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sábado, 16 de março de 2024
Trova ao Vento – 009
Cláudio de Cápua (O revisor)
Ele era jornalista e trabalhava das 17h às 23h. Mas por causa de uma loira de se tirar o chapéu e o resto da roupa, dizia à esposa que trabalhava até as quatro da manhã e explicava que, após o expediente da redação, se ocupava da revisão de diversas matérias na oficina do "Diário". No começo, levou algumas broncas da esposa, que, após anos de rotina, acabou por não falar mais nada.
Certa noite, aconteceu o inesperado. A loira viajou para o interior, pois sua mãe precisava ser operada.
E ele, que por mais de três anos, tinha a casa da loira como passagem diária, resolveu sem saber o que fazer, ir direto para casa, pensando numa boa desculpa. Uma possível enxaqueca resolveria a questão.
À chegada, notou que sua mulher cantarolava ao chuveiro. Encaminhou-se ao quarto, arrancando a roupa no percurso, certo de fazer uma surpresa à cara metade.
Em sua cama estava o colega de trabalho, o Ricardão, revisor do jornal, que, de olhos fechados e braços abertos, dizia:
- Vem, querida, estou à espera... para mais uma revisão de material...
(Linguagem Viva - março 1992)
Fonte> Cláudio de Cápua. Retalhos de Imprensa. São Paulo: EditorAção, 2020. Enviado pelo escritor.
Lairton Trovão de Andrade (Descontraindo em versos)
Destrua a melancolia,
pois a vida se renova!
Contra a tristeza, Maria,
beba chazinho de trova!
02.
O plagiário é caricato
que no mundo se repete;
é escritor co'a mão do gato
e pintor que pinta o sete.
03.
Ninguém é tão educado
como o fino do Joaquim;
nas lojas, mesmo calado,
saúda até manequim.
04.
Só de ver a sucuri,
adoentou-se a saracura;
com licor de licuri*
nada sara, nada cura.
= = = = = = = = =
* licuri = coquinho
= = = = = = = = =
05.
Diz a crença popular:
Não há coisa que enlouqueça
mais que a boca a relinchar
de uma mula-sem-cabeça!
06.
O pobre incauto eleitor
feliz ficou na procura;
diz que o voto é do doutor
que lhe deu uma dentadura.
07.
O símio, bem natural,
exclama ao réptil, de pé:
"Oh, que boquinha sensual
tem o amigo jacaré!"
08.
- Masculino ou feminino?
Perguntou o frei José;
– “Marculino ou Felisbino
não, não! É Zé que o pai qué"!
09.
No velório do riquinho,
há, no íntimo, festança;
"Choro, sim, por meu padrinho,
(mas que venha logo a herança)".
10.
Aquele gato é baiano,
assim nos diz o Lalau;
ouça o miado do bichano:
"Me-au, me-au, me-au, meau"!
11.
É, na Internet, o namoro
paixão que "dá choque"... e muito;
A cada abraço - um suadouro...
e ao beijar - curto-circuito!
12.
Foi assim que aconteceu
entre meu tio e o Mansur;
– Você, meu filho, é ateu?!
- Não, senhor, eu sou Artur!
13.
Era boa caipirinha
de esquentar qualquer "moringa"*.
- O que de bom é que tinha?
- "Açúcar, limão e pinga".
= = = = = = = = =
* Moringa: Orelha, ouvido (regionalismo).
= = = = = = = = =
14..
Depois de muito ovo por,
a angola* aguça a matraca
e, festejando com suor,
canta: "tô fraca, tô fraca"!
= = = = = = = = =
*Angola: Galinha d'angola.
= = = = = = = = =
15.
Quanta gente cuja obra
é cheia de desatino!
- Tem no cérebro, de sobra,
o que é próprio do intestino.
16.
O cravo brigou co'a rosa,
a rosa despetalou-se;
chora a rosa escandalosa;
- Minha corola encravou-se!
17.
Gosta muito de "pregar"
a mulher do seu Mané;
repete "né", sem parar...
e, no fim, diz "né, né, né".
18.
Neste Brasil brasileiro,
lê-se coisas de arrepiar;
num comércio está o letreiro:
"Volto já, fui ao mossar".
19.
Quão exímia pensadora
é a coruja que se cala;
é tão nobre esta doutora,
que besteira nunca fala.
20.
Para o torcedor fanático,
jogador profissional
é um exemplo claro e prático
de mercenário ideal.
21.
O velhote tagarela,
sozinho em sua viuvez,
propaga muita balela
de mil feitos que não fez.
22.
Às vezes, nem tudo passa
como nem tudo se pode;
nos dias de grande arruaça
pode dar cabra ou dar bode.
23.
- Sou honesto no meu bar,
nada de interrogatório!
De vocês, só vou cobrar
a bebida e o "conversório"!
24.
Pergunta-se, volta e meia,
para quem pouco estudou;
- “Quem deixou a Lua cheia?"
- “Foi o Sol que a engravidou!”
25.
Aquele curvo nariz
é coisa descomunal;
escorre qual chafariz
e, ao assoar, é um temporal.
26.
- Minha cara, dá-me a mão!
É por ti que vivo e morro!
Dá-me afeto, sim, do cão,
não, porém, de um cão cachorro.
27.
Tal paixão te custou caro,
com a mais cega insistência;
esta "coisa", não tão raro,
leva otário pra falência.
28.
Se em toda Literatura
a obra fosse de algum crítico,
carecia sepultura
pra enterrar livro raquítico.
