANCA
FLOR BELA DE ALMA DA CONCEIÇÃO ESPANCA
Vila Viçosa, 1894 — 1930, Matosinhos

Velhinha

Se os que me viram já cheia de graça
Olharem bem de frente para mim,
Talvez, cheios de dor, digam assim:
“Já ela é velha! Como o tempo passa!…”

Não sei rir e cantar por mais que faça!
Ó minhas mãos talhadas em marfim,
Deixem esse fio d’ouro que esvoaça!
Deixem correr a vida até ao fim!

Tenho vinte e três anos! Sou velhinha!
Tenho cabelos brancos e sou crente…
Já murmuro orações… falo sozinha…

E o bando cor-de-rosa dos carinhos
Que tu me fazes, olho-os indulgente.
Como se fosse um bando de netinhos.
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Trova Premiada em Blumenau/SC, 2016

GERALDO TROMBIN
Americana/SP

Quando a vida joga os dados,
mexe com os corações,
que precisam de cuidados
contra as fortes emoções.
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Poema de Lisboa/Portugal

SAMUEL COSTA VELHO

Tanto tempo sem nós

Deu tempo para lembrar tudo
enquanto o meu corpo embatia no chão.

Desde o primeiro olhar fresco que trocámos
até à ausência mútua,
revivi e desvivi, nesse instante.
Com os ossos a desistirem de resistir ao encontro
com o chão suave que me abraçava
e a dor/prazer/tu a começar a sentir-se.
Morri aos pedaços quando a queda acabou, quando
todo eu me apaguei contra o teu peito.
Deu tempo para um pensamento.

O amor ou a tua mão, pergunto-me com qual
me abandonaste primeiro.

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Trova de Queluz/Portugal 

AMÉRICO FERRER LOPES

As sementes da mentira,
e da calúnia também,
giram num mundo que gira
na lama que o mundo tem.
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Pantun de Caicó/RN

PROFESSOR GARCIA

Pantun da pedra escondida

TROVA TEMA:
Nas ruas da minha vida
quantas pedras eu saltei,
mas a pequena escondida,..
Foi nela que eu tropecei!
Vera Maria Bastos Braz 
Juiz de Fora/MG

PANTUN:
Quantas pedras eu saltei,
na menor de todas elas,
foi nela que eu tropecei
em meio a pedras tão belas.

Na menor de todas elas,
eu vi um brilho tão forte,
em meio a pedras tão belas
há nela, o brilho da sorte.

Eu vi um brilho tão forte,
e essa luz, eu não renego,
há nela, o brilho da sorte
da velha cruz que carrego.

E essa luz, eu não renego,
eis a forma desmedida,
da velha cruz que carrego
nas ruas de minha vida!
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Trova de Portugal

DIMAS LOPES DE ALMEIDA
Sandim/Vila Nova de Gaia, 1915 - 1994

O lenço branco que acena
um adeus de despedida
é leve como uma pena
e pesa tanto na vida! 
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Hino de Sabará/MG

Entre as lindas montanhas mineiras, 
neste vale que Deus escolheu 
brava gente formando bandeiras 
as primeiras choupanas ergueu!

Em demanda de um vasto tesouro, 
o baiano e o paulista valente 
iniciaram com as minas de ouro 
o progresso da pátria nascente!

Sabará, Sabará, Sabará! 
vila real das áureas tradições! 
Tua imagem gloriosa aqui está 
viva  e presente em nossos corações!

Fluorescente, risonha e formosa, 
enfeitando estas plagas louçãs, 
bem merece o prestigio que goza 
entre as belas cidades irmãs!

Lindos templos cristãos, onde entoa 
o bom gosto com a arte mais rara, 
em que Antônio Francisco Lisboa 
seu talento invulgar confirmara. 

Sabará, Sabará, Sabará! 
vila real das áureas tradições! 
Tua imagem gloriosa aqui está 
viva  e presente em nossos corações!

Aos chamados da pátria querida 
respondeste garbosa e de pé 
'fidelíssima" atenta e aguerrida 
em defesa da honra e da fé!

