sábado, 7 de agosto de 2021

Adega de Versos 39: Cruz e Souza

 


Raul Pompéia (Dia de gala)

Era duplamente dotada de fibra e de imaginação; com este aparelho arma-se uma criatura terrível; terrível ou deliciosa: pontos de vista. Para completar, moça e viúva.

A viuvinha sofria, assim, de uma viuvez carnal, saudade orgânica do esposo (esposo aqui em gênero, não em caso) como deve padecer a roda dentada, da ausência absurda da engrenagem conjugante.

Era religiosa. No êxtase da crença, oferecia aos numes do oratório o sacrifício difícil dos seus desgostos. Na restrita pobreza dos recursos de costureira, por meio de vida, faltavam-lhe divertimentos. Ela morava ali, no largo do Paço, naquela casa de perspectiva secular que parece como uma boa velha antiquíssima a debruçar-se para a gente a contar histórias do Sr. D. João VI, que Deus tenha. Valia-lhe de prazer o panorama do mar e por exceção, na monotonia da vida, as procissões do Carmo e as paradas de grande gala.

As procissões produziam-lhe um meio enlêvo beato, agradável como uma baforada de incenso, mas triste no fundo: como em geral nas solenidades eclesiásticas parecidas todas com um funeral. O seu melhor prazer eram as paradas. Fazia-lhe gosto à viuvez solitária ver em massa tantos homens fortes.

As dragonas, sacudindo ouro aos ombros de alta patente, as baionetas cintilando à grande gala do sol, percorridas de frêmitos incertos, como uma seara metálica, os penachos cor-de-rosa da oficialidade, arrufando as penas como aves guerreiras sobre as barretinas e a temerosa cavalaria, mascando impaciência, transpirando espuma sob os arreios, os possantes corcéis apeados de estátuas equestres. E o tinir seco das bainhas contra as esporas e as vozes nervosas impertinentes de comando, na boca de capitães obesos e as salvas à hora do beija-mão, na marinha de guerra e nas fortalezas. O rumor, o espetáculo produziam-lhe estranho abalo. Ela pensava em combates, multidões armadas atropelando-se, desaparecendo em fumo, surgindo em sangue; pensava nos acampamentos cobertos de tendas e marmitas; deixava-se levar na meditação imaginadora a conceber a reação de amor selvagem dessas populações nômades sem família, depois de uma jornada de morticínio; pensava nas mulheres do campo dos lugares por onde passa um exército e nas vivandeiras moças; pensava com terror lascivo nas cidades entregues ao saque, em que os soldados acham que vale a pena poupar a vida às mulheres; ocorria-lhe um episódio da campanha russo-turca, citado no Jornal do Comércio: quarenta mulheres vitimadas por um batalhão inteiro, num paiol abandonado, entre elas uma de doze anos apenas... a medida que passeava ao longo das filas um binóculo de teatro, visitando a infinidade de caras, bronze fundidos na soalheira das marchas.

Não foi, porém, na predisposição comum que a surpreendeu aquela data: dois de dezembro. Sentia-se presa de um mal-estar indefinido, um alvoroço no organismo que a inquietava como a iminência de uma crise, um desassossego de espírito que lhe tolhia a atenção para o trabalho, impossibilitando mesmo que lhe morasse no cérebro por dois segundos a mesma ideia, ímpetos de choro sem causa, vontade louca de rolar no chão em assomos de convulsões.

Dois de dezembro, cortejo no Paço da cidade.

Era um presente de céu aquela data, pensava ela desfolhando o calendário à parede. Pertencia-lhe a grande gala. O que em outra ocasião fora um divertimento, naquele dia era uma necessidade; naquele dia, distrair-se era um curativo.

Às onze e meia já lá estavam os pelotões em forma. Pelas objetivas do binóculo começou a passar a tropa sucessivamente, em revista sui generis da curiosidade feminina. Uma por uma sucediam-se as caras da soldadesca em cerrada continuidade de galeria numismática. E do sótão ignorado caíam, chuva de rosas sobre as fileiras, olhares de simpatia tão bons, tão expansivos que fariam esquecer o serra-fila ao galucho basbaque que os colhesse no ar.

Tinham decidida preferência as fisionomias duras, viris, douradas a fogo pelo verão das campanhas, riscadas de preto no vinco das rugas, indelével gravura do ritos de severidade marcial que é como o uniforme dos rostos. Mas, que interessante variedade! as faces deformadas por um gilvaz glorioso e devastador, outras picadas de varíola em caprichosas granulações de carne; cá, um semblante de criança grandes olhos negros sobre malares proeminentes do Norte, nadando em candura, ao lado da baioneta feroz; mais além, uma cara branca, crivada de sardas, sobrancelhas louras ásperas; algumas reclamando a baixa do serviço ativo na expressão mórbida; em compensação, algumas apopléticas, sufocadas na gravata de couro como no laço de uma forca.

A viúva olhava como se aspirasse de longe a emanação do pano grosso das fardas suarentas, úmidas às axilas e na constrição dos talins.

Depois o binóculo visitava os oficiais. Era outra coisa. A rudez militar suavizava-se geralmente em fisionomias elegantes, peles aristocráticas amaciadas na sinecura das comissões de paz, carinhas guardadas em algodão e perfumadas para a ostentação oportuna das paradas, altivas, sobre a plebe do exército, como lambrequins de luxo sobre uma torre de ferro, militares de salão meigos e amáveis que possuem palas de tartaruga para a rua do Ouvidor e frascos de brilhantina para a perpétua frescura do bigode; soldados queridos de outras mulheres, não dela, dessas mulheres masculinas que desejam no homem o desconto do que no próprio caráter há de mais. Ela preferia os oficiais de grosso trato, que lembravam o marido, um bravo do Paraguai, que lhe morrera nos braços não sei por que, talvez mesmo porque ela o amara muito.

Ia por estas conjunturas quando o binóculo parou sobre o rosto do capitão Mauro, do 13.o, formado ali, sob as janelas do Paço. Fazia um tempo admirável. A pobre solitária bebia tentações no ambiente da praça, sobre a florescência de sangue dos flamboyants. Formosa era ela. Não achava segundo marido por muitas razões, a primeira: por essa desconfiança que persegue as belas viúvas, muito razoável em teoria, mas injusta de fato.

Muitas razões ou, pode ser, simplesmente para dar assunto a esta narrativa.

Foi um relâmpago.

— Emília!

Emília era a criada, trefegazinha e esperta. Discreta ou não, no momento convinha que fosse. Foi-lhe confiado este bilhete em letra miúda e nervosa, este lacônico bilhete:

"Hoje, às quatro horas, sr. capitão, espera-o alguém na rua... numero... para dizer-lhe duas palavras amáveis."

O lugar do encontro era a casa de uma amiga ausente, de que tinha a chave a viuvinha.

A nossa heroína esperou que a carta tivesse partido para arrepender-se, mas o arrependimento foi vivíssimo. Aterrou-se com a imagem da temeridade a que se arrojara. Ela conhecia o capitão Mauro, frequentador da casa nos tempos do marido. Um homem atirado, audaz para todas as empresas, na sua construção de aço e saúde. Estava sinceramente arrependida. Tranquilizou-a, felizmente, o alea jacta dos supremos apertos, acolitado pela ponderação de que não custava nada deixar o capitão bater com o nariz na porta.

Emília tinha ordem de acompanhar o batalhão no fim do cortejo e entregar a missiva no quartel.

A viúva avistou no largo a criada insinuando-se pela multidão. Viu sair o imperador, no coche de ouro, para S. Cristóvão, com os seus Polichinelos sovados de libré verde e galões largos à traseira e os empoeirados jóqueis, dirigindo a atrelagem, de corpete curto, camisa a mostra, sobre o cós dos calções e a cavalaria lascando a calçada com a violência do galope; viu afinal desfilar a tropa música à frente.

Nunca lhe pareceram tão verdes as bandeiras cobrindo os pelotões, abertas amplas ao vento do mar. Depois, distraidamente foi ao guarda-roupa e tirou uma pequena máscara que lá estava, velha lembrança de um baile. Com a tesourinha pôs-se a cortar o veludo, alargando o rasgão dos olhos o mais possível; deixando bastante pano, contudo, para que não a reconhecesse o capitão Mauro. Pobrezinha! Como se já não estivesse decidida a afogar brutalmente no peito mais aquele sonho culpado...

Apesar dos impedimentos possíveis da disciplina, o nosso oficial à noitinha, mandava apalpar as dragonas perguntando se não sentiam ainda o metal  quente – da insolação do cortejo, é possível, mas provavelmente de um colar de braços nus que o haviam estrangulado. Agora é que sei, notava mais, o que é ter amor à farda. E muito tempo depois, entre outras boas histórias de sacristia, um padre do Carmo contava, sem violação do sigilo, o que certa confissão lhe dissera de um dia de gala na monotonia triste da viuvez.

Fonte:
Raul Pompéia. Contos.  Biblioteca da UFSC.

