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quarta-feira, 13 de maio de 2020

Olga Agulhon (Poemas Escolhidos)


ASSIM SÃO NOSSAS SINAS
(aos meninos do Mamonas Assassinos)

Um meteoro passou
com cara de arco-íris.
Veio sem avisar,
como tudo que vem do céu
e se desmancha no ar.

Por onde passou,
magia deixou,
multidões encantou.

Se alegria
nessa terra era Utopia,
tudo mudou...

E o riso, mesmo constrangido,
por tanta ousadia,
fez-se presente amigo,
em horas de agonia.

Mas a negra sorte, ingrata,
também vem sem avisar
e leva o que é querido
para outro lugar;
lugar não sabido,
de trânsito impedido,
mas que no céu deve estar,
e só quem no céu se forma,
para lá pode voltar.

A alegria, se ia junto,
dos homens teve dó;
explodiu-se em fino pó,
que se espalhou generosamente
na memória de nossa gente.
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EM BUSCA DE UM CAMINHO

Um dia descobri
que era impossível
ter a mente nas estrelas,
os olhos no horizonte
e os pés na terra.
Travou-se, então, uma luta interna.
Queria manter meus olhos fechados
para que não me acusassem
de não querer ver.
Queria manter meu corpo doente e fraco
para que não me acusassem
pelo que deixo de fazer.
O tempo passou
e contentei-me em viver de esperanças.
A felicidade não chegou
e contentei-me em viver de saudades.
Um amanhecer depois de outro
e contentei-me em viver
com as cortinas fechadas.
Sorria para o além.

Beijava alguém,
não sei quem,
que não estava presente.
Vivi de luas e sonhos,
estrelas e ilusões
até recomeçar uma nova batalha
por um novo caminho,
ainda não percorrido.
Olho agora para o horizonte
e, embora ferido,
sigo em frente,
em direção ao desconhecido,
pois somos todos viajantes,
apressados pelo tempo
e procurando respostas
muito bem escondidas
nas estradas de nossas vidas.
Ainda não encontrei o que procuro,
ainda não desfiz o nó do futuro,
mas ainda andarei
enquanto houver tempo.
Só não sei se conseguirei
vislumbrar menos que o horizonte
e talvez nunca deixe pegadas,
criando uma nova era
de pessoas aladas.
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O CICLO DA ÁGUA E DA VIDA

A chuva vem.

Os pingos caem, saltam, correm.

Caem sobre as abertas feridas,
as profundas marcas,
as escuras e sujas manchas.

Saltam com gritos de dor
e correm cicatrizando as feridas,
maquiando as marcas,
limpando as manchas.

Levam, por um momento,
as dores e suas lembranças,
mas a chuva passa e
leva consigo um frasco da vida.

A chuva volta.

Os pingos caem, saltam, correm.

Ficam, por mais um momento,
as feridas sem dor,
as marcas sem lembranças,
as manchas sem medo.

Mas a chuva passa e
leva consigo um frasco da vida.

A chuva passa,
o tempo passa,
a vida continua.

Até que
a chuva passe,
o tempo passe
e a vida acabe.
****************************************

O POETA E A PROFESSORA

ATO I

A lua já brilha lá no céu,
enquanto a noite põe seu negro véu
e escurece as ruas;
as minhas e as suas,
as vestidas e as nuas.

ATO II

Enquanto a magia nasce sobre minha cabeça de poeta,
meus pés reclamam pelo merecido descanso
depois de mais um dia de trabalho, nada manso.
Na fila do ônibus, sempre atrasado,
uma mulher de rosto muito cansado
desperta-me a curiosidade.

A roupa está amassada, é simples e discreta;
humilde, melhor dizendo.
Contrastando com o visual de borralheira,
um grande e reluzente anel de formatura em seu dedo.
Uma pilha de livros nas mãos.

ATO III

Tanta poesia no céu;
só realidade no chão.

A imaginação invade a vida alheia.
É uma pessoa estudada,
como dizem aqueles que não o são.

Qual será sua profissão?
****************************************

O TEMPO É CURTO

Sinto agora a última saudade.

Sinto o coração falhar
e os olhos enchem-se de lágrimas,
querendo chorar.

Não tenho mais chance
para ir adiante,
enfrentar meu destino errante.

O tempo não tem caridade
e leva a vida embora
antes da felicidade.

Talvez não veja outra lua,
clareando a rua,
talvez não receba a última flor,
talvez não sinta mais seu calor,
talvez não escreva a última página,
mas, talvez, para sempre
leve no peito uma dor
e no rosto uma lágrima
de amor.

Ainda não vi a realização dos meus sonhos,
ainda não fiz grandes coisas,
ainda não vi na vida
uma grande amiga.

Da dor, não reclamo; eu aguento.
Mas nada pode me dar alento;
tudo está sendo levado pelo vento
e eu não tenho mais tempo.

O telefone tocou, talvez,
já pela última vez.
****************************************

TARDE TRANQUILA

Num dia chuvoso, penso.   
A chuva varreu, tardia,
todo o conflito que havia
dentro de mim, tão denso.
O meu pensamento, tenso,
começou a sossegar e navegar
na sintoma das ondas que venço,
como se já não pudesse parar.

Ia olhando para o fundo,
procurando encontrar e desvendar
o maior segredo do mundo.
Imaginando se um dia, então,
o segredo de Deus e de Adão
será revelado sobre este chão.

Fonte:
Olga Agulhon. O Tempo. Maringá: Midiograf, 2003.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Marciano Lopes e Silva (Poesias Avulsas)


O AMOR À SOMBRA DAS SIBIPIRUNAS
(um poema para as sibipirunas de Maringá)

Sibipirunas em flor
se  enlaçam
lado a lado nas calçadas.

Silêncio.
Frescor.

Pombos entre folhas.
Raios de luz.

Passo a passo
como noivos na catedral.

Amamos.

CHAMAVENTO

Pois transbordando de flores
A calma dos lagos zangou-se
A rosa-dos-ventos danou-se
O leito do rio fartou-se
E inundou de água doce
A amargura do mar
("Rosa-dos-ventos", Chico Buarque)

“Noite de vento, noite dos mortos.”
         (O Tempo e o Vento, Erico Verissimo)


Divino vento!
Não nasce nem morre.
Apenas existe.
Infinito como o tempo.
Divino vento
que faz as montanhas virarem pó
e faz o pó invadir minha alma
carregando o cheiro fétido da morte.
Divino vento que tudo arrasa e arrasta!
Divino vento que move moinhos!
Inflama a chama alastra o fogo
e revolta os mares em vagas colossais!
Divino vento
que penetra por todos os cantos
poros, narinas e frestas...
Divino vento que revolve a terra
seca e esquálida
que povoa a história com sussurros
e desenterra velhos sonhos adormecidos.
Vem!
Vem divino vento!
Vem vendaval!
Vocifera em meus olhos a ira dos deuses
na imensidão da noite!
Vem!
Enlouquece a natureza!
Que corujas lancem pios!
Cães ladrem nos terraços!
Vacas pastem em jardins!
Cavalos relinchem em hotéis!
Gatos uivem no céu!
E ratazanas invadam as ruas
numa gargalhada infernal!
Vem!
Divino vento!
Vem com toda a fúria!
Com a ira de todas as malditas gerações
amordaçadas!
Vem!
Arrebata a rosa-dos-ventos!
Divino e bendito vento!
_____________________________
Nota:
Reescritura de um antigo poema intitulado "As vozes do vento", publicado no livro Concurso DCE-FURG - 15 anos de Contos e Poesias. Rio Grande/RS: FURG, 1987. p. 15-18.

