sábado, 4 de dezembro de 2010

Carolina Ramos (Livro de Trovas)


O mar da vida parece
que às vezes quer me afogar,
mas, Deus, que nunca me esquece,
atira a bóia no mar!

No amor o tempo se gasta
com medidas desiguais:
se estás longe, ele se arrasta;
se perto, corre demais!

Nosso amor, quadras desfeitas,
de um poema sem achados...
Rimas tristes, imperfeitas,
fechando versos quebrados!...

Que o presente se reparta
com o passado, sem queixa...
- A memória não descarta
o que a saudade não deixa!

Há contraste em nossas vidas
mas, perfeito é o desempenho:
luz e sombra, quando unidas,
dão força e vida ao desenho…

Saltando apenas num pé,
negrinho, maroto e arteiro,
o saci, nada mais é,
que o capeta brasileiro...

É possível que aconteça:
Seja folclore ou novela,
tanta gente sem cabeça...
por que não mula... sem ela?

Teu amor... tal força tinha,
que a saudade me conduz
e esta penumbra só minha
ainda é cheia de luz!

A lua beija a favela...
A estrela no céu reluz...
- Meu bem, apaga essa vela,
o amor não quer tanta luz!...

A sós, na penumbra doce...
Neste agora sem depois,
é como se o mundo fosse
um mundo só de nós dois!...

Lembrando a ternura antiga,
minha saudade se exalta...
- Bendigo a penumbra amiga
que me esconde a tua falta!

Esta penumbra... Este frio,
este agora sem porquê...
Este silêncio vazio
é o meu mundo sem você!

Quando a penumbra descia,
a nossa emoção vibrava,
sonhando o que não dizia,
dizendo o que nem sonhava!...

A penumbra da saudade
torna os meus dias tristonhos
e eu bendigo a claridade
das estrelas dos meus sonhos!

No claro-escuro da vida,
fusão de alegria e dor,
a penumbra é colorida
se for penumbra de amor!

Se a ternura nos aquece
e um grande amor nos ampara,
é quando a penumbra desce
que a vida fica mais clara!

A verdadeira alforria
é aquela que estende as mãos,
unindo em plena harmonia
branco e negro, como irmãos.

Alforria... e a voz dos bravos
se erga, potente, entre as massas,
negando criar escravos
de um ódio cruel entre raças.

Esse que vive algemado
às paixões, odiando a esmo,
mesmo sendo alforriado,
segue escravo de si mesmo!

Preso ao tronco, em ais tristonhos,
geme o negro, sem alarde...
- para quem não tem mais sonhos,
a alforria chegou tarde...

Alforriada, ela passa
gingsando frente ao feitor
e o dengo de sua raça
faz dele escravo do amor!

A pele negra retrata
a dor de uma triste saga,
pois o estigma d chibata
nem mesmo a alforria apaga!

Sorrindo ao branco menino,
que o negro seio mordia,
mãe preta cumpre o destino,
alheia à própria alforria.

Choram as mães... Alforria!
e os negrinhos, assustados,
não sabem que uma alegria
também faz olhos molhados!

Alforria... ela desperta
tendo ao rosto um novo brilho,
não lhe importa estar liberta,
mas, ver liberto o seu filho!

Alforria... que mentira!
pensa o negro velho a rir...
- seu braço tanto servira,
que apenas crê no servir...
–––-

Carolina Ramos (1929)


Nasceu em Santos, em 1929. Estudou no Colégio São José, onde, além do curso primário e ginasial, fez, também, Secretariado e a Escola Normal. Completou seus estudos formando-se em música e enfermagem.

Trovadora, contista, poeta, santista ilustre, foi Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Santos por oito anos (2001 a 2007) e é a atual Presidente da União Brasileria de Trovadores – Seção de Santos.

Carolina pertence a diversas entidades culturais, como

  • Academia Santista de Letras,
  • Academia Feminina de Letras
  • Centro de Expansão Cultural.

    Foi agraciada com diversas medalhas de mérito cultural, entre as quais a de "Magnífica Trovadora", em 1973, em Nova Friburgo-RJ, e em Santos, com a Medalha do Sesquicentenário e a Medalha dos Andradas.

    Também recebeu diversos títulos, homenagens e prêmios em Portugal e Angola.

    Um dos mais importantes foi o Prêmio Rui Ribeiro Couto, da União Brasileira de Escritores de São Paulo.

Bibliografia:

"Sempre" (poesias, 1968);

"Cantigas feitas de sonhos" (trovas, 1969);

"Espanha" (poema épico, 1970);

"Rui Ribeiro Couto - Vida e Obra" (bibliografia, 1989);

"Trovas que cantam por mim" (trovas, 1989);

"Espanha" e outros poemas (1992);

"Interlúdio" (contos, 1993);

"Paulo Setúbal - Uma vida/Uma obra" (1994, em co-autoria com Cláudio de Cápua),

Evocação (História da Associação das Ex-Alunas do Colégio São José) em co-autoria com Maria Edith Prata Real;

Feliz Natal (Contos natalinos);

Principe da Trova (biografia);

Saga de uma vida (biografia) e

Um amigo Especial (Conto-ficção), 2003.


Obras inéditas:

"Rosas de sangue" (sonetos);

"Trovas de amor e ternura";

"Canta Sabiá" (poesias sobre o Brasil, lendas e temas do folclore);

"Júlia Lopes de Almeida" (biografia);

"Contos";

"Contos Infantis" e

"Trovas".

