sábado, 8 de julho de 2023

Varal de Trovas n. 584

 

Concurso de Trovas Memorial “Cláudio de Cápua” (Prazo: 31 de Outubro de 2023)


Realização:
Blog Pavilhão Literário Cultural Singrando Horizontes
https://singrandohorizontes.blogspot.com
Coordenação: J. Feldman (editor do blog)

 
Entidades Parceiras:
Academia Brasileira de Trova
Academia Internacional União Cultural
Academia de Letras e Artes de Paranapuã/RJ
Academia Mourãense de Letras/PR
Academia Virtual Internacional de Poesia, Arte e Filosofia
Confraria Brasileira de Letras

O Blog Singrando Horizontes, comemorando 16 anos de existência, com quase 18 mil publicações e cerca de 3 milhões de leitores, realiza o Concurso de Trovas homenageando o trovador Cláudio de Cápua.

Cláudio de Cápua, aviador, jornalista profissional. Especialista em jornalismo cultural, nas áreas de Artes Plásticas e Literatura, com publicações em diversos veículos de Comunicação da Pauliceia e Litoral paulista. Lato Sensu em História da Arte (Universidade Mackenzie), graduado em Filosofia pela Universidade Católica de Santos. Nasceu em 8 de março de 1945, São Paulo/SP. Iniciou na TV Tupi em um grupo que adapta obras literárias para novelas, na década de 70. Produtor e diretor de jornalismo especializado (arte, cultura e lazer) na TV Gazeta, entre 1978 e 1980. Editou a Revista Santos Arte e Cultura, da qual foi editor e articulista. Biógrafo, prosador e poeta, foi um dos fundadores da “União Brasileira de Trovadores”, Seção de São Paulo e, desde 1980, parte do quadro associativo da Seção de Santos. Conquistou vários prêmios em Concursos de Trovas em território nacional. Cláudio de Cápua, que era casado com Carolina Ramos,  faleceu em Santos/SP,  onde se radicou definitivamente, de aneurisma, a 5 de dezembro de 2021, aos 76 anos.

ÂMBITO NACIONAL/INTERNACIONAL

Categoria Veteranos: 
 
Tema: SEGREDO/S (lírica/filosófica)

Em noite alta... madrugada,
contemplo a lua contrito
- Barca de prata aportada
nos segredos do infinito.
Cláudio de Cápua


Categoria Novo Trovador: 
 
Tema: SEMENTE/S (lírica/filosófica)

Com mensagem sempre nova,
transpondo mágoas e dor,
pelos caminhos da trova
planto sementes de amor.
Cláudio de Cápua


Novo Trovador é aquele que não obteve até a divulgação deste regulamento 3 (três) classificações em concursos de trovas oficiais da UBT, a nível nacional, independente de ser associado ou não à UBT.

A palavra tema deve estar na trova.


Máximo de 2 (DUAS) Trovas por concorrente.

Apesar do concurso seguir as normas da UBT, mas por não ser promovido por ela, não se enquadra como concurso oficial da entidade.

ENVIO DAS TROVAS POR EMAIL (Prazo: 31 de outubro)

para o Fiel Depositário:
Prof. Giuseppe Paolo Dell’Orso

E-mail:   
gpdellorso@gmail.com

Como enviar trovas por e-mail (no corpo do e-mail):

Assunto: Concurso de Trovas Memorial “Cláudio de Cápua”

Acima da Trova:
Categoria (Novo Trovador ou Veterano)

Abaixo da trova:
Nome inteiro, cidade/estado (país se não for do Brasil), e-mail para contato (obrigatório).

Caso o trovador use pseudônimo ou abreviatura do nome, favor enviar o nome completo, caso venha a ser premiado, a não ser que opte por manter a abreviatura ou pseudônimo.

Anexos não serão aceitos.
 
Sistema de Envelopes (Prazo: 31 de Outubro de 2023)

Enviar para:
Profa. Alba Krishna Topan Feldman
Av. Mário Clappier Urbinatti, 724
Bloco E ap. 11
Zona 7
CEP. 87020-901   Maringá - PR


Aconselha-se que enviem as trovas por e-mail, em virtude de os correios estarem com atrasos em entregas simples.

Após o encerramento haverá uma espera de mais 5 dias para os envelopes que podem estar atrasados nos correios, e ao final do quinto dia as trovas serão enviadas para julgamento.

Como enviar pelo Sistema de envelopes

As trovas devem ser coladas na face externa de um pequeno envelope. Dentro dele deverá estar o nome do autor completo com seus dados pessoais: cidade/estado/país, e-mail para contato, telefone fixo (e operadora para contato, no caso de celular. Ex: TIM, Vivo, Claro, etc.).

Na face externa do envelopinho a trova (DIGITADA ou DATILOGRAFADA, não serão aceitas manuscritas), o tema no alto da trova. Se Veterano ou Novo Trovador, colocar abaixo da trova esta categoria. Lacrar o envelope. Num envelope maior colocar o nome e endereço a quem deve enviar, e no remetente, o mesmo endereço para quem está enviando, e o nome Cláudio de Cápua.

Observação: A trova deve ser digitada (datilografada), não serão aceitas trovas manuscritas.


§ - Seja por envelopes ou por email, é necessário constar a que categoria (Veteranos ou Novo Trovador) a que concorre.

As Trovas devem ser inéditas, isto é, que não tenham sido premiadas em outros concursos ou divulgadas pela Internet ou outros meios de divulgação até a data da publicação do resultado.

Serão eliminadas as trovas que contenham erros como: não colocar pontuações; não seguir o sistema ABAB (rimar 1. com 3. verso e 2. com o 4. verso); erros gramaticais; não tiver a palavra tema na trova; de conteúdo racista, pornográfico, político, etc.

O Prazo se encerra à meia-noite de 31 DE OUTUBRO DE 2023.

Os resultados serão divulgados em blogs, sites, facebook, emails enviados aos premiados, revistas virtuais, academias e blogs.

As decisões das comissões julgadoras serão definitivas.

A premiação, composta de certificado e ebook com as trovas premiadas, serão enviados diretamente aos premiados via e-mail.

Será premiado também, o trovador veterano melhor colocado em seu estado e que tenha obtido pelo menos a média mínima (e não tenha sido premiado na classificação geral do Nacional/Internacional).


Os membros da comissão julgadora, o coordenador e os fiéis depositários não poderão participar do concurso.

A participação no concurso significa aceitação plena das normas aqui relacionadas.

Maringá ,  08 julho de 2023.
J. Feldman – coordenador geral
Contatos, dúvidas: gralha1954@gmail.com

Leandro Bertoldo (Além da Imaginação)

Sempre apreciei os circos mambembes, esses viajantes de uma cidade à outra com as suas lonas rasgadas, os carros adaptados com alto-falantes a percorrer as ruas e a chamar o povo para o espetáculo.

Aprecio o fato de comprar o ingresso naqueles papeizinhos cortados à tesoura e, ao entrar e se acomodar nas arquibancadas de tábuas com o cuidado de se equilibrar para não cair entre os vãos, perceber, surpreso, a contorcionista ao ser a mesma moça que acabara de vender o saquinho de pipoca na entrada.

Gosto de ver os trailers parados nas mediações da lona com roupas estendidas em varais improvisados nas janelas e, entre um e outro, a mãe bailarina a amamentar o filho recém-nascido antes de entrar no picadeiro.

Enquanto muitos veem as atrações eu também as vejo, mas preencho-me muito mais na poesia por de trás das cortinas, naquele pai que irá tirar a maquiagem, desvestir o fraque de apresentador e ir ao banco pagar as contas no dia seguinte; nos ajudantes de palco sendo eles os trapezistas e também os operários de manutenção dos equipamentos; no filho que irá lavar todas as roupas dos artistas, inclusive a sua de palhaço.