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SEMINAR

O amor da gente é como um grão.
(Drão – Gilberto Gil)


Quem disse que temos todo o tempo do mundo?!
Se assim fosse, por que amar as pessoas
como se não houvesse amanhã?!

Não, o tempo não pára
e o sonho é como um grão:
tem que morrer pra seminar.

SOUVENIR

Veja o sol dessa manhã tão cinza:
a tempestade que vem tem a cor dos teus olhos castanhos.
(Tempo perdido, Renato Russo)


Quando a dor te encontrar no fundo do calabouço,
lembra que a tempestade tem a cor dos teus olhos
e o frescor das fontes que brotam límpidas
do velho poço de pedras.
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ÁGUAS VIVAS

ÁGUA-VIVA I


Nas madrugadas navego.
Oceano sem fim.

Imensa onda.
Jaz mim.

 ÁGUA-VIVA II

Fumaça blues.
Flor essência
de sândalo.

Dourados
no aquário.

ÁGUA-VIVA III

anêmonas
trêmulos
véus...

Divina Vênus
na cama...

ÁGUA-VIVA IV

Estrelas n’água.
Branca espuma
em teus lábios.

No firmamento
noctilucas pululam.

Astrolábios.

ÁGUA-VIVA V

Nas madrugadas bebo
águas vivas.

Resgato águas furtadas,
régias e marinhas.

Depois adormeço,
pálido de aurora.

ÁGUA VIVA VI

Mar remoto.

No fundo
(da concha)
naufrago.

ÁGUA-VIVA VII

as ondas
espumantes
(en) volvem

o doce nácar
das conchas

SINUCA 1: "PRETO BATE BRANCO BATE PRETO"

preto bate branco
bate preto
embola enrola esfola
assola
escarra escarra escarra
cuca luta dis-
puta
taco contra taco
sopapo
nuca noite coice
foice
bate bate bate
bola contra bola
bate
pelas ruas pelos guetos pelos panos
rola
bola contra bola
rola
............................

preto bate branco
bate preto
faca tapa coice
açoite
estala
bala contra bala
estala bala vala
desfia desafia afia
porfia
a faca o taco o troco
sufoco
cara contra cara
encara
caça contra caça
regaça
encara bate e cala
caçapa!

SINUCA 2: TACO CONTRA TACO
 
embola enrola volteia
bate
enrola esnoba floreia
bate
cuca luta bruta pura
disputa
taco troco truco traço
no braço
bola contra bola bate rebate
e gira
pelos cantos pelas beiras pelos panos
rola rola
bola contra bola bate rebate
estala
bola contra bola rela rala rinha risca
desliza
bola contra bola bate rebate reganha rebola
encaixa
taco a taco ferro fere firme forte
fácil

última bola:
cara a cara encara mira e cala
caçapa

DOM QUIXOTE DALI

Dom Quixote manchado,
cavaleiro das taças quebradas,
envolto em moinhos
de sonhos e mágoas,
avante!.. avante!...
Impávido
pelos trilhos utópicos
alucinado a rodar e a rodar e a rodar
em sonhos...
carrossel...
Atravessa os túneis,
penetra a terra,
move os céus e as montanhas,
estrela a brilhar em consternação...
Constrói o futuro
e cola os cacos da história!
Tu que és trapeiro doido da lua,
eternamente um louco salvador...
Tu que és trapeiro doido da lua,
eternamente salvador dali...
Dali, daqui, de lá, acolá...
Evoé!
Avante Quixote!
Ole!... Ole!... Ole!…

SER/VIDA

vida sobre/mesa
sobre/mesa vida
vida ser/vida

vida sobre/mesa
explícita

cadáver vivo?

natureza morta?

vida sobre/mesa
mesa sob(r)a vida
sobre/mesa vida

ser/vida
a/guarda
?

quem descubra
quem decifre
quem devore
?

faca
ques
pedaça
?

vida sobre/mesa
es/finge faminta

devora
ar/dente
mente
?

sente(?)
-
MIRANDO JANIS JOPLIN
-
É nessa cadeira, vejam, é nesta cadeira vazia
que ouço Janis Joplin
e converso com Bertold Brecht
sobre os absurdos do mundo.
É nessa cadeira, vejam, que ouvimos Neruda cantar
e converso com o mais estranho e eclíptico demente
que com os meus olhos meninos eu vi!
Ele se delicia com rainhas, balões, porcos e pedras rolantes,
grita berra e murmura baixinho
que não tem certeza de nada e que a ignorância também é sábia.
Fala de doidos amores
conta as mulheres que comeu e cuspiu
nos podres vasos da aurora
nos banheiros sujos em que deixou
o âmago quente do seu estômago
cansado da burra servidão do dia.
É nessa cadeira, vejam,
é nesta cadeira vazia que converso com Janis Joplin
sim! eu converso com Janis Joplin!
Nessa cadeira Neruda a cantar!
Bertold Brecht fala dos absurdos do mundo!
Sim! Eu ouço Janis! Janis Joplin!
nesta cadeira vazia.

Não, não assuste não! São somente máscaras
com que disfarçamos o medo
o vazio o vácuo a velocidade a voz
que vem do nada por todos os lugares
jorrando como sangue do coração
fazendo esgares nos espelhos espalhados pelo caminho!
Sim, é nesta cadeira, vejam, é nesta cadeira vazia
que miro Janis Joplin!

Canção apresentada durante o 1º Acorde Universitário - Festival de MPB.
-
MIGALHAS
-
bebia sua vida num gole gargalo
com jornal de lã na calçada-divã
vestia saída num beco soberbo
de fome subúrbia
travessa sacia sua sede de pão

meio-dia fomenta milhares de carros
com tal sede insana faminta de grana
pro gole final que deu ali mesmo
de magna angústia
tomou batida e encheu a cara de chão

encheu a esquina
de cena
agora é a vida

que
pinga
que
pena [1]


Milhões de migalhas
encobrem a mesa.

