sábado, 29 de dezembro de 2007

John Ronald Reuel Tolkien (1892 - 1973)

John Ronald Reuel Tolkien (Bloemfontein, 3 de Janeiro de 1892 — Bournemouth, 2 de Setembro de 1973) foi um escritor, professor universitário e filólogo britânico.

Tolkien nasceu na África do Sul e aos três anos de idade, com sua mãe e irmão, passou a viver na Inglaterra, terra natal de seus pais. Desde pequeno fascinado pela lingüística, cursou a faculdade de Letras em Exeter. Lutou na Primeira Guerra Mundial, onde começou a escrever os primeiros rascunhos do que se tornaria o seu "mundo secundário" complexo e cheio de vida, denominado Arda, palco das mundialmente famosas obras O Hobbit, O Senhor dos Anéis e O Silmarillion, esta última, sua maior paixão, que, postumamente publicada, é considerada sua principal obra, embora não a mais famosa.

Tornou-se filólogo e professor universitário, tendo sido professor de anglo-saxão (e considerado um dos maiores especialistas do assunto) na Universidade de Oxford de 1925 a 1945, e de inglês e Literatura inglesa na mesma universidade de 1945 a 1959. Mesmo precedido de outros escritores de fantasia, tais como William Morris, Robert E. Howard e E. R. Eddison, devido à grande popularidade de seu trabalho, Tolkien ficou conhecido como o "pai da moderna literatura fantástica". Sua obra influenciou toda uma geração.

Católico fervoroso, foi grande amigo de C.S. Lewis, autor de As Crônicas de Nárnia, ambos membros do grupo de literatura The Inklings.

Biografia

A família Tolkien
Até onde se sabe a maioria dos parentes paternos de Tolkien eram artesãos. A família teve origem na Saxônia (Alemanha), mas viveu na Inglaterra desde o século XVII, tornando-se "rápida e intensamente inglesa (mas não britânica)" . O sobrenome Tolkien é um anglicismo de Tollkiehn (em alemão, tollkühn, temerário, imprudente, que em uma tradução etimológica deveria ser dull-keen, algo como estúpido-sagaz, uma tradução literal de oxímoro).

Mesmo sendo um Tolkien, considerava-se mais um Suffield (sua família materna) do que propriamente um Tolkien.

Aos três anos parte com sua mãe, Mabel Suffield, dona de casa, e seu irmão, Hilary Arthur Reuel Tolkien, para a Inglaterra, onde pretendiam passar apenas uma temporada devido a questões de saúde de Mabel e de seus filhos, mas devido à morte de seu pai, eles ali permaneceram por toda a vida. O pai, Arthur Tolkien, um bancário que trabalhava para o Bank of Africa, contraiu febre reumática e morreu em 1896 na África do Sul, antes de se juntar à família. Em 1900 a situação financeira da família se complicou. Mabel Suffield fazia parte da Igreja Anglicana, e quando tornou-se católica, sua família cortou a ajuda financeira que lhe dava, e assim ela morreu, por diabetes, sem tratamento na época. Tolkien, que considerava esse fato um sacrifício da mãe em nome da fé, converteu-se ao Cristianismo. Tolkien e seu irmão passaram então aos cuidados do Padre Francis Xavier Morgan, que Tolkien mais tarde descreveria como um segundo pai, e aquele que lhe ensinara o significado da caridade e do perdão.

Conheceu Edith Bratt em 1908, três anos mais velha que ele, e os dois começam a namorar escondido, mas seu tutor, o Padre Francis Morgan, descobre a situação e, acreditando que este relacionamento prejudicaria a educação do rapaz, proíbe-o de vê-la até que complete vinte e um anos, quando Tolkien alcançaria a maioridade. Na noite do seu vigésimo primeiro aniversário, Tolkien escreve a Edith, e a convence a casar-se com ele, apesar de ela já estar comprometida, e também a converte ao catolicismo. Juntos eles têm quatro filhos: John Francis Reuel Tolkien (1917–2003), Michael Hilary Reuel Tolkien (1920-1984), Christopher John Reuel Tolkien (1924-) e Priscilla Anne Reuel Tolkien (1929-). Muitos de seus descendentes e ascendentes podem ser vistos aqui.

Tolkien era um pai devotado. Essa característica mostrava-se bastante clara nos livros, muitas vezes escritos para seus filhos, como Roverandom, escrito quando seu filho perdeu um cachorrinho de brinquedo na praia. Além disso, Tolkien mandava todos os anos cartas do Papai Noel quando os filhos eram mais jovens. Havia mais e mais personagens a cada ano, como o Urso Polar, o ajudante do Papai Noel, o Boneco de Neve, Ilbereth (um nome semelhante ao da rainha Elbereth, a Valië), sua secretária, e vários outros personagens menores. A maioria deles contava como estavam as coisas no Pólo Norte. Mestre Gil de Ham foi uma história contada para entreter os filhos também.

A vida em sua obra

A infância de Tolkien teve duas realidades distintas: a vida rural em Sarehole, ao sul de Birmingham, lugar que inspirou o famoso Condado, e o período urbano na escura Birmingham, onde iniciou seus estudos. Nesta frase Tolkien fala sobre Sarehole:

A ancestral Sarehole há muito se foi, engolida pelas estradas e por novas construções. Mas era muito bonita na época em que vivi lá...

Ainda criança, mudou-se para King's Heat, numa casa próxima a uma linha de trem. Foi aí que ele começou a desenvolver uma imaginação lingüística, motivada pelos estranhos nomes das paradas do percurso, tais como Nantyglo, Perhiwceiber e Seghenydd. Sua infância foi muito marcada pelos contos de fadas, que estimularam sua imaginação para o Faërie, Belo Reino, como ele se refere ao mundo dos seres fantásticos.

Em 1900 sua mãe abraçou a religião católica, fato que o influenciou profundamente, mesmo sem a menção direta de Deus em sua obra (Tolkien representa Deus por Eru, o qual cria todo universo e os seres que lá habitam). Tolkien disse que os mitos não-cristãos guardavam em si elementos do Grande Mito, o Evangelho, que adentraram o Mundo Primário, isto é, o mundo real, fato este que não vai contra a Igreja Católica.

Sua mãe Mabel apresentou a ele e a seu irmão os contos de fadas em línguas como o latim e o grego. Depois de sua morte, em 1904, por diabete, Tolkien e seu irmão foram deixados aos cuidados do padre Francis Morgan, sacerdote de Birmingham. A partir de então, o rapaz se dedicou aos estudos demonstrando grande talento lingüístico. Estudou grego, latim, línguas antigas e modernas, como o finlandês, que serviu de base para criação do idioma élfico Quenya e o galês, base para o outro idioma élfico, o Sindarin. Em 1905 os órfãos mudaram-se para a casa de uma tia em Birmingham. Em 1908, deu início à sua carreira acadêmica, ingressando no Colégio de Exeter, da Universidade de Oxford.

Em 1914, ano em que explode a Primeira Guerra Mundial, Tolkien fica noivo de Edith Bratt. No ano seguinte, recebe com honras o diploma de licenciatura em Literatura de Língua Inglesa. A graduação e os méritos não o libertam da convocação e em 1916, depois de se casar com Edith Bratt, é chamado à guerra. Tolkien sobrevive à batalha do Somme (província de Soma), uma mal sucedida incursão na França/Bélgica onde morreram mais de 500 mil combatentes. Em 1917 nasceu o seu primeiro filho, John Francis Reuel Tolkien (mais tarde padre John Tolkien) e no ano seguinte, depois de contrair febre da trincheira (tifo), J.R.R.Tolkien é enviado de volta à Inglaterra. Foi neste período que Tolkien iniciou o Livro dos Contos Perdidos (The Book of Lost Tales), que mais tarde se converteria em O Silmarillion, em 1919 quando ele retornou a Oxford.

Depois do fim da guerra Tolkien dedicou-se ao trabalho acadêmicos como professor, tornando-se um dos maiores filólogos do mundo. Nesta mesma época ingressou na equipe formada para preparar o New English Dictionary, o equivalente inglês do dicionário brasileiro Aurélio. O projeto já havia chegado à letra W, e seu supervisor, impressionado com o trabalho de Tolkien, afirmou que:

"Seu trabalho [de Tolkien] dá provas de um domínio excepcional de anglo-saxão e dos fatos e princípios da gramática comparada das línguas germânicas. Na verdade, não hesito em dizer que nunca conheci um homem da sua idade que se igualasse a ele nesses aspectos."

Mas foi só em 1925, depois do nascimento de seus filhos Michael Hilary Reuel Tolkien (1920) e Christopher John Reuel Tolkien (1924) que Tolkien publicou seu primeiro livro, ao lado de E. V. Gordon: Sir Gawain & the Green Knight, baseado em lendas do folclore inglês. Sua filha caçula, Priscilla Anne Reuel Tolkien, nasceria dali a cinco anos.

Tolkien e as Sociedades

Tolkien foi muito ligado a sociedades. Nas que participou, a literatura era o tema fundamental, algo que o ajudou na criação de suas obras, pois nestas sociedades encontrou seu primeiro público e encorajadores.

Em sua juventude, sua primeira sociedade foi a T.C.B.S. (Tea Club, Barrowian Society), formada por Tolkien e três amigos. Não era dedicada apenas a literatura, mas ela estava presente. A Primeira Guerra Mundial dissolveu o grupo, matando Rob Gilson, e algum tempo depois G. B. Smith. Os dois restantes, Christopher Wiseman (inspiração para o nome do filho de Tolkien) e Tolkien, foram amigos até o fim da vida.

Anos depois, fundada por Tolkien, The Coalbiters se dedicava à literatura nórdica, muito apreciada por Tolkien, que incluía Beowulf e o Kalevala, por exemplo. Chamavam-se de Kolbitars, ou, "homens que chegam tão perto do fogo no inverno que mordem carvão", o que originou no nome Coalbiters (mordedores de carvão). Entre seus membros estavam R. M. Dawkins, C. T. Onions, G. E. K. Braunholz, John Fraser, Nevill Coghill, John Bryson, George Gordon, Bruce McFarlane e C. S. Lewis.

Outro grupo de que participava era chamado The Inklings, também dedicado à literatura, que se reunia no pub The Eagle and Child (em português A Águia e a Criança) que os integrantes chamavam O Pássaro e o Bebê (The Bird and Baby em inglês). Os Inklings incluíam C. S. Lewis e seu irmão H. W. Lewis, Charles Williams, Owen Barfield, Nevil Coghill, Gervase Mathew e John Wain.

Quando Tolkien conheceu C. S. Lewis, este era agnóstico, e Tolkien logo se empenhou para convertê-lo ao catolicismo romano. No entanto, Lewis preferiu o anglicanismo, movimento protestante cristão no qual foi educado. Tal fato se tornou a raiz de desentendimentos (não tão sérios) dos dois. Tolkien inclusive não apreciou muito a obra de seu amigo, As Crônicas de Nárnia, por esta ser demasiadamente alegórica. A religião no livro de Lewis é bem explícita, ao passo que nos de Tolkien ela é oculta em personagens, lugares e até atitudes. Apesar dos desentendimentos Tolkien e Lewis foram grandes amigos, amizade essa explorada no livro O Dom da Amizade: Tolkien e C. S. Lewis. De fato, O Senhor dos Anéis provavelmente não existiria sem o incentivo de C. S. Lewis, que aliás foi o primeiro a ouvir a história, e As Crônicas de Nárnia também não existiriam não fosse a força de Tolkien.

Títulos

Tolkien fez uma longa e ilustre carreira, em que, com certeza, seus livros foram os mais admirados e reconhecidos. Porém ele não se resumia a isso. Além de ser chamados por muitos fãs de "mestre", ou "professor", em 1972 Tolkien foi agraciado com o título de Comendador do Império Britânico (Ordem do Império Britânico) e com o Doutor Honoris Causa em Letras, pela Universidade de Oxford.

O hobbit

A idéia de seu primeiro grande sucesso, O Hobbit, surgiu em 1928, enquanto Tolkien examinava documentos de alunos que queriam ingressar na Universidade e Tolkien contou que:

Um dos alunos deixou uma das páginas em branco – possivelmente a melhor coisa que poderia ocorrer a um examinador – e eu escrevi nela: Em um buraco no chão vivia um hobbit, não sabia e não sei por quê.

Foi a partir desta frase que ele começou a escrever O Hobbit, somente dois anos depois, mas o abandonou no meio.

Tolkien emprestou o manuscrito incompleto para a Reverenda Madre de Cherwell Edge na época, quando esta estava doente, e ele foi visto por Susan Dagnall, uma bacharel de Oxford , que trabalhava para Allen & Unwin (comprada em 1990 pela Editora Harper Collins) e analisado depois por Rayner Unwin (Filho de Stanley Unwin, fundador da Allen & Unwin, na época com 10 anos de idade) que ficou maravilhado pela história. Dagnall ficou tão encantada com o material que encorajou Tolkien para que ele terminasse o livro, e em 1937 é publicada a primeira edição de O Hobbit.

A saga do hobbit Bilbo – um ser baixo, pacato, de pés peludos e grandes, que se aventura na Terra Média ao lado do mago Gandalf e mais treze anões – teve tanto sucesso que Tolkien foi sondado para novas aventuras. Tolkien oferece O Silmarillion, que ele considerava sua principal obra, mesmo que, hoje, não a mais conhecida. Stanley Unwin prefere não arriscar e não publica a obra. Mesmo depois da recusa, Tolkien concorda em continuar a saga dos hobbits e começa a dar forma a uma nova obra, que lhe consome doze anos de trabalho desde os primeiros rascunhos até a sua conclusão, mas que o tornaria um dos mais cultuados escritores de todos os tempos: O Senhor dos Anéis.