Fontes:
http://www.novomilenio.inf.br/cultura/cult016.htm
Instituto Histórico e Geográfico de Santos. http://www.ihgs.com.br/

Miguel Russowsky (Antologia Poética)


ATO SEM FÉ

Ó Deus!,,, Eu vim falar contigo. Espero
que atendas este humilde servo teu.
Não quero muita coisa, apenas quero
voltar a crer. A minha fé morreu.

Dizem que és sábio e bom. Dizem ( não eu
que em religiões estou na estaca zero)
que castigas o mal com punho fero.
Dizem que és luz eterna no apogeu...

No entanto, permite que eu duvide:
Se deixas a injustiça sem revide
e a fome prosperar como se vê...

Se deixas o demônio estar no mundo...
Se podes destruí-lo num segundo...
Me deste o raciocino para quê?

AOS 77 ANOS...

Descansar?... Não cogito. Tenho brio
em revestir com rimas meu cansaço.
E acendo tantas luzes no que faço
que até pareço um fósforo bravio.

Se galopo na insônia?...Sim. E laço
sendo do amor, o tema mais sadio.
Não destes que exaltem muito o cio...
Vulgaridades em mim não têm espaço.

E tudo às claras... que sou fã da aurora...
Sou fã do riso e da canção sonora...
Velhice... Qual? Não ouço o seu recado

Eu sinto a vida cada vez mais bela...
E a morte?... Amigos, nem me falem nela!
Morrer não posso. Estou muito ocupado,

A INTRUSA

Teimava em me seguir, eu bem que percebia...
Tinha modos gentis. Simpática ( não bela) .
Não queria assustar-me, andava com cautela,
diferente do andar da grande maioria.a

Eu sempre recusei lhe fazer companhia,
embora esta mulher me fosse sentinela
em horas de descanso. Eu não gostava dela
pela insistência atroz com que me perseguia.

Seu nome? Não sabia. Apelidei-a a Intrusa.
Eu lhe fechava a porta, exibindo a recusa
de comigo a reter na partilha do lar.

No espelho, certo dia, atás de mim postou-se...
Quis irritar-me? Sim. Mas disse com voz doce:
- Eu me chamo Velhice e vim para ficar.

JÓIA MAIOR!...

Começo por supor, nos ares, o desenho
De um verso magistral procurando agasalho.
Cabe a mim (sou poeta) encontrar um atalho
Para vê-lo nascer nos recursos que tenho.

Com as rimas gentis nas estrofes, me empenho
Em ser original, (Poucas vezes eu falho),
Já nem ouso explicar se é prazer ou trabalho
Exibir ao leitor as farturas do engenho.

O esmeril dá-lhe o brilho e lhe poda as arestas...
Assim é que se faz um soneto bonito,
Para ser declamado em saraus ou em festas.

Ninguém pode dizer o valor de uma jóia,
Se polida não foi pela mão do perito.
É na lapidação que a beleza se apóia.

PROMESSAS

Estava eu só Passou... Sorriu... Olhei-a...
Estremeceu. Estremeci. Sucede
que o imprevisível manda e a gente cede.
No céu azul brilhava a lua cheia.

Depois... as conseqüências... — Quem as mede
se a razão, sem razão, já titubeia?
E o mar acariciando o ardil, na areia:
"O vinho é bom sorver antes que azede!"

Vai-se o verão. Agora é frio e neva.
Palavras sem valor, o vento as leva.
As juras antecedem as desditas.

Um instante de amor — eternidade!
Dois instantes de amor — fidelidade
... Nem todas as mentiras foram ditas.

NOTURNO Nº 2

Anseios de verão... Noite clara, sem bruma.
A lua argêntea adorna uma paisagem maga.
A flor perfuma... A lua brilha... O vento vaga
como doce carícia angelical de pluma.

As nuvens pelo céu — enfermeiras de espuma —
se prpõe a curar qualquer dorida chaga.
No silêncio dormita um repouso de saga.
A lua brilha... O vento vaga... A flor perfuma...

Uma fada de azul — fugitiva de lenda —
escreve em cada rosa uma nova armadilha.
Cupido ergue na sombra o seu punhal de renda.

Com preguiça o relógio esquece e compartilha...
Diana vai marcando um nome em cada agenda:
A flor perfuma... O vento vaga... A lua brilha...

SONETO CLASSE MÉDIA, BAIXA

Quando eu me aposentar... Irei morar em Vênus!...
(O I.P.T.U. de lá, é menor que o da lua.
Há descontos de lei sem qualquer falcatrua
e sem taxas de lixo embutida em terrenos).

Aposentadoria é crime?...(Mais ou menos...
se for por doença não é, mas a verdade crua,
é que os espertalhões desfilam pela rua
cheios de "ME APOSENTEI") — Que salários obscenos!

Quando eu me aposentar...(Se eu puder, o pijama,
o radinho de pilha, o travesseiro, a cama,
nenhum deles terá um minuto de folga).

Quando eu me aposentar... Urras e Vivas! Bingo!
Os dias de semana, o sábado... o domingo...
serão todos iguais. É isto que me empolga!

NOITE SEM AURORA

A noite de um adeus não tem aurora
mas tem silêncios longos por recheio;
tem farpas arranhando, bem no meio...;
tem desesperos mil vagando fora...

A noite de um adeus, eu sei que chora
ao ver a sepultura de um anseio.
Não a censuro e até a manuseio
com estes versos que componho agora.

A noite de um adeus ensina a gente
ter dias sem relógio...e alguém já disse
que nunca cicatriza totalmente.

A noite de um adeus...só bem depois
expõe a solidão, numa velhice,
em que murchamos tristes nós, os dois.

ARREPENDIMENTO

Um por um, os meus sonhos, nesta vida,
Despi no andar do tempo modorrento
Qual árvore esfolhada pelo vento
Numa tarde outonal, entristecida.