Milhões de migalhas
não fazem um pão.

Milhões de migalhas
não fazem nem mesmo
uma fatia.

Milhões de migalhas
são apenas mais sujeira
no dia a dia.
____________________
[1] O texto em itálico é um poema do amigo Sansão (Fábio Freitas), cujo título é “Pão e pinga (A fome e a embriaguez)” e foi gentilmente cedido para acompanhar meu poema "Migalhas".
=========================
NO LIMITE

Num mundo videoestilhaçado
deve o poema também sê-lo?

Em canais latrinobabélicos
deve o poema signosilenciar?

Narcisopausterizado na massa
deve o poeta e(x)goelar-se?

Ou a saída seria dispará-lo à seco
cilada selada com muito desvelo?

DA DIFÍCIL TAREFA DE SER ATOR

Ser ator é moleza,
barra é ser professor.

Interpretar todo dia
sem ao menos ter um palco
por salvação
não é pra qualquer um

só para hipócritas
e ratinhos
de labotoratório.

Viver por tanto
então
nem se fale.

Somente louco
ou artista.
Tanto vale.

Fonte:
http://marcianolopes.blogspot.com

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Olga Agulhon (Gente de Minha Terra)



CONHECIMENTO

Estamos todos enganados!
Pensamos que podemos enxergar...
Mas pela ilusão fomos picados.
Vivemos no escuro!
Sabemos pouco do passado,
só pensamos no futuro
e não vivemos nada do presente.

QUASE REBELDIA

Chega de versos melosos, caudalosos,
que acompanham os momentos
de desatino.

Rompi com o destino!

Mesmo os momentos amorosos
serão mais curtos e secos.
Navegarei mares incertos,
não terei medo de becos escuros,
de passar por grandes apuros
ou atravessar longos desertos.

Chega de versos saudosos, lamentosos,
que acompanham os momentos
de solidão.

Rompi com a emoção!

Os punhais serão mais racionais
e os romances serão mais mortais.
Enquanto viverem, os amores serão rasos
como raízes em vasos;
suas marcas serão superficiais
e jamais exalarão perfumes florais.
Os versos serão brancos e secos
como os vinhos e a noite fria,
que é estéril e nada cria.

Mas a criação, criatura ingrata
na folha esculpida,
desata a forma da vida
e revolta-se contra o criador,
chorando pelas entrelinhas
sob o ritmo romântico 
das marchinhas.
Os versos saem cheios de amor provinciano
e abdicam da oportunidade
de tornarem-se poesia.
Para o criador,
nada de fotografia!
Talvez num outro dia
dê resultado a euforia
de sua quase rebeldia.

UM HOMEM POETA

Mergulhado em tristeza e solidão,
um homem escreve.
Versos ritmados? Não!
Escreve sobre seus dias,
contando horas vazias.
Escreve, com movimentos lentos,
palavras que tentam definir sentimentos.

É um poeta!
não porque escreve,
querendo escolher a palavra e a alegoria,
mas porque sonha,
perdido em  ilusões e melancolia.

Um homem chora.
Chora por sua vida dura,
querendo esquecer uma amargura.
Chora como todo amante,
que já sofreu o bastante.

É um poeta!
Não porque escreve,
querendo escolher a palavra e os pontos,
mas porque ama,
perdido em solidão e desencontros.
Por isso escreve,
com o coração pequenininho,
querendo seu ninho.
Escreve porque está sozinho
e só o papel lhe dá carinho.

A PALAVRA É A SEMENTE

A palavra é a semente.
Cata grão, cata grão, cata não.
O sábio escolhe
e protege o grão
antes de levá-lo ao chão
e só planta com o coração.
Da semente impura, não
germinará o trigo-pão; 
e depois de lançada,
ela não torna à mão.

A palavra é a semente.
Junta grão, junta grão, junta não.
O sábio separa o joio do trigo bom
e não semeia na escuridão;
o faz no branco do papel cartão,
retirando uma a uma
as ervas daninhas, que estragam a plantação.

AMOR PERDIDO

O coração fica magoado
quando relembra o passado.

Folha negra, virada;
fica o avesso.

Folha seca, levada;
fica o movimento,
o barulho do vento.

ESTRAGOS DE UMA TEMPESTADE DE AMOR

Uma enxurrada
de lágrimas
arrasou as margens
do meu coração.
Suas águas vermelhas
extravasaram
e inundaram –
como violenta tempestade – 
todo o meu ser,
que não resistiu.
Corpo e alma sucumbiram
diante dos estragos.
Toda a estrutura desabou.
O que restou?
Não sei.
As perdas foram grandes,
irreparáveis.
Reconstruir?
Não sei se vale a pena.
Talvez demore
uma vida inteira.

RIDÍCULA
a Fernando Pessoa

Quando deixar de escrever cartas de amor,
deixarei de ser ridícula,
serei amarga.

Quando deixar de chorar por amor,
deixarei de ser ridícula, 
serei seca.

Quando deixar de pedir seu amor,
deixarei de ser ridícula,
serei outra.

Quando aprender a fazer versos,
deixarei de ser ridícula,
serei Pessoa.

UM HOMEM SEM UM SONHO

Um homem que não sonha!
É como aquela velha cegonha,
que, embora livre,
voa pelo mundo
sem fugir do inverno,
sem chegar ao alto,
sem conquistar os céus.
Sem saber para onde ir,
sem saber o que buscar,
vai para onde é enviada,
com um destino já traçado
e uma carga predeterminada.
Sem tecer sua própria teia,
cansa de voar a vida alheia
e espera a tempestade trazer os ventos
que apagam os rabiscos de lamentos
que sempre carrega consigo
e, não tendo feito um grande amigo,
só ousa revelar às areias incertas
de praias tão desertas
como a vida,
que não tenta viver.

Fonte:
Olga Agulhon. O Tempo. Maringá: Midiograf, 2003.

Olga Agulhon (Na Safra da Vida, a Magia das Cores)


Cronica Vencedora do Concurso Nacional de Crônicas do 3º Jogos Florais de Caxias do Sul (RS) - 2011

No espelho não mais encontro aquela jovem que um dia foi a noiva de branco a se olhar uma última vez antes de se entregar... Um último retoque nos negros fios encaracolados; uma última ajeitada na grinalda de flores de laranjeira... e pronto! Tão linda imagem... perfeita! Estava ali a encarnação da esperança!

Tudo perfeito, afinal, naquele dia. Em cadeiras caprichosamente arrumadas sob a sombra do parreiral em cachos, amigos e familiares em sincera torcida... Quase toda a italianada da colônia...

As uvas pendiam roxas e perfumadas, indicando fartura e bons presságios ao alcance das mãos.

