sábado, 31 de agosto de 2024

Isabel Furini (Poema) 69: Flores aos vento

 

Trovador Homenageado do Dia: Jessé Nascimento (Trovas em preto e branco)


1
Ah, relógio, meu amigo,
teus ponteiros, como correm!
O tempo voa contigo
e com ele os sonhos morrem…
2
Após tantos desenganos
e conselhos não ouvidos,
chego ao final dos meus anos
sem ter meus dias vividos.
3
Com meus sonhos mais singelos,
embalados na esperança,
venho erguendo meus castelos
desde os tempos de criança.
4
Corres tanto, mocidade,
és pela vida levada:
– amanhã, serás saudade,
serás velhice, mais nada.
5
Dos outros não dependamos,
mas cada um erga a voz;
a paz que tanto almejamos
começa dentro de nós
6
Na dureza da porfia
para moldar minha história,
Deus me abençoa e me guia
para chegar à vitória.
7
Não adormeças teus sonhos,
não os esqueças, jamais;
os dias são mais risonhos
pra aqueles que sonham mais.
8
Não censuro o teu pecado,
não me censures também;
de vidro é o nosso telhado,
pecados... quem não os têm?
9
Navegando nas poesias,
nas ondas da inspiração,
iço as velas de alegrias
deixo o rumo ao coração.
10
Nesta vida, de passagem
sem morada permanente,
numa tão breve viagem,
sou um turista somente.
11
O genro sempre é quem dança,
a minha sogra é um porre;
o nome dela é "Esperança"
que é a última que morre.
12
Sempre fui um sonhador,
sonhos...por que não os ter?
Vivo meus sonhos de amor
porque sonhar é viver.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

AS TROVAS DE JESSÉ NASCIMENTO EM PRETO E BRANCO
por José Feldman

AS TROVAS UMA A UMA

1. Ah, relógio, meu amigo
A metáfora do relógio representa a inevitabilidade do tempo. Os "ponteiros" que correm simbolizam a urgência da vida e a perda de sonhos. A ideia de que "com ele os sonhos morrem" sugere uma reflexão sobre como o tempo pode levar embora as esperanças e aspirações.

2. Após tantos desenganos
Aqui, há um tom de melancolia e arrependimento. O eu lírico reflete sobre as oportunidades perdidas e conselhos não seguidos. A frase "sem ter meus dias vividos" implica uma vida de experiências não aproveitadas, levantando questões sobre a valorização do presente.

3. Com meus sonhos mais singelos
Esta trova fala sobre a simplicidade dos sonhos infantis e a construção de "castelos" na imaginação. A conexão entre a infância e a esperança sugere que manter a inocência e a capacidade de sonhar é essencial para a felicidade.

4. Corres tanto, mocidade
A juventude é apresentada como efêmera, um período que rapidamente se transforma em saudade. A ideia de que a mocidade "serás velhice, mais nada" ressalta a transitoriedade da vida e a necessidade de aproveitar cada momento.

5. Dos outros não dependamos
Esta enfatiza a importância da autonomia e da responsabilidade pessoal. A paz interna é vista como um pré-requisito para a paz coletiva, sugerindo que a mudança começa dentro de cada indivíduo.

6. Na dureza da porfia
O esforço e a luta para moldar a própria história são reconhecidos. A presença de Deus como guia indica uma busca por força espiritual e moral para superar desafios, culminando em um desejo de vitória.

7. Não adormeças teus sonhos
Um forte apelo à persistência e à valorização dos sonhos. A ideia de que "os dias são mais risonhos" para aqueles que sonham sugere que a esperança e a ambição trazem alegria à vida.

8. Não censuro o teu pecado
Esta estrofe reflete a aceitação da imperfeição humana. O "telhado de vidro" simboliza a fragilidade das relações e a vulnerabilidade de cada um, reconhecendo que todos têm suas falhas.

9. Navegando nas poesias
A poesia é vista como um meio de libertação e alegria. O ato de içar as velas representa a disposição de seguir o coração e aproveitar a inspiração, sugerindo que a arte é uma forma de navegar pela vida.

10. Nesta vida, de passagem
A metáfora do "turista" implica que a vida é temporária e que devemos valorizar cada experiência. A ideia de "morada permanente" reflete a incerteza e a natureza efêmera da existência humana.