Quebrei-me um pouco, assim, a cada ida
À procura não sei de qual intento.
Deixei amor, amigos e, ao relento,
Destroços de minha alma enrijecida.

E hoje, velho, ao voltar da caminhada,
Tropeço em meus pedaços pela estrada
Com saudosa visão aqui e ali.

Não mais me iludo, e essa descrença atesta
Que passarei o tempo que me resta
Recolhendo os pedaços que perdi.

TARDE NEVOENTA... EM JULHO

Domingo sem ninguém...A casa está vazia.
O silêncio no horror persistente blasfema.
Quer se fazer ouvir. Ó tolo estratagema!...
Eu posso ouvi-lo bem, mas qual a serventia?

A solidão nem quer me servir como tema...
...e a tarde se espezinha imensamente fria...
Ó Tristeza, vem cá! Se queres companhia
ajuda-me a cerzir pedaços de um poema

Talvez assombrações que possuam prestígio
se queiram embutir em tercetos, com zelo,
para dar-lhe feições de soneto-prodígio.

Alguém se desmanchou em brumas do passado
e quer ressuscitar de cor, num atropelo.
Se lembrar é viver, eu devo estar errado.

RECEITA DE SAÚDE E FELICIDADE

Não antecipe nunca o sofrimento!...
Diga “Bom Dia!” ao sol que lhe saúda.
Seja qual um discípulo de Buda:
- É mister se gozar cada momento.

No “que será...será” que não se muda,
se abrigam primaveras...(mais de um cento!)
os “depois” nem podem ser tormento
se os “agoras” lhe derem boa ajuda.

“Cara feia” - sinal de enfermidade -
com certeza, costuma sobrepor
mais pesos aos obstáculos da idade.

"Alegre-se e sorria, por favor!
Um sorrisinho dá felicidade,
pois contagia e ativa o bom humor"

DOMINGO...(DE LICOR E AÇÚCAR CÂNDI)

Manhã de sol...A luz passeia a toa...
Explode a primavera em frenesi.
Meu bairro, todo chique, não destoa,
parece um ogro alegre que se ri.

Mignon, gentil, arisco, sobrevoa,
a namorar a rosa, um colibri...
...e perfumes no ar...-Que coisa boa!
O céu está pertinho...É logo ali!

Meu domingo é grande (- Muito grande!)
Cheinho de licor e açúcar cândi.
Estou de bem com toda a humanidade.

Minha amada virá...(telefonou-me)
e ela não quer que lhe revele o nome,
que tem dez letras...(é ?... -FELICIDADE!)
---------------

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.59)


Trova do Dia

Papai Noel, pobremente,
cometeu um desacato:
em vez de deixar presente,
carregou o meu sapato.
OLYMPIO COUTINHO/MG

Trova Potiguar

Natal de festa e de luz,
desejo a todos os lares...
Que em dobro te dê Jesus!
Tudo o que me desejares.
FRANCISCO MACEDO/RN

Uma Trova Premiada

1999 > Fuzeta/Portugal
Tema > Natal > Venc.

É Natal... Tempo de prece,
de amor, de fraternidade!
Do céu, um Menino desce
e mostra, ao mundo, a Verdade!
MARINA BRUNA/SP

Uma Trova de Ademar

Para essa festa de luz,
peru e vinho à vontade,
nem convidaram Jesus
pra sua festividade...
ADEMAR MACEDO/RN

...E Suas Trovas Ficaram:

É Natal! Lá na favela,
no seu barraco sombrio,
ele encontrou na janela
o tamanquinho vazio!...
CAROLINA A. DE CASTRO/PE

Estrofe do Dia

Enquanto a fome, no mundo,
grassar com velocidade,
teremos que compensar
com gestos de caridade,
para que este nascimento
de Cristo, neste momento,
seja um Natal de verdade.
MARCOS MEDEIROS/RN

Soneto do Dia

– Olga Maria Dias Ferreira/RS –
PRESENTE DE NATAL

Tuas mãos quero sentir nestes meus cabelos,
tão ternos olhos a perderem-se nos meus,
vendo acolhidos nos mais vibrantes apelos,
a usufruir inteiros, pensamentos teus.

Eu sonho ver-te, a zelar meu sono, em tais desvelos,
na mais perfeita fusão, bem próxima a Deus,
a revelar ao mundo os mais leais modelos
de sentimentos nobres, sob os Mantos Seus...

Estes, meus sonhos, meus desejos, meus pedidos,
mantenho ocultos, no meu peito, protegidos,
a defender da inveja, do ódio e do mal...

Estes, profundos anseios tão coloridos,
a ornamentar todos os tempos já vividos
que, hoje, formulo, num PRESENTE DE NATAL!...

Fonte:
Ademar Macedo

Roberto Pinheiro Acruche (Trovas e Poemas nº 22 – Dezembro de 2010)


Faça o download clicando sobre a figura ao lado.

As trovas e o poema abaixo, e outras, você pode obter fazendo o download, clicando sobre a figura ao lado.