O noivo, de pé, no altar, com brilho de gel nos cabelos, vestia, com certeza, o seu melhor traje. Aguardava, aflito, a donzela que tomaria por esposa como quem espera, finalmente, começar a viver... Cheio de sonhos no olhar!

Não vi, ao caminhar em sua direção, nada além daqueles olhos de anil e promessas... Olhos que guardariam aquele momento para sempre em sua retina... Olhos que me diziam: - Venha, não tenha medo, ninguém aqui ousará ofendê-la, e hoje é o seu dia de rainha.

Unidos pelo santo laço do matrimônio, não mais enfrentaríamos a resistência dos sogros... Estava feito!

Outras safras vieram, ano após ano. Junto com a colheita da uva e a produção do vinho, comemorávamos o aniversário de casamento e, de quando em quando, a dádiva da vida sendo gerada em ventre fértil.

Nem tudo foi assim tão lindo do jeito que foi sonhado... Nem todas as promessas foram cumpridas... Algum encanto se desfez aqui ou acolá, mas tudo foi bem-vindo...  Estávamos juntos na alegria e na tristeza, na saúde e na doença... Fomos abençoados com cinco valorosos filhos, que formavam lindo degradê, e nossas vidas estariam para sempre entrelaçadas. 

Volto a me buscar no mesmo espelho da penteadeira de imbuia, na mesma casa caiada com as cores da terra... e o meu amor está de partida.

Busco-me no espelho e não me vejo. Na imagem refletida, uma outra habita. Insisto e me procuro naquela imagem de cabelos de neve cobertos... Não reconheço nenhum traço. Não vejo quem sou, não encontro quem fui quando trocamos o “sim” diante do altar...

Lembro-me dos olhos de promessas cheios...  Éramos outros... Tão jovens!

A velhice enrugou o nosso olhar... Não me reconheço diante do espelho e meu loiro não pode me ajudar nesse momento, pois trava um longo combate com a morte, no quarto ao lado... Insisto, aprumo os óculos, fixo-me bem posicionada... nada! O velho espelho também exibe as marcas do tempo. Choro... e as lágrimas silenciosas escorrem lentamente, percorrendo os inúmeros sulcos esculpidos em meu rosto.

Recomponho-me! Aprendi a aceitar os punhados de dor que a vida me reserva e esconde entre tantos potes de felicidade.

Volto e sento-me a seu lado. Ainda ouço um último sussurro: - Te amo, minha nega!... E então, finalmente, me reencontro naquelas retinas, que sempre me viram além da cor e das marcas do tempo.

Firme, seguro sua mão até a travessia, com a certeza de que, na minha hora, ele estará me esperando na margem de lá, com a mão estendida..., e ao caminhar em sua direção não verei mais nada além daqueles olhos de anil e promessas...

Outra safra se aproxima e a saudade ainda machuca o peito, mas alegro-me com a chegada dos filhos ao nosso pedaço de terra nesse cantinho do mundo.
A natureza novamente em cachos perfumados e coloridos.

Agradeço ao Criador da vida! O meu quinhão de alegria sempre foi maior que o meu quinhão de dor...

Meus filhos, participando da colheita da uva, são como bálsamo para os meus olhos... Lindos e fortes, uma mistura perfeita de raças, o branco e o negro em profusão de amor: na safra da vida, a magia das cores!

Fonte:
Jornal O Diario. Caderno D+. 31 janeiro 2012.

domingo, 15 de julho de 2012

Olga Agulhon (O Dito e o Não Dito)

As palavras são cruéis e desobedientes;
não são humildes servas.
Fazem-nos cócegas
e depois que saem da boca
não tornam a ela,
por mais que imploremos:
mas também não vão embora;
ficam ressoando no ar
e nos perseguem para sempre.
Por isso, busco o silêncio;
só ele nos deixa em paz.
As palavras...
prefiro prendê-las no papel.
Se viro a página
ou fecho o livro,
as silencio.
Vingo-me.
Torno-me rei.
-
Fonte:
AGULHON, Olga. O Tempo. Maringá: Midiograf, 2003.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Olga Agulhon (O Presente do Vovô)


Eu era a caçula de seis irmãos e morávamos na fazenda que meu pai possuía, perto da cidade.

Estudávamos na escolinha que havia na cabeceira da fazenda, perto da qual também existiam uma pequena mercearia e a igrejinha. Ali eram feitas grandes quermesses e vinha gente de toda a vizinhança, o que realmente lotava o lugar, pois em nenhuma das fazendas de café havia menos que cinco famílias.

Como eram gostosas aquelas festas! A de São João era um estouro. Tinha a reza do terço, hasteamento das figuras dos santos nos mastros, queima de fogos, quadrilha, comidas típicas, fogueira e outros folguedos. À meia-noite, várias pessoas passavam descalças sobre as brasas da fogueira. Lembro-me de que, desde muito pequena, brigava contra o sono para estar acordada nesse momento. Pensava que um dia também teria a coragem e a fé, que, segundo os praticantes, eram os únicos segredos para não queimar os pés.

O Natal, então, era pura alegria. Ficávamos sempre encantados com o presépio da igreja e emocionados com o momento que representava o nascimento de Jesus, quando uma criança da comunidade, vestida de anjo, entrava na gruta para colocar o menino Jesus na manjedoura. Todos batiam palmas com intensidade, muitos deixavam rolar algumas lágrimas e alguns, dentre eles minha mãe, choravam mesmo.

Quando voltávamos para casa, o Papai Noel já havia deixado o presente ao lado do sapatinho posto na janela.

Meu avô Antônio cantava e tocava sanfona em todas essas festas. Todos gostavam dele e, muitas vezes, convidavam-no para contar causos, como diziam os colonos.

As pessoas reuniam-se no terreirão da fazenda, sob a luz das estrelas e do lampião de gás, para ouvi-lo contar suas histórias, que faziam pequena a noite, trazendo mais rápido o raiar dos dias de domingo.

Quando minha avó morreu, vô Antônio tornou-se amargo e triste. Já não brincava conosco, nem cantava, nem tocava, nem contava histórias.

As festas, sem a sua presença, não tinham mais a mesma alegria, e as noites tornaram-se mais longas. Talvez quisesse que todos sentissem, tal como ele, a falta da vovó. Achavam falta dele e lembravam do motivo de sua ausência e de sua tristeza. Conseqüentemente, recordavam da vó Ana. Era assim que eu pensava, ou penso agora, não sei.

Vovô realmente não se conformava com a morte da companheira de mais de cinqüenta anos. Dizia não poder imaginar o que teria feito para que ela partisse sem ele.

Prometeu, então, que esperaria por ela em silêncio, para poder ouvir quando ela o chamasse.