Grandes feitos se alinham na história 
pela fibra de um povo altaneiro, 
sempre em marcha e vibrante de gloria 
na vanguarda do solo mineiro!

Sabará, Sabará, Sabará! 
vila real das áureas tradições! 
Tua imagem gloriosa aqui está 
viva  e presente em nossos corações!

Corre o aço de forno candente, 
movimenta-se a indústria fabril 
em favor do progresso crescente 
e a grandeza de nosso Brasil!

Salve, salve cidade adorada! 
Grandes filhos que deste ao país! 
Do porvir, na perene jornada, 
Deus te faça maior e feliz.
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Trova de Faro/Portugal

ÁLVARO MANUEL VIEGAS CAVACO

Quem na vida o bem pratica
dos outros faz a dif’rença…
Sua alma mais nobre fica
e Deus dá-lhe a recompensa!
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Poema de Lisboa/Portugal

FERNANDO PESSOA
1888 – 1935

Quem vende a verdade?

Quem vende a verdade, e a que esquina?
Quem dá a hortelã com que temperá-la?
Quem traz para casa a menina
E arruma as jarras da sala?

Quem interroga os baluartes
E conhece o nome dos navios?
Dividi o meu estudo inteiro em partes
E os títulos dos capítulos são vazios…

Meu pobre conhecimento ligeiro,
Andas buscando o estandarte eloquente
Da filarmónica de um Barreiro
Para que não há barco nem gente.

Tapeçarias de parte nenhuma
Quadros virados contra a parede…
Ninguém conhece, ninguém arruma
Ninguém dá nem pede.

Ó coração epitélico e macio,
Colcha de crochê do anseio morto,
Grande prolixidade do navio
Que existe só para nunca chegar ao porto.
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Trova de Soalheira/Portugal

ANA ROLÃO PRETO

Olhando as folhas caídas
que o vento arrasta no chão,
fico a pensar nessas vidas
a quem ninguém deu a mão.
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Fábula em Versos da França

JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry, 1621 – 1695, Paris

O mono e o leopardo

O leopardo e o mono
Mostravam-se nas feiras
Enchendo as algibeiras.
Bradava o leopardo com entono:
«É conhecida a história
Da minha imensa glória.

O próprio rei quis ver
O meu pelo esquisito, e, ao contemplá-lo,
Ordenou que, no dia em que eu morrer,
Lhe façam um regalo
Da minha pele ondeada,
Zebrada, chamuscada,
Mosqueada, marchetada!»

A cor sempre agradou. Cada qual ia,
Olhava, e nada mais, depois saía.
E o macaco a gritar: «Vinde, senhores,
A ver o rei dos escamoteadores.
Deixai gabar-se o leopardo, que ele
Só tem a variedade à flor da pele:
É vazio no espírito! — Simão,
Vosso servo, que é primo coirmão
E genro de Gaspar,
Que foi mono do papa noutras eras,
Acaba de chegar em três galeras
Só para vos falar.

Sabe falar, cantar, dança e rebola,
Salta, pula, marinha e cabriola,
Faz caretas e partes,
Fura paredes e arcos,
Tudo isto por uns parcos
Quatro vinténs: vinde animar as artes.
E, o que ainda mais importa,
Se a alguém lhe não agrada,
Ensina-se-lhe a porta
E não se leva nada.»

Dou razão ao macaco. Na verdade
A mim não me cativa a variedade
No exterior; chega a cansar a vista.
O espírito, não há quem lhe resista,
Renova-se e seduz.
São certos figurões como o leopardo,
Das galas do trajar fazem alardo,
Tendo os cérebros nus.
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Trovadora Homenageada

Rainha da Trova
LILINHA FERNANDES
MARIA DAS DORES FERNANDES RIBEIRO DA SILVA
Rio de Janeiro/RJ, 1891 – 1981