Thalma Tavares (Jardim de Trovas) 2

A distância para o amante
é menor que a brevidade,
porque nunca está distante
o amor que deixa saudade.
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Andarilho que não cansa
de alentar um sonho antigo,
sou caracol da esperança
carregando o próprio abrigo.
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Bailarinas transparentes,
as gotas do meu olhar,
dançam tristes, reticentes,
O “pas-de-deux” dos sem par...
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Carícia em forma de prece
que no ocaso vou rezando,
teu amor é sol que aquece
um outro sol se apagando.
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Coração, nunca te emendas!...
És de fato um sonhador...
Até nas duras contendas
tu vês motivos de amor!
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Das bofetadas que a vida
me deu sem muita piedade,
tu foste a mais dolorida
e a que mais deixou saudade.
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Em teu corpo de arrepios,
os meus dedos peregrinos
buscam, ardentes, vadios,
a tenda dos desatinos.
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Enquanto a lua me encanta
e a solidão se acentua,
um galo cansa a garganta
tentando encantar a lua.
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És hoje, distante e rara,
saudade aumentando o espaço
da solidão que separa
teu corpo do meu abraço.
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- És meu príncipe! - dizia
vovó com seu jeito doce...
Tão doce que eu me sentia
como se príncipe fosse.
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Estas marcas no meu rosto
não são rugas, são canais
que os obreiros do desgosto
cavaram fundos demais...
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Este perdão que me negas
por "um nada"que te fiz,
é mais um cravo que pregas
na cruz de um peito infeliz.
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É tão lindo o seu sorriso!...
Seu beijo é tão perfumado,
que aqui vou, perdendo o siso,
cometer mais um pecado.
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Já não me sinto um proscrito
nem também um forasteiro,
se pões o olhar - tão bonito -
sobre o meu ser derradeiro.
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Linda mensagem de neve
que não perece ao degelo,
é aquela que o tempo escreve
nos fios de teu cabelo.
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Lua plena! A noite é bela!
E eu só, morrendo de zelos,
porque o luar na janela
faz carícia em seus cabelos.
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Mensagem vívida e terna
que um ardente amor traduz,
o teu olhar é lanterna
que ilumina a própria luz.
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Na minha vida sem graça,
de sonhador solitário,
a aurora no céu não passa
de um por do sol ao contrário.
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Não é saudade, é castigo
toda saudade enganada...
É sonho implorando abrigo
sabendo a porta fechada.
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Nem sempre as flores deleitam
com tanta graça e harmonia,
como estas rosas que enfeitam
os teus cabelos, Maria!
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No aceno discreto e mudo
que entre lágrimas fizeste,
teus olhos disseram tudo
do amor que nunca disseste.
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Numa pétala orvalhada,
uma gota luminosa
é um adeus que a madrugada
deixou na face da rosa.
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O amor em nossa jornada
tem rumos tão divergentes,
que andamos na mesma estrada
por caminhos diferentes.
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O meu coração protesta
contra um adeus sem juízo
que tirou de minha festa
a festa do teu sorriso.
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O teu adeus foi inverno
que fez meu sol ir-se embora...
Meu poente fez-se eterno
e eu nunca mais tive aurora.
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Por dar crença ao teu sorriso,
que tantas paixões atiça,
construi um paraíso
sobre a areia movediça.
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Quando a saudade se esconde
pelos confins da cidade,
eu tomo em sonhos um bonde
e vou matar a saudade.
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Que o teu sorriso de agora
permaneça eternamente...
Eu te quero sempre aurora...
Mesmo quando eu for poente.
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Querida eu tenho ciúme,
- não há desdouro em dizê-lo...
Ciúme até do perfume
que perfuma o teu cabelo.
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Teu olhar tem a beleza
de um céu claro à luz do dia,
mostrando, embora, a tristeza
que esconde a tua alegria.

Jaqueline Machado (Pai herói)

Ser pai é ser exemplo. Não de perfeição, mas de amor e de coragem.

Se eu pudesse dividir um presente com a humanidade... Bem, seriam, na verdade, alguns dos quais Deus me presenteou. Mas hoje, eu escolheria dividir meu pai.

Se eu teria ciúmes? Não. Eu não teria. Pois acredito que todas as pessoas precisam de um pai como o meu. Não quero com isso fazer pouco caso de milhares de outros pais, que também são maravilhosos. Acontece, gente, que o meu pai, Sr. Roberto Teixeira, o "famoso" personagem da minha historinha infantil - Betão: o Super Herói.

Obra especialmente criada em homenagem a ele, o cara mais trabalhador e honesto que conheci na vida. É, de fato, especial demais. Betão, como é conhecido por muitos, ou Teixeirinha, como é chamado por outros, já passou por diversas dificuldades. Inclusive pelo preconceito de ser honesto. É isso mesmo, por vezes, as pessoas que não conseguem se dar bem na vida às custas de oportunidades ilícitas, são rotuladas como "bobas", "fracas"...

E isso me faz lembrar aquela célebre frase de Rui Barbosa: “De tanto ver triunfar as maldades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.”

Acho que esse famoso trecho de uma longa fala de Rui Barbosa é o que mais se encaixa ao perfil do meu querido pai. Como construtor, já fez a casa de muita gente, tanto aqui em Cachoeira do Sul quanto em outras cidades. E pode ter coisa mais bonita do que construir moradia, abrigo, onde famílias se formam e se aconchegam?

Cresci vendo meu velho pai sair de casa para trabalhar, antes do dia raiar. Sofrer diversos acidentes em seus múltiplos trabalhos: perfurar a mão, cair do telhado, levantar e seguir trabalhando como se fosse um homem de ferro, inquebrável!

Em tempos mais difíceis, até saía sem tomar café da manhã, mas por seus filhos, ele batalhava, pois não podia deixar seus pequenos irem para a cama sem alimentação. Apesar das dificuldades todas, sempre foi uma pessoa acessível, amigável. E o mais incrível de tudo, nunca deixou de estender a mão a quem precisa, especialmente para aqueles que tanto lhe acusavam de fraqueza. E, mesmo agora, já velho, ele continua assim: forte e ao mesmo tempo doce, sem amarguras. Ainda não recebeu da vida nem a metade do que é de seu merecimento. Mas sei que ainda há tempo.

Pai, eu não tenho a metade de suas virtudes, mas essa minha tão mencionada sensibilidade, eu herdei do senhor... Obrigada por tudo.

TE AMO! Um feliz mês dos papais!!!


Fonte:
Texto enviado pela autora.

sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Varal de Trovas n. 518

 


Clarisse da Costa (Um Grande Escritor)

Ele tão novo tinha sonhos gigantescos. Humilde morava numa casa de pau a pique junto com sua mãe e seus três irmãos. Com um lápis na mão e um simples caderninho escreveu vários versinhos. Seria o seu primeiro livro. Mal sabia ele que tinha o mundo das palavras em suas mãos.

Com tão pouco estudo, saiu lendo seus versos pela rua sem pretensão alguma. Voltando para casa viu sua mãe em prantos, pois não tinha o que dar de comer para os seus filhos.

O menino voltou para as ruas e saiu oferecendo os seus versos por um valor em dinheiro. Por vinte reais um senhor comprou o seu caderninho e chegando em casa deu para a mãe aquele dinheiro. A mãe foi no mercadinho e comprou o que dava. E neste dia ela pode ver o sorriso dos seus filhos depois de comerem algo.

O menino escritor aprendeu que poderia ir além com as palavras e o conhecimento.

Fonte:
Texto enviado por Samuel C. da Costa.

Silmar Böhrer (Croniquinha) – 29 –

Ares da boca-noitinha. Trevas chegando. Primícias do inverno. As gramas, o relvado, as plantas, logo estarão molhadinhos com a umidade noturna. Aves aninham, os seres se recolhem, a vida sossega.

Nas casas do sul, faíscas faiscando, fogões fumegando, achas crepitando. A tônica destes tempos - pinhão na chapa, chimarrão em curso, na mesa o vinho, para aquecer o corpo e alumbrar o pensamento.

Ali no jardim as assombrações da invernia - flores cobertas com panos, protegidas da geada que o frio promete. Sombras. Aves noturnas piam, estrelas cintilam, alma e seres harmonizam. Pelegos, achegos, arreglos . Sossegos . . .

Mádidas manhãs de maio. Campinas e canhadas, e as copadas, obras de arte fabricadas pelo sereno congelado. E os caminhos ? Branquinhos, geladinhos, outonados. Inverno. Hígido hiberno.

Surge o sol, carência intrusa !

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Gislaine Canales (Glosas Diversas) XXIX

SAUDADE BOÊMIA...

MOTE:
Pelas noites, na cidade,
busco esquecer-te, porém,
o meu drama é que a saudade
é uma boêmia também...
Izo Goldman
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013,
São Paulo/SP

GLOSA:
Pelas noites, na cidade,
eu ando de bar em bar
e a tristeza que me invade
de tão grande, não tem par!

Ouço uma bela canção!
Busco esquecer-te, porém,
a dor do meu coração,
vai muito além, muito além!

Enfrento a realidade:
Eu nunca vou te esquecer,
o meu drama é que a saudade
veio comigo viver!

E nessa angústia sem fim
me ajudar, não pode alguém!
A saudade está em mim,
é uma boêmia também…
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MINHA MUSA

MOTE:
Quando estou à tua espera,
em qualquer ocasião,
sinto um sol de primavera
fulgente em meu coração!