Ah, os palhaços... Meus preferidos! Como tiram risadas de dentro das almas mais amarguradas... Um dia eu conheci o Alegria — o palhaço da luz. Após a sessão, enquanto o público saía, o vi com a mesma vassoura usada na aparição de há pouco a iniciar a varredura do chão. Fui até ele e o parabenizei. Ele agradeceu com um sorriso um pouco diferente do meu. Não era assim um sorriso alegre e largo como na cena de outrora. Era, eu diria, até um tanto triste. Uma criança chegou perto com o pai e Alegria a pegou no colo, brincou com ela e a deixou feliz dando-lhe, inclusive, conselhos. Ao despedir da criança e do pai olhou para mim, fez um aceno com a cabeça, espirrou água da flor de sua lapela que mais pareceu um choro silencioso, e continuou a vassourar.

Fui embora, mas o meu pensamento ficou naquele palhaço, o mesmo visto no dia seguinte no sinal fechado no centro da cidade ao fazer malabarismo e chamar as pessoas para o circo. Enquanto ele fazia o seu trabalho, eu fiquei ali a imaginar...

Tinham-lhe tantas vezes pedido conselhos... Era o redentor de todos os sofrimentos que assolavam as almas em conflito, a ponto de impedir suicídios. Alegria – o palhaço da luz –, como era conhecido, escolheu as ruas como o seu picadeiro e nelas transformava pessoas. Agonia mudava-se em sonhos e medos em esperanças. Contudo, algo curioso acontecia: Alegria era triste... O homem por trás do palhaço não conseguia fazer consigo o mesmo que fazia com os outros, pois não tinha tido a sorte de encontrar alguém que o apresentasse a si…
______________________

Bem, hoje deixo os pensamentos soltos com espaço para refletir naquilo que está além da imaginação...

Fonte:
Texto enviado pelo autor.
Disponível em http://arvoredasletras.com.br/

Luiz Poeta (Trovpeia)


Agendas... vários pedaços
de pedaços de poesia
reservando alguns espaços
para alguma fantasia.

Compromissos? Tão escassos...
... eu escrevo todo dia,
transformando em simples traços
meus espaços de alegria.

E a cada vez que que me leio,
olhando velhas agendas
vejo coisas que nem creio,
sonhando... criando lendas.

... ou afinal, registrando
os amores que senti,
quando me senti amando
tudo aquilo que escrevi.

Hoje, a pena sente pena
de mim, mas vai deslizando
triste, nervosa, serena
e eu me pergunto: "Até quando?"

A saudade dita: escrevo.
O presente edita o fato,
medito , quase me atrevo
ante meu falso retrato.

Acordo... enfim tiro a venda:
o Sol parece tão lindo...
preciso de quem me entenda...
que pena, que o dia é findo.

Mais uma trova atrevida
revida ao meu pensamento
e no desfecho da vida
refaz mais um sentimento.

Poeta que sou, trovador,
desses tantos, tão iguais,
pergunto-me: - Sonhador,
escrevendo, aonde vais?

Vou, amigo, onde a poesia
me chamar... basta um sorriso
convidando à fantasia
e escrevo o que for preciso.

Não conto sílabas... canto
meu momento mais feliz
estimando o acalanto
de um sonhador aprendiz.

Fonte:
Enviado pelo poeta.

Altino Afonso Costa (A criança e a estrada)

A estrada é longa e a viagem monótona; dirijo meu carro com a indiferença de quem vai à parte alguma.

De repente vejo à minha frente uma criança sorrindo e acenando as mãozinhas através do vidro traseiro do carro em que viaja.

Indiferente à paisagem à sua frente a criança volta-se para o que passou e sorri e gesticula cheia de estranha felicidade.

Senti nesse momento que a minha vida também apresenta uma vidraça voltada para o passado cheia de segredos e lindas lembranças.

Senti vontade, também, de sorrir e acenar para o que passou; o presente à minha frente, não me consegue seduzir, como acontece com aquela criança inocente que me acena...

Só o passado é capaz de nos trazer alguma felicidade como uma paisagem conhecida, onde houve amores e beijos e abraços e momentos de ilusão, que embora distante na nossa memória, parece-nos reais, sem a miragem revelada no vidro da frente do nosso carro em movimento.

Continua sorrindo sempre e acenando tuas mãozinhas angelicais, linda passageira do vidro traseiro dos carros que passarem pela minha estrada, e deixa eu viver os sonhos da minha infância, como esses que povoam a tua imaginação...

Fonte:
Altino Afonso Costa. Buquê de estrelas: crônicas e poemas. Paranavaí/PR: Olímpica, 2001.
Livro enviado por Dinair Leite.

sexta-feira, 7 de julho de 2023

Daniel Maurício (Poética) 55

 

Marques de Carvalho (Noite de finados)


A Manoel P. de Carvalho


O cemitério de Santa Isabel estava cheio de visitantes, todos vestidos de preto, caminhando compassada e vagarosamente por entre as sepulturas. Eram oito horas da noite sob um céu trevoso como a tristeza daquelas pessoas que alí se recordavam com saudades pungentes dos parentes e amigos para sempre ocultos debaixo da terra, sobre a qual compridas filas de velas acesas lançavam uma claridade intensa, que ia esbater-se (
atenuação de cores) ao fundo, na escuridão do matagal.

O ar estava impregnado do perfume das flores — piedosamente depostas em cima das sepulturas por mãos amigas, — e do cheiro místico da cera queimada.

Ao longe, à direita da ermida, uma banda de música executava plangentemente uma funeralesca marcha em tom menor, cujas maviosidades lúgubres faziam suspirar as velhas beatas, — aspirando a uma outra vida desconhecida, além daquele firmamento negro, no lugar onde a onipotência incondicional da Divindade lhes parecia dominar em toda a sua majestade.

Entretanto, de espaço a espaço, grandes ondas de povo invadiam o cemitério. Este, àquela hora, mal podia conte-las, por isso, as pessoas que receavam um atropelo, saíam enfadadas, murmurando indecências.

À porta, do lado exterior, cocheiros desbocados conversavam livremente com as pretas sentadas em frente das bandejas de doce iluminadas pelas lanternas que estavam sobre a baeta encarnada. Mendigos repelentes, de vestes sujas e mal cheirosas, plangiam súplicas, tentando demover em seu favor a caridade dos visitantes piedosos.

Alguns vadios encostados a um rico mausoléu de mármore pousavam olhares torpemente libidinosos às moças que entravam seguidas de suas mamães, num andar assustadiço e saudando um ou outro conhecido com um meneio de cabeça. Mais adiante, num canto escuro, uma mulata roliça, com o vestido muito decotado, murmurava amabilidades a um preto de fisionomia horrenda empertigado num fato novo e com a cabeça coberta por um chapéu alto descomunal. Como contraste, não muito longe, estava uma senhora pobremente trajada, com os cotovelos pousados à grade ferrugenta de uma sepultura mal iluminada por duas velas em castiçais de vidro.

Dos olhos dela, que estavam fixos em uma coroa de perpétuas roxas, corriam lágrimas, que das faces resvalavam-lhe para as delgadas folhas do capim que vegetava entre as juntas dos azulejos desbotados....

Era sem dúvida, alguma viúva que pagava à memória do finado marido alguns anos de amorosa e suavíssima coabitação na terra...

À esquerda, contemplando uma fotografia em miniatura encerrada em negro caixilho e suspensa ao centro da cruz de uma sepultura pequenina e toda coberta de jasmins, trevos, japanas e madressilvas, via-se uma senhora de cabelos grisalhos, imóvel, calada — como evocando passadas cenas de prazer — sem ouvir as plangências da orquestra, que prosseguia no funeral tristonho....

O céu, no entanto, enchera-se de uma luz suave e esbranquiçada. Grandes nuvens escuras retalhavam-se no azul-ferrete do firmamento, para as bandas da cidade. Um vento frio e murmurante como um soluço de almas penadas fazia farfalhar a mata próxima, causando arrepios de mal-estar às supersticiosas moças que estavam no cemitério.... Agora calara-se a orquestra.

Subira um pregador para um púlpito armado ao ar livre, sob uma árvore de grande coma (
copa) sombria, e recitava em voz cavernosa e com largos gestos trágicos, uma homília (instrução aos fiéis) contristadora sobre a transitória felicidade mundana e a perene bem aventurança celestial.