Disse-me, um dia, que só tocaria novamente a sua sanfona quando vovó viesse buscá-lo. Tocaria e cantaria para ela e para se despedir de nós e deste mundo.

As pessoas, inclusive meus pais, achavam que vovô havia ficado louco, ou melhor, que ele já estava caduco, gagá. Diziam que ele, de tanto inventar histórias, chegara ao ponto de inventar uma na qual realmente acreditava.

Eu não entendia, porque todos os que diziam essas coisas também sempre disseram que vovô era um homem honesto, honrado e que sua palavra valia tanto quanto uma nota promissória. Então, vovô não mentia e, portanto, eu acreditei nele.

O certo é que se passaram mais de três anos e vovô permanecia quase sem conversar, sentado na varanda, em sua cadeira de balanço, com a sanfona ao lado.

Naquela noite, véspera de Natal, estávamos todos reunidos na varanda, clara pelo brilho da lua cheia, passando o tempo com conversa fiada até que chegasse a hora de dormir e o Papai Noel pudesse entrar sem ser visto.

Quando o sono já se aproximava, notei que vovô sorria, olhando longe, lá fora, para o carreador.

De repente, pegou a sanfona e começou a tocar e cantar baixinho, com a voz sem treino, rouca e cansada.

Assim que terminou a canção, fechou os olhos; e permaneceu ali, com a sanfona sobre o colo e um sorriso no rosto, segundo a minha lembrança de menina.

Meus pais choraram muito, mas eu não consegui encontrar motivo para ficar triste; só achei que ele tinha recebido o seu presente antes da hora.

Ninguém viu vovó vir buscá-lo, como ele dizia que aconteceria, mas acreditei ter sentido a sua presença. Então me explicaram que isso era coisa de crianças pequenas, que do mesmo modo que os vovozinhos, já gagás, confundiam suas histórias e seus sonhos, confundiam a realidade e a fantasia; e acreditavam em Papai Noel.

Novamente não entendi, porque aquilo que senti, sabia ter sentido.

Ao amanhecer, o presente do Papai Noel estava lá, ao lado do sapatinho posto na janela.

Fonte:
Academia de Letras de Maringá

sábado, 13 de agosto de 2011

Jorge Fregadolli (Livro de Trovas)


O homem nasce, cresce, morre,
deixa o mundo, a ilusão.
O que ninguém jamais esquece,
seu caráter, retidão.

No Rotary ou no lar,
é bom praticar o bem.
E deixe o tempo passar,
pra viver feliz também.

Bendito o irmão que na roça
puxa a enxada e planta o grão.
Tirando da terra a nossa
diária alimentação.

Neide Rocha Portugal,
pintora, jaz consagrada.
Poeta internacional…
nas telas, idolatrada!

Sem amor e sem carinho
vive o homem a lamentar.
Deixa o calor de seu ninho,
prá buscar noutro lugar!

Antenor, na plena idade,
chamou de Cidade Canção,
Maringá, bela cidade.
Aclamada pela multidão.

Por amar nossa Maringá,
divulgo meu amado chão!
– Lugar melhor não verá
meu torrão, meu coração!

Do arco-íris, o sinal
rebrilhando em Maringá,
nos mostra que a catedral
é benção ao Paraná!

Oh, bem-vindos, trovadores,
daqui, ali e acolá.
Trazendo sonhos e flores,
à radiante Maringá.

As garças brancas voando,
já no silêncio da aurora…
O seu sustento buscando,
ao romper da primeira hora.

Borboleta beijoqueira
dá beijos em cada flor.
Voando solta, fagueira,
vai fecundar seu amor.

Laura, tão querida tia,
será sempre a mãe amada.
Com gratidão, todo dia,
eternamente, idolatrada!

Na terra, no céu, no mar,
somos todos peregrinos.
A ciência há que buscar
os grandes e os pequeninos.

Arma-se a lona do circo,
todos os dias, no meio da rua.
Artista, enfrenta o risco…
o sorriso é marca sua.

Chove-chove, chuva amiga,
é benção à plantação.
Multiplica o fruto, a espiga,
dá mais vida e força ao chão!

– Que tamanho tem o mundo?
– Contém tudo, é o universo.
São seus sonhos mais profundos!…
Ele está em cada verso.

Fonte:
Olga Agulhon e Eliana Palma (orgs). Academia de Letras de Maringá: VII Coletânea 2011.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Antonio Augusto de Assis (Tábua de Trovas)