1
A definição exata
do remorso, está patente:
fino punhal que não mata
mas tira a vida da gente.
2
A Inveja dorme na rede
da Injustiça, sua amiga;
do Mal se alimenta, e a sede
mata na fonte da Intriga.
3
Chorei na infância insofrida
para na roda ir cantar.
Hoje, na roda da vida,
eu canto pra não chorar.
4
Da morta felicidade
guarda a saudade dorida,
pois quem tem uma saudade
tem muita coisa na vida.
5
És de beleza um portento,
no perfil, nas formas puras.
Mas beleza sem talento
é um palácio às escuras.
6
Feliz nunca fui! Sem crença,
procuro a felicidade,
como o cego de nascença
que quer ver a claridade.
7
Há muita gente cativa
neste mundo, como eu,
que vive porque está viva,
no entanto, nunca viveu.
8
Mãe: nem um tálamo nobre
esquecerei, sem mentir,
aquele bercinho pobre
que embalavas pra eu dormir.
9
Não me odeias nem me queres...
Meu Deus! Que tortura imensa!
Mais do que o ódio, as mulheres
detestam a indiferença.
10
O vento que atro zunia,
queria a noite açoitar;
e a noite, calma, dormia
no regaço do luar.
11
Saudade é assim como fado
lembrando quem vive ausente:
é um suspiro do passado
na garganta do presente.
12
Velho em trajes de rapaz
dá a impressão, diz o povo,
de um livro antigo demais
encadernado de novo.

O texto literário em Preto e Branco (“O choro de uma simples folha de papel em branco”, de Aparecido Raimundo de Souza)

 
Publicado neste blog em 15 de junho de 2024, no link

CONTEXTO E SIMBOLISMO

Neste texto, a folha de papel se torna um poderoso símbolo da solidão e do desejo de conexão. A narrativa explora as emoções e angústias que muitas vezes permanecem não ditas, tanto para objetos inanimados quanto para seres humanos.

TEMAS PRINCIPAIS

1. Solidão e Abandono
A folha representa aqueles que se sentem esquecidos e não ouvidos, refletindo a condição de muitos indivíduos em nossa sociedade.

2. Empatia e Conexão
A lágrima da menina transforma a folha, simbolizando como pequenos gestos de vulnerabilidade podem criar laços e significados profundos.

3. Transformação e Esperança
Mesmo algo considerado sem valor pode se tornar um receptáculo de esperança e novos começos, mostrando que cada um de nós pode carregar histórias importantes.

PERSONAGENS

A Folha de Papel: 
Encara sua própria solidão, mas também deseja ser um suporte emocional. Sua transformação em confidente da menina é central à narrativa.

Personificação: A folha é dotada de sentimentos e desejos, refletindo a solidão e a busca por conexão. Essa personificação faz com que os leitores se identifiquem com sua dor.

Símbolo de Desvalorização: Representa aqueles que se sentem descartados ou invisíveis na sociedade, ecoando a experiência de muitos que lutam para serem ouvidos.

A Menina: 
Representa a fragilidade humana e a busca por compreensão. Sua tristeza é universal, ecoando as lutas de muitos.

Vulnerabilidade: Sua tristeza é palpável e representa a fragilidade da juventude. Ela carrega o peso de suas emoções, que se manifestam na forma de lágrimas.

Busca por Alívio: A lágrima que cai na folha simboliza um desejo de desabafar e encontrar conforto, uma conexão que vai além das palavras.

ESTRUTURA NARRATIVA

Introdução da Folha
A folha de papel é apresentada como um objeto comum, mas com uma história não contada. Essa introdução cria uma conexão imediata com o leitor, despertando curiosidade.

Ambiente Escolar
O cenário da sala de aula, com seus sons e agitações, contrasta com a solidão da folha. Isso reflete o caos da vida cotidiana, onde muitos se sentem invisíveis.

Momento de Transformação
A lágrima da menina representa um ponto de virada. É um momento de vulnerabilidade que transforma a folha, mostrando que a dor pode criar empatia e conexão.

ABORDAGENS

1. A Fragilidade da Vida
A folha e a menina compartilham uma fragilidade. Ambas estão em busca de significado e compreensão, simbolizando a luta humana.

2. A Escuta Atenta
A narrativa sugere a importância de ouvir as vozes ao nosso redor, mesmo aquelas que parecem silenciosas. A folha, ao absorver a lágrima, se torna um símbolo dessa escuta.

3. Esperança em Situações Difíceis
A ideia de que mesmo em momentos de desespero é possível encontrar esperança é central. A folha se transforma em um espaço onde novos começos podem surgir.