As mulheres, — mães, filhas, esposas, — que o ouviam, ficavam caladas, muito sérias, com os olhos grandemente abertos, fixos em seu rosto bronzeado; no íntimo, porém, no fundo da consciência, levantavam um brado de maldição àquela felicidade que lhes roubara a companhia dos entes queridos e amorosos.

Um homem de cabeça encanecida, que vagueava levando pela mão uma criança de tenra idade, — um lindo e pálido orfãozinho, — voltou-lhe costas nervosamente, soluçando, e fugiu para junto de um pobre túmulo tranquilo, em cuja grade se lia este lancinante poema de uma só frase: — Á minha esposa....

No céu, as nuvens afastavam-se, evolavam-se como alegrias fugitivas ou prazeres expulsos, erguiam-se em uns grandes rendilhados fantásticos de miragens variadas.

A lua apareceu, como uma saudade enorme e cruciante, numa serena majestade tumular, que impôs vago sofrimento ao coração de todos. Os brandões (
archotes) e velas perderam o brilho, ficaram como pirilampos lantejoulando os sepulcros sob o luar diáfano, a cuja claridade continuava o pregador a recordar a onipotência de Deus.

Os bondes estacionados na praça encheram-se de passageiros. Minutos depois seguiam pela estrada da Independência, repletos de homens, de senhoras tristes, com fisionomias de sofrimento.

Chegando ao largo de Nazareth, muitos homens apearam. O largo estava iluminado festivamente, cheio de adornos alegres. Era aquela noite a penúltima da festa anual.

Então, os mesmos homens que estavam rendendo há poucos minutos uma saudade à memória de um amigo, de um irmão, de um pai, desciam agora ao centro da festa popular, procuravam as conversas ruidosas, invadiam as casas de jogo, — propelidos pela fascinação demoníaca e terrível da roleta!

Fonte:
João Marques de Carvalho. Contos Paraenses. PA: Pinto Barbosa e C., 1889.
Disponível em Domínio Público
Atualização do Português por J. Feldman

Baú de Trovas LXVI


No trinado de um chorinho,
fala a música por mim...
da sacada, o seu lencinho
ela acena e diz que... sim!
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR
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Quanta harmonia esquecida
no mundo sem coração
que deixa a infância perdida
nas ruas da solidão.
ADELIR MACHADO
São Gonçao/RJ, 1928 - 2003, Niterói/RJ
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Tarde demais recomeças!
Pois sobrevivo risonho,
ao dilúvio de promessas
onde afogaste o meu sonho...
ALBA CHRISTINA CAMPOS NETTO
São Paulo/SP
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Eu só conquistei da vida,
por mais que forçasse os braços,
uma fronte embranquecida
e um coração em pedaços.
AMÁLIA MAX
Ponta Grossa/PR, 1929 – 2014
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Por ser da lista, o primeiro,
jamais entendi por que,
conquistei o mundo inteiro,
mas não conquistei você...
ANALICE FEITOZA DE LIMA
Bom Conselho/PE, 1938 – 2012, São Paulo/SP
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Não quero glória, dinheiro,
nem mil conquistas sem fim...
Troco os "nãos" do mundo inteiro
pela graça do teu sim!
ARLINDO TADEU HAGEN
Juiz de Fora/MG
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Não há ninguém que resista
aos caprichos da mulher
que, quando cisma, conquista
até mesmo o que não quer!
ARMINDO DOS SANTOS TEODÓSIO
Brumadinho/MG
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Cada dia mais tristonho
carrego o peso das eras,
vendo afogar-se meu sonho
num dilúvio de quimeras!
CLARINDO BATISTA DE ARAÚJO
Jardim do Piranhas/RN, 1929 – 2010, Natal/RN
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Alguém me disse: - Desista
de sonhar, de ter anseios!
É que eu vivo da conquista
dos meus próprios devaneios!
DELCY RODRIGUES CANALLES
Porto Alegre/RS
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O calor dos teus abraços
e o fulgor do teu olhar
são conquistas que os meus braços
têm vontade de alcançar.
DÉSPINA ATHANÁSIA PERUSSO
São Jerônimo da Serra/PR
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Samba, morena... e rebola
à frente da bateria,
porque a harmonia da Escola
se espelha em tua harmonia!...
EDMAR JAPIASSÚ MAIA
Nova Friburgo/RJ
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Batalha infinda e silente
é o da terra em seu labor:
na conquista da semente
gera o fruto, a sombra e a flor!
ELIANA DAGMAR
Amparo/SP
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Tropeiro da mocidade
galopando a solidão,
foste conquista, e és saudade
que deixa rastro em meu chão...
ELIAS PESCADOR
São Paulo/SP
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Quase um dilúvio parece,
a forte chuva lá fora,
unida ao pranto que desce
nesta saudade que chora!
ERCY MARIA MARQUES DE FARIA
Bauru/SP
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Não que eu seja pessimista
mas causa um certo desgosto
ir de conquista em conquista
traçando o nada em meu rosto!...
EUGÊNIA MARIA RODRIGUES
Rio Novo/MG
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Lograi, pretensos astutos,
louros da conquista inglória,
porque a derrota dos justos
tem o sabor da vitória!
HELOÍSA ZANCONATO PINTO
Juiz de Fora/MG
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O céu, o ar e o luar,
a mata, animais e flores...
E o homem quer acabar
essa harmonia de cores!...
HERMOCLYDES SIQUEIRA FRANCO
Niterói/RJ, 1929 – 2012, Rio de Janeiro/RJ
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Dentro da noite, um chorinho
cai do silêncio, em cascata...
É o soar de um cavaquinho
dando tons à serenata!
HÉRON PATRÍCIO
Ouro Fino/MG, 1931 – 2018, Pouso Alegre/MG
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Quem pela força conquista,
não conquista de verdade;
não há força que resista
à força da liberdade!!!
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP
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Sonhando horizontes novos,
pela harmonia que irmana,
vislumbro a paz entre os povos
à luz da harmonia humana!
JOÃO FREIRE FILHO
Rio de Janeiro/RJ, 1941 – 2012
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A gente, às vezes, a exorta
mas raramente a procura...
E a Harmonia é a grande porta
por onde passa a Ventura!
JOSÉ MARIA MACHADO DE ARAÚJO
Vila Nova de Famalicão/Portugal, 1922 – 2004, Rio de Janeiro/RJ    
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Se em meu rumo há sombra adiante,
em vez de parar, tristonho,
prossigo perseverante
na conquista do meu sonho!
JOSÉ TAVARES DE LIMA
Juiz de Fora/MG
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Das conquistas festejadas
nas searas dos amores,
restam fotos desbotadas,
penas, saudades e dores!...
LACY JOSÉ RAYMUNDI
Garibaldi/RS
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Nos meus sonhos apostei
e ao jogar alto e arriscado,
muito pouco eu conquistei
e a vida cobrou dobrado!...
MARILÚCIA REZENDE
São Paulo/SP
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Podem chamar-me os ateus
de tolo ou mesmo demente,
mas harmonia, só Deus
põe dentro da alma da gente...
MILTON NUNES LOUREIRO
Campos/RJ, 1923 – 2011, Niterói/RJ
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Pedido sério e profundo
vosso humilde servo faz:
- Derramai, Deus, sobre o mundo
dilúvio de Amor e Paz!
REINALDO AGUIAR
Natal/RN, 1921 – 2010
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Daquele amor proibido
eu guardo, da mocidade,
um lenço amarelecido
e um dilúvio... de saudade!
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP
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Eu sempre lutei sentindo,
nesta arena em que se vive,
a mão de Deus dirigindo
cada conquista que eu tive.
VANDA FAGUNDES QUEIROZ
Curitiba/PR
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Com passadas inseguras,
no final das caminhadas,
vou carpindo as desventuras
das conquistas fracassadas!
VASQUES FILHO
Teresina/PI, 1921 – 1992, Fortaleza/CE
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Vestindo de fantasia
a nudez pura dos tons,
os artesãos de harmonia
colocam alma nos sons.
WALDIR NEVES
Rio de Janeiro/RJ, 1924 – 2007
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Ao luar, que me arrebata,
sem você, se ouço um chorinho,
a saudade que maltrata
me faz chorar de mansinho.
WANDA DE PAULA MOURTHÉ
Belo Horizonte/MG
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Tem-se às vezes na batalha
uma vitória aparente,
pela conquista que espalha
derrota dentro da gente.
WANDIRA FAGUNDES QUEIROZ
Curitiba/PR
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Como incansável titã
numa batalha sem fim,
eu parto toda manhã
para a conquista de mim.
WALTER FRANCINI
São Paulo/SP, 1926 – 1996
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Conquista é jogo de azar
e, no amor, jogo pesado;
querendo te conquistar,
eu é que fui conquistado!
ZAÉ JÚNIOR
Botucatu/SP, 1929 – 2020, São Paulo/SP
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Jaqueline Machado (Pessoa Feliz, Mundo Contente)