-

Sem notar que a vida passa,
esta emoção me extasia:
Meus netos correm na praça
onde, em criança, eu corria!
Carolina Ramos – Santos-SP

Cai a chuva fria e mansa,
mas não esfria a saudade
de uma tórrida lembrança
que o meu coração invade.
Dinair Leite-PR

As lições de mais valia
pra dizer “missão cumprida!”
não vi nos livros que lia,
mas sim na escola da vida!
Renato Alves - RJ

Parque da minha cidade
de ladrilhos branco e preto...
ainda ecoa a saudade
do som daquele coreto.
Francisco José Pessoa-CE

Agora, desiludida,
reconheço o quanto errei:
eu quis viver minha vida
na vida de quem amei...
Tereza Costa Val – MG

Quem como eu faz poesia
sabe que a glória é completa.
Ninguém aposenta o dia
de trabalho de um poeta!
Nilton Manoel-SP

São teus beijos, a magia,
que me acalma e alimenta,
trazem luz, muita alegria
se uma nuvem atormenta
Marilene Bueno– RS
--------------
Narcélio Lima (Caucaia - CE)
ESTRELINHA DE NATAL

Caia do céu estrelinha
Caia aqui no meu quintal
Seja minha companhia
Nesta noite de Natal

Caia logo estrelinha
Estrelinha aí do céu
Nos convide com magia
Para ver Papai Noel

E depois, minha estrelinha,
Ilumine os olhos meus
Traga toda alegria
Pra noite do menino Deus.

Fonte:
R. P. Acruche

Monteiro Lobato (Emília no País da Gramática) Capítulo XIII: A Casa da Gritaria

— Que barulhada! — exclamou Emília, ao aproximar-se da Casa das INTERJEIÇÕES. — Será algum viveiro de papagaios?

— São elas. Aquilo lá dentro parece um hospício, porque as Interjeições não passam de gritinhos.

— Gritos de quê?

— De tudo. Gritos de Dor, de Alegria, de Aplauso. . .

A Casa das Interjeições parecia mesmo um viveiro de papagaios. Assim que entrou, Emília viu passarem correndo dois gemidinhos de DOR, as Interjeições Ai! e Ui! Logo em seguida viu, a dar pulos, três gritinhos de ALEGRIA: — Ah! Oh! Eh! Depois viu três de nariz comprido, as Interjeições de DESEJO: — Tomara! Oh! Oxalá! E viu três num entusiasmo doido — as Interjeições de ANIMAÇÃO: — Eia! Sus! Coragem! E viu quatro de APLAUSO, batendo palmas: — Viva! Bravo! Bem!

Apoiado! E viu mais quatro com caras de horror e nojo, que eram as Interjeições de AVERSÃO: — Ih, Xi! Irra! Apre! E viu algumas de APELO, chamando desesperadamente alguém:

— Olá! Psiu! Alô! E viu duas de SILÊNCIO, encolhidinhas, de dedo na boca: — Psiu! Caluda! E viu uma bem velhinha, de ADMIRAÇÃO — Cáspite!

— Que baitaquinhas! — comentou Emília, tapando os I ouvidos. — Já estou tonta, tonta. . .

— E há ainda aqui — disse o Verbo Ser — esta pequena caixa com as ONOMATOPÉIAS, OU Interjeições IMITATIVAS de certos sons.

Emília viu nessa caixinha as Onomatopéias Chape!, que imita o som do animal patinhando n'água. E viu Zás-Trás!, que imita movimento rápido. E viu também o célebre Nhoque!, muito usado por Pedrinho para imitar bote de cachorro bravo, E viu Tchibum! — que imita barulho duma coisa que cai n'água. E viu Trrrlin!, que imita som de esporas no assoalho, E viu Tique-Taque, som de relógio. E Toque-Toque, som de batida em porta. E viu Coin, Coin, Coin, som de Rabicó quando leva pelotadas do bodoque de Pedrinho.

— Sim, senhor! — disse Emília, retirando-se. — São muito galantinhas, mas deixam uma pessoa atordoada. Lá no sítio usamos muito algumas destas interjeições, e ainda várias outras inventadas por nós. Tia Nastácia é uma danada para inventar Interjeições. Danada para tudo, aquela negra. . .

E, mudando de tom:

— Por que Vossa Serência não aparece por lá, um dia, para uma visita a Dona Benta? Por ser muito velho? Ora, deixe-se disso!. . . Estamos lá acostumados com a velhice. Dona Benta é velha e Tia Nastácia também. Cachorro bravo? . . . Oh, é bicho que nunca houve no sítio. Só temos Rabicó, que é um marquês que não morde, e a Vaca Mocha, que não tem chifre — e agora este Quindim, que é a pérola dos gramáticos.

— E há ainda mais coisas por lá — continuou Emília, depois duma pausa. — Há os famosos bolinhos de Tia Nastácia, feitos de polvilho, leite, uma colherzinha de sal, etc. Depois ela frita. Quando Rabicó sente de longe o cheiro desses bolinhos, vem na volada. Mas não pilha um só. É comida de gente e não de. . . marquês.

E finalizou, com uma piscadinha marota:

— Dona Benta é viúva. Vá, que até pode sair casamento. . .

O Verbo Ser olhava para Emília com os olhos arregalados. Ele não sabia a história da célebre torneirinha de asneiras. . .
______________________
Continua ... Capítulo XIV: A Senhora Etimologia
____________________________
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. SP: Círculo do Livro. Digitalizado por http://groups.google.com/group/digitalsource

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Ademar Macedo (Livro de Trovas II)


Após causar desencantos
e nos fazer peregrinos,
a seca faz chover prantos
nos olhos dos nordestinos!

Aquela mão estendida
é Nau que ainda trafega
no mar revolto da vida
que a própria vida renega...

Com muita preponderância
mergulhei nesta verdade:
- Quem inventou a distância
não conhecia a SAUDADE...

Como quem faz sua escolha,
disfarçando o desatino,
arranquei folha por folha
do livro do meu destino!

Da Bebida fiquei farto,
bebendo, perdi quem amo;
hoje bebo no meu quarto
as lágrimas que eu derramo.

Envolto numa utopia,
num devaneio sem fim,
vivo hoje uma fantasia
que eu mesmo inventei pra mim.