O elo para a nova aventura surge no Anel que Bilbo rouba de Gollum em O Hobbit. Os primeiros rascunhos da obra datam de 1937, mas devido ao seu perfeccionismo, que o impelia a ter de fazer vários rascunhos para cada uma de suas obras, foi somente em 1949 que O Senhor dos Anéis foi para as mãos de sua editora. Durante este longo tempo, Tolkien também escreveu Leaf by Niggle em que o autor se manifesta de forma autobiográfica, projetando-se em Niggle, suas dúvidas sobre o trabalho que estava escrevendo, "O Senhor dos Anéis", e sua relevância. Em princípio o texto foi recusado, pois a idéia de Tolkien era lançar dois volumes, sendo eles "O Silmarillion" e "O Senhor dos Anéis", já que ele os considerava interdependentes e indivisíveis. Entretanto o editor da Collins, uma outra editora, havia gostado da idéia e começou a encorajar Tolkien a publicar os livros pela editora Collins. Depois de grande atraso na publicação, Tolkien perde a paciência e desiste do acordo. Posteriormente, após algumas conversas com Rayner Unwin (já adulto e trabalhando na empresa do pai, Rayner foi um dos que recebiam os rascunhos de "O Senhor dos Anéis" de Tolkien ao longo de sua composição), a decisão da Allen & Unwin foi reconsiderada e, em 1954, foram publicados os dois primeiros volumes (A Sociedade do Anel e As Duas Torres). Em 1955 foi publicado o terceiro e último volume (O Retorno do Rei). A idéia original era lançar a obra toda num único volume, mas para baratear os custos de impressão, foi dividida em três volumes.

Esse livro consolidava então o que Tolkien chamava de Mundo Secundário, com novas normas, novos povos, uma realidade à parte: Arda, o cenário de uma das maiores obras literárias de todos os tempos. "Arda" é a Terra, povoada por seres fantásticos, como os Valar, os Maiar, e os mais conhecidos, hobbits, elfos, anões, trolls, orcs e cercada de mistérios e magia:
[Criei] um Mundo Secundário no qual sua mente pode entrar. Dentro dele, tudo o que ele relatar é "verdade": está de acordo com as leis daquele mundo. Portanto, acreditamos enquanto estamos, por assim dizer, do lado de dentro.

Apesar dos ataques da crítica, o livro teve grande sucesso dos dois lados do Atlântico, mas seus livros só alcançaram a classe de cult nos anos 60, devido ao fato de sua obra ter se tornado mania entre os universitários dos Estados Unidos com a chegada de uma edição pirata norte-americana neste país. O nome de Tolkien ganhou notoriedade mundial, fato este que provocava mais transtornos que prazer ao autor, pois visitantes excêntricos afluíam ao seu encontro: fãs norte-americanos telefonavam-lhe durante a madrugada sem se lembrar do fuso horário por exemplo. Tais fatos tiveram grande peso em sua decisão de se mudar para Bournemouth.

Tolkien era um homem apaixonado por idiomas. Quando criança se encantava com nomes galeses que via nos caminhões de carvão. Com suas primas aprendeu rapidamente uma língua artificial e bem simples criadas pelas garotas, chamada Animálico, com base nos nomes de animais. Juntos criaram outra língua, uma mistura de vários outros idiomas. Chamava-se Nevbosh, traduzido como Novo Disparate. Mais tarde criou o Naffarin, mais complexa e baseada na língua de seu tutor Francis Morgan: o espanhol.

Tolkien, em dezembro de 1910, tornou-se aluno do curso de literatura clássica na Universidade de Oxford, onde obteve uma bolsa de estudos do Exeter College, mas desinteressou-se por este curso e começou a gastar mais tempo no estudos de filologia, sendo orientado por Joseph Wright, um dos grandes pesquisadores britânicos desta ciência e grande conhecedor do tronco lingüístico indo-europeu. Pediu transferência para a Honour School of English Language and Literature, onde teve um notável melhora devido ao seu interesse pela filologia germânica.

O primeiro artigo da Declaração dos Direitos Humanos escrita nos caracteres Fëanorianos: as Tengwar. Desde criança já tinha em sua volta línguas clássicas como grego e o latim, e mais tarde com o espanhol, idioma de seu tutor, o padre Francis Morgan. Sempre achou o italiano muito elegante e, é claro, o inglês e o anglo-saxão o fascinavam. O francês não o cativava tanto, apesar de ser (como ainda é) aclamada como uma belíssima língua. Quando se deparou com a língua finlandesa ele se encantou, e usou sua gramática, junto com a galesa, como base para as línguas que mais tarde apareceriam em seus livros. Línguas de gramática complexa e vasto vocabulário. Línguas que seriam estudadas a fundo por muitos de seus fãs: o Quenya, cujo exemplo máximo é expresso pelo poema Namárië, e o Sindarin, este último baseado no galês, as Línguas Élficas, todas movidas pelo som bonito (eufonia) e pela estética, como o "Repicar dos sinos" dizia ele. Foi baseado nestas línguas que Tolkien começou a desenvolver seu mundo. Para ele, primeiro vinha a palavra, depois a história. A composição para ele não era um passatempo (como foi 'acusado' na época), mas um trabalho filológico. Ele criou um mundo onde suas línguas pudessem ser faladas, e lendas para rodeá-las.

Tolkien, consciente da língua como um organismo mutável, totalmente relacionado com as histórias de um povo, afirmou certa vez que:
O Volapuque, Esperanto, o Ido, o Novial, são línguas mortas, mais mortas do que antigas línguas sem uso, porque seus inventores jamais criaram lendas para acompanhá-las.

Criou várias outras línguas (como o Khûzdul e o Valarin), mas nenhuma tão elaborada quanto as duas élficas. Também desenvolveu alguns sistemas de escrita, as Angerthas (ou runas) e as Tengwar. Acreditava que uma língua bonita devia ter também um alfabeto elegante.

Além do inglês, Tolkien conhecia cerca de dezesseis outros idiomas (à exceção dos criados por ele mesmo) que eram os seguintes: grego antigo, latim, gótico, islandês antigo, sueco, norueguês, dinamarquês, anglo-saxão, médio inglês, alemão, neerlandês, francês, espanhol, italiano, galês e finlandês.

Quando O Hobbit foi traduzido para o islandês, Tolkien ficou encantado, porque, além de esta ser uma de suas línguas favoritas, ele achava que o livro combinaria muito com ela. Muitos nomes, como Gandalf, foram retirados do antigo islandês.[8]

Aversão à tecnologia

Se por um lado Tolkien exerceu grande influência na era da informática, por outro, isso bate de frente com a visão nostálgica e radical do autor. Ele sempre foi avesso a computadores, trens, automóveis, televisão e comida congelada, a indústria em si. Tolkien acreditava que essa dominação e controle que a tecnologia moderna exerce sobre o Homem, mesmo que usadas para o bem, “trazem sofrimento à criação” (referindo-se ao seu Mundo Secundário). Este ponto de vista foi criado devido a sua experiência como veterano da Primeira Guerra Mundial e pai de rapazes que lutaram na Segunda Guerra Mundial, e ele não alimentava mais ilusão papel benfazejo e salvador do desenvolvimento das tecnologias. Com esse pensamento, ele coloca o problema da tecnologia no coração de O Senhor dos Anéis. O Um Anel é o instrumento máximo do poder. Poder esse que até Gandalf preferiu não arriscar, deixando o fardo para Frodo. E cabe ao pequeno hobbit o dilema da saga: ter o poder não é possuir o Um Anel, e sim destruí-lo. Frodo deve então renunciar ao poder porque ele corrompe. Só assim ele será capaz de destruir Sauron. Mesmo assim, sua obra foi a inspiração que faltava para novos jogos de computados, para o cinema e a televisão.

Além de "O Hobbit" e "O Senhor dos Anéis", foram publicados Sir Gawain & The Green Knight (1925), Mestre Gil de Ham (1949), As Aventuras de Tom Bombadil (1963), Smith of Wootton Major (1967) e Sobre Histórias de Fadas (1965) entre outros . O escritor então se aposenta e junto de sua mulher se muda para Bournemouth. Com a morte de sua esposa em 19 de novembro de 1971, após 55 anos de casamento, Tolkien refugiou-se na solidão em um apartamento na Universidade de Oxford. Numa carta ao seu filho Christopher, John Ronald Reuel Tolkien escreveu, sobre sua mulher Edith Bratt:
[...]o cabelo dela era preto e sedoso, a pele clara, os olhos mais brilhantes do que os que vocês viram, e sabia cantar... e dançar. Mas a história estragou-se, e eu fiquei para trás, e não posso suplicar perante o inexorável Mandos.[...].

No texto, Tolkien decide que no epitáfio de Edith estaria escrito Lúthien. Lúthien é uma personagem de "O Silmarillion" inspirada na esposa de Tolkien, como afirma o trecho da mesma carta:

É breve e simples [o epitáfio], a não ser por Lúthien, que tem para mim mais significado do que uma imensidão de palavras, pois ela era (e sabia que era) a minha Lúthien [...] Nunca chamei Edith de Lúthien, mas foi ela a fonte da história que, a seu tempo, se tornou parte de O Silmarillion.

Lúthien era elfa, imortal, mas se apaixona por um mortal, Beren. Ela então desiste de sua imortalidade. Ambos enfrentam muito para ficar juntos e, quando ele morre, Lúthien vai até os Palácios de Mandos, o guardião das Casas dos Mortos. Beren a aguardava nos Palácios, e ela canta diante de Mandos que, então, se comove, a única vez em toda sua existência, e permite que ambos voltem, como mortais. E assim foi. No túmulo, abaixo do nome Edith Tolkien está escrito Lúthien, que, nas histórias, é a mais bela das elfas, a mais bela dos Filhos de Ilúvatar. A história dos dois está contada na Balada de Leithian.

Em 1972, J. R. R. Tolkien recebeu o Doutorado Honorário em Letras da Universidade de Oxford, e conseguiu seu último e mais importante título: a Ordem do Império Britânico pela Rainha Elizabeth, uma das maiores honras britânicas. Era agora Sir John Ronald Reuel Tolkien.

No dia 28 de agosto de 1973 Tolkien sentiu-se mal durante uma festa, e na manhã do outro dia foi internado, com úlcera e hemorragia. No sábado descobriu-se uma infecção no peito.

Aos 81 anos de idade, então, nas primeiras horas do domingo de 2 de setembro de 1973, J. R. R. Tolkien morre na Inglaterra. Enterrado junto com a esposa, no Cemitério de Wolvercote, no túmulo feito de granito da Cornualha, abaixo do seu nome há a inscrição Beren.

Após sua morte, seu filho Christopher editou e publicou "O Silmarillion" (em 1977), além de nos anos 80 e 90 lançar a série The History Of Middle-Earth (A História da Terra-Média), uma gigantesca coletânea dividida em doze volumes, e Unfinished Tales of Númenor and Middle-Earth (Contos Inacabados)

Em 1992, ano em que Tolkien completaria 100 anos, duas árvores foram plantadas em seu tributo em Oxford pela Tolkien Society e pela Mythopoeic Society, grupos de leitores e estudiosos de sua obra. Essas duas árvores fazem alusão às Duas Árvores de Valinor, que davam luz a Valinor nos Dias Antigos.

O Legado de Tolkien

Apesar de ter dado início em 1937 com O Hobbit, o livro infanto-juvenil que fez tanto barulho quanto Harry Potter em sua época, foi somente após o lançamento da trilogia de "O Senhor dos Anéis" (1954-1955) que Tolkien passou a ser cultuado por milhões de fãs. Em 1996, uma pesquisa feita pela livraria londrina Waterstone's, que conta com mais de 200 lojas em toda Grã-Bretanha, em parceria com um canal de TV britânico, entre cerca de 25.000 leitores, coroou O Senhor dos Anéis como o melhor livro do século e O Hobbit entre os 20 melhores. Uma outra pesquisa mais recente, datada de 2003, feita pela BBC, perguntando às pessoas qual o livro favorito delas, "O Senhor dos Anéis" ficou em primeiro, e "O Hobbit" em 25°. São mais de 50 milhões de exemplares vendidos em vários países, traduzido para 34 idiomas, juntamente com legiões de fãs que se dedicam a ler e estudar a obra do autor.

Ao contrário de muitos escritores que contaram mais com a sorte do que com um respaldo acadêmico para a criação de suas obras, John Ronald Reuel Tolkien foi membro da diretoria do New English Dictionary (1918-1920), professor de Língua Inglesa na Universidade de Leeds, cátedra Rawlinson & Bosworth, posto ligado à Faculdade Pembroke (em Oxford) (1920-1925), professor de Anglo-Saxão (inglês arcaico) em Oxford (1925-1945) e professor de Língua e Literatura Inglesa em Merton (1945-1959), o que caracteriza um jeito próprio de lidar com os livros e a mitologia sempre presente em seus livros.

Mesmo com o sucesso de "O Senhor dos Anéis", Tolkien só virou celebridade nos anos 60. Nessa época os fãs do autor se reuniam pelos campus das universidades com o único objetivo de discutir sua obra.