11. O genro sempre é quem dança
Aqui, o humor é utilizado para abordar as dinâmicas familiares. A sogra como "Esperança" sugere que, mesmo em meio a desafios, a esperança permanece, destacando uma visão otimista.

12. Sempre fui um sonhador
Esta trova reafirma a identidade do eu lírico como sonhador. A afirmação de que "sonhar é viver" encapsula a mensagem central das trovas: a importância dos sonhos para uma vida plena e significativa.

TEMAS ABORDADOS E SUAS RELAÇÕES COM OUTROS POETAS

As "Trovas de Jessé Nascimento" capturam a essência do tempo, dos sonhos e da vida com profundidade e sensibilidade.

Transitoriedade do Tempo
Em "O Tempo", Fernando Pessoa reflete sobre a passagem do tempo e a inevitabilidade da morte, semelhante à preocupação de Jessé com a efemeridade dos sonhos e a juventude que rapidamente se transformam em memória, assim como Marcelino Freire que explora a passagem do tempo e a efemeridade das experiências, refletindo sobre a vida de maneira intensa.

Esperança e Sonhos
Em seus poemas, Cecília Meireles fala sobre a importância da esperança e dos sonhos, ecoando a mensagem positiva de Jessé sobre a a importância de manter a esperança e sonhar, enfatizando que a vida é mais rica para aqueles que sonham.

Reflexão e Autoconhecimento
Em obras como "Sentimento do Mundo", Carlos Drummond de Andrade explora a introspecção e o autoconhecimento, temas que também permeiam as trovas acima, uma busca por compreender as próprias experiências, arrependimentos e a necessidade de aproveitar o presente. A poesia de Alice Ruiz é marcada por uma busca íntima e reflexões sobre a vida e o amor, dialogando com a introspecção presente nas trovas.

Individualidade e Coletividade
Em suas poesias, Adélia Prado e Rafael Cortez discutem a relação entre o eu e o outro, similar à necessidade de Jessé de encontrar a própria voz e contribuir para a paz interna e externa destacando a relação entre o indivíduo e a sociedade.

Aceitação da Imperfeição Humana
Com um tom leve e humorístico, Mário Quintana aborda a fragilidade humana em muitos de seus poemas, semelhante às trovas de Jessé que enfatizam a aceitação dos erros e falhas pessoais, reconhecendo a fragilidade das relações e a universalidade do pecado, assim como Thiago de Mello, conhecido por sua visão humanista.

A Vida como Viagem
Vinicius de Moraes reflete sobre a vida como uma jornada, um tema que ressoa com a visão na trova de Jessé, por intermédio da metáfora da vida como uma passagem ou viagem que sugere a importância de valorizar cada experiência, assim como Bruna Beber, que frequentemente utiliza metáforas de viagem e passagem, refletindo sobre a jornada da vida de maneira lírica e introspectiva.

Relações e Dinâmicas Familiares
O humor e a complexidade nas relações familiares são explorados, especialmente em relação à figura da sogra, como Juliana Leite aborda estas relações e complexidades, trazendo um olhar contemporâneo que ressoa com o humor e a leveza de Jessé.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

A temática das trovas de Jessé Nascimento revela uma rica tapeçaria de reflexões sobre a condição humana, onde a transitoriedade da vida, a importância da esperança e a busca por autoconhecimento se entrelaçam de maneira profunda. Aborda a passagem do tempo com uma sensibilidade que ressoa em muitos leitores, convidando-os a contemplar a efemeridade dos sonhos e a inevitabilidade das mudanças.

A simplicidade de sua linguagem e a musicalidade de suas trovas tornam suas mensagens acessíveis, permitindo que temas universais, como amor, perda e as complexidades das relações humanas, sejam explorados de forma íntima e profunda. O uso de humor e ironia, especialmente em contextos familiares, oferece uma leveza que contrabalança a seriedade de suas reflexões, destacando a dualidade da experiência humana.

Além disso, o trovador enfatiza a importância da individualidade dentro de um contexto coletivo, sugerindo que a paz pessoal é fundamental para a harmonia social. Essa ideia ressoa fortemente em um mundo contemporâneo repleto de desafios, onde a busca por significado e conexão se torna cada vez mais urgente.

Enfim, as trovas de Jessé Nascimento não apenas capturam a essência da vida cotidiana, mas também oferecem um convite à introspecção e à valorização dos momentos simples. Sua obra se estabelece como um farol de esperança e reflexão, incentivando os leitores a sonhar, a viver plenamente e a encontrar beleza mesmo nas incertezas da vida.