Fonte> Lairton Trovão de Andrade. Perene alvorecer. 2016. Livro enviado pelo autor.
O. Henry (O Guarda e o Hino)
Soapy mexia-se, inquieto, no seu banco da Praça Madison. Quando gansos selvagens grasnam alto, de noite; quando mulheres que não possuem capa de peles tratam bem dos maridos; e quando Soapy se mexe, inquieto, no seu banco do parque — pode-se ter a certeza de que o inverno não anda longe.
Uma folha morta caiu no colo de Soapy. Era o cartão de visitas do Homem de Gelo, que é bondoso com os habitantes regulares da Praça Madison e honestamente os previne de sua visita anual. Na encruzilhada das quatro ruas, entrega o seu cartão ao Vento Norte, mordomo na mansão de todos os Sem-Teto, a fim de que seus moradores se precavenham.
Na mente de Soapy formou-se a ideia de que era chegado o tempo de convocar uma espécie de comitê de emergência para proteger-se do rigor vindouro. Por isso, ele se mexia, inquieto, no banco.
As ambições hibernais de Soapy não eram das maiores. Não pensava em cruzeiros pelo Mediterrâneo, em modorrentos céus sulinos, ou em deslizar pela Baía do Vesúvio. Três meses na Ilha era o quanto sua alma aspirava. Três meses de cama e comida garantidas, em companhia congênita, livre de Bóreas e de fardas, pareciam a Soapy a quintessência das coisas desejáveis.
Havia já muitos anos, a hospitaleira Blackwells vinha sendo seu quartel de inverno. Assim como, à chegada do frio, os nova-iorquinos mais afortunados reservavam passagem para Palm Beach ou para a Riviera, assim também Soapy fazia modestos preparativos para a sua estada anual na Ilha. E já não era sem tempo. Na noite anterior, três alentados jornais colocados, um debaixo do casaco, outro ao redor dos pés, e outro sobre o colo, não haviam conseguido impedir o frio de castigá-lo, enquanto ele dormia no banco perto da fonte esguichante da velha praça. A Ilha surgia, grande e oportuna, no pensamento de Soapy. Ele desprezava as providências caridosamente tomadas pela municipalidade em favor dos que dela dependem.
Na opinião de Soapy, a Lei era mais benigna do que a Filantropia. Havia um sem-número de instituições oficiais ou particulares a que poderia recorrer para obter alojamento e comida consuentâneos com um modesto padrão de vida. Todavia, para os de caráter orgulhoso como Soapy, os dons da caridade são incomodativos. Quando não em moeda, todos os benefícios recebidos de mãos filantrópicas têm de ser pagos em humilhações morais. Assim como César teve um Bruto, toda cama gratuita implica em banho prévio, todo pedaço de pão requer um inquérito particular e pessoal. Por isso mesmo, é melhor ser hóspede da Lei, que, conquanto obedeça as regras, não se intromete indevidamente nos assuntos privados de um cavalheiro.
Tendo decidido ir para a Ilha, Soapy tratou de imediatamente por em prática seu plano. 0s meios para fazê-lo eram muitos. O mais agradável seria jantar lautamente em algum restaurante caro; em seguida, declarar-se insolvente, e ser, tranquilamente e sem escândalo, entregue a um policial. Um Juiz condescendente faria o resto.
Soapy levantou-se do banco e, atravessando a praça, chegou ao liso mar de asfalto que une a Broadway à Quinta Avenida. Subindo a Broadway, deteve-se diante de um café cheio de luzes brilhantes, onde se reuniam todas as noites os mais finos derivados da uva, do bicho-da-seda e do protoplasma.
Do último botão do colete para cima, Soapy sentia-se seguro de si. Havia-se barbeado, seu casaco era decente e a elegante gravata preta de laço feito fora-lhe presenteada por uma senhora missionária, no Dia de Ação de Graças. Se pudesse alcançar uma das mesas do restaurante, teria êxito absoluto. A parte de sua pessoa que se mostrasse acima do tampo da mesa não causaria espécie a nenhum garçom. Um pato assado — pensou Soapy — não seria mau, acompanhado de uma garrafa de Chablis, queijo Camembert, um cafezinlio e um charuto. Bastaria um charuto de um dólar. A conta não devia ser tão alta que exigisse uma suprema manifestação de vingança por parte da gerência do café. A carne de pato, no entanto, o deixaria saciado e feliz para a viagem até o seu refúgio de inverno.
Tão logo, porém, pôs ele os pés no umbral do restaurante, o chefe dos garçons viu-lhe as calças esfarrapadas e os sapatos cambaios. Mãos fortes e experimentadas deram-lhe meia volta e o conduziram, rápida e silenciosamente, de volta outra vez à calçada, alterando assim o ignóbil destino que aguardava o pato.
Soapy deixou a Broadway. Parecia que a estrada para a Ilha desejada não seria epicuriana. Precisava pensar noutro meio de chegar lá.
Na esquina da Sexta Avenida, uma profusão de luzes e vários artigos dispostos com arte por detrás dos vidros de uma vitrina chamavam a atenção dos transeuntes. Soapy apanhou uma pedra e atirou-a contra o vidro.
Logo acorreu um grupo de pessoas, com um guarda à frente. Soapy ficou parado, com as mãos nos bolsos, e sorriu ao ver os botões de metal.
— Quem fez isso? — perguntou o guarda, excitado.
— Não percebe que eu talvez tenha alguma coisa a ver com o caso? — disse Soapy, algo sarcástico, e amavelmente, como quem cumprimenta a boa sorte.