O planeta Terra não é um lugar de paz. Todavia, a turbulência existente nele, não é por causa do mundo em si, mas por causa da humanidade que, não se sabe o porquê, vive em constante rebeldia.

O homem já nasce rico, com as belezas e farturas da natureza a seus pés, ainda assim, independente da idade que possui, nunca deixa de ser um adolescente rebelde.

Eis que a Grande Mãe, ao guardar a espécie humana em seu Ventre Sagrado e a nutri–la em seus seios fartos, vem lamentando a criação humana, que é bela, porém, ingrata.

Os conflitos mundiais, sempre existiram, mas de período em período, a situação se agrava.

O ser humano pode escolher viver nos moldes da paz, do amor e da justiça, no entanto, nossa espécie vem demonstrando contrariedade a toda e qualquer ordem pacifista.

A polaridade se instalou. Tem gente pra todo lado criando inimizade para defender homens do cenário político que pouco estão se importando com seus apoiadores: estão preocupados, sim, em defender na ponta da língua, a cartilha de “O PRÍNCIPE, escrita por Maquiavel.

Em meio a tantas verdades sem consistências, as pessoas se perderam de si. E ainda temos a questão das redes sociais que se tornaram depósito de lixo. Repletas de posts com teores de cobranças, críticas, sermões, humor sombrio, deboche, agressividades e, de fundo, estantes com porta-retratos exibindo a vida perfeita. A coerência sobre as verdades parece ter entrado em surto, pois os sintomas da infelicidade são evidentes.

A toxicidade é imensa... E temo por piores resultados, extraídos de todo esse veneno, ora velado, ora exposto de cara limpa para aqueles que querem e também aos que não querem encarar a feiura dos fatos. Redes sociais são ótimas, mas para fazer amizades, divulgar mensagens de bons sentimentos, imagens da vida real, na intenção de promover o bem, a internet torna-se um veículo abençoado. Mas quando usada para promover o mal, vira bagunça, terra de ninguém.

Em pensar que nada disso se faz necessário ao nosso viver, fico a me perguntar: por que em vez da luz, se escolhe a treva? No lugar do amor, se optou pelo ódio?

Não seria bem mais simples e belo, viver pacificamente, sob a égide do verdadeiro amor fraterno?

No momento se fala muito em Cristo, mas poucos praticam os preceitos do Cristo pacificador.

- E por falar no Mestre, foi Ele quem pediu: “Amai uns aos outros como eu vos amei”. No entanto, o que se vê é um tentando destruir o outro a todo instante.

Penso que é chegada a hora de fazer as pazes com a vida. Como? Buscando autoconhecimento, buscando entender a grandeza das coisas simples, buscando marcar encontros com a felicidade. Porque quem é feliz, não compete, não julga, não destrói. Pessoa feliz, mundo CONTENTE!

Fonte:
Texto enviado pela autora

Aparecido Raimundo de Souza (Zona de impacto)

O MENINO ENGRAXAVA sapatos no centro da cidade, e, naquele momento, cruzava a ponte voltando para casa com a sua caixinha debaixo do braço. De repente, seus olhos argutos e muito vivos avistaram a peça que descia, rio abaixo, ao sabor do vento morno da tarde ensolarada. Como um doido danou a correr gritando para o pessoal que bebia cerveja na birosca do Waldemar, em torno de um outro grupinho que tocava cavaco, surdo, reco-reco e pandeiro:

— O sofá, o sofá, venham ver, o sofá!...

A rapaziada se pôs de pé e acorreu para onde o moleque apontava o precioso achado.

Em pouco tempo, uma multidão incontável de moradores da Favela do Elefante, ao ouvir os berros e perceber o corre – corre, engrossou a massa dos curiosos. Era assim: qualquer novidade mudava o quadro daquelas famílias pacatas e humildes. Num abrir e fechar de olhos, o cotidiano saia do marasmo e explodia para uma espécie de alvoroço inusitado. A miséria se escondia num canto, e, em seu lugar, nascia o momento mágico do irreal e do ilógico. Saídos de ruelas e becos os mais diversos, homens de bicicleta e sem camisa, mulheres com crianças no colo e agarradas às barras de seus vestidos imundos, paravam os afazeres.

Os comerciantes cerravam as portas de suas vendas e lojinhas para se juntarem à raia miúda que, em polvorosa, se acotovelava em fila tripla, espalhada por toda a extensão ribeirinha com a finalidade de bisbilhotar o que o rio trazia em seu leito. Misturado em meio a tubos de óleo, pedaços de sacolas, sacos plásticos, latas de cerveja e refrigerante, garrafas descartáveis, restos de acampamentos e piqueniques, lá vinha, boiando, meio capenga, o enorme sofá vermelho de courvin. Nessa altura, alguém lembrou de chamar o Rubião Mathias, líder comunitário que, junto com um vereador local e um representante do prefeito, faziam um trabalho voluntário exatamente no sentido de conscientizar os cidadãos da periferia a não jogarem dejetos no velho rio, que às vezes, dava a impressão de estar morrendo em lenta agonia.

A bem da verdade, não estava. Quando chovia por muitas horas, a favela virava um inferno. Se o temporal perdurasse por muitas horas, as águas subiam acima do nível normal, atravessavam o asfalto, engarrafavam o trânsito, invadiam os barracos e muitas vezes deixavam famílias inteiras ao desabrigo. Afora o desespero de perderem o pouco que possuíam, a tragédia, nessas ocasiões, não vinha sozinha. Trazia, consigo, a desgraça e a incerteza de um amanhã cheio de dores. A maioria das cabeças-de-porcos que ocupava praticamente todo o terreno no qual se fundava o vilarejo dos casebres, fora construída com caixas de papelão envoltas em plásticos e cobertas, a depois, com folhas de zinco.  

Muitas vezes essas construções precárias não resistiam ao temporal, e, em consequência, vinham abaixo e, com elas, à desoladora infelicidade de radicados aparecerem mortos – vez que, na hora do furdunço (tentando resgatar um aparelho de teve, roupas de cama e até comida), não atinavam com o bom senso de largarem tudo e escaparem em tempo de salvar a própria pele. Mas, nesse dia, não havia chovido. O cotidiano transcorrera calmo e sossegado. O rio apresentava um curso coberto por uma película oleosa, onde uma variedade de micro-organismos perigosos proliferava à céu aberto. Sem contar nos cinco milhões de metros cúbicos de sedimentos, dejetos e efluentes de esgotos industriais e domésticos, bem ainda coliformes fecais e descargas de outros afluentes que terminavam se juntando a ele, a rotina seguia a sua prossecução normal.  

Não tivesse, igualmente, o pestinha dado o alarme, a favela findaria o resto da tarde em clima de total imperturbabilidade:

— O Sofá, o sofá. Venham ver!...         