Essas gotas maculadas,
itinerantes no rosto,
são as lágrimas magoadas
que dão vida ao meu desgosto.

Fiz minha casa de barro
ao lado de uma favela.
Lá fora, eu sei, não tem carro,
mas tem amor dentro dela!...

Lágrimas, fuga das águas
por um riacho inclemente
que numa enchente de mágoas
inunda o rosto da gente!

Mesmo em momentos tristonhos,
carregada de lamentos,
navega cheia de sonhos
a Nau dos meus pensamentos!...

Na transposição mais nobre,
podemos, sem qualquer risco,
matar a sede do pobre
com as águas do São Francisco!...

Nossa cultura se entende
nas lições que eu mesmo tive:
o saber a gente aprende,
a cultura a gente vive.

Num devaneio qualquer,
feito de sonho e de imagem,
no seu corpo de mulher
fiz a mais linda viagem.

Num triste e cruel enredo,
escrito por poderosos,
a Terra treme com medo
das mãos dos gananciosos...

O Deus que fez lago e monte,
que fez céu, mar, noite e dia,
fez do poeta uma fonte
por onde jorra poesia...

O grande desmatamento,
por ganância ou esperteza,
põe rugas de sofrimento
no rosto da natureza...

Passam sempre em meu portão,
trazendo um fardo de dor,
crianças que não têm pão,
pedindo “um pão por favor”!...

Quando a inspiração lhe acena,
o bom Trovador se expande.
Numa Trova tão pequena,
faz um poema tão grande!

Quando de um amor me aparto,
em tristezas me esparramo:
bebo sozinho em meu quarto
as lágrimas que eu derramo!

Quando o amor se consolida,
mesmo que vire rotina;
termina tudo na vida...
Mas esse amor não termina!...

Quem se entrega a solidão
e dela se faz refém,
anda em meio à multidão
mas não enxerga ninguém!

Sem ter escolha, a criança,
pobre inquilina da rua,
na sua desesperança,
dorme sob a luz da lua!

Se o livre-arbítrio é uma escolha,
eu, não vendo outra saída,
alterei folha por folha
do livro da minha vida.

Tal qual um pequeno horto,
sem plantação, sem jardim,
sou Nau e procuro um porto
que ainda espera por mim.

Fonte:
Recanto das Letras.

David Mourão Ferreira (Antologia Poética)


BALADA

Depois do sangue misturado,
depois dos dentes, dos lamentos,
estamos deitados, lado a lado,
e desfolhamos sofrimentos.
Temos trint'anos, mais trezentos
de sofredora exaltação.
É este o cabo dos tormentos?
Ai, não e não! Ainda não.
Saboreamos o passado
por entre os beijos mais violentos
e mais sutis que temos dado.
E o monumento dos momentos
oscila, desde os fundamentos,
a tão febril consagração.
Mas estacamos, sonolentos.
Agora, não. Ainda não ...
Tudo se torna esbranquiçado:
eram azuis, são já cinzentos
os horizontes do pecado ...
Há nos teus ombros turbulentos
cintilações, pressentimentos ...
Os nossos corpos descerão
para que abismos lamacentos?
Ah! não, e não! Ainda não!
Eis-vos, de novo, movimentos
que apunhalais a inquietação!
E assim unidos gritaremos
que não e não! que ainda não!

CASA

Tentei fugir da mancha mais escura
que existe no teu corpo, e desisti.
Era pior que a morte o que antevi:
era a dor de ficar sem sepultura.

Bebi entre os teus flancos a loucura
de não poder viver longe de ti:
és a sombra da casa onde nasci,
és a noite que à noite me procura.

Só por dentro de ti há corredores
e em quartos interiores o cheiro a fruta
que veste de frescura a escuridão ...

Só por dentro de ti rebentam flores.
Só por dentro de ti a noite escuta
o que sem voz me sai do coração.

LADAINHA HORIZONTAL

Como se fossem jangadas
desmanteladas,
vogam no mar da memória
as camas da minha vida ...
Tanta cama! Tanta história!
Tanta cama numa vida!
Grabatos, leitos, divãs,
a tarimba do quartel;
e no frio das manhãs
lívidas camas de hotel ..
Ei-Ias vogando as jangadas
desmanteladas,
todas cobertas de escamas
e do sal do mar da vida ...
Tanta cama! Tantas camas!
Tanta cama numa vida!
Já os lençóis amarrados
tocam no centro da Terra
(que o reino dos desesperados
fica no centro da Terra!)
e os cobertores empilhados
são monte que não se alcança!
Só as tábuas das jangadas
desmanteladas
boiam no mar da lembrança
e no remorso da vida ...
Homem sou. Já fui criança.
Tanta cama numa vida!
Nem vão ao fundo as de ferro,
nem ao céu as de dossel. ..
Lembro-vos, camas de ferro
de internato e de bordel,
gaiolas da adolescência,
ginásios do amor venal!
Barras fixas. Imprudência.
Sem rede, o salto mortal
pra fora da adolescência ...
E confundem-se as jangadas
desmanteladas
no mar da reminiscência ...
Onde estás, ó minha vida?
Sono. Volúpia. Doença.
Tanta cama numa vida!
E recordo-vos, tão vagas,
vós que viestes depois,
ó camas transfiguradas
das furtivas ligações!
Camas dos fins-de-semana,
beliches da beira-mar ...
Oh! que arrojadas gincanas
sobre os altos espaldares!
E as camas das noites brancas,
tão brancas!, tão tumulares!
Cigarros. Beijos. Uísque.
Ó fragílimas jangadas,
desmanteladas ... !
E nelas há quem se arrisque
sobre os pélagos da vida!
Cigarros. Beijos. Uísque.
Tanta cama numa vida!
E o amor? Tálamo, templo,
conjugação conjugal ..
O amor: tálamo, templo
- ilha num mar tropical.
Mas ao redor, insistentes,
bramam as ondas do mar,
do mar da memória ardente,
eternamente a bramar ...
Já no frio dos lençóis
há prelúdios da mortalha;
e, nas camas, sugestões
fúnebres, turvas, pesadas ...