Joamir Medeiros
Natal/RN

GLOSA:
Quando estou à tua espera,

eu fico feliz, sonhando,
meu coração se acelera
ao sentir que estás chegando!

Tu me trazes alegria
em qualquer ocasião,
és a musa da poesia
da minha imaginação!

Ficar contigo, quem dera,
para sempre, meu amor!
Sinto um sol de primavera
que me aquece com calor!

És a musa da ternura
que chega em minha emoção,
qual estrela, linda e pura,
fulgente em meu coração!
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SONHO E AMOR

MOTE:
Se este mundo tão bisonho
te nega paz e guarida,
usa o refúgio do sonho,
onde o amor sustenta a vida!

José Lucas de Barros
Serra Negra do Norte/RN, 1934 – 2015, Natal/RN


GLOSA:
Se este mundo tão bisonho

te fizer chorar, irmão,
tu conservarás tristonho
o teu pobre coração!

Se uma simples esperança
te nega paz e guarida,
tu guardarás na lembrança;
tua alegria, perdida!

Pra tornar, teu eu, risonho
e crer na felicidade,
usa o refúgio do sonho,
colore a realidade!

Nesse refúgio tão lindo,
jamais existe a partida,
pois o sonho é o ninho infindo
onde o amor sustenta a vida!
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TEUS OLHOS

MOTE:
Os teus olhos são vidraça
deixando o sol penetrar
e te olhando a vida passa,
pelo sol do meu olhar.
Luiz Poeta
Rio de Janeiro/RJ


GLOSA:
Os teus olhos são vidraça,

são lindos, são transparentes,
é com eles que me abraças
com laços fortes e quentes!

Teus olhos, raios dourados,
deixando o sol penetrar,
redimindo meus pecados,
me fazem, bem mais, te amar!

Teu amor, a tudo enlaça
enfeitando o meu viver,
e te olhando a vida passa,
num contínuo renascer!

Esse amor grande e bonito
que não para de brilhar,
filtra um calor infinito,
pelo sol do meu olhar.
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ALICERCES DA AREIA

MOTE:
Deixa esses modos tristonhos
e a febre que te incendeia…
Castelos feitos de sonhos
têm alicerces de areia!

Menotti Del Picchia
São Paulo/SP, 1892 – 1988


GLOSA:
Deixa esses modos tristonhos

alegra o teu coração,
torna teus dias risonhos,
o sorriso é emoção!

Toda essa tua ansiedade
e a febre que te incendeia...
não trarão felicidade,
te servirão de cadeia!

Se tu vives entressonhos,
um dia, vais acordar,
castelos feitos de sonhos
tendem sempre a desabar!

São frágeis, é bem verdade,
basta vir a maré-cheia,
que indomável os invade...
Têm alicerces de areia!

Fonte:
Gislaine Canales. Glosas Virtuais de Trovas XXI. In Carlos Leite Ribeiro (produtor) Biblioteca Virtual Cá Estamos Nós. http://www.portalcen.org. Outubro de 2004.

Sandra de Almeida Silva (João Caolho)

A banca estava sempre cheia de chás. João ficava a maior parte do tempo sentado, lendo com seu único olho uma revista velha ou o jornal do dia. Quando chegava um cliente, largava a leitura com certa relutância, ia afastando o jornal, lendo ainda algumas linhas, até que o largava definitivamente no banquinho ao lado para, só então, atender a pessoa que estava na sua frente. Esboçava um meio sorriso, dizia um pois não e escutava sem interesse o que o cliente falava. O viaduto cinzento abrigava-o da chuva e do sol, porém canalizava o vento nos dias de inverno. Muito magro, João tremia de frio. Não importava quantas camadas de roupa vestisse, o ar gelado atravessava uma a uma, entrava pela pele, até os ossos. Às suas costas, duas madonas de pedra empunhavam tochas que, depois das seis horas da tarde, iluminavam a banca improvisada com caixas de frutas. Ali, de certa forma, sentia-se protegido.

E era por volta das seis e meia, horário de maior movimento de carros e pedestres na avenida que, todos os dias, Ela aparecia. Um pouco antes, João penteava o cabelo, fechava o zíper da jaqueta de nylon, passava uma escova nos sapatos e, intranquilo, esperava. Se um cliente o abordasse naquela hora, atendia-o com mais pressa que o costume, ou mentia que estava recolhendo a mercadoria e despistava-o para concentrar-se na espera. Ela vinha em passos lentos, como que cansada da subida, em direção ao centro, e ele logo a distinguia, viva e colorida, esgueirando-se entre a multidão opaca.

Como o devoto diante da aparição de uma santa, adorava o movimento gracioso da mulher. Dela nada sabia, nem nome, nem profissão, nem amores, sobretudo para ele nada disso tinha importância. Ela se aproximava, ele a observava, apenas isso. Era o único momento de comunhão, em que podia respirar, talvez, uma partícula do mesmo ar que antes estivera nos pulmões dela, percorrera suas artérias e veias, o coração. No momento exato em que passava na sua frente, Ela erguia os olhos para ele, dizia boa-noite, como vai o senhor hoje, a boca bem feita, o rosto claro, imagem sem mácula, ele respondia bem e a senhora vai bem, instante mínimo.

Nunca se soube ao certo o que houve naquela tarde em que ela não veio e nas outras que se seguiram depois. Já passava das sete horas. João estava impaciente, quando se ouviu uma freada brusca. Um burburinho se formou na esquina com a rua de baixo e João, com o coração apertado, correu também. Uma mulher estava estendida no asfalto, quem sabe morta, meio corpo embaixo de um ônibus. O povo se acercou para ver a cena e ninguém, nem mesmo João, conseguiu reconhecê-la. A ambulância veio, carregou-a, e ele viu apenas um rosto transfigurado, cabelos desalinhados, no chão a poça de sangue, a sirene ecoando na boca da noite.

João voltou para recolher os chás e ir embora, no pensamento a cena da mulher morta se confundindo com o rosto daquela outra que, sem saber, nunca mais verá. Um vento frio percorria a rua, a banca vazia, ervas rolavam espalhadas pelo chão. João encolheu-se, ajeitou os óculos e sentiu doer seu olho esquerdo na órbita vazia.

quinta-feira, 5 de agosto de 2021

Versejando 70

 

Marques de Carvalho (Bidinha)

Aqueles versos terníssimos, duma inspiração ideal e faceira, haviam-lhe feito compreender que o poeta amava-a. Sem o sentir bem, ela começou a amá-lo, a amá-lo também... Quando, por acaso, encontrava-o em casa da prima, corava, julgava sofrer e gozar a um tempo e entrava a fitá-lo amorável e longamente, com essa persistência abstrata dos verdadeiros êxtases apaixonados...

O poeta conheceu não ser indiferente aquela moça tão pálida, tão triste, cujo olhar tinha os fluidos voluptuosos das paixões ardentíssimas...

E, não sei bem porque, fugiu-lhe. Passou um mês sem ir à casa da prima da Bidinha, para não vê-la. Depois, de si próprio envergonhado, lá foi e encontrou-a, mais pálida ainda... e com os olhos,— aqueles tentadores, faiscantes olhos eloquentes — mais, muito mais bonitos... Teve pena dela. Num momento em que ficaram sós na sala,— onde recendia o perfume dum ramo de resedá posto num jarro em frente ao retrato duma velha senhora de fronte enrugada e olhar suave — declarou-lhe amá-la desde muito, intensamente.

Ela, a Bidinha, a pálida dona do álbum que recebera aqueles terníssimos versos, duma inspiração ideal e faceira, sorriu, estremeceu e murmurou apenas quase ininteligível som.

Daí em diante, a felicidade uniu-os sempre em amorosos colóquios noturnos, naquela mesma sala.

***
Tempos depois, teve o poeta de fazer uma viagem. Os protestos de mútua fidelidade foram longos, como longa deveria ser a ausência. Dando-lhe o aperto de mão de despedida, quase desfalece a Bidinha, tal foi a angústia que atravessou-lhe o coração!

***
Por um artifício da sorte, o poeta esqueceu-se da encantadora criança a quem jurara amor perante o retrato da velha senhora de fronte enrugada, enquanto recendia na sala o perfume dum ramo de resedá.

Ela esperou-o durante meses, durante anos... Oh! lancinante dor das longas expectativas!... Espera-o ainda...

À tarde, quem for ao pequenino quintal da casa dela, poderá vê-la sentada sob um grande jasmineiro estendido ao longo de vasta latada,— com o olhar suave e tristemente fito nas páginas dum álbum, soluçando baixinho palavras de saudosa recriminação.