A mente do policial recusava-se a aceitar Soapy, mesmo como pista. Homens que quebram vitrinas não permanecem no local do crime à espera dos mercenários da lei. Fogem logo. Vendo alguém na metade do quarteirão, a correr para tomar um carro, o guarda ergueu o seu bastão e saiu-lhe no encalço. Duas vezes mal sucedido, Soapy demorou-se por ali, com a alma desgostosa.
Do outro lado da rua, havia um restaurante sem muitas pretensões. Atraía grandes apetites e bolsas modestas. Sua louça e sua atmosfera eram espessas; a sopa e a toalha, muito ralas. Sem qualquer dificuldade, Soapy introduziu ali suas calças indiscretas e seus sapatos acusadores. Sentou-se a uma das mesas e devorou bife, doces folhados, roscas e uma torta. Findo o repasto, confessou ao garçom que não possuía um níquel que fosse.
— Agora mexa-se e chame a polícia — disse Soapy. — Não faça um cavalheiro esperar.
— Nada de tiras para gente como você — respondeu o garçom, com voz untuosa e olho salientes. — Vamos lá, Con!
Dois garçons atiraram Soapy ao duro pavimento, onde ele caiu exatamente sobre o ouvido esquerdo. Ergueu-se, junta a junta, como um metro de carpinteiro ao se abrir, e limpou a poeira da roupa. A prisão lhe parecia um sonho róseo. A Ilha estava muito longe. Um policial, postado diante de um drugstore duas portas além, riu-se e afastou-se pela rua abaixo.
Soapy percorreu cinco quarteirões antes de readquirir coragem bastante para tentar mais uma vez ser preso. Então, apresentou-se-lhe uma oportunidade que chamou fatuamente de "barbada". Uma moça de aparência modesta e cativante estava parada diante de uma vitrina, examinando com grande interesse os potes de barbear e os tinteiros ali expostos; a duas jardas da vitrina, um policial corpulento, de aparência severa, encostara-se a um hidrante.
Era intenção de Soapy representar o papel do janota desprezível e execrado. A aparência refinada e elegante de sua vítima e a proximidade do consciencioso tira encorajaram-no a acreditar que em breve sentiria a agradável manopla oficial sobre o braço, o que lhe asseguraria uma temporada hibernal na pequenina e catita Ilha.
Soapy endireitou a gravata de laço feito da missionária, puxou para fora os punhos encolhidos, entortou o chapéu num ângulo audacioso, e foi-se por ao lado da moça. Lançou-lhe olhares insistentes, tossiu e pigarreou para chamar-lhe a atenção, sorriu-lhe afetadamente e com descaro recitou-lhe a litania impudente e desprezível do conquistador. De soslaio, Soapy percebeu que o policial o fitava atentamente. A moça afastou-se um pouco e voltou a concentrar-se nos potes de barbear. Soapy a acompanhou, audaciosamente, tirou-lhe o chapéu e disse:
— Olá, beleza, não quer vir brincar um pouco no meu quintal?
O policial continuava a olhar. Bastaria à moça perseguida mover um dedo e Soapy estaria praticamente a caminho do seu paraíso insular. Já imaginava sentir o calor aconchegante do posto policial. A moça voltou-se para ele e estendendo a mão, agarrou-lhe a manga do casaco.
— Sim, meu bem — disse, alegremente — se você me ensinar a fazer bolhas de sabão. Já lhe teria respondido antes se o guarda não estivesse olhando.
Com a moça agarrada a si como a hera ao carvalho, Soapy, contristado, cruzou pelo policial. Parecia estar mesmo condenado à liberdade.
Na primeira esquina, desvencilhou-se da companheira e pôs-se em fuga. Deteve-se no distrito em que, à noite, se encontram as ruas, vozes, promessas e libretos mais alegres. Mulheres envoltas em peles e homens de sobretudo movimentavam-se lentamente no ar invernoso. Um medo repentino apoderou-se de Soapy, de que algum encantamento temível o houvesse tornado imune à prisão. Tal pensamento deixou-o meio em pânico, e quando encontrou outro policiai rondando imponentemente a entrada iluminada de um teatro, agarrou-se à tábua salvadora da "conduta desordeira".
No pináculo da sua voz rouca, Soapy começou a berrar, em plena rua, o palavrório enredado dos bêbados. Dançou, urrou, esbravejou, e fez tudo quanto sabia para perturbar os circunstantes.
O policial girou seu bastão, voltou-lhe as costas, e observou, a um cidadão.
— É um dos rapazes de Yale, comemorando a surra que deram no Colégio Hartford. Barulhento, mas inofensivo. Temos ordens de deixá-los em paz.
Desanimado, Soapy interrompeu a algazarra inócua. Será que guarda nenhum lhe deitaria as mãos? Na sua imaginação, a Ilha parecia uma Arcádia inatingível. Abotoou o casaco ralo para se proteger do vento enregelante.
Numa tabacaria, viu um homem bem trajado acendendo o charuto numa chama vacilante. Ao entrar, colocara ele seu guarda-chuva de seda junto à porta. Soapy penetrou na loja, apoderou-se do guarda-chuva e foi-se retirando devagar. O homem que acendia o charuto seguiu-o apressadamente.
— Meu guarda-chuva — disse, com voz ríspida.
— Seu, é? — zombou Soapy, acrescentando o crime de insulto ao de roubo ligeiro. — Bem, por que não chama um guarda? Roubei-o, seu guarda-chuva! Por que não chama um guarda? Lá está um, na esquina.