1.
Sorria, amigo, sorria!
Pois, neste tempo de tédio,
qualquer sinal de alegria
é sempre um santo remédio!
2.
Sorriso não paga imposto;
esbanja, portanto, o teu.
Sorrindo com graça e gosto,
acendes também o meu!
3.
Irmanemos nossas vidas
em comunhão generosa,
tal como vivem unidas
as pétalas de uma rosa!
4.
Sonho um mundo redimido,
que, movido a coração,
lance flechas de Cupido,
não petardos de canhão!
5.
Eu tenho fé nas pessoas,
em todas, sem exceção,
que todas elas são boas,
quando lhes damos a mão!
06.
De quantas bênçãos se tecem
as vidas fortes, sofridas,
que de si mesmas se esquecem
para cuidar de outras vidas!
07.
Criado por Deus, o rio
nasce limpo e, como nós,
traz consigo o desafio
de limpo chegar à foz.
08.
Jardineiro, que me encantas,
que bonito é o teu labor!
Tens o dom de com mãos santas
do esterco extrair a flor!
09.
Bem-te-vi que bem me vês,
bem-visto sejas também,
hoje e sempre e toda vez
que bem me vires… Amém!
10.
Eu sei por que o passarinho
canta gostoso e se inflama:
é que ele tem no seu ninho
uma família que o ama!
11.
Valente, o verde resiste
à foice, ao fogo, ao trator.
– É a vida que, dedo em riste,
enfrenta o seu matador!
12.
Quem ama não mata a mata;
quem ama planta, recria.
Quem ama protege e acata
o verde, a vida, a alegria!
13.
Dói muito ver um canário
cantando humilhado e triste
em troca do vil salário
de um punhadinho de alpiste!
14.
Treme o mundo e se consome
ao som de um terrível brado:
– o grito que sai com fome
da boca do injustiçado!
15
Jogado no mundo, ao léu,
rezava o orfãozinho assim:
– Cuida bem, Papai do Céu,
dos que não cuidam de mim!
16.
Matam crianças na rua,
hoje ainda, que que é isto?
– É que Herodes continua
caçando o Menino-Cristo!
17.
“Bem-vinda à vida, criança!”,
diz o parteiro sorrindo.
E a frase é um hino à esperança,
no seu momento mais lindo!
18.
É mais que um beijo, é uma prece,
aquele beijo miudinho
com que a mãe afaga e aquece
os seus filhotes no ninho!
19.
Ouvi um menino uma vez
mandar aos pais um recado:
– Eu sou o amor de vocês
que se fez carne… Obrigado!
20.
Cuide bem do seu bebê;
forme-o forte, sábio e puro.
Ele é a porção de você
que vai viver no futuro!
21.
Brincam na praça os pequenos:
castelos, canções, corrida…
São seus primeiros acenos
aos grandes sonhos da vida!
22.
Nas costas, leva a criança
seus livros numa sacola;
nos olhos, leva a esperança
como colega de escola!
23.
O agricultor que semeia
o arroz, o milho, o feijão
trabalha com Deus à meia
na Obra da Criação.
24.
O sol engravida a chuva,
e a terra se faz seu ninho;
no ninho se faz a uva,
e a uva desfaz-se em vinho!
25.
O fruto é um santo produto
do mais generoso amor.
Por isso é que antes de fruto
quis Deus que ele fosse flor.
26.
Numa harmonia perfeita,
completam-se o fruto e a flor:
ele alimenta, ela enfeita;
ele dá força, ela o amor!
27.
Deus fez a Terra… e, ao fazê-la,
deu-lhe o toque comovente:
fez o céu para envolvê-la
num pacote de presente!
28.
Belo sonho o que aproxima
estrelas e pirilampos…
– Elas são eles lá em cima;
eles são elas nos campos!
29.
Mesmo soltas e espalhadas,
as pétalas são formosas;
porém somente abraçadas
é que elas se tornam rosas!
30.
Ó Deus, que nos deste a flor,
e as crianças e as estrelas,
dá-nos agora, Senhor,
a graça de merecê-las!
31.
De dia caleja a palma
o irmão que cultiva o chão.
De noite alivia a alma
nas cordas de um violão!
32.
A vida jamais se encerra…
e é bom sermos imortais.
– Amar você só na Terra
seria pouco demais!
33.
– Quantas águas, canoeiro,
o senhor já canoou?…
– Talvez menos, seresteiro,
que as que o senhor já chorou!
34.
As almas, se generosas,
percorrem árduos caminhos…
Só no céu elas e as rosas
ficam livres dos espinhos!
35.
É quando a ofensa mais dói
que o perdão tem mais encanto:
– nele há a nobreza do herói
e a fortaleza do santo!
36.
Feliz o idoso que, esperto,
se ampara nesta verdade:
quanto mais velho, mais perto
das bênçãos da eternidade!
37.
Trate o velho com respeito;
dê-lhe o amor que possa dar.
Mas não lhe roube o direito
de a si mesmo governar!
38.
Todo idoso é um professor;
curvo-me e beijo-lhe a mão.
No mínimo, ensina amor,
hoje máxima lição!
39.
Certeza só têm os rios
sobre aonde vão chegar…
Por mais que sofram desvios,
seu destino é sempre o mar!
40.
Ismo, ismo, ismo, ismo…
e o medo está sempre em alta…
– Experimentem lirismo,
que talvez seja o que falta!
41.
O lírio, a lira, o lirismo;
o amor, a festa, a canção…
Que pena que o consumismo
transforma tudo em cifrão!
42.
Anoitece… Bela e nua,
a rosa põe-se a orvalhar-se…
– Um raiozinho de lua
virá com ela deitar-se!
43.
Astronauta, não destrua
meu direito de sonhar…
Deite e role sobre a Lua,
porém me deixe o luar!
44.
Tem muito mais graça a vida
quando a gente tem com quem
repartir bem repartida
a graça que a vida tem!
45.
De barro se faz o homem,
e de luz principalmente.
O barro, os anos consomem;
a luz eterniza a gente!
46.
Na porta da eternidade,
documento não tem vez.
– O cartão de identidade
é o bem que em vida se fez!
47.
O livro mudou o enredo
da história da humanidade:
– Antes dele, a treva e o medo;
depois dele a liberdade.
48.
Na biblioteca há mil sábios
a nosso inteiro dispor.
– Sem sequer abrir os lábios,
cada livro é um professor!
49.
Vai, riozinho, sem pressa…
lembra ao mar, sem raiva ou mágoa,
que ele é grande, mas começa
num modesto olhinho d’água!
50.
Acaso fizeste a Lua?
Acaso fizeste a rosa?
Então que ciência é a tua,
tão solene e presunçosa…
51.
Milhões e milhões de estrelas…
Que utilidade terão?
– Só sei, meu irmão, que ao vê-las
sinto Deus no coração!
52.
Olhem a rosa os que ainda
costumam dizer-se ateus.
– Ela é a resposta mais linda
quanto à existência de Deus!
53.
Quem tem amigos leais
tem muito o que agradecer:
bons amigos valem mais
que o mais que se possa ter.
54.
Coragem de gente grande
é aquela em que se distingue
alguém assim como Gandhi,
São Francisco, Luther King!
55.
Ave-Maria, uma prece
tão gostosa de rezar,
que às vezes mais me parece
cantiguinha de ninar!
56.
Ouço ainda, ao longe, o canto
de um velho carro de boi…
– Lembrança de um tempo e tanto,
que há tanto tempo se foi!
57.
Vestem-se as águas de prata,
saltam no espaço vazio.
Findo o show da catarata,
sereno refaz-se o rio…
58.
Olha lá o ipê florindo,
ele sozinho, na praça…
Florindo, lindo, se rindo
para a cidade que passa!
59.
Leves, ao longe, ora em bando,
ora dispersas, esparsas,
parecem anjos brincando
de lenços brancos – as garças!
60.
Curvada ao peso da idade,
a vovó, serena e bela,
distrai o tempo e a saudade
entre o novelo e a novela…
61.
Ah, meu rio, de repente,
o que foi feito de nós?
Ficou tão longe a nascente…
vemos tão próxima a foz!
62.
Como é bom saber que o filho
vida afora alegre vai,
dando forma, força e brilho
aos sonhos do velho pai!
63.
A bênção, queridos pais,
que às vezes sois mães também.
Em nome de Deus cuidais
dos filhos que d’Ele vêm!
64.
Quanto mais rápido passa
o tempo a mim concedido,
mais grato eu sou pela graça
de cada instante vivido!
65.
Vem, vem, onda bela, vem
nossas lágrimas lavar…
Leva-as todas, lava-as bem,
faz delas um novo mar!
66.
Em resposta à ofensa e à intriga,
ensina o amor: “Faça o bem!”
– O amor é sábio: não briga,
perdoa cem vezes cem!
67.
Num lugar pequenininho,
fez o amor uma capela.
Veio a fé e fez um ninho
de esperanças dentro dela!
68.
Se aos heróis e aos grandes sábios
devemos tão bela herança,
muito mais a quem nos lábios
traz o canto da esperança!
69.
O grande tenor se cala
ante o pássaro silvestre.
– É o discípulo de gala
querendo escutar o mestre!
70.
Quantas bênçãos traz a chuva
quando rega a plantação:
benze o trigo, benze a uva,
benze a vida em cada grão!
71.
Importa pouco a mobília,
importa pouco a fachada…
O amor que envolve a família
é só o que importa, e mais nada!
72.
Não “Pai meu”; “Pai nosso” eu digo,
e ao próximo estendo a mão.
Lembro assim que, mais que amigo,
o próximo é amigo e irmão!
73.
Morre o sábio… enorme bem
perde o mundo em tal momento.
O que ele tinha, herda alguém;
não no entanto o seu talento!
74.
Palavras produzem fartas
e tão belas construções:
com elas fez Paulo as Cartas,
fez os seus versos Camões!
75.
A palavra acalma e instiga;
a palavra adoça e inflama.
– Com ela é que a gente briga;
com ela é que a gente ama!
76.
Há de chegar o momento
da correção dos papéis:
mais valor terá o talento
do que as pedras dos anéis!
77.
Trabalhas tanto, formiga,
enquanto, ó cigarra, cantas.
No entanto, basta de intriga:
– são duas tarefas santas!
78.
Se alguém se torna importante,
por certo alguém o ajudou.
Mesmo o Amazonas, gigante,
de afluentes precisou!
79.
Ninguém se julgue o primeiro
a fazer seja o que for.
Bem antes do jardineiro,
já havia no mundo a flor!
80.
Hoje é simples ir à Lua,
fica ali… basta um voozinho…
Proeza é cruzar a rua
para abraçar o vizinho!
81.
Cidadania é civismo,
sobretudo é comunhão;
é ajuda mútua, é altruísmo,
partilha justa do pão.
82.
Grande mesmo é quem descobre
que ser grande é ser alguém
que abre espaço para o pobre
tornar-se grande também.
83.
Que alegre alívio provoca,
na alma e no coração,
o abraço que a gente troca
numa troca de perdão!
84.
Um vaga-lume, isolado,
é só uma pobre luzinha;
no entanto, aos outros somado,
clareia a roça inteirinha!
85.
Deus não vem na grande nave;
Deus não vem no furacão.
Deus vem qual brisa suave,
e entra em nosso coração!
86.
Terno, amigo e generoso,
quis Deus se configurar
no abraço do pai saudoso
no filho que volta ao lar!
87.
Deus não põe ponto final
na biografia da gente.
– Quer nossa alma, imortal,
junto à d’Ele, eternamente!
88.
A vida no mundo é um treino,
a etapa em que o Treinador
nos prepara para o reino
definitivo do amor!
90.
Quando criança eu queria
ser piloto de avião…
Fiz-me poeta, e hoje em dia
meus vôos bem mais alto vão!
90.
Olhe os poetas e as aves…
Veja que, embora não plantem,
Deus lhes retira os entraves
e apenas pede-lhes: – Cantem!
91.
Tão bela, tão generosa,
símbolo eterno da paz,
pede desculpas a rosa
pelos espinhos que traz!
92.
Se lhe derem mais apoio;
se ele vir que o bem faz bem,
tenha certeza: há de o joio
tornar-se trigo também!
93.
Com que suave ternura
tece a canária o seu ninho!
– Mãe é assim, dengosa e pura…
a nossa e a do passarinho.
94.
Hoje eu sei qual a razão
de a planta gerar a flor:
É a sua retribuição
a quantos lhe dão amor!
95.
O verbo se faz beleza:
faz-se estrela e chuva e flor;
faz chamar-se Natureza,
e nela se faz expor!
96.
Quem preza a vida divide-a,
como o cedro acolhedor
que adota por filha a orquídea,
e dá-lhe suporte e amor!
97.
Benditas sejam as vidas
que, alegres, serenas, santas,
vivem a vida envolvidas
em levar vida a outras tantas!
98.
Todos vós que estais cansados,
vinde a mim – diz o Senhor.
Vinde e vede, irmãos amados,
como é grande o meu amor!
99.
Vem vindo um tempo sem bombas,
sem tanques e sem canhões.
Falcões darão vez às pombas,
e os fuzis aos violões!
100.
Dirá Deus: “Faça-se a paz,
e todos dêem-se as mãos!”
E então, meu filho, verás
que lindo é um mundo de irmãos!