Aqueles versos terníssimos, duma inspiração ideal e faceira, haviam-lhe feito compreender que o poeta amava-a!…

Baú de Trovas XXXIII


Mesmo soltas e espalhadas,
as pétalas são formosas;
porém somente abraçadas
é que elas se tomam rosas!
A. A. de Assis
Maringá/PR

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Se as armas vencem a guerra.
os livros têm mais valor.
pois espalham sobre a terra
o saber, a paz e o amor.
Alba Helena Corrêa
Niterói/RJ

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A queimada, tão nociva,
para a terra é uma agressão;
vai-se a floresta nativa,
fica só desolação…
Angélica Villela Santos  
Guaratinguetá/SP, 1935 – 2017, Taubaté/SP

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As paredes que sustentam
meus sonhos, meus ideais,
são tão sólidas que aguentam
os mais fortes vendavais!
Antonio Síécola Moreira
Santa Rita do Sapucaí/MG

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Olhando ao longe o horizonte
contemplo a rara beleza
e bendigo a meiga ponte
que me liga à natureza!
Augusto Gasparini Filho
Salto/SP

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Esse mesmo pai que um dia
Deus me ofertou, ao nascer,
é o pai que eu escolheria,
caso pudesse escolher!
Carolina Ramos
Santos/SP

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Meu pai, a sua lembrança,
toda ternura e bondade...
Velhos tempos de criança,
tempo integral de saudade.
Conceição Parreiras Abritta
Crucilândia/MG, 1934 - 2015, Belo Horizonte/MG

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Além, no horizonte, à borda
de um infinito sem véu,
o lindo arco-íris é a corda,
que os anjos pulam, no céu!
Domitila Borges Beltrame
São Paulo/SP

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Entre as mofadas estantes
do museu de minha vida,
choram fantasmas errantes.
buscando a ilusão perdida.
Dorothy Jansson Moretti
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

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Adeus meu chão, vou risonho
pela tarde azul e mansa,
levando a roupa do sonho
na mochila da esperança!
Eduardo A. O. Toledo
Pouso Alegre/MG

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Vem, palhaço, sem tardança,
com teus trejeitos, teus chistes,
e acorda a alegre criança
que dorme nos homens tristes...
Elton Carvalho
Rio de Janeiro/RJ, 1916 – 1994

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Minha jangada tristonha,
abandonada no cais,
vela içada, ainda sonha
com ventos do nunca mais!
Fernando Câncio Araújo
Fortaleza/CE, 1922 – 2013

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Poesia, vida, beleza,
bem-aventurança, dor,
felicidade, tristeza.,.
É isso e bem mais o amor.
João Costa
Saquarema/RJ

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Canta o galo na porteira,
trina alegre a passarada,
alegra-se a roça inteira
ao rubor da madrugada!
José A. de Freitas
Pitangui/MG

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Pai, tua voz precavida
já não ouço, infelizmente —
Mas teu exemplo de vida
no que eu faço, está presente!
José Tavares de Lima
Juiz de Fora/MG

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Este manto que carregas,
como bandeira estendida,
é vitória das refregas
que enfrentaste nesta vida!
Loris Turrini
Tremembé/SP

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A tristeza que me invade
e que nunca chega ao fim.
é fruto de uma saudade
que nasceu dentro de mim.
Maria Granzoto da Silva
Arapongas/PR

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Volte agora com vontade,
ser o amor que me encantou,
traga consigo a saudade,
que ao partir, você deixou!
Maria Luiza Walendowsky
Brusque/SC

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Incutindo no arvoredo
os mais sutis movimentos,
a brisa compõe o enredo -
da sinfonia dos ventos!
Maria Madalena Ferreira
Magé/RJ

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Protegendo os inocentes
é que Deus, sábio demais,
põe cenários diferentes
nas impressões digitais!...
Maria Nascimento S. Carvalho
Rio de Janeiro/RJ

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Num relógio, vendo a hora,
no outono de minha lida.
vejo que não há demora
no ocaso de minha vida!
Mauricio Norberto Friedrich
Porto União/SC, 1945 – 2020, Curitiba/PR

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A memória trabalhando,
na velhice encontrou -
a alegria se espalhando
pela vida que guardou.
Mifori
São José dos Campos/SP

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Pai, você está presente
dentro do meu coração;
sua presença é constante
sempre em minha oração,
Neiva Fernandes
Campo dos Goytacazes/RJ

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Revendo entulhos e tacos,
na tapera dos meus sonhos,
chorei por ver tantos cacos
dos meus dias mais risonhos!
Professor Garcia
Caicó/RN

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O sol, sublime benesse,
dá sua luz purpurina
independente da prece:
- é pura oferta divina.
Yedda Ramos Patrício
São Paulo/SP

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Poeta, que aos homens seduz
pela força do seu verso;
com sementeiras de luz,
enche de brilho o universo!
Zeni de Barros Lana
Belo Horizonte/MG


Fonte:
Informativos da UBT Seção São Paulo.

Nilto Maciel (Porta Fechada)

Carlos acordou sobressaltado. Os pais falavam alto, discutiam. Do lado de fora, uma pessoa esmurrava a porta. Por que discutiam àquela hora? O medo tomou conta do menino. Ou sonhava? Sonho feito de palavras sem sentido, sons confusos, tumulto indistinto, quase remoto.

Na verdade, Josias batia na tábua porque queria entrar em casa e o pai teimava em não abrir a porta. Dormisse na rua, com os cachorros. Mais gritos e fragor de pancadas. Carlos acordou de vez, o coração a bater em descontrole. A mãe exigia a abertura da porta. Josias não poderia dormir na rua. O homem bradava negativas, vociferava. Aquilo não eram horas de chegar. Fechada a porta, por ela ninguém mais entrava. Somente no outro dia. Dormisse na rua o vagabundo. A mulher chorava, implorava. Deixasse o filho entrar para dormir. O pai teimava. Havia determinado o horário de os filhos estarem em casa: dez horas da noite. Inconformado, o rapaz gritava, chutava e esmurrava a madeira. E ameaçava: se não abrissem a porta, ele a abriria à força.

Em dado momento, a porta pareceu ter sido derrubada. Talvez a tranca tivesse ruído ou os ferrolhos se deslocaram, à custa dos sopapos. Ou terá sido aberta pelas mãos do pai, para evitar o arrombamento? Iniciou-se uma correria dentro de casa. Cinto à mão, o homem se pôs a perseguir o filho sem-vergonha. Corriam, resfolegantes, a gritar. A mãe chorava, pedia calma. Assustados, os meninos se encolhiam nas redes. Pai, mãe e filho corriam pela casa, em fila, cansados, passavam de um cômodo a outro. Apavorado, Carlos se encolhia na rede. Josias passava e o jogava ao léu da noite. O pai o empurrava para mais longe. A mãe o socorria, mas também passava, aos prantos.

Aos poucos foram sossegando. Carlos não soube quando aquilo acabou e de novo dormiu. Talvez quando o pai e filho não mais tiveram forças para correr e falar.

Dias depois, Josias saiu de casa e Carlos nunca mais o viu.

Fonte:
Nilto Maciel. A Leste da Morte. Porto Alegre: Bestiário, 2006.
Livro enviado pelo autor.

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

Arquivo Spina 43: Angela Maria dos Santos Pereira

 

Carolina Ramos (O conto contado)

A ideia fermentava em seu cérebro há bastante tempo. Daria um conto. Na certa, um bom conto, caso soubesse aproveitá-la bem!

Sempre assim! As ideias tomam de assalto o autor, com bote felino a saltar sobre a presa!

Desta vez, a presa era aquele jovem iniciante que, ao abrir a janela numa certa manhã, não escapara do bote! A própria natureza servira de cúmplice.

Pelo retângulo da janela, os olhos daquele moço, vocacionado a escritor, passearam pelo céu azul esgarçado de nuvens alinhavadas pelos bicos finos das aves em pleno voo,

Mirou o jardim. Uma rosa entreaberta embalsamava a brisa. Fitou o beiral. Um casal de pombos arrulhava, enamorado. Estendeu mais o olhar - tudo verde à sua frente! Redundantemente verde a esplender em tufos, a perder-se de vista, a unir-se, lá longe, à carapinha viçosa do cafezal - verde rio a mergulhar no verde mar das esperanças!

Que esplêndida a vida de uma fazenda! Só alguém desprovido de visão poderia ficar indiferente àquela multiplicidade de encantos!

Fora justamente aí que a ideia saltara e se apossara dele, a fecundar-lhe a mente fértil e irrequieta de escritor iniciante!

Fechou a janela, sentindo-se plena e poeticamente "grávido" daquela ideia, que reputava genial!

Tudo lhe parecia mais belo porque se erguera do leito com a poesia dentro da alma, propenso a sorver a vida, em plenitude, através do vão daquela janela. Ah! Pudesse ser sempre assim!...

Logo mais, os compromissos o levariam de volta à cidade, às lides rotineiras, sem tempo disponível para a percepção das coisas realmente belas, submisso aos horários e ansiedades castradoras de sonhos e daquela capacidade maravilhosa de ver a beleza da vida palpitar em cada canto à sua volta. Que maravilha, caso possível olhar a vida através dos olhos de um poeta, de um pintor... de um artista, enfim! - Gente capaz de enxergar a beleza interior das coisas. Gente capaz de descobrir encantos não pressentidos pela maioria e que seus olhos viam em plenitude!

Como seria bom se a humanidade, tão fria em certas circunstâncias, e, às vezes tão impermeável ao belo, pudesse receber os olhos privilegiados dos seus poetas mortos!

Nada mais que um transplante perfeito! Um providencial transplante de córneas! Genial, se essas córneas trouxessem consigo a sensibilidade e a empolgação da alma daquele artista doador!