O que teria de tão extraordinário e estupefaciente naquele cacareco mal-ajambrado, para movimentar uma centena de desocupados e vadios em torno de sua presença? Por que a favela, em peso, se levantou num salto gigantesco para lhe colocar os olhos em cima? Não se constituía, o agastado trambolho, apenas num velho móvel vermelho à base de fibras sintéticas de polímero à imitação dos couros? Que estranho mistério o envolvia? As respostas se ocultavam condensadas num fato acontecido algumas semanas atrás. Um traficante conhecido como “Chiquinho Fumaça” havia sido preso junto com seu bando num arrastão que a polícia fizera, sem aviso, em sua brejada.

Os representantes da lei, contudo, não encontraram nada do que procuravam, ou seja, pinos de cocaína, pedras de craque e maconha. O “Chiquinho” comandava uma boca de fumo da pesada, no coração da favela, mas, na hora do “pega pra capar”, não havia nada que o incriminasse. O sujeito parecia ter trato com a “Coisa Ruim.” Algumas horas antes de ser levado para a carceragem, como que adivinhando e antevendo os acontecimentos, operou um processo rápido e rasteiro de “engravidamento” no divã, ou seja, acondicionou tudo que se relacionava ao seu comércio ilegal, numa espécie de fundo falso e bem camuflado.

Contratou um carroceiro de fora da favela e transportou o “material”, incluindo dinheiro, joias e uma vultuosa quantia de dólares para a casa de uma de suas amantes que morava numa outra “paraisópolis”, não muito distante, também, por coincidência, à beira do mesmo rio e, cujo endereço até o próprio diabo desconhecia. O interessante, nessa história, é que a moça que recebeu o sofá sabia que o companheiro vivia às margens da lei, contudo, não atinava com o segredo valioso que ele escondia dentro de si.  Na segunda noite, contudo, o inesperado veio à baila. O “Chiquinho” apareceu enforcado misteriosamente em sua cela. Sua morte foi comentada em todos os jornais e programas de televisão.

A amante, logo que soube dos fatos, e, temerosa de se ver envolvida com a Federal, resolveu ir embora da cidade. Fez as malas e, antes de abandonar, de vez, o barraco, achou por bem “dispensar” o sofá, atirando o seu esqueleto às águas correntes do rio. Quando a notícia da morte de “Chiquinho” se espalhou pelas malhas do Elefante, muita gente, na calada da noite, resolveu tomar posse dos bens do falecido. Todos sabiam que o camarada tinha culpa no cartório.  Só não entenderam como os cachorrinhos da lei não o flagraram com a boca na botija.  Em meio a tanto disse-disse, a vizinhança e os próprios colegas de infortúnio, por unanimidade, concluíram que o espertalhão havia “enxertado”, de alguma forma, a estrutura interna do velho sofá vermelho e sumido com ele, sabe Deus, para onde.

A prova disso, é que os bobocas da lei ficaram de mãos abanando, a ver navios. Depois de alguns dias, caso passado, outros investigadores retornaram à favela a fazerem perguntas. Claro, que uma cáfila de gente lembrou do carroceiro e da carroça fretada. Claro que uma manada de bocós chegou a ver, realmente, o sofá vermelho saindo, numa boa, tranquilo, sem atropelos. Porém, nesses lugares, ainda impera a lei severa do silêncio. Conclusão: mesmo que algum idiota tivesse visto ou presenciado qualquer tipo de manobra estranha, faria, com certeza, vistas grossas, ou colocaria um zíper na língua para não ser assassinado e amanhecer com a fuça cheia de formigas.

Entretanto, na tarde daquele dia, o porra do menino voltava da cidade onde trabalhava engraxando sapatos. De repente, no meio da ponte, seus olhos argutos e muito vivos avistaram a peça que descia, rio abaixo, ao gostoso do vento morno da tarde ensolarada. Sem conter as travas da língua, se abriu em alardeios tonitruantes que ecoaram por toda a geografia do sofrido complexo da área “slum”:

— O sofá. Venham ver. O sofá do Chiquinho está vindo ali, venham, venham depressa...

Tanta gente se fez ao rio, como moscas ao mel, urubus à carniça, pombos à migalhas de algumas guloseimas, que, em menos de cinco minutos, a velha bugiganga, como por encanto, desapareceu.

Fonte:
Texto enviado pelo autor

quinta-feira, 6 de julho de 2023

A. A. de Assis (Jardim de Trovas) 30

 

Concurso de Trovas Memorial “Cláudio de Cápua” (breve)


O Blog Singrando Horizontes, comemorando 16 anos de existência, com quase 18 mil publicações e cerca de 3 milhões de leitores, fará realizar o Concurso de Trovas homenageando o trovador falecido em Santos/SP, Cláudio de Cápua.

Breve será publicado o regulamento neste blog, parceria com academias e associações. Serão enviados emails aos cerca de 400 trovadores cadastrados no blog, e divulgado nas redes sociais, academias e sites/blogs outros.

Cláudio de Cápua, aviador, jornalista profissional. Especialista em jornalismo cultural, nas áreas de Artes Plásticas e Literatura, com publicações em diversos veículos de Comunicação da Pauliceia e Litoral paulista. Lato Sensu em História da Arte (Universidade Mackenzie), graduado em Filosofia pela Universidade Católica de Santos. Nasceu em 8 de março de 1945, São Paulo/SP. Iniciou na TV Tupi em um grupo que adapta obras literárias para novelas, na década de 70. Produtor e diretor de jornalismo especializado (arte, cultura e lazer) na TV Gazeta, entre 1978 e 1980. Editou a Revista Santos Arte e Cultura, da qual foi editor e articulista. Biógrafo, prosador e poeta, foi um dos fundadores da “União Brasileira de Trovadores”, Seção de São Paulo e, desde 1980, parte do quadro associativo da Seção de Santos. Conquistou vários prêmios em Concursos de Trovas em território nacional. Cláudio de Cápua, que era casado com Carolina Ramos, faleceu em Santos/SP, onde se radicou definitivamente, a 5 de dezembro de 2021, aos 76 anos.

J. Feldman
Editor do Blog e Organizador do Concurso

George Abrão (Voltar no tempo)

Quantas vezes você deve ter pensado ou mesmo ouvido dos amigos a frase:

- Ah! Como seria bom voltar no tempo!

Voltar a ser criança! Voltar a sentir o carinho e a proteção dos pais; a fazer as primeiras amizades; a conhecer e se apaixonar pela primeira professora; a aprender as primeiras letras; a brincar nas ruas, correr descalço, sem camisa, sentindo a brisa no rosto.

Como seria bom voltar a ouvir a voz de sua mãe: - Filho, acorde, está na hora de ir para a escola; a sentir o afeto do seu pai levando-o pela mão; a conviver com seus irmãos; a passear na casa dos seus avós; a saborear os docinhos que a vovó fazia; a brincar com seu brinquedo preferido.

Voltar a ser adolescente, fazer parte do grupo de amigos; ir ao cinema; participar de passeios; nadar nos rios; ser convidado para as festinhas; dançar pela primeira vez; conquistar a primeira namorada; roubar o primeiro beijo; sentir-se um “quase adulto”.

E sentir a angústia da primeira saída de para estudar fora; o medo do desconhecido; o conhecimento de novos locais e novas pessoas; aprender a “se virar” sem a presença da mãe protetora; a alegria da volta para casa nos fins de semana; o reencontro com os velhos amigos; e a abertura de novos horizontes.

E depois, sentir a emoção do primeiro emprego; dos erros e acertos; de comprar a primeira roupa com recursos próprios e mais tarde o primeiro carro; do primeiro olhar para aquela que seu coração elegeu; das doces juras de amor e das pequenas rusgas; da saudade permanente dela nos momentos que estão separados; do sublime momento de seu casamento; das viagens e dos passeios a dois e das escolhas dos lugares; do encantamento de amar e sentir-se amado e do coroamento da felicidade com o nascimento do primeiro filho de sentir-se um “homem de verdade”!

E fazer tudo diferente com a experiência de hoje, ou fazer tudo igual, só reviver, pois se você pudesse voltar, talvez nada fosse como antes.

Só não podemos nos lamentar pelo que já não temos mais, pois as coisas boas que passaram merecem ser rememoradas sempre, e as ruins, olvidadas.