Estes fãs tiveram a mesma importância que os trekkers em Star Trek, os "star warriors" em Star Wars e os "excers" em Arquivo X para tornar a obra de Tolkien conhecida. Desde os encontros da primeira sociedade Tolkien, que se comunicava através de frases em cartazes no metrô de Nova York, a tolkienmania só cresceu e continua a influenciar muita gente. No auge da contracultura, a obra era considerada uma espécie de bíblia da Sociedade Alternativa. Com broches como "Frodo Vive" e "Gandalf para Presidente", os fãs se reuniam para celebrar Tolkien. O público nessa época era composto, quase sempre, por geeks da computação e hippies. De certa maneira, esse público buscava justamente o que Tolkien queria: uma nova realidade (mas não a mesma visão dessa nova realidade).

A criação de mundos complexos como a Terra-Média também deram uma arejada à literatura ficcional, além de inaugurar um novo gênero literário, a literatura fantástica, algo de que Tolkien sentia falta na literatura. Muitos autores também criaram seus mundos próprios e essa realidade virtual criada por Tolkien foi o elemento-chave para a ficção científica de Duna (de Frank Herbert), para a fantasia de A Cor da Magia (de Terry Pratchett). Talvez até para o universo de Harry Potter de J. K. Rowling, autora que gosta muito da obra, a obra tolkieniana tenha servido de base, apesar de a autora ter declarado:

Penso que, se deixarmos de lado o fato de que os livros falam de dragões, varinhas mágicas e magos, os livros de Harry Potter são muito diferentes, especialmente no tom. Tolkien criou toda uma mitologia. Não penso que alguém possa dizer que eu tenha feito isso.

Não se pode deixar de citar também uma obra que é muitíssimo parecida com a de Tolkien: Eragon, de Christopher Paolini. Nela, os elfos são ainda criaturas belas e os anões os mineradores rabugentos também.

Muitas outras áreas sucumbiram ao poder dos Anéis. Em 1974, Gary Cygax e Dave Anerson arrumaram uma maneira de interagir com esta realidade e criaram o Role-Playing Game (RPG) Dungeons & Dragons, um jogo de personificações com temas fantásticos, claramente inspirados na Terra-Média de Tolkien. Com o RPG foi possível se aventurar no universo de orcs, anões, elfos, dragões e até os hobbits, os Halflings do D&D, que mantêm muitas características dos Hobbits com leves alterações (inclusive o próprio Tolkien usava o nome halfling para os seus hobbits). O RPG serviu de estímulo para o público explorar e conhecer novos mundos. A própria Terra-Média chegou a ter seu RPG, o MERP (Middle-Earth Role Playing), em 1982, só que o complexo sistema de regras e os freqüentes equívocos em relação à trama atrapalharam sua difusão, e o MERP não decolou.

Do papel para o computador foi um pulo. Na década de 70, um hacker fã de Tolkien deu uma ajuda ao programador do arcaico RPG Adventure. O jogo foi transformado, ganhou o nome de Zork e virou hit entre os usuários da Arpanet (embrião da Internet) porque estava cheio de referências ao mundo de Tolkien. Nos primórdios da rede, essas realidades virtuais ganharam uma versão em texto, batizadas de MUD (Multi-User Dungeon/Dimension, que em português soa algo do gênero Dimensão Múltipla de Usuários). Hoje, graças aos avanços da tecnologia, os MUD caíram em desuso e o que é sucesso são jogos multiplayer como EverQuest, Última Online, Asheron’s Call, Warcraft e Kingdom Under Fire. Todos têm em comum cenários fantásticos e referências às obras de Tolkien. A Internet teve papel importante na propagação dos trabalhos do autor. Através dela foi possível reunir fãs do mundo inteiro, que demonstram sua admiração e discutem a política, sociedade, as línguas, a biologia e a história da Terra-Média. Há milhares de sites dedicados aos trabalhos de Tolkien que trazem ensaios, poemas, fan-fictions (contos de ficção escritos por fãs), sátiras, críticas, notícias, grupos de estudos, de discussão, fóruns e, é claro, humor (vide Ligações externas).

Ao contrário dos trekkers e dos “star warriors” que aprovam e incentivam as seqüências das obras originais em livros, filmes, seriados, produtos e HQs, os fãs de Tolkien preferem manter seu próprio ponto de vista sobre a obra. Com uma visão muito pessoal e particular da saga de Frodo, os fãs não se arriscam a tocar na Terra-Média. E esse é um dos motivos que impediram uma proliferação ainda maior do legado do autor. A única exceção talvez seja o livro The Black Book of Arda, escrito por duas jovens russas no início dos anos 90, que recontavam os acontecimentos de O Silmarillion, só que do ponto de vista dos vilões.

A influência de Tolkien também pode ser percebida nas mais diversas formas de artes. Pintores como John Howe, Roger Garland, Ted Nasmith, Alan Lee, Tim Kirk e os irmãos Hildebrandt entre outros figuram em enciclopédias ilustradas e centenas de galerias de imagens na Internet. Eles retratam com primazia várias passagens dos livros. A obra do autor também aparece nas músicas de bandas como Led Zeppelin, Blind Guardian, a banda sueca Za Frûmi’s (que compôs uma música com uma versão modificada do idioma orc) entre várias outras influenciadas.

O cinema e a TV não poderiam ficar de fora, o desenho animado Caverna do Dragão e o filme Dungeons & Dragons (ambos baseado no RPG D&D) são claramente influenciados por Tolkien. Podem-se citar outras produções cinematográficas como O Cristal Encantado (1982), A História Sem Fim (1984), Labirinto (1986), A Lenda (1986), Willow – Na Terra da Magia (1988) e Coração de Dragão (1996).

Em 1978, o animador britânico Ralph Bakshi (o mesmo de Super Mouse e Gato Felix) tentou adaptar O Senhor dos Anéis para o cinema num longa-metragem de animação de duas horas. Mas o roteiro era fraco e mesmo usando uma técnica de animação interessante (a rotoscopia, onde os movimentos humanos são sobrepostos pelo desenho) a produção não agradou e parece terminar em algum ponto no meio de As Duas Torres. Outras duas obras de Tolkien viraram longas animados para a TV inglesa: O Hobbit (em 1978) e O Retorno do Rei (1980), ambas criadas para especiais de TV e dirigidas por Jules Bass, o mesmo produtor de Thundercats e Silverhawks e co-diretor do longa metragem Rudolph, a rena do Nariz Vermelho. Tolkien também marcou presença nas HQs. Há influência dele em Bone, a HQ fantástica de Jeff Smith e na megassérie Elfquest, que já tem mais de vinte anos de publicação e conta a história de um mundo recheado de elfos. Também existe Lodoss, uma série criada por fãs-japoneses de RPG, que durante anos, anotaram suas aventuras e transformaram em duas sagas animadas. A primeira é The Record of Lodoss War (de 1991) e a mais recente saga chama-se Chronicles of the Heroic Knight (de 1999), ambas trazem um mundo mágico de deuses, dragões, demônios, magos e guerreiros lutam pelo poder.

Com seus tentáculos se espalhando por todos os lugares, no início do século XXI a saga dos Anéis chega ao cinema. Graças a Peter Jackson, um antigo fã, isso se tornou realidade, e a realidade dos três filmes produzidos simultaneamente (divididos do mesmo modo que os livros, lançados em 2001, 2002 e 2003), rendeu 17 Oscar à série, 4 ao primeiro, 2 ao segundo e 11 concedidos ao terceiro, igualando-o aos recordes de Titanic e Ben-hur.

Fontes:
NOVA Enciclopédia Ilustrada Folha. volume 2. São Paulo: Empresa Folha da Manhã, 1996.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Tolkien
http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/JohnRRTo.html

Literatura Gótica (Andrea Peixoto)

Expressão que designa um tipo específico de literatura emergente no século XVIII, que tem como fundador Horace Walpole e a sua obra The Castle of Otranto (1764). Caracteriza-se pelos ambientes sombrios, pelo uso do sobrenatural e é geralmente aplicada a um conjunto de romances escritos entre 1764 e 1820. É possível encontrar, ainda no século XX, romances com características deste tipo de literatura.

A palavra gótico tem origem numa tribo germânica, os Godos, que por volta do século II a.C. se tinham instalado nas margens do Báltico. Esta palavra entra no vocabulário significando germânico e mais tarde, com o Renascimento e o Iluminismo, medieval. Gótico seria tudo o que se diz a respeito da Idade Média, vista como a Idade das Trevas e associada à brutalidade, às superstições e ao feudalismo. Assim, e até ao século XVIII, a palavra era usada de forma depreciativa.

Em arquitetura, o estilo gótico surge em meados do século XII e prospera até ao século XVI. Este estilo expressava a essência da fé católica, preocupada em criar um ambiente onde se sentisse a presença de Deus, incorporando algum simbolismo pagão - as gárgulas são um bom exemplo disso. A arte e arquitetura góticas tinham por objetivo criar um efeito sobrenatural e mágico no espectador, evocando uma espécie de terror, vulnerabilidade, temor, o sentir-se à mercê de um poder superior – ponto de vista do mundo medieval - e é isso que é recuperado em muitos dos romances góticos. Desta forma, a ligação entre o termo artístico gótico e o termo literário, encontra-se na ênfase que ambos dão às emoções.

No Século XVIII, e ao mesmo tempo que o Romance se estabelecia como forma literária, houve, por parte de alguns autores, um interesse por tradições mais antigas e orais, pelas sagas e baladas islandesas e pela literatura da Idade Média. Isto seria uma reação contra algumas das ideias do Iluminismo. Muito do imaginário do que futuramente se denominaria literatura gótica, existia já nos elementos sobrenaturais das baladas e nos excessos dos romances de cavalaria medievais. É na primeira metade desse século que aparece também a Graveyard School of Poets. Poetas como Thomas Parnell, Thomas Gray e Edward Young, que escreviam longos poemas meditativos sobre a morte e a imortalidade da alma, normalmente passados em cemitérios, lançaram algumas das sementes do movimento gótico. Os principais objetos poéticos destes autores eram os cemitérios, a noite, as ruínas, as almas penadas, a morte, todos eles futuros temas do romance gótico.

O século XVIII foi o século do revivalismo gótico, primeiro na arquitetura e jardinagem e só depois na literatura. O Romantismo, como movimento literário, dava preferência ao esplendor, ao pitoresco, à felicidade dos tempos passados, ao sublime espetáculo da natureza, à paixão e à beleza extraordinária. Era considerado o oposto do clássico. O gótico distinguia-se pelo seu fascínio pelo horrível, pelo repelente, pelo grotesco e sobrenatural, pelas atmosferas de mistério e suspense, pelo medieval. A junção desses elementos faz com que surja o romance gótico.

O primeiro autor a referir-se ao termo gótico relacionado com literatura foi Addison nos seus ensaios. No entanto, utiliza este termo como sinónimo de bárbaro. A obra de Tobias Smollet Ferdinand Count Phantom (1753) também possui alguns dos elementos góticos. Mas é só a partir da obra The Castle of Otranto. A Story Translated by William Marshal, Gent. From the Original of Onuphrio Muralto (1764), da autoria de Sir Horace Walpole, que a verdadeira literatura de característica gótica entra nos círculos literários. Esta obra, apesar de todas as suas inverosimilhanças, teve uma grande influência para os autores que se seguiram. É a partir dela que se começa a utilizar o terror, o sobrenatural e o macabro como possíveis fontes de ficção. O submundo do inconsciente não entrava, porém, nas criações de Walpole. O uso que faz do termo gótico deve-se à sua preocupação em reconstituir o ambiente medieval - logo longínquo - que permitiria o uso da superstição, de ambientes misteriosos e terríficos.

A escola gótica inglesa demonstrou-se sempre fiel à preocupação didática do século XVIII, que justificava o uso da crueldade e da perversidade como forma de glorificar a virtude - que no final sempre triunfava. Na sua essência, este tipo de romance é, primeiramente, um romance sentimental onde intervém o sobrenatural. O seu esquema fundamental implica uma donzela virtuosa, um herói apaixonado e um vilão que não discerne meios para obter os seus fins. A isto acrescentam-se as forças ocultas do sobrenatural e um ambiente tenebroso. Alguns dos elementos que constituem este romance gótico são, entre outros, os seguintes: a existência de um antigo manuscrito; a magia; os fantasmas ou espectros; a loucura e os sonhos proféticos; um castelo antigo ou em ruínas; as obras de arte, armaduras e espadas ferrugentas; os crimes e imenso sangue; a religião católica; a Itália; e a Natureza como leit-motif.

O romance gótico fica estabelecido, e muitos autores viram no romance de Walpole uma boa fonte de inspiração, como é o caso de Clara Reeves com o romance The Champion of Virtue. A Gothic Story, publicado em 1777, mais conhecido pelo nome com que é reeditado no ano seguinte: The Old English Baron. A Gothic Story.

No século XVIII racionalista, a incongruência do romance gótico encontrava-se na intervenção do sobrenatural. Isto foi resolvido por Ann Radcliffe que, no final dos seus romances, explicava sempre o sobrenatural por elaboradas causas naturais. É com os romances de Radcliffe que o gótico, com os seus elementos de terror e suspense, se assume como uma moda literária. Dos seus seis romances góticos, o mais famoso é, sem dúvida, The Mysteries of Udolpho, de 1794. É também a partir de Ann Radcliffe que as histórias passam a ser góticas, não por serem passadas em tempos distantes e medievais, mas pelo seu cenário. Há uma tentativa de aproximação do romance aos tempos mais próximos.