Gostou da ideia! Deixou-se embalar por ela, embora reconhecendo não passar de pura fantasia! Um sonho, apenas!

Mesmo assim... não a descartou!

Como a vida poderia ser mais bonita! A flor, mais flor! A luz, mais luz! O amor, mais amor...Coisas que os artistas veem em profundidade porque seus olhos têm alma! E essa alma lhes permite abraçar e sentir com maior amplitude, as minúcias e os encantos despercebidos pela maioria dos viventes, presos ao prosaísmo, sem tempo disponível para captar o belo!...

Com uma coisa concordava plenamente: - tinha ao seu dispor ótimo argumento para urdir novo conto! Não perdeu tempo.

"Gestação" iniciada no ato! O "parto", só questão de amadurecimento! Quem escreve sabe que é assim. Após a ideia fecundada, o "embrião" começa a desenvolver-se, gradativamente, até vir à luz em ação espontânea, depois de gestado com minucioso carinho.

Assim aprendera, ao iniciar-se na escrita, com ajuda de muitos mestres, alguns empilhados ainda à sua cabeceira, à mercê de folheios.

Em breve, aquele conto, totalmente estruturado em sua cabeça, contava a história de um homem frio, calculista, ligado à matéria até os ossos, e que, de repente, recebe, por implante, as córneas de um poeta recém-falecido.

A partir daquele instante, o mundo passa a ser, para aquele homem, um mundo completamente diferente de tudo o quanto vira até ali! Suas ações e reações tornam-se completamente diversas! Nasce um novo indivíduo - mais humano, mais espiritualizado, imune aos prosaicos chamados da matéria, alma sensível, romântica, escancarada às belezas da vida! De pleno acordo com a emotividade do doador!

Contudo, apesar do bom argumento, aquele conto, já praticamente aderido aos escaninhos da mente do autor, por lá foi ficando... em "gravidez" prolongada, à espera de um bom fecho, que o induzisse a vir à luz.

- Até que...

Na verdade... depois deste preâmbulo, é justamente agora que esta história começa:

- Até que... numa tarde reveladora, aquele jovem escritor, cansado de folhear revistas na sala de espera de um oculista, deixa-se, indiscretamente, envolver pela conversa de duas moças, tal como ele, candidatas a lentes de contato.

- Dizia uma: - Não vai ser fácil aceitar esse tipo de lentes, mas... só o fato de me livrar dos óculos, vale o sacrifício!

A outra concordara... sem deixar de sonhar: - O que eu queria mesmo é ter olhos de poeta para ver o mundo através de lentes naturais... lentes cor de rosa... Exatamente como num conto que eu li, num dia destes...

O jovem escritor ligou as antenas, vivamente interessado. A pergunta saltou sem freio, espontânea, levando à garupa sua ansiedade:

- Perdoem a intromissão, mas... posso saber que conto é esse? - Quem, o escreveu?!

A moça, sorriso largo e olhos sonhadores, titubeou reticente, quase a desculpar-se:

- Sinto muito... Sabe que eu não sei?! Li o conto e achei-o lindo, mas... francamente, não me lembro do nome do autor.

O moço perdeu o sossego. A impaciência e a ansiedade coladas a ele... não mais o abandonaram. Inconformado, ponderava:

- Se tivesse revelado a alguém o argumento daquele seu conto, vá lá! Poderia admitir até a possibilidade de um plágio, mas... tinha certeza - de que sequer dividira a ideia com o papel! Tudo estava em sua cabeça, arrumadinho e impecável- apenas à espera do fecho que sugerisse um título!

Nunca abrira a boca a respeito! —Nunca!...

- Nunca, mesmo?! A dúvida assaltou-o! Guardava leve lembrança de ter deixado escapar algum comentário em conversa com um amigo. Mas... o Túlio não seria capaz de uma coisa dessas! Gostava também de escrever mas, daí a lançar mão de obra alheia, o espaço era grande!... Será?!


Soprou para longe os maus pensamentos. De uma coisa estava certo: – A ideia era sua! Hesitou novamente: - Ou... seria óbvia e boa demais para ser apenas sua?!

Inconformado, tomou-se leitor voraz, insaciável devorador de antologias e coletâneas em busca do "autor fantasma" daquele "SEU" texto... idealizado e burilado com tanto carinho!

E... como "quem procura acha..." Afinal, também achou! O nome do autor deixou-o desolado - Afonso Schmidt!

A quase agressividade com que buscara descobrir quem plagiara o "seu" conto escorregou-lhe pelos pés. Logo às primeiras linhas, identificou o argumento citado pela moça no consultório do oculista!

Apesar da frustração, reagiu conformado, chegando até mesmo a abençoar aquelas palavras providenciais que o haviam livrado do risco de, sem a menor culpa, ser taxado de plagiador, caso a obra tivesse chegado a termo. Graças ao acaso, não caíra naquela armadilha que todo autor teme - o plágio, mesmo que involuntário e coincidente.

Conhecia o nome do autor, mas nunca havia lido qualquer obra sua!

Resignado, abortou a "ideia", enterrando o "feto", sem vestígios e sem registros, numa cova do subconsciente, como se ocultasse um crime – embora não concretizado e concebido sem premeditação.

No íntimo, penitenciou-se, bastante contrito, ante a lembrança daquela farpa envenenada direcionada ao amigo Túlio, num triste momento de desconfiança. Fraqueza da natureza humana, que sempre procura um culpado para atenuar as próprias faltas.

Guardou para si a dor da paternidade frustrada - Seu "conto" já fora contado por outro... e muito bem contado! Já tinha um pai... e que pai! Consolava-o saber que alguém bastante ilustre tivera a mesma ideia que ele. De certa forma, não deixava de ser um honroso consolo!

Fechou com estalo o livro de Schmidt. E foi justamente nesse instante que sentiu o bote de uma nova ideia apossar-se dele:

- Por que não fazer, dessa incrível coincidência, um novo conto?! – Ideia aprovada no ato, sem qualquer hesitação!

- Claro! E porque não?!!

Olhos fechados, entregue por inteiro à evolução do novo argumento, aquele jovem amigo das letras teve absoluta certeza de estar, de novo, literalmente "grávido"!

Sem mais preâmbulos, sentou-se ao computador e começou pelo título;

- "O Conto contado".

Fonte:
Carolina Ramos. Canta… Sabiá! (folclore). Santos/SP: Mônica 
Petroni Mathias, 2021. Capítulo 5: Contos rústicos, telúricos e outros mais.
Livro enviado pela autora.

Ialmar Pio Schneider (Versos Diversos) - 2 -

AO POR-DO-SOL

(Por do Sol no Guaíba)

O por-do-sol agora está magnífico,
Parece do Senhor uma pintura,
E por isto o momento é beatífico,
Como se unisse Deus à criatura...

A noite vai descendo... colorífico
O céu em tons diversos se mistura,
E mesmo pelos ares odorífico
Vem a ser o ambiente de verdura...

Então, eu me recolho e penso em ti,
Com serena tristeza e nostalgia,
Lembrando nosso amor de frenesi...

Se agora já vai longe a mocidade,
Não esqueço os momentos de alegria,
Embora hoje só reste esta saudade !
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NÔMADE

Eu sou o desgarrado involuntário
e qual um nômade, meu coração
não tem fixa paragem, ao contrário
vive sempre mudando de paixão...
 
Ama deveras, em qualquer horário,
a alimentar, quem sabe, uma ilusão,
buscando conseguir outro cenário
onde experimentar nova emoção.
 
Não é fácil seguir este caminho
em que me encontro muita vez sozinho
a percorrê-lo sem saber por quê...
 
E neste meu vagar confuso... incerto...
eu me sinto perdido no deserto
procurando um oásis... que é você !
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“PERCO-ME EM TEU SORRISO E ME REENCONTRO”

Perco-me em teu sorriso e me reencontro
Nos minutos ardentes que antecedem
O feliz e romântico confronto
De nossas emoções que não se perdem.

Cantar em versos o prazer do encontro
E a embriaguez que os beijos nos concedem,
Talvez então já tudo esteja pronto
Para saciar o que os desejos pedem.

Vamos amar assim perdidamente
Para que todos saibam deste afã
A nos unir nos momentos de ardor.

E viveremos sempre tão-somente
Celebrando as venturas do amanhã,
Sem nada atrapalhar o nosso amor...
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SOLIDÃO E SEGREDO

Rosto de mulher sentimental
que me aparece em sonhos, bruscamente.
Não sei se é a deusa do bem ou o anjo do mal,
que pode me curar ou me arruinar totalmente.

Traz no olhar serenamente
qualquer coisa de sobrenatural,
quando a vejo se me torno contente
ao mesmo tempo sinto uma dor infernal.

Desejo tê-la comigo em todos os momentos,
mas receio não agradá-la como quer,
pelas minhas tristezas e sofrimentos.

E assim permaneço em meu degredo,
vivendo por essa mulher
mergulhado na solidão e no segredo.
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SONETO A CAMÕES

Majestoso Camões, o teu engenho
aliado ao teu amor e à tua arte,
há de ficar cantando em toda parte
onde ao luso idioma houver empenho !

Eu que versejo humildemente, tenho
em teus sonetos, mágico estandarte,
representando o nobre baluarte
que consagrou o teu excelso gênio.