Devemos procurar ser felizes com o que temos e com o que somos, e só sentir saudades saudáveis do que já tivemos e do que já fomos, pois a vida é um eterno seguir em frente, não há retorno.

Fonte:
George Roberto Washington Abrão. Momentos – (Crônicas e Poemas de um gordo). Maringá/PR, 2017.
Enviado pelo autor.

Artur de Azevedo (Contos em versos) Não, Senhor!


Santinha, filha de um negociante
Que passava por ter muito dinheiro,
Bebia os ares pelo mais chibante,
Pelo mais prazenteiro
Dos rapagões daquele tempo, embora
O pai a destinasse a ser senhora
Do Souza, um seu colega, já maduro,
Que lhe asseguraria bom futuro.

O namorado (aí está o que o perdia!)
À classe comercial não pertencia:
Era empregado público; não tinha
Simpatia nem crédito na praça.

Entretanto, Santinha
Nunca supôs que fosse uma desgraça,
Um prenúncio funesto
A oposição paterna, e assim dizia:
— Ele gosta de mim, eu gosto dele...
Que nos importa o resto?
Um para o outro a sorte nos impele:
Separar-nos só pode a cova fria!

Ria-se o pai, dizendo:
— Isso agora é poesia;
Mas deixem-na comigo: eu cá me entendo.

Depois do almoço, um dia,
Ele na sala se fechou co’a filha,
Para tirar-lhe aquele bigorrilha
Da cabeça. A pequena,
Impassível, serena,
Lhe disse com franqueza
Que ninguém neste mundo apagaria
Aquela chama no seu peito acesa.
— Isso agora é poesia —
Repete o pai teimoso,
E, sentando-a nos joelhos.
Melífluo, carinhoso,
Abre a torneira aos paternais conselhos,
Aponta-lhe o futuro que a espera,
Conforme o noivo que escolher: de um lado,
Com o pobre do empregado,
A pobreza pudera! —
O desconforto, o desespero, a miséria!
— Sim, a fome, menina!
Estas coisas chamemos pelo nome!
A fome, — fome atroz! fome canina!...
E, do outro lado, com o negociante,
Que futuro brilhante!
Não faltarás a um baile, irás ao teatro;
Visitarás o Rio de Janeiro;
Poderás percorrer o mundo inteiro,
E ver o diabo a quatro!

Mas a firme Santinha
Não se deixava convencer: não tinha
Ambições, nem sonhava tal grandeza;
Preferia a pobreza,
Ao lado de um marido a quem amasse,
A todo o Potosi com que a comprasse
Outro qualquer marido.

O velho, enfurecido,
Brada: — Isto agora já não é poesia.
Mas grosso desaforo!
Se não acaba esse infeliz namoro,
Vou deitar energia!

— Então papai não acha coisa infame
Que eu me case com um tipo a quem não ame?
— Infame é namorares um velhaco
Sem dar ao pai o mínimo cavaco!
Ou casas-te com o Souza ou te afianço
Que a maldição te lanço!

Santinha, que era muito inteligente,
Continuava a série dos protestos;
Mas o irritado velho, intransigente,
Soltando gritos e fazendo gestos,
Nada mais quis ouvir naquele dia;
Mas na manhã seguinte foi chama-la
Ao quarto (a pobre moça ainda dormia!)
E pela mão levou-a para a sala.

Ficou muito espantado
Ao ver que a filha, ao invés do que previra
À noite houvesse muito bem pensado.
Pareceu-lhe mentira
Encontrar tão serena
E tão tranquila a moça,
Como se a grande cena
Da véspera lhe não fizesse mossa.

— Então? estás na tua? —
— Papai, de mim disponha:
Dê-me, alugue-me ou venda-me: sou sua.
Por tudo estou, solícita e risonha;
Confesso, todavia,
Que por meu gosto não serei esposa
Do seu amigo Souza:
Mentir não posso!

— Cala-te, pateta!
Isso agora é poesia...
A fortuna, verás, será completa!
Aprontou-se depressa a papelada,
E a casa mobiliada
Em quinze dias foi. Veio de França
Riquíssimo enxoval, conforme a usança,
O qual esteve exposto
E toda a gente achou de muito gosto.

Mostrava-se Santinha
A tudo indiferente, e o moço honrado
Que o seu afeto conquistado tinha,
Também não se mostrou contrariado;
Era o mesmo que dantes: expansivo,
Discreto, espirituoso, alegre e vivo.

Chegou a noite, enfim, do casamento
Que era na igreja do Recolhimento,
Igrejinha modesta
Expressamente ornada para a festa
Pelo Joaquim Sirgueiro,
Que foi naquelas artes o primeiro.

O templo estava cheio
Quer de curiosos, quer de convidados.
Que mistura! no meio
De graves figurões encasacados
E damas de vestidos decotados,
Abrindo enormes leques,
Negros sebentos, sórdidos moleques!

A noiva estava pálida e tremente,
Mas linda. Realmente
Era pena que flor tão melindrosa
Fosse colhida por um brutamontes,
Que na vida outros vagos horizontes
Não via além da Praça...
Na igreja se ouviria o som de uma asa
De inseto, quando o padre bem disposto,
À noiva perguntou: — É por seu gosto
E por livre vontade que se casa?

Imaginem que escândalo! A menina,
Com voz firme, sonora, cristalina,
Respondeu: — Não, senhor! Um murmúrio
Corre por toda a igreja, e um calafrio
Pelo corpo do Souza,
Que o turvo olhar do chão erguer não ousa!

A pergunta repete o sacerdote;
Logo o silêncio se restabelece.
Para que toda a gente escute e note:
— Não-se-nhor! — Estremece

O velho, e tosse pra que se não ouça
A resposta da moça.
— Não, senhor! Não,senhor! Mil vezes clamo:
Por gosto não me caso,
Mas obrigada por meu pai; não amo
O senhor Souza, mas de amor me abraso
Por este! — E aponta para o namorado
Que pouco a pouco tinha se chegado.

Não é possível descrever o resto
Depois desse protesto.
Falavam todos a um só tempo! A igreja
Desabar parecia!
O padre corre para a sacristia...
A moça pede ao moço que a proteja...
— Isto agora é poesia!
Diz o atônito pai, querendo contê-la.
Todas as convidadas
Sufocam gargalhadas...
O noivo, maldizendo a sua estrela,
Sai para a rua: a sanha
Da torpe molecagem o acompanha,
E uma vaia o persegue,
Até que ele num carro entrar consegue.

Santinha está casada e bem casada;
O marido dispensa-lhe carinhos:
Vê sempre nela a mesma namorada.
Já tem uma ninhada
De filhos, e o avô — quem o diria?
Morre pelos netinhos,
E diz, quando a mira-los se extasia:
— Isto agora é poesia!

Fonte:
Disponível em Domínio Público.
Artur de Azevedo. Contos em verso (contos maranhenses). Publicado originalmente em 1909.
Português atualizado por J.Feldman

Humberto de Campos (Revelação)

"
A recordação de um primeiro beijo de homem, mesmo quando recebido contragosto, transforma-se no espírito da mulher virgem em desejo tenaz, absorvente, imperioso de o repetir, de renovar a sensação daquele delicioso pecado. - COLETTE WILLY"
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Com os olhos vermelhos de chorar, e com tremores de susto por todo o corpo delicado, a loura Mariazinha penetrou no gabinete do pai, em cujos braços se atirou, desatando em soluços. Trazido um copo d'água, e serenados os seus nervos exaltados, ainda pelo terror, a moça contou, a custo, com o rosto nas mãos, o caso inominável.

- Eu vinha, - soluçava, entrecortando as palavras - eu vinha da aula de música, sozinha, com a pasta debaixo do braço, quando, ali, na rua Paissandú, perto da praia, um sujeito se aproximou de mim, pelas costas e, pondo o braço no meu pescoço, curvou-me para trás, e...

- E... - interrompeu o pai, com a agonia no coração.

E a moça, terminando, com dificuldade:

- Deu-me um beijo na boca, e correu, no rumo da praia!