Se com Radcliffe se concretizou o «terror» gótico, é com Matthew Gregory Lewis e o seu romance The Monk publicado em 1796, que a violência brutal e os pormenores macabros passam para o romance e se concretiza o «horror» gótico. Lewis é o mais alto expoente da influência da escola gótica alemã em Inglaterra. A preocupação com a glória da virtude não existiu nesta escola, deixando espaço para a criação de formas de terror mais violentas por parte de Lewis.

Já no século XIX, o gótico continua a proliferar e os romances góticos, tanto Ingleses como Alemães, continuam a aparecer em abundância, apesar da sua aparente mediocridade. Na América, Charles Brockden Brown é o responsável pela difusão do gótico, embora tenha transposto a acção dos seus romances para palcos mais familiares aos seus leitores. Em vez de castelos em ruína, usa como palco florestas e longínquas localidades, que, no entanto, possuem o mesmo espírito gótico.

A última grande figura do panorama gótico desse século é, indubitavelmente, Charles Robert Maturin que, com o romance Melmoth, the Wanderer (1820), faz com que o gótico atinja alturas nunca antes vistas, em que o medo sai do reino do convencional e desaba sobre a humanidade. O terror inspirado é ao nível do espírito.

É no teatro que o domínio do «negro» entra mais cedo. Na Inglaterra, já Shakespeare utilizara, nas suas peças, uma parte dos elementos que se encontram na escola gótica, como é o caso do fantasma em Hamlet, as bruxas em Macbeth ou o carácter distorcido de Ricardo III na peça com o mesmo nome. Na Alemanha, o movimento do Sturm und Drang - nome de uma peça de Klinger - difunde um novo gênero de drama. A sua influência em Shakespeare e suposta liberdade dos padrões clássicos, eram uma revolta contra as convenções e doutrina do classicismo francês. Os dramas eram de índole nacionalista, caracterizados pelo fervor, entusiasmo, retrato de grandes paixões, fortes experiências emocionais e lutas espirituais que irão influenciar o drama gótico. Todavia, as suas convenções foram estabelecidas pela literatura gótica.

O efeito da popularidade dos romances góticos fez com que as produções dramáticas fossem em grande número. Robert Jephson foi o primeiro dramaturgo gótico: The Count of Narbonne (1781) é uma dramatização de The Castle of Otranto. Jephson simplificou e reduziu muito do romance, omitindo alguns dos elementos sobrenaturais que teriam sido difíceis de colocar em palco. Joanna Baillie distinguiu-se, com a peça De Monfort (1800), pela representação da mulher no gótico. A sua peça é uma crítica aos vários modos convencionais de dramatizar a mulher. É um thriller psicológico, que utiliza cenários, personagens e atmosferas góticas. Porém, a escola gótica tinha-se afundado no absurdo sendo um alvo fácil para a sátira, como o comprova Jane Austen em Northanger Abbey (1817).

O romance gótico sucumbe perante a sua própria extravagância, mas os mecanismos e imaginário góticos continuam a assombrar a ficção de escritores como Edgar Allan Poe e Nathaniel Hawthorne. Há uma incorporação de alguns elementos góticos em obras posteriores e embora possam ser chamadas góticas, não são consideradas como parte desse cânone. Um bom exemplo disso é Dracula de Bram Stoker, publicado em 1897.

No século XX, a literatura gótica encontra ainda alguns seguidores. Na primeira metade do século autores como M. R. James, Algernon Blackwood e Daphne du Maurier são figuras de destaque e após os anos 80, Anne Rice, Poppy Z. Brite e Patrick McGrath continuam a utilizar alguns dos consagrados elementos góticos. Com este novo impulso há um reviver do gótico, por parte de uma geração à procura de identidade, passando, entretanto, a influência da escrita também para a música.


Bib.: Alaister Fowler “The Formation of Genres – Primary, Secondary, and Tertiary Stages” in Kinds of Literature – An Introduction to the Theory of Genres and Modes (1982); Bertrand Evans: Gothic Drama from Walpole to Shelley (1947); David B. Morris “Gothic Sublimity” in New Literary History (1985); David Punter “Gothic Origins: The Haunting of the Text” e “Gothic After/Words: Abuse and the Body Beyond the Law” in Gothic Pathologies: The Text, the Body and the Law (1998); David Punter The Literature of Terror: The Gothic Tradition (1996); Filipe Furtado A Construção do Fantástico na Narrativa (1980); Frederick R. Karl “Gothic, Gothicism, Gothicists”, in A Reader’s Guide to the Development of the English Novel in the 18th Century (1975); H. P. Lovecraft: Supernatural Horror in Literature (1973); Jeremy Hawthorn, “Types of Novel – The Roman Noir / Gothic Novel“, in Studying the Novel: An Introduction (1997); Louis Vax: A Arte e a Literatura Fantásticas (Lisboa: Editora Arcádia, 1972); Maria Leonor Machado de Sousa: A Literatura “Negra” ou de Terror em Portugal (1978); Pam Morris “Women and the Novel – A More Subversive Tradition?” in Dennis Walder (ed.): The Realist Novel (1995); Richard Davenport-Hines Gothic: 400 Hundred Years of Excess, Horror, Evil and Ruin (1998)
Revisão realizada para o blog por José Feldman, do original português de Portugal.

Fonte:
http://www.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/L/literatura_gotica.htm

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Estudos feministas e pós-coloniais (Prof. Dr. Thomas Bonnici)

Seminário Internacional Fazendo o Gênero - Univ. Federal de Santa Catarina (UFSC), 2006


PARA UMA TIPOLOGIA DA REPRESENTAÇÃO FEMININA NA LITERATURA PÓS-
COLONIAL EM INGLÊS

Thomas Bonnici
Universidade Estadual de Maringá

Sucesso incompleto


No auge do estruturalismo e pós-estruturalismo, as teorias feminista e pós-colonial têm percebido uma sensibilidade mútua. Indaga-se se a representação da mulher nos romances pós-coloniais teve um desenvolvimento significativo de acordo com as teorias veiculadas pelas duas disciplinas. Num planeta em diferentes fases de globalização, é inevitável que a mulher de 2006 seja muito diferente da mulher dos anos 1950 e 1960. Se há diferenças entre os personagens femininos em Things Fall Apart publicado em 1958 e Purple Hibiscus, publicado em 2003, por que muitos estudiosos do feminismo questionam ou problematizam o sucesso alardeado, enquanto outros contabilizam os prejuízos que o feminismo tem proporcionado à família e às mulheres em geral (Greer, 2001; Wolf, 2006).


O objetivo dessa pesquisa é uma tentativa para uma tipologia da representação feminina em romances pós-coloniais, escritos em inglês, através da análise das personagens femininas e suas respostas aos eventos do “Império”. Analisam-se alguns sujeitos femininos em Crossing the River (1993), do caribenho Caryl Phillips, em The Pickup (2001), da sul-africana Nadine Gordimer, em Fruit of the Lemon (1999) e Small Island (2005), da anglo-jamaicana Andrea Levy, em Disgrace (1999), de J.M. Coetzee, e em Purple Hibiscus (2003), da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie. A escolha desses romances se justifica especialmente pela forte influência que o “novo imperialismo” tem exercido a partir de 1990 sobre as comunidades pós-coloniais e a subseqüente intervenção do sujeito feminino, representado nos romances, conforme as categorias de gênero e classe.


Personagens femininas da literatura pós-colonial


Destacam-se nesse período o envolvimento mais enérgico do feminismo negro e terceiromundista especialmente nas ex-colônias européias e a introdução de estudos femininos em praticamente todas as instituições de ensino superior e a publicação de obras de autoria feminina. Como havia previsto Fanon (1990), essa geração de autoras e de autores “politicamente correta” surgiu justamente no período em que a independência política não devolveu a liberdade, a igualdade e a libertação prometida porque a burguesia local, assumindo o poder, estancou a situação sociopolítica da maioria da população. Frequentemente, a diáspora, em todos os sentidos, tornou-se a característica transindividual nas ex-colônias durante as últimas décadas do século 20 e do início do século 21, afetando principalmente as mulheres (Spivak, 1996).


A análise dos romances acima mencionados mostrará como as produções literárias são inseridas nas estruturas sociais e históricas, as quais são refletidas na representação dos e na relação entre as personagens. A representação das personagens femininas, as quais tendem à desilusão e à decepção, mostrará ou a superação dos problemas, ou o auto-exílio, o enfrentamento da diáspora transnacional ou a liberdade de situações opressivas familiares. Embora em nível individual a representação do sucesso esteja à vista, a ambigüidade da situação é percebida na situação da maioria que ficou.


A agência da escrava “Martha


A secção “West” em Crossing the River (1994) narra a história de “Martha”, vendida pelo pai na costa africana em 1752, e sua trajetória, como escrava, do leste ao oeste dos Estados Unidos. A recepção deste romance acontece quando os Estados Unidos se consolidam como país hegemônico e quando o Caribe se aprofunda numa economia dependente devido às influências políticas aleijadoras dos países dominantes. A personagem Martha se caracteriza metonimicamente pela agência da contracultura iniciada e aprofundada pelo Negro nos Estados Unidos e no Caribe. Embora na década de 1990 o problema jurídico racial nos Estados Unidos já tivesse sido solucionado, pelo menos teoricamente, persiste ainda o preconceito de que o negro constitui uma “raça” no contexto da sociedade estadunidense ou uma classe de pessoas legitimamente excluídas. Phillips contrapõe-se a esse preconceito através da construção da comunidade e do trabalho a serviço da comunidade. A escrava “Martha”, encarando o ambiente senhoril, eurocêntrico e patriarcal como “inferno”, percebe essa tensão não apenas em nível étnico, mas, em nível classista e de gênero, já que o patriarcalismo é elemento integrante do colonialismo e do imperialismo. Sua autonomia pessoal será garantida numa comunidade negra cuja finalidade não é o ouro, mas a terra onde, através do trabalho, poderia alcançar a verdadeira subjetividade, longe dos brancos.


A história de Martha revela a tensão produzida pelo “ajustamento econômico” no Caribe, exigência do neoliberalismo, mesmo depois da independência política nos anos 1970 e 1980. À notícia da libertação dos escravos em 1865, Martha confessa que pouca diferença isso faria à população negra se persistissem o patriarcalismo e a mentalidade anticlassista e anti-racial. Phillips revela o difícil obstáculo, imposto pela comunidade branca, capitalista e excludente, aos negros nas comunidades-nações do Caribe, para os quais, frequentemente, o único caminho é a diáspora transnacional. Como “Martha” morre a caminho para a Califórnia, o sucesso do indivíduo caribenho em diáspora é ambíguo porque fica sujeito à política neoliberal e colonial.


A negra “Martha” poderia ser tipificada como (1) construtora da nação pelo trabalho, contrapondo-se às idéias de parasitismo e de ociosidade vigentes entre a população branca estadunidense; (2) formadora de inter-relacionamentos, contrapondo-se à globalização da exclusão, à maximização dos lucros, à minimização de atividades de colaboração; (4) sujeito num ambiente de patriarcalismo e de colonialismo contra os quais se rebela, embora seu sucesso seja marcadamente ambíguo.


Desafio para sul-africanas burguesas


Apesar de seu variado engajamento na luta anti-apartheid (Taubman, 1984; Glenn, 1994; Attwell & Harrow, 2000), Nadine Gordimer e J.M. Coetzee, de ascendência européia, concentram sua ficção pós-1990 sobre a situação sul-africana pós-apartheid e refletem sobre a utopia da construção de uma nação baseada nos princípios da reconciliação e da igualdade. Como Julie e Lucy, respectivamente protagonistas em The Pickup e Disgrace, pertencem à burguesia branca, num ambiente pós-apartheid, os dois romances parecem se identificar mais com a elite e a classe média que sofrem violência e sentem-se ameaçados do que com as massas de peões agrícolas e de trabalhadores urbanos.


Todavia, destacam-se e mediação e a interação entre essas forças sociais trans-individuais e as características das personagens. Embora The Pickup reflita a situação urbana do país, especialmente o patriarcalismo / colonialismo de sua família e a tutela do Estado pela população branca, a unheimlichkeit de Julie resulta numa situação própria da população deslocada e sua entrada numa cultura rural, religiosa, patriarcal, caracteristicamente prejudicial à mulher. A interação entre esses pólos antagônicos recria a mulher agente, conciliadora sem submissão, respeitada nas suas ações, e aparentemente reconciliada consigo mesma. A condição nova da África do Sul não satisfaz a Julie, enquanto o deserto, a vida simples e a vivência na comunidade lhe garantem a felicidade almejada. Destacando-se como sujeito, a diaspórica Julie constrói uma comunidade de amigas diante da investida do neoliberalismo na aldeia pobre de Ibrahim.


Semelhante a The Pickup, o romance Disgrace mostra a flexibilização na África do Sul pósapartheid imersa no neoliberalismo e na globalização. Revela também a implosão da desigualdade das classes, refletida principalmente no patriarcalismo e no patronato. Embora estuprada por uma gangue de negros, Lucy reforça a sua subjetividade quando recusa de incriminar os agressores, doa sua terra a Petrus, seu ex-empregado, e entra sob sua proteção. Essa atitude paradoxal é a utopia de uma reconciliação entre as etnias e as classes através de profundas mudanças na identidade, igualdade e cidadania. Parece que a atitude de Lucy indica as condições de reconciliação e de perdão que a África do Sul necessita nesse período pós-apartheid.