Fonte: José Feldman. Trovas em preto e branco. IA Open. 2024.

Geraldo Pereira (O Mata-Borrão)

Nesses meus sábados ou nesses meus domingos, imperceptíveis, quase, tal a atribulação do meu cotidiano, faço questão de aproveitar a emergência da inspiração e vou transbordando o coração assim, escrevendo. Há tempo para tudo, está escrito, também, para que a alma seja tomada pelas saudades ou pelas lembranças nostálgicas e tempo para que o espírito se encha de satisfação e plenitude. Como há momentos de quedas do humor e outros, de elevação desses sentimentos! Agora, com um computador novo, ganho de presente, da consorte – Com sorte, sempre! Graças a Deus! –, tenho condições diferenciadas para o meu processo, mais do que simples, de criar o texto, pois que ouvindo Josefina Aguiar e Henrique Annes, antecipando os grandes da música universal, Mozart e Tchaikovsky ou Beethoven e Chopin, vou sendo invadido por essa sensação de paz interior, com a sonoridade dos meus conterrâneos ou com os acordes do inteiramente clássico.

Ora, quem como eu fez uso da velha pena, que molhada no tinteiro a intervalos regulares permitia transferir para o papel o pensamento, é muito diferente sentar diante do monitor e observar as letras se juntando em abraços fraternais, formando palavras, as quais se reúnem nas frases e vão dando gosto ao período. Dantes, quando era menino e usava calças curtas, saía de casa para a escola com a minha caneta Compactor e o meu frasco de tinta, da marca Parker e de qualidade Azul Real Lavável! Mas, fiquei maior e na idade de rapaz cheguei, como todos os meus companheiros e não esqueceram os meus pais da lembrança que fazia crescer, também, no reconhecimento dos colegas, por isso me deram uma Parker 51, de cor azul, com a tampa dourada. Usei por anos a fio e tinha a satisfação de dizer a toda a gente que nunca escarrapichou. Há quem saiba mais que verbo é esse? Nem o computador aceita de bom grado a grafia.

E se tudo está mudado, mesmo, na pós-modernidade do tempo, a máquina de escrever desapareceu do habitual das coisas e só as delegacias de polícia resistem à antiguidade do velho equipamento. Era um sacrifício datilografar, diretamente, as minhas crônicas, nem sempre agradáveis ao leitor, para quem transmito as minhas dores e os meus ardores, os meus amores, igualmente, muitas vezes de maneira tão enrustida, que só os de casa ou aqueles de meus convívios compreendem! 

Sempre usei os dedos todos das duas mãos em meus trabalhos, pois que na década de 1960, nos inícios desses doces anos, quase tirei o diploma de datilógrafo, para me garantir, dizia meu pai, e trabalhar no comércio, se preciso fosse! Se errasse, todavia, era um problema e a borracha de duas cores – azul e vermelha – entrava em cena, apagando o vocábulo e permitindo a nova escrita, mas ficava tudo borrado, sujo, verdadeiramente.

Um belo dia – já contei isso por aqui –, a minha mãe comunicou a todos, na hora do jantar, que tinha visto uma caneta nova, diferente, sobretudo, e trocando o nome, chamou de “Caneta Estereográfica”, cuja característica mais importante, explicou, em alto e bom som, era a de não exigir o tinteiro e a de não esvaziar nunca, senão de uma vez só. Uma beleza! E de pronto, todo mundo no Recife adotou a invenção, com o efeito colateral de ter o bolso, quase sempre, completamente molhado pela tinta da novidade emergente. Eram rodas azuis na camisa de muitos pelas ruas, apontando o defeito dos começos, o vazamento comum desses apetrechos que chegavam. As marcas populares ganharam fama e ainda hoje a Bic anda por aí, mostrando a cor azul-escuro da tampa e o transparente do corpo.

Rabisca o bom e o ruim, risca os discursos da elite e faz o jogo do bicho, aposta no carneiro e termina dando touro, converte gente e promove a descrença. É paradoxal, então! 