Hoje o verso sem métrica e sem rima
já não levanta da epopeia o mastro,
nem pela forma e suavidade prima;

mas “Os Lusíadas” canta heroico e forte,
o episódio fatal de Inês de Castro:
- a Rainha coroada após a morte!

Renato Benvindo Frata (Madrugada)

Insônia e cansaço fazem-me vítima na insensatez do meio sono, em vigília entrecortada entre dormitar e despertar concomitantes e constantes. E produzem pensamentos lerdos que perambulam pela cachola quais mandarovás* sobre o lençol, agora transformado em toalha de mesa que o estado de letargia concebe.

São fantasmas roliços e pegajosos que saem à procura de algo enquanto o sono não vem. Tudo corre na lerdeza dos passos de suas minipernas nos vai-e-vem sem rumo definido, até que surge do nada, posta ali bem no meio sobre o pano branco estendido, uma taça de vinho. Está cheia até a metade e tem na borda marca de batom. Belo pedaço de lábio impresso em carmim.

Pela mostra a boca deve ser linda, marca em vermelho vivo o poder, a vitalidade e a ambição, a atração, o amor, a paixão, o desejo, a confiança e a coragem; vermelho também de irritação, impaciência e inconformismo e tudo mais que essa linda cor pode representar.

Está ali na boca impressa e consigo neste meio sono perscrutar. Ondulantes, os mandarovás nem se preocupam em resguardar intimidades: amontoam-se na base e se empurram para ganhar caminho, e sobem pelo cristal sem se importar comigo. Acho que estão desejosos pelo vinho do amor que permanece sereno, aguardando talvez um segundo gole do lábio que deixou a marca.

Por enquanto foco apenas o cálice que agora é rodeado e inteiramente tomado por eles que se arrastam da base ao bojo para cheirar, na borda, o buquê, artificial que dali emana. Como pode o vinho atrair tantos pensamentos-mandarovás? Como estarão ligados os tais que enredados disputam espaço naquele objeto com a toalha, o cálice, o vinho e a marca de batom? Não sei. Isso é coisa de sonho, ou do desejo, ou da aspiração, ou a falta do que fazer enquanto o sono não chega.

Nessa corrida perigosa das lagartas, uma e outra caem pelo lado de dentro. Tentam voltar, esperneiam, batem-se, mas acabam por boiarem, paralisadas, na superfície não mais serena, em remoinho de volúpia na falta de precaução. Teriam escorregado ou simplesmente pulado para a morte etílica?

Apenas espio, porque nesses pensamentos rastejo com elas até que fiquem adultas, transformem-se em crisálidas, ganhem asas e sejam atraídos pela luz da promessa que a falsa felicidade faz. E me deixem com a minha insônia.

Perambulo o espaço que expõe a imagem vã do meio sonho e da meia consciência e consigo atingir uma distância curta e sem medida que os vários pares de patas alcançam no perímetro do retângulo branco. E crédulo, boquiaberto e na espera do sono inteiro de algumas horas, fixo-me na marca de batom. Não adormeço.

Nessa angústia o tempo passa e consome a noite, o sol se intromete pela fresta, desfaz o cálice e afugenta as caminhantes de vez; e, num esgar de susto ponho-me em prumo para enfrentar a realidade de mais um dia.

Enquanto aliso de leve os olhos vermelhos e empapuçados, fico a matutar sobre o batom vermelho envolvido por mandarovás. A boca, pelo seu formato, deve ser linda, carnuda, sensual; e gostosa ao ser sorvida como se suga polpa de fruta madura, ou quando o vinho é sorvido a dois, aos poucos.…
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* Mandarová = espécie de lagarta, que é uma das pragas de plantações.

Fonte:
Renato Benvindo Prata. Azarinho e o caga-fogo. Paranavaí/PR: Eg. Gráf. Paranavaí, 2014.
Livro enviado pelo autor.

segunda-feira, 2 de agosto de 2021

Adega de Versos 38: Solange Colombara

 
Fonte do poema: Solange Colombara. Meus momentos de hiato.
SP: Areia Dourada, 2019.
Livro enviado pela poetisa.

A. A. de Assis (Maringá Gota a Gota) Os sons da madrugada

Que bom que a esperança é infinda / e mantém viva a alegria... / Os galos cantam ainda / na aurora de cada dia. – Esses versinhos foram escritos há mais de 30 anos. Pena que perderam quase totalmente a validade. O último galo famoso foi aquele de Ivaiporã, que recentemente virou manchete após ter sido preso em razão de aborrecer os ouvidos da vizinhança.

O tal evento me fez lembrar um caso parecido. Eram meados dos anos 1960 e eu fazia na Rádio Cultura um programa chamado “Reportagem do Cotidiano”. Comentava notícias publicadas pelos jornais do dia e cartas enviadas pelos ouvintes. Um dia chegou uma carta cujo remetente se queixava do “incomodante barulho” de um galo que cantava de madrugada no quintal ao lado, roubando-lhe o precioso sono.

Sempre imaginei o canto do galo como uma das maravilhas da natureza, poesia pura, melodioso despertador jamais superado pela tecnologia. Aí surgiu um zangado insone a desqualificar o milenar kurukuku, rebaixando-o ao humilhante grau de “incomodante barulho”...

Puxa vida. Incomodante é barulho de moto com escapamento aberto. Canto de galo é música.

Outrora havia tantos. Meu avô, que era poeta e maestro de banda, tinha um de raça, peito estufado, pescoço esticado, pedigree de raiz suíça. O bacanudo cantava tão bonito que o vô pôs nele o nome de “Vicente Celestino”.

Passei a infância e uma parte da juventude numa pequena cidade do interior fluminense, São Fidélis, plantada por dois fradinhos capuchinhos à beira do rio Paraíba do Sul. Um lugarzinho sereno e lírico, justa e adequadamente apelidado “Cidade Poema”.

Lá a gente curtia as madrugadas como as horas mais gostosamente sonoras do dia. Além do coro dos galos em cada quintal cantantes, havia outros sons inesquecíveis: a buzina da carrocinha do homem que trazia pão e leite e ia deixando nas portas das casas; a cantiga dos carros de bois vindos bem cedinho dos sítios trazendo cana para a antiga usina; o apito do guarda noturno; o pregão dos vendedores de peixes, frangos, frutas, verduras, doces da roça...

Também a orquestra da passarinhada nos pés de manga, sapoti, jabuticaba: sabiás, azulões, papa-capins... E a melodia das manhãs molhadas: a chuva mansa no telhado, o pinga-pinga das goteiras, o assobio do vento...

Porém insuperáveis mesmo eram as serenatas dos sábados. Um saxofone gorjeando o “Chão de estrelas”; um cavaquinho trinando o “Carinhoso”; um dueto de flautas soprando valsas; um seresteiro caprichando na imitação do Orlando Silva: “Tu és / divina e graciosa, / estátua majestosa / do amor / por Deus esculturada...

Mas é isso, Bilac... Nem todos os ouvidos têm o fino dom de “ouvir e de entender estrelas”, menos ainda a graça de fruir e haurir os sons da madrugada. Tem gente que chega a chamar de “barulho” a nobre sinfonia matinal dos galos. Que pena...
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 29.7.2021)

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Argentina de Mello e Silva (Jardim de Trovas) 5


A fé é um fruto tão doce
que se Deus não existira,
se só mentira Ele fosse
seria o mundo mentira!
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A honra não é vaidade
nem mera conveniência.
É a nossa dignidade
num drama de consciência.
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Alma sedenta que peca
sem nada ao céu implorar,
é água turva que seca
e nem chega, nunca, ao mar.
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Aos moços já não importa
a nossa compreensão,
que da sua à nossa porta
há léguas de solidão.
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A renúncia é a droga exata
para um amor que tortura.
Ela é o remédio que mata,
ela é o veneno que cura.
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Duas palavras no fundo
têm sempre o mesmo endereço;
se o amor é a vida do mundo
é o ódio o amor pelo avesso.
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Esperar o amor é triste.
Viver sem ele é sofrer.
Mas a dor maior que existe
é achá-lo e depois perder!
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Esperei-te tanto, tanto
felicidade — e nem vi
que o tempo passava, e enquanto
te esperava — envelheci!
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Há um abismo intransponível
entre a ambição desmedida,
e a medida do possível
na limitação da vida.
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Mistér na vida se faz
que a paz se anteponha à guerra.
Se o mundo tivesse paz
o céu seria na terra.
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Na grande metamorfose
dos atuais tempos seus,
o homem é uma simbiose;
serve ao diabo e ama a Deus!
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Na morte o sábio sorri
sorvendo a gota de fel;
deixando aos outros, de si,
a taça cheia de mel!
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Não herdei ouro ou brasão,
nem ambiciono jamais
a não ser a tradição
de vossa honra, meus Pais !
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Nesta existência fugace,
águas do rio em descida
em cada folha que nasce
há uma vitória da vida.
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Ninguém foge, por mais forte,
de uma angústia dolorida,
ou pelo pavor da morte
ou medo da própria vida!
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O homem sofisma e erra
chamando a outro de "cão".
O cão não fomenta guerra
nem mata por ambição.
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Olho a luz do sol e o mar,
vejo a flor no chão nascer.
Que mais podes, Deus, me dar
pela glória de viver?
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Ó tu, rosa presumida,
que te alteias, ouve bem:
– A raiz vive escondida
e é dela que a flor provém!
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Por feliz eu tenho alguém,
que sem ter maior cuidado,
nunca invejando ninguém
por ninguém foi invejado!
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Por mais que o mundo te aclame
e glórias te oferte a esmo...
Não há ninguém que te ame
mais, no mundo, que tu mesmo!
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Quando a vida enfim se embebe
de uma paz bem merecida,
é que a gente se apercebe
que já está no fim da vida.
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Quando a vida me é pesada
e o céu um manto tristonho,
da triste angústia do nada
eu faço o tudo de um sonho
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Quando me acode à lembrança
a morte no seu segredo,
eu faço como a criança
que canta pra não ter medo.
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Quantas verdades o sábio,
— sendo sábio, não alcança.
E as põe Deus à flor do lábio
de uma inocente criança!
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Se a velhice é um desencanto
uma angústia, uma saudade...
por que se deplora tanto
quem morre na mocidade ?
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Se razão não tens contigo
teu inimigo te diz;
que o coração de um amigo
é sempre o pior juiz!
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Trovas de amor eu não faço;
não sei fazê-las, não sei.
O amor é o mundo que abraço,
é a vida a quem tudo eu dei!