Na África do Sul pós-apartheid a representação da mulher branca poderia ser tipificada através do (1) aprofundamento da insatisfação e da ambigüidade, já que sua libertação ficou muito aquém de suas expectativas; (2) deslocamento, interno e externo, que, paradoxalmente lhe dá mais autonomia e agência frente às novas condições sociopolíticas; (3) aguçamento da responsabilidade para reverter, como primícias, através da construção da comunidade e da reparação, a histórica desigualdade e suas injustiças.


O desafio da mulher caribenha na diáspora


Lugar de dupla colonização no século 16 (Ashcroft, 1991) e de indentured labour após a Emancipação no século 19, a maioria dos países caribenhos se tornou politicamente independente somente em meados do século 20. Todavia, apesar de a mulher caribenha ter sido objetificada pelo patriarcalismo-colonialismo europeu e pelo patriarcalismo africano e asiático, a sua agência aumentou consideravelmente após 1980 devido a várias reformas sociais abrangentes. Em contraposição ressalta-se o novo controle que os Estados Unidos exercem na região, após 1950, o qual resultou na diáspora como uma condição transindividual constante no Caribe.


Fruit of the Lemon (1999) e Small Island (2004) são dois romances complementares: Small Island mostra o casal caribenho Hortense Roberts e Gilbert Joseph que emigra para a Inglaterra; Fruit of the Lemon revela as vicissitudes da britânica Faith Jackson, segunda geração caribenha, de volta à Jamaica.


Em Small Island Levy mostra, em retrospectiva, a formação individual de Hortense e Gilbert, pertencentes à classe social baixa, inseridos no regime colonial da Jamaica, sua emigração na Inglaterra e sua estada em Londres onde adotam uma criança negra nascida na Inglaterra. Aos olhos britânicos, a negra Hortense é estereotipada, objetificada racialmente, desqualificada como britânica, incapacitada em sua profissão, hierarquizada e rotulada como cidadã secundária.


No contexto histórico das décadas finais do imperialismo britânico e o início da diáspora caribenha, Hortense expõe o pioneirismo do sujeito colonial rejeitado em “sua própria casa” devido à etnia e à classe. Diante de profundos conflitos sociais a sua agência se sobrepõe quando toma a decisão de continuar vivendo na Inglaterra e adotar uma criança negra apesar do racismo e da ideologia classista vividos como mulher.


Em Fruit of the Lemon, a condição de nascida e criada na Inglaterra, mas de pais jamaicanos, não coloca Faith Jackson numa situação melhor daquela vivida por Hortense. No final da década de 1970, Faith Jackson negocia sua condição de ser negra no emprego e no ambiente multicultural e racista britânico. Vivendo uma crise de identidade, ela viaja para a Jamaica onde, através das histórias orais de parentes, se inteira das intricadas redes de parentesco construídas pelos colonizadores e colonizados no Caribe e, consequentemente, ela assume uma nova modalidade de ser. A experiência de Faith na Inglaterra e na Jamaica parece ser estritamente pessoal, mas o narrador constrói a condição da mulher diaspórica como o produto de profundas tensões sociais. Em Fruit of the Lemon, portanto, a convivência pacífica, o multiculturalismo, a suposta fácil ascensão social do migrante e o respeito entre britânicos nativos e pessoas oriundas das ex-colônias na sociedade britânica são denunciados como um mito.


A condição feminina em Small Island e Fruit of the Lemon mostra que (1) o progresso material da sociedade britânica não é sinônimo de diminuição de tensão inter-racial, especialmente quando o sujeito é mulher; (2) a agência feminina é um fato certo, apesar de tensões contra o patriarcalismo na família e no emprego num ambiente globalizado de exclusão e de valores não-comunitários; (3) a voz da mulher na sociedade tecnológica tem menos autoridade do que na comunidade do Terceiro Mundo; (4) a construção da comunidade através da tolerância e do multiculturalismo é caracteristicamente feminina e se contrapõe à competitividade e à exclusão dos países ricos.

Repressão e revide na Nigéria

Em Purple Hibiscus (2003) Adichie coloca a protagonista Kambili num ambiente de patriarcalismo, fundamentalismo religioso e resistência feminina, silenciosa e eficiente, na Nigéria infestada pela repressão. Essa situação revela as contradições individuais e as forças sociais transindividuais operando na construção da sociedade e as tensões inerentes a essas forças. Percebe-se o patriarcalismo e o neocolonialismo da “elite” da sociedade nigeriana que utiliza o poder em benefício próprio e não para o desenvolvimento cultural e tecnológico do povo da ex-colônia. Todavia, o silêncio de Kambili e o assassinato de Eugene pela esposa são revides preferíveis à tirania patriarcal


A condição feminina em Purple Hibiscus mostra (1) a íntima relação entre o patriarcalismo e a neocolonialismo formada pela burguesia nacional; (2) a opressão feminina naturalizada, sem nenhuma necessidade de explicações; (3) a liberdade física feminina como camuflagem para a carência da liberdade verdadeira; (4) os obstáculos profundos que as mulheres nas comunidades pós-coloniais encontram para conquistar a agência, apesar de sua participação nas lutas anticoloniais ou pela igualdade de gênero; (5) a reação feminina ambígua devido a sua semelhança à opressão do colonizador.

Caminhando ainda


O descompasso existente entre o conceito de libertação e o grau de igualdade e de heterogeneidade que se encontra em exercício no dia-a-dia da vida das mulheres nas últimas décadas do século 20 e no início do século 21 explica o senso de sua frustração nas sociedades pós-coloniais ou aquelas que, embora possuidoras de bens materiais, ainda estão hierarquizadas e fossilizadas em classes sociais e grupos étnicos excludentes, ou ainda quando a própria mulher, branca, cristã, financeiramente estável, carece consciência de que ela não representa todas as mulheres do mundo (Greer, 2001, p. 10-11).


Ademais, parece que o novo tipo de colonialismo pós-1990 é mais abrangente e mais corrosivo para as sociedades, apesar de estas são politicamente independentes e possuem as benesses da industrialização e uma extensa rede de comunicação. Embora não se possa dizer que os romances escolhidos revelem absolutamente a complexa tipologia da representação feminina pós-colonial, acredita-se que possam ser indicadores para retratar a condição feminina na literatura oriunda das ex-colônias britânicas. Em primeiro lugar, parece que os autores pós-coloniais preferem representar a mulher da classe média alta (Lucy, Julie, Kambili) e baixa (Hortense, Faith) à mulher estritamente operária (Martha), independente de sua opção sexual, profissão, etnia ou cor. Em qualquer status social a mulher enfrenta a ideologia patriarcal/colonial, representada ou por personagens concretas (pai, marido, empregadores, professores) ou pelo sistema capitalista e suas conseqüências (o racismo, os resquícios de apartheid, a exclusão, a subalternação). O deslocamento, característico da contemporaneidade, pode ser indicativo de frustração e insatisfação como também de busca para a ascensão social. Nesse último caso, a negra (Hortense, Faith) enfrenta problemas de emprego, moradia, aceitação social, competitividade, e de exclusão por causa de sua etnia e proveniência colonial. Por outro lado, apesar de sua condição social e étnica, Julie se integra na comunidade feminina árabe e encontra sua realização através da mística do deserto (realização pessoal) e do soerguimento educacional das mulheres árabes (realização comunitária).


A classe operária não se destaca nesses romances. A única exceção é a escrava Martha, consciente de que está construindo um novo tipo de sociedade baseada na cooperação, inclusão e trabalho enquanto rechaça e supera a sociedade excludente e em constante busca de lucro. O fato que só Martha retrata a condição operária pode ser indicativo da teoria de que a literatura é algo específico do capitalismo e baseia-se sobre a falsa supressão das condições materiais e ideológicas que a moldam.


Todavia, verifica-se que as personagens mostram um alto grau de agência apesar dos grandes obstáculos encontrados. A cor, a etnia, a classe, a religião não constituem mais impedimentos para elas se afirmarem como agentes autônomos e independentes, opondo-se às variadas restrições do colonialismo e do capitalismo. Apesar disso, o esforço e a luta para conseguir a agência não são iguais a todas, admitindo gradações: Hortense e Faith enfrentam o escárnio do racismo numa sociedade que finge ser democrática e inclusiva; Lucy enfrenta a inversão sociopolítica pós-apartheid pela escolha da reconciliação, do perdão e da auto-imolação; Kambili se opõe ao sadismo do pai e do regime ditatorial através da resignação ao assassinato.


O projeto utópico da construção da comunidade ainda está inacabado, muito embora vários romances vislumbrassem tal procedimento e conduto. Transpondo o olhar além do horizonte, Martha visualiza um mundo de reciprocidade, contrastando o “inferno” que o homem branco construiu no Novo Mundo; contra os horrores do ódio e da segregação, Lucy imagina na África do Sul uma comunidade heterogênea e reconciliada consigo mesma após séculos de hierarquização e binarismo; Hortense e Faith enfrentam a hostilidade britânica contra imigrantes negros e impõem sua cidadania. O sucesso preconizado pelas feministas é ambíguo, mas as respostas de tolerância, multiculturalismo, reciprocidade e agência contra o imperialismo e a dominação, as quais permeiam a literatura pós-colonial escrita em inglês, se encontram em toda parte. Talvez o horizonte da obra literária pós-colonial, especialmente aquela de autoria feminina e/ou em que a mulher é protagonista verifica-se no exato lugar descrito por Roy (2003, p. 112): “[A literatura] não deve apenas se opor ao Império, mas cercá-lo, sufocá-lo, envergonhá-lo, expô-lo ao ridículo. Com nossa arte, nossa música, nossa literatura, nossa teimosia, nossa exuberância, nossa alegria, nossa absoluta persistência e nossa capacidade de contar nossas próprias histórias. Histórias que são diferentes daquelas que eles tentam nos fazer engolir para nelas acreditar”.


Referências bibliográficas


ADICHIE, C.N. Purple Hibiscus. New York: Random House, 2003.
ASHCROFT, B; GRIFFITHS, G.; TIFFIN, H. The Empire Writes Back: Theory and Practice in
Post-colonial Literatures. London: Routledge, 1991.
ATTWELL, D.; HARLOW, B. South African Fiction after Apartheid. Modern Fiction Studies, v.
46, n. 1, 2000, p. 1-12.
COETZEE, J.M. Disgrace. London: Vintage, 2000.
FANON, F. The Wretched of the Earth. Harmondsworth: Penguin, 1990.
GLENN, I. Nadine Gordimer, J.M. Coetzee, and the Politics of Interpretation. The South Atlantic
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GORDIMER, N. The Pickup. Farrar, Straus & Giroux, 2001.
GREER, G. A mulher inteira. Rio de Janeiro: Record, 2001.
LEVY, A. Fruit of the Lemon. London: Review, 1999.
LEVY, A. Small Island. New York: Picador, 2005.
PHILLIPS, C. Crossing the River. New York: Vintage, 1994.
ROY, A. War Talk. Boston: South End, 2003.
SPIVAK, G. Diasporas old and new. Textual Practice, v. 10, n. 2, 1996, p. 245-269.
TAUBMAN, R. Doris Lessing and Nadine Gordimer. In FORD, B. (Ed.). The New Pelican Guide
to English Literature: The Present, v. 8, 1984, p. 233-244.
WOLF, A. Working Girls. Prospect. April 2006.

Fonte:
http://www.fazendogenero7.ufsc.br/st_10_B.html

Ciência e Ficção: o futuro antecipado (Rodrigo Cunha)

Diversos cientistas de hoje, para justificar o financiamento às suas pesquisas, fazem prognósticos dos possíveis benefícios que elas trarão à humanidade no futuro. Mas muitos avanços da ciência foram antes previstos em obras de ficção. “A capacidade do futuro de ocupar a imaginação tem sido uma característica permanente da condição humana, expressa nos mitos, em desenhos, rituais, produções literárias e filmes de ficção científica”, diz Alice Fátima Martins, da Universidade Federal de Goiás (UFG), que pesquisou em seu doutorado o cinema de ficção científica como expressão do imaginário social sobre o futuro. Segundo ela, um dos elementos que viabiliza esse imaginário social é o desejo de desbravamento e conquista de territórios desconhecidos, que também se expressa na literatura antes mesmo do surgimento do cinema.

O escritor francês Julio Verne, por exemplo, em seu livro De la terre à la lune (Viagem à lua), de 1865, previu não apenas que o homem conseguiria chegar ao satélite da Terra, mas também qual seria a velocidade necessária para essa jornada (11 km/s). Um editorial do The New York Times publicado um dia após o lançamento da espaçonave norte-americana Apollo 11 para a Lua, em 1969, reconhece que Verne estava certo ao afirmar que um foguete pode funcionar também no vácuo e não somente na atmosfera. Em Vinte mil léguas submarinas, de 1869, Verne também previu que os submarinos do futuro utilizariam um combustível muito eficiente e praticamente inesgotável. Os submarinos já existiam desde 1776, quando um aparato de madeira batizado de Turtle foi utilizado na guerra da independência dos Estados Unidos. Mas foi apenas em 1954 que submergiu o primeiro submarino da história movido por propulsão nuclear, batizado pelos norte-americanos de Nautilus, em homenagem ao veículo comandado pelo personagem capitão Nemo em Vinte mil léguas submarinas.