E o mata-borrão? Há quem se lembre disso? Só os mais velhos. É que depois da frase escrita, havia a necessidade de secar a tinta, de enxugar os excessos e para tanto funcionava o então conhecido papel de natureza porosa, com o poder de sugar os excedentes da mancha gráfica daqueles antanhos. Eram promocionais, inclusive, porque veiculavam propagandas, de remédios, por exemplo. Estas, distribuídas aos médicos, como ao meu tio Hênio, de Campina Grande, faziam a mídia da época. E ele trazia em boa quantidade para nós outros, para o meu pai e para mim, para os meus irmãos e para a minha tia velha, que fazia de suas cartas a forma de resgate dos pretéritos perdidos em terras potiguares. Em casa havia uma peça de madeira bem cuidada, na qual se colocava o mata-borrão, propriamente, fixando-se fortemente e assim era possível usar de maneira mais ampla, no texto por inteiro, quase!

Tudo isso passou! O tempo mudou ou mudaram os homens? E agora, a máquina substitui a criatura, despreza a pena e aposenta a caneta, vai dispensando o papel e diminuindo as distâncias, dando ao penitente do hoje condições de acessar o mundo inteirinho, da baixaria à nobreza, da pornografia descuidada aos textos da ciência. E viva a pátria, o computador e os avanços! Mas, viva, sobretudo, o mata-borrão!

Fonte: Geraldo Pereira. A medida das saudades. Recife/PE, 2006. Disponível no Portal de Domínio Público

Vereda da Poesia = 99 =


Trova de Pindamonhangaba/SP

JOSÉ OUVERNEY

Um buquê de romantismo
redesenhou o horizonte:
se a distância foi o abismo,
a saudade foi a ponte!...
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Poema do Rio de Janeiro/RJ

LAURA ESTEVES

Novas bandeiras

Vai, Bandeirante,
navega pelas sujas águas do Tietê.
Já foram limpas, eu sei.
Segue pela Raposo Tavares.
Não te iludas pelas estradas,
confia em teus olhos:
são fábricas de esmeraldas,
edifícios de diamantes.
Guarda tudo em teu alforje de couro.
Adiante! Adiante!
Pega a Fernão Dias e toma o caminho do ouro.
Cuidado com o automóvel, Bandeirante.
Como tu, ele também mata.
Em seguida, o sul, sempre.
Busca o que restou da tribo guarani.
Lá, vestígios dos Sete Povos,
e, coitado de ti, o fantasma de Sepé Tiaraju.
Extermina-o, rápido!
Pois eu te afianço, velho Bandeirante,
ele não te dará descanso.
E, como antes, na catedral flutuante
— sina? destino? herança? —
o sino estará chamando o povo
para a missa de domingo.
Uma orquestra de crianças,
cabelos negros, escorridos,
estará tocando, à tua passagem,
tambores, liras, violinos.
O toque será um só:
vingança, vingança, vingança!
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Trova de Curitiba/PR

VANDA ALVES DA SILVA

Sempre e sempre se convença
de que há distância infinita
entre aquilo que se pensa
e aquilo que a vida dita...
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

JOÃO DA ILHA
Ciro Vieira da Cunha 
São Paulo/SP, 1897 – 1976, Rio de Janeiro/RJ

Carnaval de um Pierrô

Carnaval! Carnaval! A turba louca
passa gritando pela rua em fora...
Nos "bares" e cabarés champanhe espoca
e a gente bebe até que venha a aurora...

Canta na rua um ébrio de voz rouca
versos canalhas que a ralé adora...
É quase madrugada... Em minha boca
amarga o sonho que meu peito chora...

Espero Colombina, alva de cal,
de olheiras de carvão e de olhos baços
que vem trazer-me ao quarto o Carnaval...

O doce Carnaval do meu desejo:
— As brancas serpentinas de seus braços
e o confete vermelho de seu beijo...
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Trova Premiada em Brumadinho/MG, 2004

LÓLA PRATA 
Bragança Paulista/SP

Calço as sandálias do sonho
e caminho solta ao vento
enquanto versos componho
em total deslumbramento.
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Poema de São Paulo/SP

SUELY DE FREITAS MARTÍ

Abismo de vidro

Caminho sobre o abismo de vidro
me despojando de tudo
o que algum dia tive:
nenhum dos meus sentidos
pode me ajudar agora.
Vazia
nada tenho a oferecer;
presa no não-tempo
tento enganar os guardiões
dessa noite longa
prestes a terminar.
Com um pé em cada dimensão
eu já não me importo:
só o que quero é voltar.
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Trova Popular

No coração da mulher,
por muito frio que faça,        
há sempre calor bastante
para aquecer a desgraça.
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Soneto de São Paulo/SP

COLOMBINA 
Adelaide Schloenbach Blumenschein
(1882 – 1963)

Esse amor...