Fonte:
Argentina de Mello e Silva. Trovas dispersas. Curitiba/PR: Centro Paranaense Feminino de Cultura, 1984.

Contos e Lendas do Paraná - 3 (Pinhal de São Bento: A lenda do pinheiro em forma de cruz)


A região de Pinhal de São Bento foi ocupada em meados da década de 1940, por ocasião do surgimento da Colônia Agrícola General Osório, CANGO, criada pelo Decreto 12.417 do presidente Getúlio Vargas. O responsável pela distribuição de terras da Cango, na região de Pinhal, era Marciano de Sá. Ele fazia viagens pela região no lombo de um burro, “o burro do Cango”, como era conhecido. Quando o senhor Marciano chegou, na localidade já residia Luiziano Rozário Borba e os Rutes.

Os Rutes eram uma comunidade religiosa que tinha como líder o senhor João Rute, uma espécie de curandeiro. Nesta comunidade havia mais ou menos setenta famílias e todas seguiam os princípios ensinados pelo senhor João Rute. Na época o local era chamado de Pinhal dos Rutes.

Com a chegada de novos moradores, principalmente o senhor Marciano de Sá e o senhor Alzemiro Motta, e devido ao conflito por causa da seita, os Rutes sentiram-se incomodados, pois não se adequavam aos costumes de outras comunidades. Eles viviam de caça, pesca, ervas e algumas produções de subsistência. Não eram permitidas criações de animais com casco partido, não vendiam seus produtos por dinheiro, realizavam escambo por objetos ou animais.

Os novos moradores queriam efetivamente criar um núcleo urbano, com igreja e escola. Então, os Rutes tomaram outro rumo e foram para o interior do município de Barracão por volta de 1954.

Eles, porém, cultivavam um pinheiro singular, que havia no local e possuía galhos formando uma cruz. Dizem que foi descoberto por Bento Monteiro, seguidor dos Rutes.

O senhor João Rute disse ao deixar a localidade, que aquele pinheiro não poderia ser derrubado e se alguém o fizesse iria ser amaldiçoado, assim como toda sua família.

E o lugar nunca mais iria se desenvolver. O pinheiro foi derrubado pelo senhor Algemiro Geittenes, depois que os Rutes abandonaram o local.

Depois de derrubado o pinheiro, o medo tomou conta da família do senhor Algemiro, a sensação de que coisas sobrenaturais rondavam a propriedade era frequente. A  situação foi se tornando insuportável, até que resolveram mudar-se do local.

Coincidência ou não, depois de alguns anos Algemiro foi morto numa briga em uma festa.

Fonte:
Renato Augusto Carneiro Jr (coordenador). Lendas e Contos 
Populares do Paraná.
Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005.

Estante de Livros (Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa)

Artigo “As Veredas do Grande Sertão”, por Jaqueline Machado

“Só se pode viver perto de outro e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura. O nome de Diadorim, que eu tinha falado, permaneceu em mim. Me abracei com ele. Diadorim, meu amor! Como posso explicar o poder do amor que eu criei, minha vida o diga: Diadorim tomou conta de mim. E, eu o abracei com as asas de todos os pássaros.”

Com esse belíssimo trecho do célebre livro: Grande Sertão: Veredas, de 1956, do escritor mineiro, João Guimarães Rosa, dou início a um breve desabafo, o qual retiro agora de minhas entranhas, para falar desta obra. Grande Sertão não foi escrito para ser apenas lido, mas sentido ... Caso contrário, quase nada será compreendido.

Não tive tantas dificuldades em me familiarizar com a sua mensagem, já que se trata de certos assuntos comuns à minha pessoa. Quem me conhece sabe o quanto me dedico a tentar desvendar as questões sobre o Bem e o Mal que circundam o nosso mundo externo e interior.

“- Nonada”, com essa palavra, que equivale a algo como: “: Que nada” ou “Nada disso” que dá início à narrativa do protagonista, um senhor de idade avançada, que literalmente do nada, passa a contar suas aventuras a um forasteiro, começo o meu relato sobre o livro:

Aos 14 anos, Riobaldo ficou doente e sua mãe fez promessas para o filho ficar bom. Quando o menino voltou a se sentir saudável, foi avisado por sua mãezinha de que precisaria ficar no porto do Rio de Janeiro, esmolando. Um pouco do dinheiro que conseguisse seria para pagar uma missa, e a outra parte que sobrasse deveria ser colocada numa cabaça para descer o rio São Francisco abaixo até chegar a um santuário.

No decorrer da missão, ele avista um jovem de expressão suave e olhos verdes, sentado debaixo de uma árvore, pitando um cigarro. Os dois ficam amigos. O menino de expressão doce, compra queijo e rapadura e o convida a um passeio pelo rio. Em certo momento, Riobaldo começa a temer as fortes correntezas. É quando o amigo diz: “Tem que atravessar. É preciso ter coragem”. Durante o trajeto, essa frase é repetida três vezes como se fosse uma prece ou um mantra de proteção.

Ao completarem a travessia, sentam em um matagal cheio de bambuzais. E, ali comem o queijo e a rapadura, aspirando uma certa solenidade divina. Aquela refeição nos remete a uma espécie de festim sagrado, que celebra a “travessia da vida”. Riobaldo queria cruzar o caminho por uma margem mais simples, mas o novo amigo o fez entender que é preciso exercitar a coragem para estar preparado, pois quando a vida inventa de exigir que se faça um sacrifício, não costuma amenizar o problema.

Os rios possuem três margens: a da embarcação, a da chegada e a do fundo que estrutura as águas. Assim é com nossas vidas, entre o nascimento e a morte: há o meio. O transcorrer de nossas vontades. E o cumprimento, em si, da missão que nascemos para cumprir.

No entanto, por falta de coragem, nós, seres humanos, em sua maioria, nascemos, crescemos, procriamos e morremos sem passar pelas grandes aventuras ou pelos grandes sertões, veredas da vida. Isso acontece, porque fazer escolhas e superar os medos é difícil. É como diz outra frase famosa do livro: “Viver é muito perigoso”...

O protagonista da história bem sabia de tudo isso. Cresceu, virou jagunço, viu coisa que até o “demo” duvida. Ele próprio já fizera coisas erradas e até um pacto com o “coisa ruim”, que na verdade, ninguém sabe ao certo se foi efetuado ou não. E hoje, envelhecido, vive a filosofar sobre a existência.

Na busca pela compreensão da vida, observa a natureza e se utiliza de todas as religiões. Eis aí, vestígios de culpa... O velho protagonista sempre foi homem matuto, mas o tempo a sobrar em sua velhice lhe despertou imensa curiosidade e profunda sabedoria.

Sobre as existências ele diz:
Se o diabo existe? Se existe é nos crespos do homem. (no interior). Pois, como pode o homem ser bom e ao mesmo tempo capaz das maiores atrocidades?...
Ainda refletindo sobre o que existe ou não existe. Cachoeira, é barranco de chão e água caindo, por ele retumbando. Consumindo a água ou desfazendo o barranco, sobra cachoeira alguma. Então, cachoeira existe ou não existe? “Viver é um negócio muito perigoso
”.

Continua ele no transcorrer dos assuntos: “Tudo me quieta, me suspende. Qualquer sombrinha me refresca. Mas é muito provisório. Eu queria rezar o tempo todo”. E para encerrar, a frase na qual reconheci a mim mesma e que me fez chorar ... “ Por toda minha vida pensei por mim. Forro! Sou nascido diferente. Eu sou é eu mesmo. Diverjo de todo mundo. Eu quase que nada sei, mas desconfio de muita coisa..."

Nesse diálogo de infinitas sapienciais, pude apenas escolher alguns trechos para dizer: João Guimarães Rosa, ao sentar para escrever este livro, tinha como missão despertar nossas almas para sermos o que realmente somos. Sem temores...Não fazendo como o próprio Riobaldo, que apesar de se considerar forro, passou a vida relutando contra o amor que sentia pelo amigo, também jagunço, que futuramente veio a se chamar Diadorim.