De acordo com Paul Saffo, do Institute of the Future, a exemplo dos construtores do submarino nuclear – leitores confessos de Julio Verne –, os cientistas e engenheiros de hoje responsáveis pela tecnologia que será utilizada daqui a vinte anos se inspiram lendo os livros de ficção científica mais populares do momento. E alguns pesquisadores, além de suas contribuições para a ciência, também são eles próprios consagrados autores de ficção científica. É o caso do britânico Arthur Clarke, autor de livros como a série Odisséia no espaço, que deu origem ao clássico filme 2001, de 1968, cujo roteiro ele assina junto com o diretor Stanley Kubrick. Desde 1951, Clarke publica livros de ficção com a temática do espaço, mas seis anos antes, ele já havia dado uma importante contribuição para as pesquisas espaciais: em artigo científico publicado no periódico Wireless World, Clarke – que era membro da Sociedade Interplanetária Britânica – propôs o conceito de satélites geoestacionários como ideal para as telecomunicações. Em 1957, os russos lançam na órbita da Terra o Sputnik, primeiro satélite de comunicação da história.

Para Ieda Tucherman, que pesquisa na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) a relação entre as novas tecnologias e a ficção científica, esta última seria descendente do imaginário técnico-científico da modernidade e teria sido um fértil celeiro de existências lógicas que se tornaram possíveis. Hoje, porém, os especialistas de áreas envolvendo tecnologia de ponta fazem previsões para um futuro próximo que para o leigo – ou cético – podem parecer ficção. “As declarações proferidas por cientistas dessas áreas de ponta das biotecnologias e da informática são muito mais ousadas do que as fantasias apresentadas pela ficção-científica, literária ou cinematográfica”, afirma Tucherman. “Restou à ficção a função de expressar a inquietação humana diante das novas possibilidades”, completa.

Em Digital people – from bionic humans to androids, publicado este ano, o físico norte-americano Sidney Perkowitz elenca aspectos dos robôs que têm como objetivo atingir diferentes níveis da capacidade humana. Nesse livro, o autor também apresenta um conjunto de microprocessadores e softwares como o equivalente ao cérebro humano em seres artificiais. O êxito de projetos que busquem essa equivalência, no entanto, é colocado em dúvida por pesquisadores da área de informática. “Será que os sistemas de software são confiáveis o suficiente para que os robôs e outros seres artificiais façam apenas aquilo para o que foram projetados?”, questiona Virgílio Fernandes Almeida, chefe do Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais. “A experiência com os complexos sistemas de software hoje existentes não nos permite ter certeza das respostas a essa questão”, avalia.

Dúvidas como essa aparecem em filmes como Inteligência artificial, de Steven Spielberg e Stanley Kubrick, de 2001. Nessa história, um casal com um filho praticamente desenganado – que permanece congelado pelo método criogênico – resolve acolher em casa a última novidade produzida pela Cybertronics Manufacturing: um meca-filho, robô idêntico a uma criança, programado para amar seus pais adotivos assim que eles lêem sete palavras previamente definidas pela empresa que o construiu. Quando o filho verdadeiro do casal supera as previsões médicas e se recupera, passa a disputar com o meca-filho o amor da mãe, que após diversos incidentes entre os dois, decide devolver o robô adotado para a Cybertronics. A empresa só o receberia de volta na condição de destruí-lo. Com pena da criatura que chegou a acolher como filho, a mãe adotiva resolve abandoná-lo em uma floresta. Daí em diante, a exemplo do personagem infantil Pinóquio, o meca-filho passa a tentar descobrir de forma incansável como fazer para se tornar humano.

A clássica história infantil As aventuras de Pinóquio, sobre o boneco de madeira que ganha vida após ser construído pelo mestre Gepeto, foi publicada pelo italiano Carlo Collodi em 1893. Quatro séculos antes, seu conterrâneo Leonardo Da Vinci, que viveu entre 1452 e 1519, já desenvolvia pesquisas sobre a anatomia humana que ajudariam na criação de articulações mecânicas. A partir dos estudos de Da Vinci, surgiram bonecos que moviam as mãos, os olhos e as pernas e conseguiam realizar ações simples como escrever ou tocar certos instrumentos musicais. A idéia de bonecos mecânicos de funcionamento previamente programado – como o robô do filme Inteligência artificial – só se desenvolveria após 1940, quando George Stibitz, da empresa Bell Labs, dos Estados Unidos, apresentou ao mundo o primeiro computador digital da história.

Leis fundamentais da robótica

Um robô nunca deve atacar a um ser humano, nem omitir socorro a um ser humano em perigo.
Um robô deve sempre obedecer às ordens dadas pelos seres humanos (a não ser que esta lei entre em conflito com a primeira).
Um robô nunca deve se auto-destruir e destruir a um dos seus (a não ser que esta lei entre em conflito com as duas primeiras).

O termo “robô” surgiu pela primeira vez em 1920, na peça do dramaturgo checo Karel Capek intitulada RUR (Rossum’s Universal Robots). Em 1926, o filme Metrópolis, de Fritz Lang, já apresentava um personagem com características de humanóide, meio máquina e meio mulher. Mas a robótica–como área de investigação científica–nasce de fato após o advento do computador, curiosamente, a partir da obra de um ficcionista (e também bioquímico): o russo naturalizado americano Isaac Asimov. O termo robótica aparece primeiro em uma pequena história sua, de 1942, intitulada Runaround. Em 1950, Asimov publica Eu, robô – cuja adaptação está atualmente em cartaz nos cinemas – uma coletânea de contos que mostra a evolução dos seres autômatos (os robôs), na qual ele postula as três leis fundamentais da robótica.

Essas leis propostas por Asimov sintetizam algumas inquietações humanas apontadas por Tucherman (UFRJ), expressas na ficção diante de novas possibilidades científicas e tecnológicas que não se restringem à área da robótica. No romance Frankenstein, publicado pela inglesa Mary Shelley em 1816, o personagem criado a partir da união de partes humanas retiradas de diversos corpos,acaba se voltando contra seu criador. Em A ilha do Dr. Moreau, de 1896,o também inglês H.G.Wells conta a história de um cientista que faz experimentos de hibridização de espécies animais com humanos, e as criaturas bestiais resultantes se revelam incontroláveis e também destroem quem as criou.Mais recentemente, inquietações como essa também aparecem em filmes como Blade Runner, de Ridley Scott, de 1982, onde andróides projetados por uma empresa de biotecnologia lutam para prolongar a sua vida, previamente programada para se extinguir em poucos anos; o líder dos andróides, diante da impossibilidade de conseguir seu objetivo, assassina o dono da empresa que os projetou. E no campo da informática, as preocupações de Asimov são centrais no filme 2001, uma odisséia no espaço, de Kubrik e Clarke: o supercomputador que comanda a espaçonave que realiza a odisséia acaba adquirindo vontade própria e passa a desobedecer os comandos humanos.

Rodney Brooks,do Laboratório de Inteligência Artificial do MIT,afirma que em 20 ou 30 anos,teremos capacidade tecnológica para construir um robô com a mesma capacidade de computação do cérebro humano, mas garante que a maior parte dos robôs que iremos construir não terá vontade própria. Parte da complexa capacidade de processamento do cérebro humano, no entanto,já foi igualada–e talvez até superada–por máquinas feitas pelo próprio homem. Em maio de 1997,o supercomputador Deep Blue da IBM,disputou com o campeão mundial Gari Kasparov uma série de seis partidas de xadrez. Kasparov venceu apenas a primeira, e houve três empates entre as duas vitórias do Deep Blue sobre o enxadrista russo na segunda e na sexta partida.

A ciência – esteja ela ancorada em afirmações ousadas, como a de Perkowitz, autor de Digital People, ou prudentes, como a de Brooks, do MIT – ainda não produziu máquinas ou seres que fugissem ao controle de seus criadores da forma como a ficção apresenta. Mas outras inquietações apresentadas na ficção acerca do futuro que não gostaríamos de ter suscitaram discussões que ajudam a mudar o curso da história. “Blade Runner, dentre outras questões relevantes que trata, mapeia inquietações e desdobramentos em termos das relações sociais a partir da queda vertiginosa da qualidade de vida em meio ao caos em que se tornaram as megalópolis”, exemplifica Alice Fátima Martins, da UFG. Segundo a pesquisadora, no filme de Ridley Scott já não há o entusiasmo com a fumaça das chaminés, que no cinema do início do século XX representava o prenúncio do progresso e a conquista do futuro.

Inteligência Artificial, de Spielberg e Kubrick, também vai além da questão filosófica acerca de seres previamente programados e reproduzidos em série: cidades costeiras como Nova Iorque, no futuro em que se passa o filme, estão totalmente alagadas em função do derretimento das calotas polares, um alerta para as discussões políticas envolvendo mudanças climáticas e aquecimento global (leia edição da ComCiência dedicada ao assunto). E obras clássicas da literatura, como Admirável mundo novo, de Aldous Huxley, e 1984, de George Orwell, continuam sendo referência no debate sobre o risco de se ter uma sociedade totalitária – seja no futuro ou no presente.

Desde que o inglês H.G.Wells publicou o livro A máquina do tempo, em 1895, esse tema voltou a aparecer em diversas obras de ficção, incluindo filmes despretensiosos como De volta para o futuro (1989), de Robert Zemeckis, ou mais elaborados, como Os doze macacos (1995), de Terry Gilliam. E a partir da teoria da relatividade, elaborada por Einstein no início do século XX, a ciência também passou a encarar o tema com seriedade. Hoje já se sabe que um corpo que se move a uma velocidade próxima à da luz, como os raios cósmicos, pode atravessar uma galáxia em poucos segundos, embora para um observador terrestre essa travessia pareça levar milhares de anos.
Fonte:

O Fantastico e a Fantasia (Jefferson Vasques Rodrigues)

O FANTÁSTICO E A FANTASIA
Jefferson Vasques Rodrigues

“O abismo sonha um grito nos olhos de quem o sente”.


O mundo real deve ser entendido, de um modo geral, como aquele conteúdo da consciência constituído, por um lado, pela imagem do mundo mediada pela percepção (objeto), e do outro, pelo conteúdo dessa imagem mediado pelo sentimento e pensamento inconscientes (“ímago”). Assim, as duas “realidades” que se apresentam, o mundo da consciência e o mundo do inconsciente, não disputam a supremacia, mas tornam-se mutuamente relativos. Ninguém se oporá com obstinação a idéia de que a realidade do inconsciente seja relativa; mas que a realidade do mundo consciente seja posta em dúvida, eis o que não será tolerado com a mesma facilidade. No entanto, as duas “realidades” são vivências psíquicas.

Não há realidade absoluta, de um ponto de vista crítico. Conhecemos o mundo externo e interno, consciente e inconsciente, através das imagens mentais, como observado pelo psiquiatra suíço, Carl Jung: “Longe, portanto, de ser um mundo material, esta realidade é um mundo psíquico que só nos permite tirar conclusões indiretas e hipotéticas acerca da verdadeira natureza da matéria. Só o psíquico possui uma realidade imediata, que abrange todas as formas, inclusive às idéias e pensamentos “irreais”, que não se referem a nada de exterior”.

Quando se torna ambígua a distinção da origem de uma imagem mental, se essa provém do mundo externo (percepções) ou interno (sensações, imaginação), surge o estado de hesitação e simultaneidade pelo qual se caracteriza, em termos psicológicos, a fantasia. Essa impossibilidade de distinção pode ocorrer em estados alterados de consciência ou então pela projeção: um complexo afetivo (libido) associado a um objeto invade a estrutura consciente devido a repressão unilateral (a paixão é um exemplo).

Essa hesitação real é a mesma hesitação representada para o leitor num texto fantástico, hesitação que Todorov explicitou como característica marcante da literatura desse gênero. A oscilação entre uma explicação racional e conhecida (consciente) e a aceitação irracional de um evento estranho às leis da natureza (inconsciente) acaba promovendo a simultaneidade desses aspectos. Além disso, para que exista a hesitação é necessário que o leitor “participe” do texto e ao mesmo tempo perceba seu papel de receptor. Portanto o leitor não poderia interpretar o texto alegoricamente, o que o colocaria muito distante da narrativa, nem poeticamente, o que impediria o distanciamento necessário. Essa forma de participação coincide com a maneira ideal de compreensão das fantasias, descrita pela psicologia analítica, nas palavras de seu fundador, Jung: “...porque para ser vivida de um modo completo a fantasia exige, não só a visão passiva, mas a participação ativa do sujeito”. Só assim a fantasia pode escapar à sina de se tornar um movimento esdrúxulo da imaginação (rejeitado) ou de ser analisada ao pé da letra, concretamente, o que deixaria de lado seu conteúdo simbólico (não se entenda símbolo como alegoria e sim como “representação” de aspectos in/conscientes).