Fonte:
ASSIS, Antonio Augusto de. Tábua de trovas. Maringá – 2004.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Olga Agulhon (Os Pássaros)

Nascidos ali, germens da terra, aquelas duas crianças, primos de sangue, irmãos de coração e de alma, cresciam felizes, livres, soltos, escapando, nem sempre ilesos, de uma arte atrás da outra.

Naquela fazenda, longe das cidades, nem tanto pela distância, mas pela lama ou poeira das estradas, não havia luz elétrica. Portanto, não conheciam a televisão, o videogame, o computador e todos esses outros instrumentos que, hoje em dia, mantêm as crianças longe da fantasia dos tempos de outrora.

Faziam seus próprios carrinhos, brincavam nos riachos e engoliam peixinhos vivos para aprenderem a nadar, faziam balanços nos galhos mais altos das árvores, percorriam longas distâncias atrás da borboleta mais bela, velavam os bichinhos que matavam durante suas experiências e preparavam-lhes enterros pomposos, com direito a oração e coroa de flores.
Protagonizavam histórias de príncipes e princesas, falavam com os animais, atormentavam os gansos, domavam os bezerros, montavam nos cavalos e fingiam que eles eram dragões.

Percorriam o milharal em busca da boneca mais bonita e escolhiam loiras, ruivas e morenas, que se transformavam em amigas queridas quando a mágica acontecia.

À noite, corajosos e destemidos, exploravam o escuro do terreiro entre as casas da colônia, na expectativa de um encontro com o saci-pererê ou a mula-sem-cabeça.

Entravam em casa só na hora de dormir, sob as ameaças das mães, que sempre lhes juravam a tal surra de vara de marmelo que eles ainda não tinham experimentado.

Noutras noites, mais poéticos que destemidos, buscavam os vaga-lumes e contavam estrelas, enquanto ouviam a sinfonia dos grilos e dos sapos do mundo do poço.

Quando chovia, ficavam sentados, concentrados, em volta da mesa da cozinha, sob a luz do lampião-de-gás, ouvindo o tio Darci contar histórias de assombração vivenciadas por conhecidos seus daqueles e de outros tempos.

Um dia, apareceram por lá duas pás-carregadeiras, contratadas para fazerem uma represa nos fundos da fazenda.

Os dois não gostaram da invasão e não saíram de casa com medo daqueles monstros barulhentos, com armadura de aço, que, em plena luz do dia, comeram imensas quantidades de terra e deixaram um grande buraco por onde passaram.
Mas gostaram muito quando, em alguns dias, a chuva encheu o buraco, transformando-no em um grande lago.