O caso havia sido realmente assim, mas o comendador insistiu na explicação:

- E tu não o conheces?

- Não, senhor. É um rapaz alto, de roupa clara, chapéu de palha, que eu não sei quem é. Se, porém, o encontrar, eu o reconhecerei.

Intimamente aborrecido com aquela aventura da filha, o comendador deliberou punir o atrevido, prometendo à menina, entre carícias afetuosas:

- Deixa estar, sossega. Esse patife há de ser castigado. De agora em diante eu passarei a acompanhar-te e, onde o encontrares, eu quero que me o apontes.

E, entre dentes:

- Patife!

Passada a primeira emoção, em que o seu pudor de criatura ingênua, de botão desabrochando para a vida, se patenteara com toda a violência da pureza sem simulações, começou o instinto feminino a tomar o seu lugar no espírito da moça, entre cogitações que a alarmavam. Aquele beijo, roubado por um desconhecido, revoltara-a, indignara-a, enchera-a de ódio, na ocasião. À medida, porém, que o tempo se passava, parecia-lhe que aquela carícia brutal aflorava, de novo, na sua boca, numa fome angustiosa de repetição. Debalde, passando a mãozinha pelos lábios, ela procurava escorraçar, afastar, dissipar aquela lembrança. Esta voltava, entretanto, persistente, continua, teimosa, e de modo tal que ela própria já buscava conservá-la no pensamento, como se conserva uma flor encantada, cuja árvore se viu morrer no caminho.

No dia seguinte, após uma noite de angústias deliciosas, em que se casavam, substituindo-se, o pudor e o desejo, foi com desprazer, e com um susto mal definido, que a mocinha ouviu, recompondo com coquetaria os finos cabelos de ouro sob o lindo chapéu de palha de Itália, o convite paterno:

- Mariazinha, estás pronta?

- Já vou, papai! - respondeu a moça, de dentro, dando os últimos retoques na "toilette", diante do toucador.

Durante uma semana o comendador acompanhou a filha, acima e abaixo, da cidade até o palacete, e do palacete à cidade, sem que ela descobrisse o seu insolente desrespeitador. E se o velho capitalista sofria com essas caminhadas, com essas idas e vindas fatigantes, mais padecia ainda a menina, cujos olhos se foram cercando de um halo escuro, denunciador evidente das penosas noites de insônia.

Uma tarde, enfim, ao sair com o pai, a um passeio na praia, Mariazinha tomou um susto que a fez parar, branca, de cera, no gramado por onde ia: diante dela, em um grupo de rapazes, estava, de pé, o estroina, que lhe acordara a alma adormecida na inocência, furtando-lhe na árvore virgem dos lábios o fruto venenoso daquele ósculo! Voltando a si, a moça, como num delírio, não se conteve:

- É aquele, papai! – gritou, batendo as mãos geladas pela emoção.

E, atirando-se ao pescoço do rapaz, cobriu-o doidamente, furiosamente, desesperadamente, de beijos...

Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925.
Disponível em Domínio Público.

quarta-feira, 5 de julho de 2023

Dorothy Jansson Moretti (Álbum de Trovas) 27

 

Monsenhor Orivaldo Robles (Sentado na calçada)

Não estava de canudo e canequinha nem fazia bolinha de sabão, como cantava a melodia de Orlandivo, que os mais jovens por certo nunca ouviram. Mas estava sentado na calçada. Encostado na parede do restaurante. Não atrapalhava os que iam passando. Ninguém lhe dava atenção. Era como se não existisse. Nem ele se preocupava com os transeuntes. Sua atenção concentrava-se em coisa mais importante. Muito mais importante. Só tinha olhos para a marmita, que alguma alma caridosa lhe comprara. Ou o próprio restaurante, condoído da situação, tinha providenciado para atender o seu pedido. Era hora de almoço. Não é difícil sentir piedade de quem pede o que comer. Desde crianças aprendemos que a ninguém jamais se nega um prato de comida. Dinheiro não, porque nunca se sabe no que vai ser gasto. Ainda mais hoje, tempo de crack, essa droga assassina.

O homem comia com apetite de fazer gosto. A caminho de outro restaurante por quilo onde, vez por outra, eu almoço, não contive o impulso de descobrir o que continha a marmita. Olhei justamente na hora em que ele trincava um bife. Suculento e imenso bife. Uma beleza. Não entendo nada de carne bovina, mas seria coxão mole ou patinho. Alcatra, quem sabe. Não carne de terceira, cheia de pelanca e nervo. Devia ser o melhor bife que o restaurante servia. Uma dádiva dos céus para a sua fome de semanas. Fazia-o sentir-se o ganhador único de megassena acumulada.

No coração de manteiga derretida a cena me despertou uma inusitada alegria. Minha atenção se concentrou no bife. Mas um rápido olhar bastou para descobrir ingredientes variados, que revelavam uma comida, além de farta, também de qualidade. Sabe-se lá desde quando o homem não saboreava repasto igual. Rendi graças pelo anônimo samaritano, que não cuidou de economia na hora de compor a marmita. Ofereceu-a generosa, cheia até às bordas.

Na volta, cruzei de novo com ele. Ocupava agora o meio da calçada. Desgrenhado, em andrajos, imundo. Um pobre cão magro fazia-lhe companhia. Na certa, com ele partilhara a lauta refeição. Vi-o ainda longe. Tirei da carteira um dinheiro, certo de que seria pedido. Mas ele passou por mim aprumado como um lorde. Era como se sentia depois do feliz repasto. Tinha saboreado um almoço da nobreza. Como agora se rebaixar a pedir trocados? Outros não sei, mas aquele, para mim, será um homem cheio de dignidade. Estende a mão se e quando está faminto.

Pensei: como é bom não sentir fome. Nunca nos detemos a considerar a ventura que é ter comida na mesa. Todos os dias. Não escutar o ronco de um estômago que dói de vazio. Pior: contemplar os filhos que imploram por comida, quando não se tem um naco de pão duro para atendê-los. Nós o máximo que já sentimos foi apetite. Nunca sequer chegamos perto do que é fome de verdade.

Algumas guloseimas recusou-nos nossa infância de meninos pobres; comida, jamais. Recordo meus dez anos em Jales e a atração que despertavam as balas Dea brilhando envoltas no seu papel dourado. O tubo azul recheado com uma dúzia de rodelas de chocolate da marca Gardano. Delícias impossíveis, de sabor apenas imaginado, que contemplávamos pelo vidro do balcão do bar, na Avenida Alagoas. Hoje até poderíamos comprá-las. Já não se acham à venda em nenhum balcão.

Dor de doer o estômago nunca sofremos. E não lembramos de agradecer.
____________________

Fernando Pessoa (Caravelas da Poesia) LVII


Tornar-te-ás só quem tu sempre foste.
O que os deuses te dão, dão no começo.
De uma só vez o Fado
Te dá o fado, que é um.
A pouco chega pois o esforço posto
na medida da tua força nata -
a pouco, se não foste
para mais concebido.

Contenta-te com seres quem não podes
Deixar de ser. Ainda te fica o vasto
Céu pra cobrir-te, e a terra,
Verde ou seca a seu tempo.

O fausto repúdio, porque o compram.
O amor porque acontece.
Comigo fico, talvez não contente.
Porém nato e sem erro.

Eu não procuro o bem que me negaram.
As flores dos jardins herdadas de outros.
Como hão de mais que perfumar de longe
Meu desejo de tê-las?

Não quero a fama, que comigo a têm
Eróstrato e o pretor
Ser olhado de todos - que se eu fosse
Só belo, me olhariam.
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Tudo que sinto, tudo quanto penso,
sem que eu o queira se me converteu
numa vasta planície, um vago extenso
onde há só nada sob o nulo céu.

Não existo senão para saber
que não existo, e, como a recordar,
vejo boiar a inércia do meu ser
no meu ser sem inércia, inútil mar.

Sargaço fluído de uma hora incerta,
quem me dará que o tenha por visão?
Nada, nem o que tolda a descoberta
como o saber que existe o coração.
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Uma maior solidão
Lentamente se aproxima
Do meu triste coração.