Todorov esclarece que em muitos casos a história fantástica, que nasce da coexistência de dois universos, acaba se dissolvendo em um dos pólos dessa tensão, característica que esse crítico utilizou para sua classificação. O texto é dito fantástico-estranho quando os acontecimentos insólitos são explicados de forma racional e essa explicação é aceita pelos personagens no mundo ficcional. Se os acontecimentos sobrenaturais afirmam-se como inexplicáveis caracteriza-se o texto como fantástico-maravilhoso.
Para Todorov, a função do texto fantástico é “subtrair o texto à ação da lei e assim transgredi-la”. Com isso seria possível burlar a censura social permitindo a incursão por temas tabus para a coletividade como incesto, amor homossexual, necrofilia, sensualidade excessiva, doenças mentais e vícios. Já para a narrativa, a emersão de eventos sobrenaturais, movimentos extraordinários, permite a saída de um estado de equilíbrio ou desequilíbrio constantes dinamizando assim a realidade que até o momento se encontrava estabilizada. Verifica-se, aqui também, semelhança com as funções da fantasia: apresenta ao seu receptor-emissor imagens que procuram romper uma fixação consciente (lei) procurando dar fluxo a libido estagnada trazendo assim, aos olhos da consciência, uma outra face da realidade psíquica. Como já mencionado anteriormente, isso apenas é possível, segundo a psicologia analítica, se o emissor-receptor encarar a fantasia sem desprezo (distanciamento) ou entrega (alucinação). Deve haver a simultaneidade de estados. Posição equivalente a que Todorov defende com relação ao leitor da literatura fantástica.

É interessante notar a evolução dos textos fantásticos, a partir dos textos homéricos e lendas antigas, verificando uma mudança importante que só veio a se cristalizar a partir do século XVIII : a conscientização da situação fantástica pelo próprio narrador, indicando um maior aprofundamento no entendimento da realidade, pelo menos da realidade ficcional, como algo mutável e suscetível. E já no século XX, a literatura fantástica passa a assumir o fato insólito, típico desse gênero, como um acontecimento normal dentro da narrativa, não sendo necessária a torrente de explicações racionais que o texto fantástico, da época do iluminismo, exigia. Pode-se fazer um paralelo entre o processo de conscientização da ir/realidade do mundo ficcional ao processo de conscientização da ir/realidade do mundo real (psicológico).

Referindo-se a esse último, Jung disse: “Quanto mais limitado for o campo consciente de um individuo, tanto maior será o número de conteúdos psíquicos (“imagos”) que se manifestam exteriormente, quer como espíritos, quer como poderes mágicos projetados sobre vivos (magos, bruxas). Num estádio superior de desenvolvimento, quando já existem representações da alma, nem todas as imagens continuam projetadas (quando a projeção continua, até mesmo as árvores e as pedras dialogam); nesse novo estádio, um complexo ou outro pode aproximar-se da consciência , a ponto de não ser percebido como algo estranho, mas sim como algo próprio.” - é o que vem acontecendo ao longo do desenvolvimento da literatura fantástica -

“Tal sentimento, no entanto, não chega a absorver o referido complexo como um conteúdo subjetivo da consciência. Ele fica, de certo modo, entre o consciente e o inconsciente, numa zona crepuscular: por um lado, pertence ao sujeito da consciência, mas por outro lhe é estranho, mantendo uma existência autônoma que o opõe ao consciente. De qualquer forma, não obedece necessariamente a intenção subjetiva, mas é superior a esta, podendo constituir um manancial de inspiração, de advertência, ou de informação”.


Verifica-se portanto o espelhamento entre a realidade psíquica e a realidade ficcional, ambas questionando a realidade dos padrões estabelecidos exemplificando que esses mesmos padrões, sejam ficcionais ou “reais”, não podem simplesmente ser encarados como sinais que ocultam algo de geralmente conhecido, mas sim como símbolos verdadeiros: tentativa de elucidar mediante a analogia alguma coisa ainda totalmente desconhecida ou em processo. A literatura, como as artes, representa esse processo de descoberta e a literatura fantástica representa a própria consciência dessa processo, questionando portanto a própria literatura diante da realidade.

Inicialmente apresentando o desconhecido como soturno e demoníaco, vide o “ O Corvo” de Poe, o Fantástico, com o passar do tempo e o fluir da libido inconsciente, vem se tornando natural e presente como em “Cem anos de Solidão”.


Bibliografia:
POE, Edgard “O Corvo – A Filosofia da Composição”, São Paulo, Editora Expressão, 1986
JUNG, Carl ”A Natureza da Psique”, Rio de Janeiro,Vozes, 1997
JUNG, Carl “O Eu e o Inconsciente”, Rio de Janeiro, Vozes, 1997
MARQUES, Gabriel “Cem Anos de Solidão”
RODRIGUES, Selma “O Fantástico”, São Paulo, ed. Ática, 1988
TODOROV, T. “As Estruturas Narrativas”, São Paulo, ed. Perspectiva, 1979
Fonte:

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Literatura Colonial e Pós-Colonial (Tereza Pinto Coelho)

A literatura colonial, identificada com um conjunto de textos que inclui romance, poesia, narrativas de viagem, relatos de missionários, diários, livros de notas e outros que propagandearam a ideia de império sobretudo a partir do século XIX , tem origem em textos muito anteriores aos quais vai beber metáforas e imagens, como as descrições de selvageria de Heródoto, os relatos de Marco Polo, Mandeville ou Haklyut. Seria, contudo, na virada do século, com a expansão colonial como a Inglaterra e a França, que iria desenvolver-se. A África, continente redescoberto pelos europeus nos anos 80 do século passado, surge então como cenário de inúmeros textos de autores como H. Rider Haggard, John Buchan, Mary Kingsley, Florence Dixie ou Joseph Conrad em Inglaterra e Pierre Loti, Paul Vigne D’Octon ou Paul Bonnetain em França. Também o império britânico na Índia é tema de Rudyard Kipling, E. M. Forster, G. A. Henty ou Alice Perrin.

Quanto à literatura pós-colonial considera-se, em geral, que tem início após a II Guerra Mundial sendo definida por Elleke Boehmer como “a literature which identified itself with the broad movement of resistence to, and transformation of, colonial societies.” (Colonial & Postcolonial Literature. Migrant Metaphors, Oxford University Press, 1995, p. 184). Entre as duas barreiras temporais citadas encontra-se todo um conjunto de textos que registram diferentes atitudes face ao império e que não poderão enquadrar-se numa designação única, já que, segundo a mesma autora, “initiatives which we now call postcolonial first began to emerge before,the time of formal independence, and therefore formed part of colonial literature” (Op.cit., p.5). Na verdade, já em Conrad e Forster se registram atitudes de resistência ao poder colonial, as quais iriam também encontrar expressão nos anos 20 e 30 nas obras de autores como Léopold Sédar Senghor (Senegal), Aimé Cesaire (Martinica) ou Bernard Binlin Dadié (Costa do Marfim). Vivendo em Paris, estes escritores tornaram positiva a imagem de “negritude”, anteriormente identificada como negativa e inferior pelo colonizador, passando a celebrá-la enquanto símbolo do institivo e misterioso da África negra.

É, porém, o movimento anti-colonial que se sucede a 1945 que traz consigo a literatura pós-colonial de que são exemplos autores como: Chinua Achebe, George Lamming, Ana Ata Aidoo, Alice Munro, Margaret Atwood, Patrick White (Prémio Nobel, 1973), Wole Soyinka (Prémio Nobel, 1986), J. M. Coetzee, Peter Carey ou Nadine Gordimer (Prémio Nobel, 1992), apenas para citar alguns.

É de se salientar que a partir dos anos 70, grupos cujas obras não eram até então consideradas, passam a figurar na literatura pós-colonial. São eles as mulheres (Am Ata Aidoo, Bessie Head, Keri Hulme, Michelle Cliff, Erna Brodber) e os povos indígenas (p. ex., os australianos aborígenes Sally Morgan e Mudrooroo ou os neozelandeses maori Witi Ilhimaera e Patricia Grace).

A eles se junta um terceiro grupo, os chamados migrant writers. Por diferentes razões, que vão desde a opção profissional ao exílio político, autores de nações outrora colonizadas passam a residir em Boston, Nova Iorque, Londres e Paris. É o caso de Salmom Rushdie, Ben Orki ou V. S. Naipul.

É também nos anos 70 que tem início a crítica literária pós-colonial, nomeadamente em 1978 com a publicação de Orientalism de Edward Said também ele migrant writer nos EUA e também ele, como Rushdie, com as suas obras atualmente banidas na Palestina. Desde então, a obra de Said tem dado origem a uma vasta bibliografia de análise crítica às suas teorias, bibliografia que muito tem influenciado as várias “leituras” de que têm sido objecto os textos coloniais e pós-coloniais. O que é sobretudo posto em causa na perspectiva “orientalista” de Said é o fato de este dividir o mundo em dois - o do colonizado - afirmando que o Orientalismo, que não existe na realidade sendo antes fabricado pelo Ocidente, constituir uma afirmação de poder por parte do colonizador ocidental face ao colonizado, sendo o primeiro sempre dominante e privilegiado do ponto de vista discursivo, social e político. Afirmações como “Orientalism depends for its stategy on this flexible positional superiority, which puts the Westerner in a whole series of possible relationships with Orient without ever losing him the relative upper hand” (Orientalism, Penguinm 1985, p. 7) têm sido postas em causa por vários autores. De uma forma ou de outra, todos apontam o reducionismo da metodologia de Said. Como afirma Bart Moore-Gilbert: “What unites such critics is a perception that said unifies homogenises the identity and operationality of colonial discourse to an unwarranted degree”(“Writing India, Reorienting Colonial Discourse Analyses”, in Writin India 1757-1990. The Literature of British India, 1996, p. 5).

Entre os críticos de Said destacam-se Homi Bhabha e Gayatri Chakravorty Spivak. Partindo da psicanálise, Bhabha mostra como as relações entre colonizadores e colonizados não são homogêneas, mas marcadas pela “ambivalência” (palavra-chave retirada da psicanálise) pondo em relevo a esfera insconsciente das relações coloniais e mostrando de que forma o sujeito colonial se converte em objeto de fantasia e desejo por parte do colonizador. Quanto a Spivak, põe em relevo a(s) história(s) do(s) “subalterno”(s), conceito que deve ser entendido como a diversidade dos grupos dominados e explorados silenciados pelo ponto de vista hegemônico da historiografia académica. Assim, propõe-se dar voz aos excluídos, nomeadamente às mulheres nativas subalternas, cujo ponto de vista nunca é ouvido, vítimas que são da visão de superioridade do feminismo ocidental que a autora considera sinônimo dos comportamentos do colonizador face ao colonizado e, portanto, mera reprodução dos axiomas do imperialismo.

Outros autores têm criticado Said e proposto novas formas de abordagem teórica sem, contudo, note-se, rejeitarem na íntegra o modelo orientalista. Porém, p. ex., Robert Young não deixa de apontar outros caminhos fazendo notar que não existe um modelo metodólogico para a análise de impérios como o português ou o espanhol ou para espaços geográficos que não a Índia, nomeadamente a África.

Nos anos 90 as literaturas pós-coloniais encontram-se, tal como a metodologia crítica, numa fase de proliferação e mudança. Parece-nos que uma perspectiva comparatista poderia ajudar, já que é a que passou a ser adotada para a própria História do colonialismo, como significativamente mostra o livro de Mac Ferro Histoire des colonisations (notar a utilização do plural) recentemente traduzido para português e inglês.

Jogos Florais

JOGOS FLORAIS

O período entre 28 de Abril e 13 de Maio do calendário romano marcava a celebração dos Jogos Florais (ou Florálias - do latim floralia, ium), assim denominados por se tratarem das festividades em honra de Flora, deusa da Primavera, das flores, dos cereais, das vinhas e das árvores frutíferas. A lenda diz que Flora é uma das divindades sabinas introduzidas em Roma por Tito Tácio e adorada pela populações itálicas, em geral. Desde então, associa-se o mel à deusa, como um dos presentes que esta terá concedido ao Homem, o mesmo acontecendo com todas as flores que conhecemos.
Segundo Brandão (1993), nesta data as cortesãs reuniam-se e dançavam ao som de trombetas, num concurso em que as vencedoras eram coroadas do flores, tal como era hábito fazer-se nas cerimónias de adoração da própria divindade. Por influência desta tradição romana, em toda a Península Ibérica, embora com especial incidência na zona do Algarve, ficou até aos nossos dias o costume de colocar nas portas e janelas das casas flores de giestas, também designadas por Maias (nome que provém do facto de florescerem em maior abundância do quinto mês do ano). Mais ainda, no início do século era habitual escolher-se nas aldeias uma jovem que, vestida de branco, era coroada de flores tal como a deusa.
Um pouco mais tarde, a partir do século XIII, esta celebração passou a abranger uma esfera mais alargada, agora enquanto concurso literário: os poetas e amantes da escrita, em geral, tinham nesta data a possibilidade de apresentar as suas produções num concurso.
Os Jogos Florais foram muito populares na Idade Média. Era um torneio cultural promovido anualmente em Toulouse, França, inspirado em tradições originárias da Roma antiga. Por se realizar na primavera, esse torneio, que envolvia várias modalidades literárias, oferecia prêmios (troféus) em forma de flores, daí o nome "Jogos Florais".
Em Portugal, os procedimentos se regem por um regulamento com características específicas: os participantes podem optar por várias modalidades de escrita, sendo as mais comuns o poema lírico ou as quadra populares de tema livre, o soneto (tomando como inspiração um determinado assunto), poesia obrigada à utilização de um mote específico ou alegórica à própria cidade onde se realizam os Jogos e, finalmente, o tratamento de um adágio popular. O número de trabalhos por concorrente é ilimitado, sendo os seus autores obrigados a apresentar-se sob pseudónimo, para que os jurados não sofram qualquer tipo de influência durante a avaliação. Aos melhores trabalhos são oferecidos prémios, habitualmente três por modalidade. Por vezes, são ainda concedidas menções honrosas aos candidatos, cujos trabalhos, embora não sejam vencedores, são considerados dignos de destaque.
No Brasil, os I Jogos Florais de Nova Friburgo constaram de um grande concurso de trovas, com o tema "amor". A festa de premiação, em maio de 1960, reuniu na bela cidade serrana fluminense, além dos vencedores do concurso, outros ilustres intelectuais, entre os quais Antônio Olinto, Eneida, Jorge Amado, Manuel Bandeira.
Dali por diante, dezenas de outras cidades passaram a promover torneios semelhantes, alguns com o nome de Jogos Florais, outros simplesmente como concursos de trovas. Na maioria dessas cidades, a festa hoje faz parte do calendário de eventos, constituindo importante atração turística.
O concurso de trovas propõe um ou mais temas, a partir dos quais trovadores de todo o Brasil e também de Portugal produzem seus versos. Ao final do prazo estabelecido para remessa dos trabalhos, uma comissão julgadora seleciona as trovas premiadas (vencedoras, menções honrosas e menções especiais).
Os autores das trovas contempladas são convidados a comparecer à cidade promotora do concurso para uma festa que dura de um a três dias. Nessa ocasião, além de passeios, recitais e outros programas, faz-se uma reunião solene para entrega dos prêmios (diplomas, troféus e medalhas). Não há prêmio em dinheiro. Quando há recursos disponíveis, os premiados ganham hospedagem e refeições, mas as despesas de transporte correm por conta de cada um. Por ser um movimento literário que se caracteriza pela fraternidade, tal costume é aceito tranqüilamente.