ELEMENTOS LITERÁRIOS

1. Imagens Sensoriais
A descrição dos sons da sala de aula cria uma atmosfera vibrante, contrastando com a quietude da folha. Isso intensifica a sensação de solidão.

2. Metáforas e Simbolismos
A folha de papel representa não apenas o abandono, mas também um potencial infinito. Sua transformação ao absorver a lágrima é uma metáfora para como a dor pode gerar empatia e compreensão.

3. Narrativa Reflexiva
A narrativa convida à reflexão sobre nossas próprias vidas. Assim como a folha, todos nós temos histórias não contadas e emoções que muitas vezes são ignoradas.

REFLEXÕES

1. Importância da Empatia
A história enfatiza que, independentemente de quão insignificante alguém ou algo possa parecer, há uma necessidade fundamental de empatia e compreensão.

2. A Força da Vulnerabilidade
Mostrar fragilidade pode ser um ato de coragem. A lágrima da menina é um convite para que outros também compartilhem suas dores.

3. Esperança e Renovação
A folha, ao absorver a lágrima, se torna um símbolo de renovação. Isso sugere que mesmo momentos de tristeza podem levar a novos começos e crescimento emocional.

4. Solidão Coletiva
A folha de papel representa uma solidão que não é única. Em ambientes como escolas, muitas pessoas se sentem isoladas, mesmo cercadas por outras. A história destaca como essa solidão é comum, mas ainda assim dolorosa.

5. A Importância da Escuta
A narrativa sugere que ouvir as vozes ao nosso redor pode nos ajudar a entender e apoiar aqueles que sofrem em silêncio. A folha, ao absorver a lágrima, simboliza essa escuta ativa e empatia.

6. Conexão Emocional
A relação entre a folha e a menina exemplifica como conexões inesperadas podem surgir em momentos de vulnerabilidade. Essa conexão pode ser profundamente curativa.

7. Ciclo de Dor e Esperança
A transformação da dor em esperança é um ciclo poderoso. A lágrima, embora dolorosa, traz uma nova vida para a folha, mostrando que a dor pode ser um catalisador para mudança.

8. O Valor do Simples
A história nos lembra que até os objetos mais simples têm valor e significado. Isso nos convida a reavaliar como percebemos o cotidiano e as coisas que consideramos “desprezíveis”.

9. A Natureza da Existência
A folha, embora inanimada, questiona o que significa existir e ser ouvido. Essa reflexão leva os leitores a considerar suas próprias vidas e a importância de suas vozes.

CONEXÕES COM A REALIDADE

1. Experiências Universais
A narrativa ressoa com experiências comuns a muitos, como a tristeza da infância e a busca por aceitação, tornando-a relevante para diversas faixas etárias.

2. Representação de Vulnerabilidades
A história pode ser vista como um espelho das vulnerabilidades humanas, onde cada um de nós, em algum momento, se sentiu como a folha: deixado de lado e em busca de significado.

CONCLUSÃO

A narrativa não é apenas sobre a dor da folha ou da menina, mas sobre a interconexão das experiências humanas. Cada lágrima, cada gesto de vulnerabilidade, tem o poder de transformar não apenas a nós mesmos, mas também aqueles ao nosso redor. A história nos motiva a buscar conexões significativas, a ouvir as vozes silenciadas e a encontrar beleza na fragilidade da vida.

A história é um lembrete poderoso de que todos, mesmo os objetos aparentemente insignificantes, têm histórias e emoções. Ela nos convida a olhar além das superfícies e a reconhecer a dor e a beleza nas pequenas coisas. Essa narrativa nos inspira a cultivar empatia e a valorizar as conexões humanas, lembrando que cada lágrima pode ser um passo em direção à cura e à esperança.

A narrativa destaca a importância de reconhecer as vozes não ouvidas e a capacidade de transformação que existe em momentos de dor. A folha de papel, embora simples, se torna um símbolo de resiliência e esperança, convidando-nos a refletir sobre nossas próprias experiências e as conexões que formamos.

Fonte: Análise por José Feldman. Open IA .