- Sede, por fim, ó jangadas
desmanteladas,
a ponte do esquecimento
prà outra margem da Vida!
Sede flecha, monumento,
ponte aérea sobre o Tempo,
redentora madrugada!
Se o não fordes, sereis nada,
jangadas
desmanteladas,
todas roídas de escamas
da margem de cá da Vida ...
Pobres camas! Tristes camas!
Tanta cama numa vida!

PRESÍDIO

Nem todo o corpo é carne ... Não, nem todo.
Que dizer do pescoço, às vezes mármore,
às vezes linho, lago, tronco de árvore,
nuvem, ou ave, ao tato sempre pouco ... ?

E o ventre, inconsistente como o lodo? ...
E o morno gradeamento dos teus braços?
Não, meu amor ... Nem todo o corpo é carne:
é também água, terra, vento, fogo ...

É sobretudo sombra à despedida;
onda de pedra em cada reencontro;
no parque da memória o fugidio

vulto da Primavera em pleno Outono ...
Nem só de carne é feito este presídio,
pois no teu corpo existe o mundo todo!

TERNURA

Desvio dos teus ombros o lençol,
que é feito de ternura amarrotada,
da frescura que vem depois do sol,
quando depois do sol não vem mais nada ...

Olho a roupa no chão: que tempestade!
Há restos de ternura pelo meio,
como vultos perdidos na cidade
onde uma tempestade sobreveio ...

Começas a vestir-te, lentamente,
e é ternura também que vou vestindo,
para enfrentar lá fora aquela gente

que da nossa ternura anda sorrindo ...
Mas ninguém sonha a pressa com que nós
a despimos assim que estamos sós!

NATAL, E NÃO DEZEMBRO

Entremos, apressados, friorentos,
Numa gruta, no bojo de um navio,
Num presépio, num prédio, num presídio,
No prédio que amanhã for demolido...

Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos, e depressa, em qualquer sítio,
Porque esta noite chama se Dezembro,
Porque sofremos, porque temos frio.

Entremos, dois a dois: somos duzentos,
Duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
A cave, a gruta, o sulco de uma nave...

Entremos, despojados, mas entremos.
De mãos dadas talvez o fogo nasça,
Talvez seja Natal e não Dezembro,
Talvez universal a consoada.

“LITANIA PARA O NATAL DE 1967”

Vai nascer esta noite à meia noite em ponto
num sótão num porão numa cave inundada
Vai nascer esta noite à meia noite em ponto
dentro de um foguetão reduzido a sucata
Vai nascer esta noite à meia noite em ponto
numa casa de Hanói ontem bombardeada

Vai nascer esta noite à meia noite em ponto
num presépio de lama e de sangue e de cisco
Vai nascer esta noite à meia noite em ponto
para ter amanhã a suspeita que existe
Vai nascer esta noite à meia noite em ponto
tem no ano dois mil a idade de Cristo

Vai nascer esta noite à meia noite em ponto
vê lo emos depois de chicote no templo
Vai nascer esta noite à meia noite em ponto
e anda já um terror no látego do vento
Vai nascer esta noite à meia noite em ponto
para nos pedir contas do nosso tempo

AVISO DE MOBILIZAÇÃO

Passaram pelo meu nome e eu era um número
Menos que a folha seca de um erbário
Colheram no com mãos de zelo e gelo
Escreveram me sem mágoa um postal.
Convite a que morresse... mas porquê?
Convite a que matasse... mas por quem?
Oh! vago amanuence...
Oh! apressado e súbito verdugo...
Que te ocultas numa rubrica rápida e legível...
Que dirás tu do meu e doutros nomes
Que dirás tu de mim e doutros mais
No Dia do Juízo já tão próximo?
Que dirás tu de nós se nem treme
Na rápida rubrica a tua mão?
Bem sei que a tua mão só executa
Mas além do ombro a ti pertences.
Porém, pudera chorar, ter hesitado
A mancha de uma lágrima bastara
Para dar um sentido a esta morte
A que a tua indiferença nos convoca.

SECRETA VIAGEM

No barco sem ninguém, anônimo e vazio,
ficámos nós os dois, parados, de mão dada...
Como podem só dois governar um navio?
Melhor desistir e não fazermos nada!

Sem um gesto sequer, de súbito esculpidos,
tornamo-nos reais, e de madeira, à proa...
Que figuras de lenda! Olhos vagos, perdidos...
Por entre nossas mãos, o verde mar se escoa...

Aparentes senhores de um barco abandonado,
nós olhamos, sem ver, a longínqua miragem...
Aonde iremos ter? Com frutos e pecado,
se justifica, enflora, a secreta viagem!

Agora sei que és tu quem me fora indicada.
O resto passa, passa... alheio aos meus sentidos.
Desfeitos num rochedo ou salvos na enseada,
a eternidade é nossa, em madeira esculpidos!

GRITO

Cedros, abetos,
pinheiros novos.
O que há no teto
do céu deserto,
além do grito?
Tudo que é nosso.

São os teus olhos
desmesurados,
lagos enormes,
mas concentrados
nos meus sentidos.
Tudo o que é nosso
é excessivo.