Há um abismo entre nós. E apesar dessa falta
de ventura e de paz, nosso amor continua...
Cada dia é maior, é mais forte e mais alta
e imperiosa a paixão que em nosso sangue estua.

Longe de ti, meu ser emocionado exalta
em rimas de ouro e sol — cada carícia tua!
E em meu verso, integral, canta, fulge, ressalta
o infinito de amor que o teu nome insinua...

Não me podes amar como eu quisera. É certo.
Mas não existem leis, nem certidões, nem peias,
quando os teus olhos beijo e as tuas mãos aperto.

Tardas... Mas, quando vens, eu sinto que me queres,
que pela minha voz, pelo meu beijo anseias,
e sou a mais feliz de todas as mulheres!
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Trova do Rio de Janeiro/RJ

LUIZ POETA
Luiz Gilberto de Barros

Toda obra que façamos,
faz de nós um coautor.
Deus empresta o que criamos,
Ele, sim, é o Criador.
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Poema de São Paulo/SP

MÔNICA MONTONE

Meu jardim

Eu daria o mundo
Por um canto em mim
Um pedaço de alma qualquer
Onde eu pudesse plantar a calma
Enfeitar meus afetos
E caber dentro do meu coração

Mas minha terra úmida
Está sempre tomada por outros grãos
Sementes de medo
Casulos de seda
Sede de ser única

Vago pelas noites
Como um vaga-lume pelas manhãs

No espelho, não me vejo
Pressinto, apenas, o gosto do gozo
O delírio de aceitar-me
E caber, finalmente
Neste corpo quente que me aquece
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Trova Humorística de São Paulo/SP

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

Pede a graça ao padroeiro
e promete ao santo, à beça...
É um beato caloteiro
que não paga nem promessa!
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

CORINA REBUÁ
(1899 – 1957)

Que insônia!

Como faz frio neste quarto agora!
A chuva bate em cheio na vidraça.
E o relógio da igreja, de hora em hora,
Soa. Há passos na rua... E a ronda passa...

Não consigo dormir. Como demora
Esta vigília que me torna lassa!
Se abro um livro, não leio. E lá por fora
Chove. Há passos na rua... E a ronda passa...

Dormes? Não creio... Eu sei que estás velando,
Porque eu pressinto que, de quando em quando,
Vem o teu corpo fluídico e me enlaça.

O relógio da igreja está batendo.
São quatro horas... Que insônia! Está chovendo.
Ouço passos na rua... E a ronda passa.
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Trova Mineira

ARGEMIRO MARTINS CORRÊA
Caxambu/MG, 1918 – 1992, Cambuquira/MG

Não se sabe, na verdade,
se é chorando, se é sorrindo,
quando ela fala a verdade,
quando ela fala mentindo.
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Poema do Rio de Janeiro/RJ

JIDDU SALDANHA

poema noite

noite, canta pra mim
assim, grilo no telhado
centelha de vida e sonho
engendra suave desejo
velejando tua partitura

urdida de esperanças
canta teu silêncio ao grilo
brilhando suave e vazia
apaziguando as estrelas
estremecidas de frio
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Trova de Campinas/SP

ARTHUR THOMAZ

Meu amor, sejamos breves
para a dor não prolongar.
Que as palavras sejam leves
para o adeus não magoar.
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Soneto Mineiro

DIMAS GUIMARÃES
Fazenda Paraná/MG, 1922 – 2000, Nova Serrana/MG

Caleidoscópio

Outrora, foste a pérola mais pura
e mais bela dos mares do Japão,
messe dourada, fonte de ternura,
o tesouro encantado de Jasão.

E, sendo a mais perfeita criatura,
— flor adulta com ares de botão —
eras linda promessa de ventura,
gema rara da Líbia ou do Industão.

Mas veio o outono... As folhas amarelas
lembram extintos sonhos de donzelas...
Sonhos que o tempo rápido esfumou...