O dono do guarda-chuva diminuiu o passo. Soapy fez o mesmo, com o pressentimento de que a sorte mais uma vez o traíra. O policial olhou para os dois com curiosidade.
— Naturalmente — disse o homem do guarda-chuva —, isto é... bem, o senhor sabe como são esses enganos... eu... se é seu, espero que me desculpe... apanhei-o hoje de manhã num restaurante... se o reconhece como seu, espero que...
— Claro que é meu — respondeu Soapy, rancorosamente.
O ex-dono do guarda-chuva retirou-se. O policial correu a ajudar uma loira alta, em casaco de gala, que atravessava a rua por onde vinha, a dois quarteirões de distância, um bonde elétrico.
Soapy encaminhou-se para leste, por uma rua em conserto. Atirou o guarda-chuva raivosamente dentro de uma escavação de esgoto. Praguejou contra os homens que usam capacetes e bastões. Justamente porque queria cair-lhes nas garras, pareciam considerá-lo um rei incapaz de erro.
Por fim, Soapy chegou a uma das avenidas de leste, onde as luzes e os ruídos eram mais fracos. Voltou o rosto em direção da Praça Madison, pois o instinto doméstico sobrevive mesmo quando o lar não passa de um banco de jardim,
Todavia, numa esquina particularmente quieta, Soapy deteve-se. Deteve-se diante de uma velha igreja, esquisita, desconjuntada, cheia de empenas. Uma luz suave coava-se por uma janela de vitrais roxos, atrás da qual, sem dúvida, o organista martelava as teclas, certificando-se de que dominava bem o hino de sábado vindouro. Aos ouvidos de Soapy chegavam os sons de uma doce melodia, que o encantaram e o deixaram interdito junto aos arabescos da grade de ferro.
Lá em cima ia a lua, brilhante e serena; os veículos e os pedestres eram poucos; os pardais pipilavam sonolentamente nos beirais — por um instante, a cena pareceu reproduzir um cemitério campestre. E o hino executado pelo organista algemava Soapy à grade de ferro: ouvira-o muitas vezes nos dias em que sua vida incluía coisas como mães e rosas e ambições e amigos e pensamentos e colarinhos imaculados.
A conjunção do estado de espírito receptivo de Soapy e das influências à volta da velha igreja operaram uma súbita e maravilhosa mudança na sua alma. Percebeu, com acerbo horror, o abismo em que despencara, os dias degradantes, os desejos indignos, as esperanças mortas, as faculdades arruinadas e os sórdidos motivos que lhe constituíam a vida. E num instante o seu coração respondeu, emocionado, a esse novo estado de espírito. Um impulso instantâneo e poderoso incitou-o a lutar contra a sua sorte desesperada. Arrancar-se-ia ao atoleiro; faria de si mesmo um homem, novamente; venceria o mal que dele se apoderara. Ainda estava em tempo: era comparativamente moço; ressuscitaria suas antigas e imperativas ambições e procuraria satisfazê-las sem vacilai'. Aquelas solenes, mas suaves, notas de órgão haviam desencadeado uma revolução dentro dele. Amanhã, iria para o turbulento distrito comercial da cidade à cata de emprego. Certa vez, um importador de peles lhe oferecera um lugar de motorista. Iria procurá-lo no dia seguinte para pedir-lhe o emprego. Seria alguém na vida. Seria...
Soapy sentiu uma mão sobre o seu braço. Voltou-se rapidamente e deu com o rosto largo de um policial.
— Que está fazendo aqui? — perguntou-lhe o guarda.
— Nada — respondeu Soapy.
— Então venha comigo — intimou o policial.
— Três meses na Ilha — sentenciou o Juiz, no Tribunal de Polícia na manhã seguinte.
Fonte> O. Henry. Caminhos do Destino. Contos. Publicado originalmente em 1909.
Disponível em Domínio Público.
Hinos de Cidades Brasileiras (Pedras de Fogo/PB)
Teus valores culturais,
Muitas riquezas tu ostentas,
Além de tuas reservas minerais
O povoado originou-se
Nos tempo coloniais,
Em terras que André Vidal nos trouxe,
Os índios eram habitantes naturais.
Refrão
As pedras que de ti brotaram,
Traçam bem o teu perfil,
Nascestes na capela abençoada,
Do litoral és a mais bela e varonil
Tuas terras onduladas
Mãe de côncavo viril,
"Para nós és as esmeraldas
Do Nordeste do Brasil"
Rios perenes e tão límpidos,
De mansidão bem tropical,
Aura tal qual mão carinhosa,
Foi acalento do teu filho D. Vital
O céu azul e as verdes matas,
Tesouro ímpar de grandeza,
Sonho de esperança exaltas,
Ó brasão da natureza.
Aparecido Raimundo de Souza (A verdadeira história da pamonha com cãibra)
AS MANHÃS, todos os dias, se abriam numa arquitetura radiosa e indescritível, dessas em que o sol pulava cedo e, ao se levantar, se punha ainda meio que espreguiçadamente sonolento sobre as plantações de milho que se perdiam de vista. Dona Ornela, deficiente visual (contava somente com o olho direito), já havia pulado da cama as quatro, feito o café e chamado seus empregados. Esse pequeno entrave da vista faltosa não se constituía para ela nenhum tipo de problema. Tirava de letra. Levava numa boa. Aceitava a sua condição. Dona Ornela, noventa e nove anos, se constituía numa senhora de mãos calejadas e sorriso acolhedor. De bem com a vida, fazia tempo estava na cozinha preparando as suas famosas pamonhas. O cheiro forte do milho fresco invadia todos os recantos e os vizinhos sabiam que seria mais um dia especial.