E a minha boca,
de tão rasgada,
corre te o corpo
de pólo a pólo,
desfaz te o colo
de espádua a espádua,
são os teus olhos,
depois o grito.

Cedros, abetos,
pinheiros novos.
É o regresso.
É no silêncio
de outro extremo
desta cidade
a tua casa.
É no teu quarto
de novo o grito.

E mais noturna
do que nunca
a envergadura
das nossas asas.
Punhal de vento,
rosa de espuma:
morre o desejo,
nasce a ternura.
Mas que silêncio
na tua casa.

NATAL À BEIRA RIO

É o braço do abeto a bater na vidraça?
E o ponteiro pequeno a caminho da meta!
Cala te, vento velho! É o Natal que passa,
A trazer-me da água a infância ressurreta.
Da casa onde nasci via se perto o rio.
Tão novos os meus Pais, tão novos no passado!
E o Menino nascia a bordo de um navio
Que ficava, no cais, à noite iluminado...
Ó noite de Natal, que travo a maresia!
Depois fui não sei quem que se perdeu na terra.
E quanto mais na terra a terra me envolvia
E quanto mais na terra fazia o norte de quem erra.
Vem tu, Poesia, vem, agora conduzir me
À beira desse cais onde Jesus nascia...
Serei dos que afinal, errando em terra firme,
Precisam de Jesus, de Mar, ou de Poesia?

Fonte:
Luis Gaspar (Seleção) http://www.truca.pt/ouro/obras/david_mourao_ferreira.html

David Mourão Ferreira (1927 – 1969)



David de Jesus Mourão Ferreira nasceu em Lisboa em 1927.

Distinguiu-se como poeta, professor, dramaturgo e crítico literário.

Em 1945 iniciou a sua colaboração na revista "Seara Nova", publicando aí os seus primeiros poemas. Tendo como mestres Hermâni Cidade, Vitorino Nemésio, Jacinto do Prado Coelho, Maria de Lurdes Belchior, entre outros, mergulha a partir dessa altura, numa atividade cultural traduzida na publicação de poemas e ensaios, participação em tertúlias (no Café Chave d'Ouro), e no desempenho de papéis teatrais, no Teatro Estúdio do Salitre.

No início da década de 50, é lhe atribuído o prêmio de poesia "Delfim Guimarães” pelo seu livro "Tempestade de Verão". Escreve as primeiras "letras" de fados para Amália Rodrigues.

Em 1959 publica a obra "Gaivotas em Terra" que, no ano seguinte, será premiado pela Academia das Ciências de Lisboa com o prêmio Ricardo Malheiros.

Em 1980 publica os livros "Ode à Música" e "Entre a Sombra e o Corpo" e recebe o Prêmio da Crítica da Association International des Critiques Littéraires pelo livro "As Quatro Estações".

Em 1984 passa a dirigir a revista "Colóquio/Letras" editada pela Fundação Calouste Gulbenkian e assume as funções de Presidente da Associação Portuguesa de Escritores até 1986.

Publicou ainda um importante conjunto de obras, entre as quais se destacam:
"O Corpo Iluminado", "A Arte de Amar", "Jogo de Espelhos – Reflexos de um Auto Retrato" e o romance "Um Amor Feliz", que viria a obter o Prêmio de Narrativa do Pen Clube, o Prêmio D.Dinis da Fundação da Casa de Mateus, o Prêmio de Ficção do Município de Lisboa e o Grande Prêmio de Romance da Associação Portuguesa de Escritores.

Faleceu em 1996.

Fonte:
Luis Gaspar (organizador). http://www.truca.pt/ouro/obras/david_mourao_ferreira.html

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.58)


Trova do Dia

Nos natais de antigamente
tive os presentes que quis,
hoje, eu quero, simplesmente
ter uma “NOITE FELIZ!”
MARIA MADALENA FERREIRA/RJ

Trova Potiguar

Natal é esplendor profundo,
que traz a paz como herança,
passa, mas deixa no mundo
uma estrela de esperança...
PAULO ROBERTO DA SILVA/RN

Uma Trova Premiada

2002 > Garibaldi/RS
Tema > Natal > 1º Lugar

Nada ter na mesa à Ceia
do Natal, triste é! Porém,
bem mais triste é vê-la cheia
e em volta não ter ninguém.
MARIA AMÉLIA CARVALHO/PORTUGAL

Uma Trova de Ademar

Que no Natal meu irmão,
mesmo envolto em festa e em luz,
festeje de coração,
o renascer de Jesus.
ADEMAR MACEDO/RN

...E Suas Trovas Ficaram

É Natal... Com humildade
faço um pedido, em segredo:
- que eu ganhe a felicidade
nem que seja de brinquedo!
J. G. DE ARAÚJO JORGE/AC

Estrofe do Dia

(NA LINGUAGEM MATUTA)

Papai Noé, na verdade,
eu quiria de presente,
apenas e tão sòmente,
a tá da felicidade.
Cum tôda sinceridade,
eu num sei se vô ganhá.
Meu bom véíin, se tu achá,
traga correndo, prá mim,
pois jóia tão rara assim,
é difíce de incontrá...
BOB MOTTA/RN

Soneto do Dia

– Gislaine Canales/SC –
PAZ UNIVERSAL.

Caminhemos irmãos e de mãos dadas,
por este mundo lindo, o nosso chão,
naquelas horas tristes, desoladas,
plantemos a semente da razão.

Iluminemos assim, nossas estradas
com essa luz nascente da emoção,
cantemos em uníssono, as toadas
que sentimos surgir do coração!

Nesta cumplicidade, mundo afora,
querendo a cada instante, a cada hora
que o bem sempre supere e vença o mal!