E, em vão, procuro pelo teu encanto,
e reparo — olhos úmidos de pranto —
nem a pureza o tempo conservou...
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova Premiada em Brumadinho/MG, 2004

RELVA DO EGIPTO REZENDE SILVEIRA 
Belo Horizonte/MG

O sonho é réstia de luz
na longa noite de um só:
é roteiro que seduz,
ouro de estrelas em pó!
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Poema de Bento Gonçalves/RS

HAIDÊ VIEIRA PIGATTO

Quintessência

Amores, todos doem um pouco
todos são laços de fita
correntes de ouro
calda de açúcar
vertem sucos
pelos poros
pelos olhos
pela noite adentro
e de manhã se esquecem
dos relógios implacáveis
parados na eternidade
em olhos de veludo.
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Trova de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

Coitado... tão pobrezinho, 
que até para dar risada 
tem que pedir ao vizinho 
a dentadura emprestada!...
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Glosa do Rio de Janeiro/RJ

GILSON FAUSTINO MAIA

MOTE: 
Quem não tem medo da morte, 
quem nunca faz nada em vão, 
quem, antes de tudo é um forte... 
Este é o homem do sertão! 
Renato Alves 
(Rio de Janeiro/RJ)

GLOSA:
Quem não tem medo da morte, 
querendo ir ao além, 
sem dinheiro, mas com sorte, 
vai de carona no “trem”. 

Quem só quer levar vantagem, 
quem nunca faz nada em vão, 
quem só pensa em vadiagem, 
não serve para o Sertão. 
De ninguém tem um suporte, 
vai seguindo a sua estrada. 
Quem, antes de tudo é um forte... 
Só teme a Deus e mais nada. 

Desce da fronte o suor, 
mas diz em sua oração: 
- Amanhã será melhor! 
Este é o homem do sertão! 
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Trova da Princesa dos Trovadores

CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Ante a força intransigente,
para o caos a paz resvala...
- Deus, deste alma a tanta gente
que nem sabe como usá-la!
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Hino de Pomerode/SC

Foi em mil oitocentos e sessenta e três,
Que um povo alemão decidiu,
Cheio de esperança e de fé,
Fazer a sua história no Brasil.

Pomerode! Pomerode!
O teu povo se orgulha de ti,
Ó cidade mais alemã do Brasil,
De beleza e graça Deus te fez.

Com bravura e determinação sem par,
Construíram sua vida em enxaimel*,
Seus jardins e empresas floresceram,
Fizeram do lugar pequeno céu.

Pomerode! Pomerode!
O teu povo se orgulha de ti,
Ó cidade mais alemã do Brasil,
De beleza e graça Deus te fez.

Hoje os filhos dos bravos imigrantes
Preservam seu tesouro maior:
A cultura brasileira de origem alemã,
Fruto de trabalho e amor.

Pomerode! Pomerode!
O teu povo se orgulha de ti,
Ó cidade mais alemã do Brasil,
De beleza e graça Deus te fez.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 
* Enxaimel = técnica de construção que utiliza madeira para criar estruturas de edifícios, como casas e galpões.
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Trova de São Paulo/SP

GIVA DA ROCHA

Se interrompe um falso sonho
e evita inútil calvário,
despedida é adeus tristonho,
amargo, mas necessário.
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Poema de Pelotas/RS

PAULO RENATO RODRIGUES

Pescar lembranças

No embornal,
levo minha nostalgia
e um ou dois sonhos de outros tempos.

É nessas tardes caídas
que busco nas águas do açude
um ou dois trechos da fugidia memória.

Nesse cenário azul
das fímbrias da Serra do Mar
cessam todos os ventos.

São horas de passar o fio
e fazer um colar
com as contas da própria história.
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Trova de São Paulo/SP

YEDDA PATRÍCIO

Que o viver nos seja lindo
e entre pessoas queridas,
com muitos “seja bem-vindo”
e bem poucas despedidas!
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Fábula em Versos da França

JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry, 1621 – 1695, Paris

A Fortuna e o rapaz

Sobre o bocal de um poço descansava
Um rapaz; a Fortuna o acordava,
Dizendo que se o moço se afogasse,
Não havia faltar quem a culpasse.

É pobre um, porque foi ao ócio dado;
Pergunta-se-lhe a causa da pobreza,
Responde-nos com toda a singeleza:
«A Fortuna me pôs em este estado.»

Outro está em galés por ser malvado;
Pergunta-se a razão de tal baixeza,
Responde-nos com rosto de tristeza:
«A Fortuna me fez tão desgraçado.»

Perversos dão em muitos precipícios
Pela sua vontade depravada;
Mas nunca hão de culpar seus maus ofícios;

A Fortuna há de ser sempre a culpada:
Tomando-se a Fortuna pelos vícios,
Outra culpa não há mais bem formada.