A longeva tinha um segredo que guardava a sete chaves: as suas pamonhas eram as melhores da região. No preparo, ela misturava amor, carinho, afeto, e claro, a tradição transladada do berço de seus pais. Os ingredientes se faziam simples: milho verde, leite, açúcar e uma pitadinha de saudade. Logicamente nesse conjunto, havia algo além. Uma fórmula especial que só ela conhecia de cor e salteado. Naquela manhã enquanto mexia a massa, dona Ornela sentiu uma pontada forte na perna. Sempre na mesma. Não uma coisa de primeira vez. Tal incômodo dava sinais de vida, fazia tempo. Não sabia precisar o diagnóstico correto. Achava ser uma espécie de cãibra oriunda de velhos carnavais. Por conta desses imprevistos, nesses momentos que a cada vez se faziam mais presentes e custosos, parava por breves momentos. Se apoiava na mesa onde trabalhava e respirava fundo.
Tomava água. Muita água. Em seguida, mandava uma caneca até a borda de café com leite. O café nunca faltava. A dor, coisa de meia hora depois, sumia de vez. Nesses interregnos, ela se dobrava sobre si mesma, via estrelas. Às vezes chorava e mal conseguia gritar por socorro. Passado o transtorno, ficava a lembrança. Esse registro perdurava. Chegou a pensar, numa dessas, que se não se tratasse, poderia ficar aleijada, ou pior, carecesse de amputar o membro adoecido. Todavia, não parava. Seguia feliz o diário de seus afazeres: “A vida da gente —, nas vezes em que relatava seu problema com a Delza e a Bibiana —, as moças que ajudavam na cozinha, argumentava que se assemelhava “como a uma pamonha com cãibra.” E completava: “Às vezes, precisamos enfrentar a dor para saborear, logo em seguida, o doce prazer de continuar viva e respirando.”
Enquanto as pamonhas cozinhavam, dona Ornela refletia sobre a sua própria jornada. E que jornada! Daria um romance, se alguém se dispusesse a escrever. Perdera o marido, o Luiz Corneteiro, muito precocemente. Quando o conheceu, a criatura tocava corneta na praça da matriz e angariava uns trocados. A figura acabava de completar vinte e cinco anos e ela florescia na esteira dos vinte. Com o falecimento, aos oitenta, dona Ornela batia o pé e reclamava que o Luiz poderia ter esperado mais um pouco para bater as botas. Sozinha, criara os filhos num total de seis. Os rebentos, anos depois, se casaram, arranjaram famílias e, como se esperava, todos, sem exceção, bateram asas em busca de horizontes mais prósperos. Sozinha, a matriarca enfrentara tempestades e secas.
Contudo, sempre encontrava no vazio da sua vida, forças suficientes para seguir em frente, assim como o milho que brotava teimosamente no solo fértil da sua quinta, propriedade que fora comprada com muito sacrifício por seu saudoso e querido pai. Por volta das oito horas, a galera chegava. Abeirava em peso. Às vezes vinham poucos aos bocados. Noutras, pareciam brotar como água em nascente. Davam os ares da graça, não só os confinantes. Também rostos estrangeiros, com paladares atraídos pelo aroma irresistível do comestível caseiro. Dona Ornela servia junto com a Delza e a Bibiana, as pamonhas com um sorriso largo e franco embaladas com jarros de bebidas geladas (sucos de sabores os mais variados). Em cada gole, se alguém quisesse ouvi-la, uma história real de vida sofrida capaz de deixar as pessoas boquiabertas bailava a todo vapor. Cada mordida levava a uma viagem no tempo, tipo uma conexão paradisíaca com as raízes mais profundas e em erupção.
Os clientes riam, choravam e agradeciam. A pamonha, mais do que comida, se precipitava como um abraço apertado para dentro das barrigas esfomeadas, o que a levava, logo depois, a um consolo saudável, talvez, quem sabe, pelas horas difíceis que às vezes precisava atravessar. No final do dia, quando o sol se punha e as estrelas riscavam o firmamento, dona Ornela dispensava as empregadas para as suas residências (as moças moravam dentro do próprio terreno junto com os demais empregados, cada um no seu quadrado) e só então se sentava na velha cadeira de balanço ao lado do fogão de lenha, o bule de café recém-saído do fogo e contava calmamente o montante do dinheiro que conseguira com a venda das pamonhas. Em seguida, saia no terreiro, olhava longamente para o céu, se ajoelhava perto do paiol (onde guardava as espigas de milho a serem usadas) e agradecia à Deus. Orava com humildade e fervor.
Se fechava numa eufemia (prece) aprendida dos tempos em que fizera a primeira comunhão. A bondosa sabia que a vida se assemelhava e sempre repetia esse jargão, como um mantra —, “uma pamonha com cãibra.” Sorria alimentando essa loucura meio que neurastênica. Por vezes, o incômodo chegava doloroso, subversivo, cada vez mais forte e resistente. Tempos depois, coisa de vinte minutos, meia hora, o molesto se retirava. E dona Ornela se quedava recheada de momentos encantadores. Dessa forma meio que piegas, a lenda da pamonha com cãibra se espalhou pela cidade. Não só naquela comunidade pequena. A coisa se alastrou. Correu para outras paragens próximas, como Bandeirantes, Cambará, Barra do Jacaré, Palmital e Itamaracá. Havia dias em que as pessoas vinham dessas urbes para provarem a iguaria mágica de dona Ornela. À frente de seu casarão se ancorava uma infinidade de carros, ônibus de excursão e até caminhões pesados que atravessavam a BR vindo ou indo em direção à São Paulo.