Há, mas Diadorim era mulher vestida de homem... No entanto, apenas sua alma sabia disso. Por temer a travessia, só pode abraçá-la com as asas de todos os pássaros quando os olhos de seu amor haviam se fechado para a vida. E o seu tempo para amar havia se encerrado.

Fonte:
Texto enviado por Jaqueline Machado.

domingo, 1 de agosto de 2021

Varal de Trovas n. 517

 

Lourenço Diaféria (As aventuras de um ciclista urbano)

Sensível ao apelo do governo para economizar gasolina e, no íntimo, coagido pela insuficiência da verba para combustível (nesta altura do orçamento já plenamente comprometida), não lhe restou outro recurso senão adotar a bicicleta.

Chamou a mulher de lado, confidenciou: - Prepara minha sunga esportiva; amanhã vou trabalhar de selim e guidão.

Estava um pouco destreinado. Faltava-lhe o equilíbrio dos velhos tempos e, para evitar o fiasco diante dos vizinhos, saiu de casa às 5 da matina.

Cruzou com o leiteiro. Quis fingir que não viu, mas sem resultado:

- Força, doutor. No começo a gente padece mesmo. No fim é moleza.

Ficou em dúvida se pegava a Avenida Heitor Penteado ou se descia pela Água Branca. Lembrou-se da subida da Pompéia, não ia aguentar o repuxo. Melhor não arriscar.

Escolheu as ruas mais planas, no sexto quarteirão já bufava. Respirou fundo, enchendo os peitos. Desembocou a custo nas Perdizes em frente ao Elevado Costa e Silva - o tal de Minhocão. Mentalmente mediu o percurso, nem lhe passou pela ideia que é proibido o trânsito de ciclistas no elevado.

Quando deu fé, já estava nele. Atrás de si, a fila de carros. Por cautela, conservava a direita, mas a providência não lhe poupou o dissabor de algumas diatribes. Um sujeito barbudo,  dirigindo um fusca, chamou-o de molenga. Outro lhe mostrou a língua, em atitude altamente obscena. E até uma mulher se julgou no direito de desacatá-lo: - Folgado, hein, cara!

Por um momento sentiu a tentação de saltar lá de cima, com bicicleta e tudo, mas o senso do dever, o espírito cívico e o apelo governamental estimularam-no a prosseguir pedalando.

Na altura da Praça Marechal Deodoro encarou a estátua de Pereira Barreto, e a copa verde das árvores onde os pardais pareciam acompanhar seu esforço hercúleo. Pouco a pouco suas pernas amoleciam. Uma dor aguda percorria-Ihe  o cangote, descia até o tendão-de-aquiles, e ele teve a impressão de que ia fazer xixi.

Só quem passou por essa experiência sabe o que é isso. Lembrou-se dos filhos, da família, de seus antepassados. E súbito, ocorreu-lhe a ideia: pôs-se a assobiar o Hino Nacional.

Esse expediente trouxe-lhe algum conforto, mas os pedais - certamente mal lubrificados - opunham crescente resistência ao movimento de suas juntas.

- Vai, ciclista das arábias!

O berro ecoou no Minhocão como uma afronta. Era demais. Mesmo considerando sua fina educação, forçoso responder à altura:

- Das arábias é a mãe!

Aliviado, percebeu o desvio à direita. Tomou o rumo do Arouche, pegou a Vieira de Carvalho - onde há aquele índio de cócoras - e saiu triunfalmente na Praça da República.

Olhares intrigados fixavam-no. Crianças acenavam  os lenços. O semáforo estava vermelho; ele aproveitou para descansar o pé direito no asfalto e adivinhou que estava prestes a desmaiar. Iria cair ali mesmo, como um pedaço de chumbo. E não o arrancariam dali nem amarrado. Uma velhinha de preto chegou-se delicadamente, indagando onde ficavam os Correios e Telégrafos: queria pôr uma carta para Botucatu, urgente.

Ele tentou explicar, mas as palavras engrolavam como um bolo na garganta. Tentou cuspir, mas não havia saliva. Do nariz escorria lama grossa, dessas que os barbeiros usam para massagear o rosto dos fregueses e evitar rugas. Seu coração palpitava. Ardiam-lhe os pulmões. Suas nádegas estavam adormecidas.

A velhinha percebeu seus olhos vidrados, condoeu-se, ofereceu-lhe uma balinha de hortelã-pimenta.

Quando o semáforo abriu, ele tentou arrancar na bicicleta, mas o ar escureceu. Relâmpagos cruzavam o espaço, explodiram trovões em sua cabeça, ele rodopiou, caiu sentado perto do bueiro. Um rato saltou de banda, lépido.

Ninguém se aproximou, pensando tratar-se de um caso comum de morte natural. O guarda de trânsito trilou o apito, ordenando que se levantasse, estava atrapalhando o livre escoamento dos veículos. Ofegante, garganta áspera, sentia-se um perfeito miserável entregue às baratas. Só emergiu da névoa quando recebeu das mãos do homem-da-lei a notificação de multa por estacionamento em local proibido. Em vão procurou explicar que não tinha estacionado: tinha pifado.

Com a lei não se argumenta.

Montou novamente na bicicleta, trôpego, sonado, à deriva: desguiou pela direita, entrou na São Luís, bateu num ônibus, atropelou uma galinha, subiu na ilha, derrapou na calçada, trombou com um poste, rasgou a saia de uma garota, tirou uma fina no carro-tanque do corpo-de-bombeiros, atrapalhou uma ambulância, desacatou um guarda-rodoviário que estava largando o serviço, e entrou num bar da Praça João Mendes. Tudo sem desmontar da bicicleta.

Foi posto para fora a pescoções, caiu no buraco da estação do metrô da Praça Clóvis, um fiscal autuou-o por poluir a cidade com o suor que escorria pelas pernas - mas felizmente conseguiu chegar a seu destino na Rangel Pestana,  a tempo de assinar o ponto na repartição competente.

Como, porém, estivesse com a camisa rasgada, o paletó sem a manga direita, ligeiras escoriações por todo o corpo e de sunga, recebeu ordem superior para retirar-se, sob pena de abertura de inquérito administrativo de acordo com os estatutos em vigor.

Desagradável, sem dúvida. Mas um ciclista não se faz num dia. De qualquer forma, solicita aos cidadãos desta cidade que, se algum encontrar suas calças (que devem ter ficado no trajeto entre a Rua das Palmeiras e o Edifício da Fazenda), queira por obséquio entregá-las na Rua da Alegria.

Dependendo do estado das calças, estuda-se módica gratificação.

Fonte:
Lourenço Diaféria. Um Gato na Terra do Tamborim. 
SP: Símbolo, 1977.

Fabiano Wanderley (Glosas) – 2

ENTRE ESPINHOS, NASCEM FLORES,
DAS FLORES, NASCEM, FRAGÂNCIAS.


Entre ódios, nascem amores,
nos surpreende, acontece,
O inesperado, aparece,
entre espinhos, nascem flores.

Para sanar suas dores
e atender às suas ânsias,
lute, não meça distâncias,
as rosas, dão seu recado;
— Mesmo tendo, o espinho ao lado,
das flores, nascem, fragrâncias.
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JUVANKLIM DO PEITO EXTRAI,
ACORDES DO CORAÇÃO.


Quando a música, o abstrai,
ele expõe seu sentimento
e a essência do seu talento,
Juvanklim do peito extrai.

Seu esmero, sobressai,
quando enfim, a inspiração
trás, na bela execução
das mãos de seda, do autor,
suaves toques de amor,
acordes do coração.

(Ao grande amigo, este excepcional médico, instrumentista e compositor, Doutor João Juvanklim, minha sincera homenagem.)
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MINHA LENINHA É DEMAIS!
CADA CANTO É UMA VASSOURA


Ninguém faz, como ela faz,
seu trabalho é uma oração;
o seu termo é a perfeição,
minha Leninha é demais...

Toda limpeza lhe apraz,
no jardim, usa a tesoura,
a casa inteira ela doura,
varre e limpa, todo o chão
e pra aguentar seu rojão,
cada canto é uma vassoura!
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SE A CASA É DE MULHER FEIA,
LÁ NÃO HÁ DESCONFIANÇA.


O ciúme não campeia,
não se fala em mexerico,
nem traição, nem fuxico,
se a casa é de mulher feia.

E se alguém, a enlameia,
o faz por simples vingança,
pois, com toda vizinhança,
não há estremecimento,
ninguém faz enxerimento,
lá não há desconfiança.
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SE TODO MUNDO, CANTASSE,
QUE BOM SERIA O VIVER.


Sanaria todo o impasse
desta gente, tão sofrida,
se amaria mais a vida,
se todo mundo cantasse.

Se este povo se irmanasse,
procurando se entender,
desfrutando, com prazer,
de tudo, que o canto traz,
alegria, amor e paz,
que bom seria, o viver.

Fonte:
Fabiano de Cristo Magalhães Wanderley. Versos Di Versos. 
Natal/RN, 2014.