Junito de Sousa Brandão: Dicionário Mítico-Etimológico e da Religião Romana (1993); Silvério Benedito: Dicionário Breve da Mitologia Grega e Romana (2000); Almanaque 1996, ed. Ministério da Educação, Departamento de Educação Básica.

Fontes:
http://ubtportoalegre.portalcen.org/trovas.htm
www.folcloreonline.com/folhas/maio1.htm
www.italonet.com.br/mitologia/romana.htm
www.raizesdeportugal.com.br/cgomes/maios.htm
http://orbita.starmedia.com/~stargate2/proven.htm
http://www.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/J/jogos_florais.htm

Concursos Literários

JOGOS FLORAIS DE ALMEIRIM
Apartado 29 - 2081-909 - Almeirim - Portugal
Tema: "Igualdade de oportunidade para todos"
a) Quadra (Trova) ; b) Soneto;
c) Poesia obrigada a mote:
"Entre grandes e pequenos
ficamos mais iguais,
dando a uns um pouco menos
e a outros, um pouco mais."
Máximo: 2 trabalhos cada em 5 vias, com pseudônimos diferentes. Junto, pequeno envelope fechado, com a identificação por dentro.
Prazo: 20.01.2008

I JOGOS FLORAIS DE CAXIAS DO SUL
A/C de Alice Cristina Velho Brandão, Rua Dr. Mointaury, 919, apto. 101, Cep 95.020-190 - Caixas do Sul-RS.
TEMAS: Âmbito Nacional: "IMIGRANTE"
Âmbito Estadual: "VINHO" = Porto Alegre e Região Serrana: "VINDIMA"
Máximo de 03 trovas.
Prazo: até 10.01.2008.

XVIII CONCURSO NACIONAL E INT. DE TROVAS DE PINDAMONHANGABA
Biblioteca Pública Municipal “Ver. Rômulo Campos D’Arace”
Ladeira Barão de Pindamonhangaba, s/n – Bosque da Princesa
CEP: 12401-320 – Pindamonhangaba-SP
Temas:
Nível Regional: para trovadores domiciliados na cidade de Pindamonhangaba, demais cidades do Vale do Paraíba, Litoral Norte e Região Serrana (Mantiqueira, no Estado de São Paulo) – SEDUÇÃO.
Nível Nacional/Internacional: para os trovadores domiciliados nas demais cidades do Brasil e Exterior – APATIA.
XII Juventrova (para estudantes) – FICAR
Para todos os temas valem palavras cognatas.
Premiação = Dia: 05 de Julho de 2008.
Máximo de 3 trovas (líricas/filosóficas) por concorrente, datilografando acima da trova, o tema a que concorre.
Serão consideradas as trovas recebidas até 29 de fevereiro de 2008.
Sistema de envelopes.

XLVIII JOGOS FLORAIS DE NOVA FRIBURGO
Temas de âmbito nacional:
"ESCOLHA" (lírico/filosófica) "FEIRA" (humorística)
A/C Nádia Huguenin, Rua Emilia Barroso, 128-Cônego
Cep 28.621-290 - Nova Friburgo/RJ
Âmbito Municipal (apenas para Nova Friburgo)
Temas: "FEITIÇO" (lírico/filosóficas) e "CABELO" (humorísticas)
A/C João Freire Filho, Rua Parintins, 200, c/8, Cep 21.321-190 = RJ
ATENÇÃO: haverá ainda um concurso paralelo, tema: "Vinda de D.João VI e suas realizações no Brasil". Enviar para o mesmo endereço dos concursos nacionais. Todos os concursos são pelo "Sistema de envelopes", máximo de 03 trovas por tema. Prazo de chegada: até 29/02.2008.

XIV JOGOS FLORAIS DE CURITIBA - PR
Temas: Âmbito Nacional = MISTÉRIO (lírico/filosófica), PIPOCA (humor)
Enviar para Rua Itupava, 791-Alto da Rua XV, Cep 80.040-000, Curitiba.
Âmbito Estadual = ABRAÇO(lírico/filosófica), BATIDA (humor)
Enviar para Rua Graúna, 410-apto. 41, Cep 04513-002, São Paulo-SP
Máximo de 03 trovas por tema.
Prazo de recebimento: até 29/02/2008

III JOGOS FLORAIS DO BALNEÁRIO CAMBORIÚ
A /C de Gislaine Canales
Rua: 2700 – Nº 71 Ap. 302-Edifício Acácias – Bloco B – Centro
Cep 88.330-374 - Balneário Camboriú – SC
Tema nacional: LÁGRIMA
Tema estadual (SC): SORRISO
Países de língua espanhola: SONRISA
Máximo 3 (Lírico/Filosóficas)
Valerão trovas recebidas até 31-05-2008
Outras informações: gislainecanales@uol.com.br

XXXVIII JOGOS FLORAIS DE NITERÓI 2008
Caixa Postal 100.518, CEP 24001-970 - Niterói - RJ
Temas: Estadual (só trovadores RJ) = CORTINA
Nacional/Internaconal = VARANDA
Valem palavras derivadas.
Máximo de 03 trovas (líricas/filosóficas)
Prazo para remessa: 01/02/08 a 31/05/08
Festa de premiação marcada para 29 e 30 de novembro 2008.

I CONCURSO ESTADUAL / NACIONAL DE TROVAS DO SITE TROVA UNE VERSOS
REGULAMENTO
1. Para o concurso TROVA é a forma poética composta de quatro versos de sete sílabas métricas cada um deles, com ocorrência de rimas do 1º verso com o 3º e do 2º com o 4º, tendo o conjunto sentido completo;
2. As TROVAS, em nº de 02(duas), LÍRICAS OU FILOSÓFICAS, serão enviadas entre 01.12.07 a 29.02.08, EXCLUSIVAMENTE PELA INTERNET para trovauneversos@gmail.com; devendo ser inéditas e de autoria do poeta ou poetisa concorrente;
3. Serão acolhidas TROVAS somente em língua portuguesa, o que não exclui os trovadores de outros países, desde que se sirvam dessa língua;
4. Do e-mail deverão constar obrigatoriamente:
- Nome do autor (completo); - Endereço postal (completo);
- Nº do telefone (se houver); - E-mail;
- TROVAS (duas).
5. As TROVAS terão por temas: LENDA(S) – concorrentes domiciliados no estado do Rio Grande do Norte; SONHO(S) – à exceção do Rio Grande do Norte, para os demais estados do Brasil
e outros países;
6. A Comissão Julgadora escolherá em cada segmento 10 (dez) trovas, assim distribuídas:
- 1º, 2º e 3º lugares – Trovas Campeãs (Ouro / Prata / Bronze);
- 4º, 5º e 6º lugares – (Menções Honrosas);
- 7º, 8º, 9º e 10º lugares – (Menções Especiais).
7. Aos vencedores serão concedidos DIPLOMAS de acordo com a classificação;
8. O site TROVA UNE VERSOS anunciará o resultado em 20.04.08;
9. Trovas que estiverem em desacordo com os Artigos deste Regulamento serão excluídas automaticamente do Concurso e a remessa de mais de 02(duas) trovas resultará na desclassificação do(a) participante;
10) Pela simples remessa das TROVAS o(a) concorrente aceita as normas do presente regulamento;
11) Outros informes serão obtidos pelo site: www.trovauneversos.hpgvip.com.br (na seção Informativo); dúvidas pelo e-mail: trovauneversos@gmail.com .

PRÊMIO INTERNACIONAL DE POESIA “CASTELLO DI DUINO” 2008
O concurso é reservado aos jovens de até 30 anos de idade. A participação é gratuita. Participa-se só uma poesia inédita (Maximum 50 versos). O concurso é temático. O Tema Edição 2008 é: "Voz /Silê ncio”. As poesias podem ser enviadas na língua original dos concorrentes mas deverão ser acompanhadas por uma tradução em inglês e/ou italiano. Para as poesias escritas em língua original agradece-se, embora não seja obrigatório, a tradução em inglês. Um júri internacional de poetas e críticos, experto em muitas línguas, avaliará as poesias, se possível, nas línguas de origem das poesias. As poesias têm que chegar antes do 6 de janeiro de 2008. Podem ser enviadas:
a) por e-mail ao endereço: valera@units.it . O e-mail tem que conter o formulário de participação e as declarações devidamente preenchidos:
Formulário de participação:
Nome Apelido
Data de nascimento
Rua N°
Código Postal Cidade
Telefone Mail
Nacionalidade Título da poesia
Declaro que a poesia …(titulo da poesia)……. Com que participo no Prémio internacional “Castello di Duino” – é uma minha obra original, inédita e nunca foi premiada.
Consinto que seja eventualmente publicada ou presentada em público.
Declaro que sou/nao sou (escolha a opção correta) inscrito à SIAE ou a outra sociedade análoga para a tutela do direito de autor.
A poesia tem que ser enviada como anexo em formato word ou rtf.

b) por correio normal: a Gabriella Valera Gruber, Via Matteotti 21 I- 34138 Trieste, sem os dados do autor que serão declarados no formulário de participação (veja-se acima) devidamente preenchido e assinado. Faz fé o carimbo postal, mas nenhum texto poderá ser aceite si chegar quando o júri tiver começado o trabalho de selecção. As poesias têm que ser entregues ao júri sem os dados dos autores para garantir uma avaliação imparcial.
Prêmios: Primeiro, segundo, e terceiro prêmio de € 500 cada um (uma parte terá que ser devolvida para um fim humanitário à escolha do vencedor)
Publicação gratuita em edição bilingue (italiana e inglesa) com gravação em língua original em CD de todas as poesias recomendadas (editora Ibiskos de A. Risolo, patrocinador do Concurso). A ganância sobre as vendas do livro será devolvida à Fundaçao Luchetta-Ota-D'Angelo Hrovatin para as crianças vitimas da guerra www.fondazioneluchetta.org for children war victims. Recomendações especiais e prêmios menores às melhores poesias entre os jovens com menos de 16 anos que não passaram a selecção geral. Recomendações para as três melhores escolas que participaram com turmas inteiras.

CONCURSO BRASILEIRO DE CONTOS, CRÔNICAS E POESIAS 2008, EM GENEBRA
A Biblioteca da Associação Raízes em Genebra estará lançando de Janeiro à Março de 2008 o Sexto Concurso Brasileiro em Genebra de "Contos, Crônicas e Poesias". Você que é brasileiro(a) e mora em Genebra ou na Europa, comece já a escrever sobre uma experiência pessoal ou algo fictício que brinca na sua mente, em forma de conto ou de poesia. Seja qual for a sua idade, o seu sexo e o seu nível de estudo entre na aventura da escrita! Libere a sua alma escrevendo o que dança na sua cabeça e participe assim do nosso concurso literário "Contos, Crônicas e Poesias". Data limite para entrega dos trabalhos: 25 de abril de 2008. Entrega dos prêmios: 15 de Maio de 2008. Local: Sala da Biblioteca Municipal "de La Cité". Categoria INFANTIL E JUVENIL: Contos e Crônicas: Tema "INFÂNCIA". Poesias : tema livre. Categoria ADULTO: Contos e Crônicas: Tema "AQUI E LA, LA E AQUI". Poesias: tema livre Para maiores informações :
concursoraizes@yahoo.fr ou concursoraizes@yahoo.fr
Telefone : +41 (0)22 349-7074 – Ignez Agra (organizadora)

Fontes
http://www.blocosonline.com.br/literatura/servic/serconc.htm
http://www.falandodetrova.com.br/v5/andamento
http://www.falandodetrova.com.br/v5/concursosvirtuais