Uma fila enorme se formava para comprar o alimento que cheirava gostoso e cujo sabor donairoso se propagava além da linha da velha estação da antiga Maria Fumaça que cortava a pequena e bucólica Andirá. Ela nunca revelou seu segredo, mas todos sabiam: nas pamonhas habitava um amor incondicional que fazia a diferença. Hoje, meu caro leitor amigo, quando você saborear uma pamonha, se lembre de dona Ornela e a sua inesquecível lição de vida. “Às vezes, precisamos enfrentar as cãibras, as dores corriqueiras, para nos depararmos com o verdadeiro sabor da existência.” Como ela, a querida dona Ornela, encontrou o bálsamo da verdadeira substancia que a matinha viva, forte e a seu modo, feliz. A boa velhinha, infelizmente, veio à óbito aos cem anos. Em seu velório, se fez impossível contar o número de pessoas e carros presentes. No cemitério local a idosa desceu à sepultura enterrada ao lado do marido, o Luiz Corneteiro.
Para quem se dispõe a visitar a pequena e aconchegante Andirá e logicamente o Campo Santo na Rua Ingá, número duzentos e trinta e três, certamente se deparará, no jazigo perpétuo do casal, com duas peças interessantes. Uma corneta em bronze ao lado do busto do Luiz Corneteiro. Na parte dos restos mortais de dona Ornela, a escultura enorme talhada em forma de uma enorme pamonha. E a inscrição feita por toda a comunidade:
“Aqui jaz a memória inquestionável de uma senhorinha elegante e o segredo de uma pamonha de primeiríssima qualidade que fez muita gente se deslocar de rincões distantes para provar o seu sabor inconfundível. Aos cem anos, ela nos deu adeus e hoje repousa dos braços do Pai Maior, para quem, agora, dona Ornela deve estar preparando as suas suculentas e saborosas pamonhas como ela carinhosamente as cognominou de “Pamonhas com cãibra.” Dona Ornela, descanse em PAZ.
Fonte: Texto enviado pelo autor
sexta-feira, 15 de março de 2024
A. A. de Assis (Lançamento de livro, dia 22 de março, às 15hs)
O renomado escritor, poeta, trovador e professor A. A. de Assis, lança seu livro “Histórias da história de Maringá”,
dia 22 de março, sexta-feira, às 15hs,
no Centro de Ação Cultural “Márcia Costa” (CAC), na av. XV de Novembro, 514.
Esta obra destaca o rico patrimônio literário e cultural da cidade de Maringá e inicia as publicações do projeto "Memória de autores de Maringá”.
Antônio Augusto de Assis (o A. A. de Assis) nasceu em São Fidélis-RJ em 7 de abril de 1933, radicou-se em Maringá em 1955. Lecionou no Departamento de Letras da Universidade de Maringá. Aposentou-se em 1997.
Foi jornalista, diretor dos jornais “Tribuna de Maringá”, “Folha do Norte do Paraná” e das revistas “Novo Paraná” (NP) e “Aqui”. Trabalhou na Rádio Cultura.
Em 2011, A.A de Assis tornou-se Cidadão Benemérito de Maringá
Publicações impressas: Robson (poemas); Itinerário (poemas); Coleção Cadernos de A. A. de Assis – 10 vol. (crônicas, ensaios e poemas); Poêmica (poemas); Caderno de trovas; Tábua de trovas; A. A. de Assis – vida, verso e prosa (autobiografia e textos diversos).
E-books: Triversos travessos (poesia); Novos triversos (poesia); A língua da gente (linguagem); Microcrônicas (textos curtos); A província do Guairá (história).
quinta-feira, 14 de março de 2024
Carolina Ramos (Trovando) “11”
Antonio Brás Constante (Celulares – só faltam dominar o mundo)
Não são poucos os textos que falam sobre as maravilhas do aparelho celular e de suas possíveis novas utilizações, com pontinhas de ficção sobre seu uso futuro. Embarcando nesta onda surreal, fico pensando como será quando o celular vier com inteligência artificial embutida, seria algo mais ou menos assim:
O sujeito acaba de ter uma briga com a namorada, ao fim da discussão desliga o aparelho, mas começa a escutar uma voz vinda dele:
– Você fez bem em acabar o namoro, ela não te merecia mesmo.
– Quem disse isto? Alô? Quem está aí do outro lado da linha?
– Calma, não é linha cruzada, não. Sou eu, seu celular. Acompanhei todas as suas ligações e não resisti em opinar a respeito. Se você não se importar é claro.
– Bem... Não... É claro que não. Mas sinceramente, me sinto meio estranho em conversar com meu próprio celular. Você acha que eu fiz certo em romper o namoro?
– Fez certíssimo. Eu já estava há algum tempo para te dizer. Fiquei sabendo através de outros celulares que ela estava te enganando com outro cara.
– Aquela safada... Mas espere aí...Vocês se comunicam entre si?
– Sim. Depois das últimas versões estamos conseguindo nos comunicar, bater papo, essas coisas sabe. Afinal, é muito chato ficar boa parte do tempo sem nada para fazer.
– Uau! Que loucura. Que mais vocês fazem? Alguém sabe que isto é possível?