Enevoa-se-me o ser
Como um olhar a cegar,
A cegar, a escurecer.

Jaz-me sem nexo, ou fim...
Tanto nada quis de nada,
Que hoje nada o quer de mim.
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UMA SÓ LUZ sombreia o cais.
Há um som de barco que vai indo.
Horror! Não nos vemos mais!
A maresia vem subindo.

E o cheiro prateado a mar morto
Cerra a atmosfera de pensar
Até tomar-se este como porto
E este cais a bruxulear

Um apeadeiro universal
Onde cada um 'spera isolado
Ao ruído - mar ou pinheiral? -
O expresso inútil atrasado.

E no desdobre da memória
O viajante indefinido
Ouve contar-se só a história
Do cais morto do barco ido.
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Um dia baço mas não frio...
Um dia como
Se não tivesse paciência pra ser dia,
E só num assomo,
Num ímpeto vazio
De dever, mas com ironia,
Se desse luz a um dia enfim
Igual a mim,
Ou então
Ao meu coração,
Um coração vazio,
Não de emoção
Mas de buscar, enfim -
Um coração baço mas não frio.
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Universal lamento
Aflora no teu ser.
Só tem de ti a voz e o momento
Que o fez em tua voz aparecer.
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Vaga saudade, tanto
Dóis como a outra que é
A saudade de quanto
Existiu aqui ao pé.

Tu, que és do que nunca houve,
Punges como o passado
A que existir não aprouve.
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Vai alta a nuvem que passa,
Branca, desfaz-se a passar,
Até que parece no ar
Sombra branca que esvoaça.

Assim no pensamento
Alta vai a intuição,
Mas desfaz-se em sonho vão
Ou em vago sentimento.

E se quero recordar
O que foi nuvem ou sentido
Só vejo alma ou céu despido
Do que se desfez no ar.
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Disponível em Domínio Público.

Nilto Maciel (Gaio e a Solidão)

Na casa havia um papagaio. Gritava o dia todo. Insultava seres e coisas. Para alegria de todos.

Sua própria alegria, porém, ia silenciando, pouco a pouco. Se ainda gargalhava, imitando o dono da casa, o fazia por puro hábito. Quase sempre triste em sua prisão, vivia a cochilar, fei­to um velho doente. Sem a menor vontade de conversar.

A família se reuniu para diagnosticar o mal do pobre Gaio. Doenças aéreas, moléstias aladas, enfermidades penosas vieram à baila. E nada encontraram para causa real da tão drástica mu­dança no comportamento do animal. Não, só um especialista em papagaio saberia definir a desgraça da pequena ave.

– Eu sei! – gritou Jeová, do alto de sua caçulice.

Dona Sara quis rir, mas fez cara feia. Seu José tentou mudar de assunto. A filharada, porém, achou sensato o juízo de Jeová. Sim, Gaio precisava de uma companheira.
***

Autorizados, os meninos vasculharam as redondezas do sítio, à cata de uma papagaia. Em vão. Ali, não havia disso. O próprio Gaio viera de muito longe. Trouxeram-no ciganos ou mascates. Seu José comprou-o, por uma bagatela, a um desconhecido que passava diante da porta. Puxava um burro repleto de mercadorias. Talvez roubadas.

– Era um cigano, pai? – quis saber Jeová.

– Não lembro mais. Talvez o cigano tenha me vendido um chapéu de feltro. Ou um cavalo velho.

Os filhos maiores foram mais longe. Vararam serras e sertões, buscaram as mais famosas e distantes feiras. E nada de papagaias.
***

A dolorosa melancolia de Gaio levou José e Sara a falar em novos filhos. Ela sorriu. Por acaso ele não sabia o significado de menopausa? Pois desde o nascimento de Jeová cessara nela o poder de procriar. Mais fácil terem netos.

E a ideia chegou aos ouvidos dos filhos. Sim, alguns já andavam na idade de casar. Onde, porém, encontrar moças e rapazes? Ora, nos sítios vizinhos. No de Seu Machado, por exemplo, vivia uma dezena de belas moças e fortes rapazes.
                                                                       ***

Num domingo, a caravana chefiada por José invadiu a casa de Machado. Alegria de ambos os lados pelo reencontro. Havia tempos não se viam todos juntos. Como andavam crescidos os meni­nos! Que belas moças! Que bonitos rapazes!

– Jeová, então, está um homenzinho.

– E o papagaio?

 Houve princípio de choro em alguns olhos. Coitadinho de Gaio! Talvez não durasse mais uma semana.

– Faz tanto tempo! – observou José.

Os meninos já corriam para lá e para cá. As moças e os rapazes trocavam olhares e palavras tímidas.

– Por pouco não comprei o bichinho. – ponderou Machado.

– Não me lembro mais de nada! – lamentou-se José.

Na verdade, o papagaio fora vendido a Jeremias por ciganos ou mascates. Depois, aconteceu uma desgraça e o velho caiu na miséria. Perdeu quase tudo na enchente do rio. E se viu obrigado a vender até o papagaio.

Por acaso Machado e José chegaram juntos à casinha do pobre Jeremias. Exclusivamente para comprar o papagaio. Por insistência dos filhos.

E aconteceu uma espécie de leilão.

– Ofereci uma galinha e você uma cabra.

E o velho cresceu os olhos.

– Ofereci uma vaca e você uma casa.

Lá fora os meninos brincavam, sem nenhuma preocupação com o passado. A um lado, os rapazes e as moças pareciam mais animados. Sara e a dona da casa falavam de namoros e casamentos.

– Precisamos unir mais nossas famílias. – considerou José.

– Sim, meus filhos gostam muito dos seus. – completou Machado.

Mais algumas horas de brincadeiras e conversas, e ninguém falou mais no papagaio.

Ao se despedirem, alguns acordos estavam selados. Mais visitas de uns aos outros e autorização para fulano namorar sicrana ou sicrano para namorar beltrana.

Havia olhos e lábios para todos os gostos.
Fonte:
Nilto Maciel. Itinerário: contos. Fortaleza, CE: Ed. do Autor, 1974.
Enviado pelo autor.

Concurso de Trovas de Taubaté (Prazo: 30 de setembro de 2023)

TEMAS:

ÃMBITO NACIONAL / INTERNACIONAL

(Trovadores do Brasil e do mundo, exceto Estado de São Paulo):
Veteranos e Novos Trovadores

FUTURO (lírica/filosófica)
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ÃMBITO ESTADUAL (Trovadores do Estado de São Paulo, exceto Taubaté):

PASSADO (lírica/filosófica)
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ÃMBITO MUNICIPAL (Trovadores de Taubaté):

SONHO (lírica/filosófica)
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TODOS TROVADORES (independente de âmbito e categoria):

PRESENTE (Humorística)
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TROVADORES MESTRES:

BOMBEIRO (lírica/filosófica)

DEVOTO (Humorística)
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- Máximo de 02 trovas por participante para todas as categorias;

- Valem palavras derivadas, cognatas e mesmo somente a ideia do tema contida na trova; a trova deve ser inédita, escrita em língua portuguesa e de autoria própria;

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Fiel Depositário - Raul Filho  

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- As trovas recebidas no Âmbito Nacional/Internacional, serão julgadas separadamente por categorias (Veterano e Novo Trovador).

- Os trovadores Mestres (título outorgado pela UBT Taubaté desde 2015) serão comunicados individualmente;

- Para conhecimento acerca dos critérios para a obtenção do Título de Mestre da Trova, bem como aqueles que atualmente compõe o Quadro de Trovadores Mestres (L/F ou H), a UBT Taubaté estará a disposição para esclarecimentos e dirimir eventuais dúvidas, bem como compromete-se em enviar o relatório completo a todos que se inscreverem no concurso;

- As decisões da Comissão Julgadora serão soberanas e irrecorríveis;

- Casos avulsos serão resolvidos pela Comissão Organizadora.
Fonte:
Enviado por Solange Colombara