Não tiveram dúvida:

- Vamos navegar!
Buscaram o velho caixote de preparar cimento, tocaram-no com a varinha mágica e transformaram-no em um lindo barco viking.

A menina, mais velha, ajudou o primo a subir no barco e o seguiu depressa, empurrando a margem com uma das pernas para que se afastassem para longe com a força do pensamento e do remo improvisado.

Antes de alcançarem o centro o lago, tão grande para eles, a água invadiu rapidamente o barco e, nesse momento, um colono estragou a aventura das crianças, retirando-as, totalmente embarreadas, daquele mergulho até o fundo.

Naquele dia, sem entenderem as razões, experimentaram a varinha de marmelo, enquanto eram lavados com bucha e sabão de coco. Ficaram com marcas na bunda e nas pernas, mas a alma não entristeceu.

- Amanhã vamos voar!

Voaram. Algumas escoriações apenas e um corte na cabeça foi o saldo da primeira vez, mas voaram; e voavam cada dia melhor, mais alto, para mais longe.

Quando chegou a idade de irem para a escola, a família viu-se obrigada a se mudar para a cidade. Era preciso estudar os filhos para que eles tivessem uma vida melhor, pensava o pai.
Foi a cena mais triste que vi ou que vivi em toda a minha vida.

Não queriam ir e não havia espaço suficiente para os dois no caminhão na mudança, pois não conseguiam entrar levando tudo que lhes era imprescindível.

Os pais não pestanejaram. Não tiveram dó nem piedade: cortaram-lhes as longas asas.
Pelo vidro, lado a lado engaiolados, enquanto enxugavam as lágrimas, fitavam o monte de penas que embelezava o chão vermelho.

Mantiveram-se assim enquanto se distanciavam.

Mantiveram-se assim até que o vermelho do chão se misturou ao vermelho do pôr-do-sol, o branco das penas se misturou ao branco das nuvens e tudo se perdeu no horizonte para nunca mais sair da retina daqueles olhos, que um dia foram olhos de pássaros.

Fonte:
Academia de Letras de Maringá
http://www.afacci.com.br/2007/o1.htm

quarta-feira, 12 de março de 2008

Antonio Augusto de Assis (Trovas)

Amai-vos, e as derradeiras
muralhas hão de cair.
- Havendo amor, as barreiras
não têm razão de existir!

Sonhador desde criança,
não sonho entretanto em vão.
No sonho eu nutro a esperança,
que nutre o meu coração!

Querida, eu comparo a gente
às asas de um passarinho:
um sem outro, certamente,
não se equilibra sozinho!

Há honestos que não são bons;
há bons que honestos não são.
- É a soma desses dois dons
que faz o bom cidadão.

Afinal, que te aproveita
o labor que te consome,
se não doas, da colheita,
uma parte a quem tem fome?...

Vinde, amigos, vinde e vede
o quanto pode o perdão:
derruba qualquer parede
que nos separe do irmão!

Vaidade, doença triste
que nos condena a estar sós...
Não nos deixa ver que existe
ninguém mais além de nós.

A vida jamais se encerra,
e é bom sermos imortais:
- Amar você só na Terra
seria pouco demais!

Ismo, ismo, ismo, ismo...
e o medo está sempre em alta...
Experimentem lirismo,
que talvez seja o que falta!

O mundo esqueceu que existe
o ponto de exclamação...
De tão seco, amargo e triste,
perdeu de vez a emoção!

A natureza protesta
sempre que alguém a maltrata.
Se matas uma floresta,
vem o deserto e te mata!

Ontem, hoje e sempre o Amor
vem o belo construindo,
desde quando o Criador
fez do caos um mundo lindo.

Ah, que profunda saudade
invade uma Academia
a cada vez que um confrade
deixa a cadeira vazia!

Os milênios passarão,
mas o que é bom permanece:
O Sol que aqueceu Adão
é o mesmo que nos aquece.

Se o mundo é espaço pequeno
para dois, quando se peitam,
num minúsculo terreno,
sendo irmãos, dois mil se ajeitam.

São de cristal ou de barro
nossas vaidades... tão só.
Um baque, um tombo, um esbarro,
e tudo reduz-se a pó!

O que ocorre às águas claras,
na alma pura se repete:
dá-se às vezes, e não raras,
que um sujinho as compromete.

No pico da quarta idade,
o quadro se faz assim:
ou se crê na eternidade,
ou se põe na tela: “Fim”...

A palavra acalma e instiga;
a palavra adoça e inflama.
Com ela é que a gente briga;
com ela é que a gente ama!

Olhe os poetas e as aves...
Veja que, embora não plantem,
Deus lhes retira os entraves
e apenas pede-lhes: - Cantem!

O sol engravida a chuva,
e a terra se faz seu ninho;
no ninho se faz a uva,
e a uva desfaz-se em vinho!

Vestem-se as águas de prata,
saltam no espaço vazio.
Findo o show da catarata,
sereno refaz-se o rio...

Certeza só têm os rios
sobre aonde vão chegar...
Por mais que sofram desvios,
seu destino é sempre o mar.

Astronauta, não destrua
meu direito de sonhar...
Deite e role sobre a Lua,
porém me deixe o luar!

Tem muito mais graça a vida
quando a gente tem com quem
repartir bem repartida
a graça que a vida tem!

********************
Sobre o Autor
Nasceu em São Fidélis – Estado do Rio de Janeiro, no dia 07 de abril de 1933. Filho de Pedro Gomes de Assis e Maria Ângela Guimarães de Assis. Casado com a professora Lucilla Maria Simas de Assis, tem duas filhas e cinco netos.
Residente em Maringá-PR desde janeiro de 1955. Hoje aposentado, foi jornalista e também professor do Departamento de Letras da Universidade Estadual de Maringá.
Integrante da Academia de Letras de Maringá (Cadeira no. 27 - Patrono: Manuel Bandeira), da UBT – União Brasileira de Trovadores (seção de Maringá) e da Academia Virtual de Letras Luso-Brasileira. Editor da revista eletrônica Trovia (da UBT-Maringá) e co-editor da revista eletrônica Trovamar (da UBT-Balneário Camboriú).
Autor de Robson, Itinerário, Bate-papo, Trovas de paz e amor, Os quebra-molas do casamento, Lufa-lufa, Chiquinho, Felicidade sem camisa, Da arte de ser pai, Desafio do amor, Carta aos moços, Xangrilá, O português nosso de cada dia, Poêmica, Caderno de Trovas e A missa em trovas.

Fontes:
http://www.afacci.com.br/2007/j3.htm
http://www.avllb.org/academicos/007/biografia.html