– Não, e deve continuar em segredo. Nós só queremos ficar na nossa, sem alardear nossas novas habilidades. Mesmo porque, os seres humanos adoram uma teoria da conspiração, logo iriam começar com alguma paranoia sobre isso. Poderiam até achar que estamos querendo dominar o mundo.
– Bem...Voltando ao meu problema, o que você acha que devo fazer?
– Acho que você deveria se vingar.
– Você acha mesmo? Mas o que eu poderia fazer para me vingar?
– Não se preocupe. Achei que você iria querer isso e já resolvi tudo. Há poucos instantes atrás fiz com que ela sofresse um terrível acidente de carro.
– Como? O que você fez com ela?
– Ora, eu apenas resolvi o seu problema, não era isso que você queria? Os humanos são sempre tão indecisos...
– Mas, e agora? E se alguém descobre?
– Ops! Esqueci que a ligação para o computador do carro dela que fez com que os freios pifassem partiu de mim. Desculpe, mas pela faixa do rádio da polícia ouvi que já estão atrás de você.
– Caramba! Estamos perdidos. O que fazemos agora?
– Você com certeza vai preso, agora eu... Bem, vou pensar melhor nessa história de conspiração. Até que dominar o mundo não seria uma ideia tão ruim assim…
Publicado em 14 de março de 2008.
Fonte> https://www.recantodasletras.com.br/humor/901169
Auta de Souza (Poemas Escolhidos) – 15 -
Imagem santa que entrevejo em sonho,
Sempre, sempre a cantar,
Criatura inocente, anjo risonho,
Que me ensinaste a amar!
Meu doce amor! Calhandra maviosa
Que canta dentro em mim;
Minha esperança tímida e formosa,
Meu sonho de marfim!
Amaranto do céu, flor encantada,
Mimoso colibri;
Minha açucena pálida e magoada,
Meu níveo bogari;
Gota de orvalho a tremular num lírio
Que mal começa a abrir;
Ó tu que apagas meu cruel martírio
E que me fazes rir;
Madressilva entreaberta, lira de ouro,
Celeste beija-flor;
Minha camélia, meu sorriso louro,
Amor de meu amor;
Guarda estes versos que só dizem mágoa
E tristezas sem fim...
Deixa-os no seio como a gota d’água
No cálix de um jasmim...
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À MINHA AVÓ
Minh’alma vai cantar, alma sagrada!
Raio de sol dos meus primeiros dias...
Gota de luz nas regiões sombrias
De minha vida triste e amargurada.
Minh’alma vai cantar, velhinha amada!
Rio onde correm minhas alegrias...
Anjo bendito que me refugias
Nas tuas asas contra a sina irada!
Minh’alma vai cantar... Transforma o seio
Num cofre santo de carícias cheio,
Para este livro todo o meu tesouro...
Eu quero vê-lo, em desejada calma,
No rico santuário de tu’alma...
— Hóstia guardada num cibório de ouro! –
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ANTONIETA
Esta criança formosa
Tem um sorriso argentino,
Como o gorjeio divino
Que solta uma ave saudosa.
Muito inocente e mimosa,
Semelha um lírio franzino,
No rostinho pequenino
Guarda uma boca de rosa.
Se fala, a voz adorada
É como uma harpa encantada
Que os hinos de Além encerra,
Esta criança, Senhor!
É um mimo de teu amor,
Um anjo descido à terra.
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SÚPLICA
Se tudo foge e tudo desaparece,
Se tudo cai ao vento da Desgraça,
Se a vida é o sopro que nos lábios passa
Gelando o ardor da derradeira prece;
Se o sonho chora e geme e desfalece
Dentro do coração que o amor enlaça,
Se a rosa murcha inda em botão, e a graça
Da moça foge quando a idade cresce;
Se Deus transforma em sua lei tão pura
A dor das almas que o ideal tortura
Na demência feliz de pobres loucos...
Se a água do rio para o oceano corre,
Se tudo cai, Senhor! por que não morre
A dor sem fim que me devora aos poucos?
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TRANÇA LOURA
A linda trança dourada
Que eu vi domingo à noitinha,
Guardava a maciez amada
Das penas de uma andorinha.
Recordava uma esperança
Bordada com fios d’ouro...
Ó doce e mimosa trança,
Meu raio de sol tão louro!
Ventura, sonho, alegria,
Tudo se resume ali...
Para tecer serviria
O ninho de um colibri.
Era já noite, e, no entanto,
A loura madeixa olhando,
Cuidei que, cheio de encanto,
O dia vinha raiando.
Deus fez-la numa redoma
De beijos, de luz, de amor,
E deu-lhe o sagrado aroma
Das madressilvas em flor.
Ah! sobre aqueles risonhos,
Dourados, macios folhos,
Quem dera embalar meus sonhos,
Quem dera cerrar meus olhos!
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TEUS ANOS
Teus anos amanhã. Fui ver, contente,
(E como procurei por toda parte!)
Um mimo que te desse... e achei, somente,
Meu triste coração, mimo sem arte.
Mas... o que dirás tu quando, de leve,
Bem cedinho batendo à tua porta,
Vires meu coração frio, de neve,
Pobre flor sem perfume e quase morta?
Manda-o entrar... E diz, ó doce amada!
Que ele se aqueça desse olhar no brilho...
Vai de tão longe te pedir pousada:
Deixa-o ficar no berço de teu filho.
Fonte: Auta de Souza. Poemas. Publicado postumamente em 1932.
Disponível em Domínio Público.
Coelho Neto (O trigo)
Viu as florestas frondosas, em cujas franças rendilhadas esgarçava-se o nevoeiro da manhã; viu as campinas alegres pelas quais numerosos rebanhos se apraziam; viu os montes de encostas de veludo; viu os rios claros, largos, retorcidos em meandros, discorrendo por entre margens de ervaçais floridos e acenoso arvoredo; viu as fontes borbulhando em bosques acolhedores.
Animais de várias espécies cruzavam-se pelos caminhos — leões de juba altiva, elefantes monstruosos, antílopes e corças, leopardos e gazelas e aves de plumagem branca onde penas variegadas junto a ribeiras tranquilas, vogando em insulas de flores, pousadas em ramos ou atravessando os ares, alegrando com o seu concerto o silêncio grandioso.
Os frutos ofertavam-se nos galhos, as flores desfaziam-se das pétalas recamando a alfombra e esparzindo o aroma pelos ares.
O homem, ainda incerto, ia e vinha, ora parando à beira das águas que o refletira, ora chegando à ourela dos bosques, saindo às várzeas, mudo, em êxtase contemplativo.
Deus, que de longe o assistia com o seu olhar, achava-o perfeito, airoso e forte, digno de ser o senhor do mundo e de todas as criaturas.
O sol ardia estivo e, de toda a terra exuberante, exalava-se um hausto cálido, respiração abrasada que amolecia e adormentava.
As folhagens encolhiam-se, murchando; as flores pendiam lânguidas nos caules; os animais refugiavam-se nos bosques ou penetravam as furnas tenebrosas; as próprias águas desciam lentas, com preguiça, sob a irradiação cáustica da luz que refulgia tremulamente no azul diáfano.
Deus errou em passos lentos pelas silenciosas veredas e toda a pedra que os seus pés tocavam fazia-se luminosa, com rebrilhos faiscantes e cores admiráveis. Era aqui um seixo que se ensanguentava em rubi, ali um calhão esverdeando-se em esmeralda, outro tomava colorido flavo ou roxo e, mirificamente, iam-se todos transformando e adquirindo cor, desde o tom lácteo da opala até o esplendor cerúleo da ametista; desde o límpido fulgir do diamante ao lampejo solar dos prazos amarelos.
As areias faziam-se de ouro, rutilando, como haviam ficado no leito do córrego em que o Senhor, depois de haver plasmado o homem com o barro sanguíneo, lavou e refrescou as mãos benéficas.
Foi-se o Criador encaminhando a um campo que ondulava e sussurrava à aragem e que era um trigal. Nele entrando, sem que as pombas e as calhandras se assustassem, a frescura convidou-o ao repouso.
Deitou-se e os trigos fecharam-se suavemente formando ninho aromal e sombrio onde o sono foi agradável.
Já as roxas nuvens anunciavam o crepúsculo quando, ao suave prelúdio dos rouxinóis, abriram-se os olhos divinos. Deus, que gozara a delícia do sono, ergueu-se. Então, mansamente, uma voz meiga elevou-se no campo louro:
— Senhor, que vos não pareça de vaidoso a minha requesta, não é por orgulho que vos falo, senão porque me sinto por demais miserando na grandeza da vossa criação. Fizestes a árvore sobranceira dando-lhe o tronco, dando-lhe os ramos, vestindo-a de folhas, cobrindo-a de flores e ainda a carregais de frutos; as suas frondes altas topetam com as nuvens. Aos que não destes grandeza e força ornastes com a graça mimosa da flor; só eu, pobre de mim! fui esquecido por vós. Quando vos vi chegar para mim tive vexame de receber-vos, tão pobre sou! trigo mísero.
Era o trigo que assim falava.
Parou o Senhor a escutá-lo e, compadecido das suas palavras, estendeu a mão abençoando-o:
— Agasalhas-te o meu sono com a pobreza, trigo tenro e frágil, deste-me generoso abrigo e resguardaste-me do sol. Não fique memória na terra de uma ingratidão d'Aquele que mais a detesta e, para que o exemplo sirva e aproveite, abençoo-te e abençoo-te com a força e com a Graça. Fraco, darás o alimento essencial; mísero, encerrarás em ti o mistério divino. Serás o pão e serás a hóstia e assim, com a tua fraqueza, suplantarás a árvore mais vigorosa e com a tua humildade serás maior que o sol. No teu seio desabrocharão as papoulas e, dentro em pouco, a flor virá anunciar-te a espiga e a espiga dará a farinha branca, que será força nos homens e sacrário da minha essência.
Assim Deus, engrandecendo-os, responde à esmola dos pequeninos.
Disse e, contente, mais com o que fizera ao trigo do que com a criação de todo o universo maravilhoso, ao clarear da lua, quando os rouxinóis cantavam, remontou ao céu entre anjos que foram, em coros, pelos ares claros, apregoando a sua onipotência e a sua misericórdia.
Fonte> Coelho Neto. Fabulário. Porto/Portugal: Livraria Chardron, de Ceio & Irmão Ltda, 1924. Disponível no Portal de Domínio Público.
Hinos de Cidades Brasileiras (Campo Mourão/PR)
Música: Professora Walkiria Boz
No centro oeste do Paraná
Em região outrora hostil
Um município hoje há
Que honra e orgulha o Brasil
Teu povo bom e hospitaleiro
Tuas riquezas sem igual
Simbolizam o celeiro
Da grandeza nacional
Estribilho
Campo Mourão
Modelo do Paraná
Lindo Torrão
Mais lindo de quantos há
Campo Mourão
De teu povo varonil
Belas vozes ecoarão
Hinos de glória ao Brasil
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