Conquistando a alegria e a amizade
sei que vivenciaremos, na verdade,
“a Paz que se deseja Universal!”

Fonte:
Ademar Macedo

Folclore Português (O Senhor do Galo de Barcelos e o Milagre do Enforcado)



Esta lenda, que corre em Barcelos, está ligada a um antigo padrão (monumento) de pedra cuja origem se desconhece e que tem de um lado baixos-relevos com a Virgem, S. Paulo, o Sol, a Lua e um dragão, e do outro Cristo crucificado, um galo e Santiago sustentando um enforcado.

Lendas e padrões semelhantes existem em Espanha, em várias localidades situadas no caminho de Santiago de Compostela, o que leva a pensar num significado hoje perdido e ligado àquele santuário secularmente venerado e concorrido de peregrinos desde os mais remotos tempos.

Conta a lenda que, há muito tempo, deu-se na freguesia de Barcelinhos um crime de morte que ficara impune. As investigações efetuadas minuciosamente pelos oficiais da Justiça não levaram à descoberta de qualquer indício sobre o seu autor.

O tempo foi passando e o caso parecia estar esquecido quando, certo dia, surgiu na povoação um galego que se dirigia em peregrinação a Santiago de Compostela. O romeiro instalou-se no albergue da terra, onde tencionava passar aquela noite. Estava sentado à mesa, preparando-se para retemperar as forças com uma boa refeição, quando sentiu que alguém, sentado noutra mesa, o observava fixamente. Não ligou, contudo, importância, tanto mais que não conhecia ninguém na região, e lá continuou embebido nos seus pensamentos, enquanto ia depenicando (petiscar, comer aos poucos, saboreando) uma broa e bebia uma caneca de vinho verde.

Algum tempo depois, o observador levantou-se da mesa e desapareceu da hospedaria. Dirigiu-se a casa do juiz e informou-o de que o autor daquele crime antigo parecia ter voltado à povoação. E jurou à autoridade que vira aquele galego na época, já remota, do crime.

O juiz prestou-se, então, a acompanhá-lo ao albergue, onde interrogou o espantado galego, que se afirmava inocente de qualquer crime. Mas as coincidências que transpareciam do interrogatório comprometiam muito o romeiro e, além disso, ele não conseguia apresentar provas concludentes da inocência que protestava. Assim, o galego foi levado para as masmorras e julgado. Continuou, todavia, jurando a sua inocência, o que de nada lhe valeu, pois foi condenado à forca como autor daquele crime quase esquecido.

Chegado o dia do enforcamento, o homem pediu, como sua última vontade, que o levassem à presença do juiz que injustamente o condenara. E, como não se deve negar o último pedido a um condenado, levaram-no a casa do juiz, que nesse momento estava sentado à mesa, rodeado de amigos, preparando-se para trinchar um belo galo assado.

O galego entrou e, ajoelhando frente ao juiz, suplicou que não o enforcassem. Estava inocente! Não conhecia a vítima do crime! Fora aquela a primeira vez que entrara em Barcelinhos. Como era possível que o fossem enforcar por um crime que não cometera?! Era uma injustiça!

O magistrado, porém, não se comoveu. Escudado no julgamento que considerava válido aos olhos da lei, disse ao homem que nada podia fazer e que a sentença tinha de ser cumprida de acordo com as regras estabelecidas pelos usos e costumes.

O pobre do romeiro, vendo-se numa terrível situação para a qual não encontrava saída, bramou, olhando para o Alto:

— Valei-me meu Santiago, valei-me! — e virando-se para o juiz, disse com veemência: — E tão certo eu estar inocente que antes de morrer e o dia acabar, este galo assado cantará!

E lá saiu da sala, arrastado pelos algozes, em direção ao outeiro da forca.

Entretanto, na sala do juiz, passado o instante dramático que se seguiu às últimas palavras do romeiro, os convivas desataram a rir do que afirmara o galego. Mas, supersticiosamente, a verdade é que ninguém tocou no galo assado. O dia foi passando e, sub-repticiamente, as palavras do peregrino mantinham-se vivas nos ouvidos dos convivas, ainda que nenhum o confessasse. E todos ansiavam pela chegada da noite para se libertarem da expectativa.

De repente, os olhos do juiz fixaram-se atônitos no galo assado, que, estranhamente, começara a cobrir-se de penas novas. Em breve, todos puderam ver o galo levantar-se, espanejar as asas e cantar alegremente.

Correram todos ao outeiro da forca, como que impelidos por uma força incontrolável, e, pasmados, verificaram que o enforcado não só estava vivo, como a corda estava lassa (frouxa) e o corpo suspenso no ar. Assustados com aquele fato insólito, libertaram o homem e deixaram-no seguir o caminho que traçara, o caminho de Santiago.

No regresso, o galego, que voltou pelo caminho de Barcelinhos, mandou erguer, agradecido pelo milagre, o padrão (monumento) que ainda hoje podemos admirar, corroído pelo tempo e com as imagens muito gastas.

Fonte:
FRAZÃO, Fernanda. Lendas Portuguesas da Terra e do Mar.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.57)


Trova do Dia

O Natal, por mais profano
que em festejos venha a ser,
terá sempre, ano após ano,
Jesus Cristo a renascer!
HÉRON PATRÍCIO/SP

Trova Potiguar

Neste Natal do Senhor,
vou rezar ao pai dos pais
para que os círios do amor
não se apaguem nunca mais.
JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN

Uma Trova Premiada

2002 > Garibaldi/RS -(Estadual)
Tema > Natal > 3º Lugar

Natal! No pobre ranchinho,
a mãe ao bom Deus bendiz,
acalentando o filhinho
a cantar... "Noite Feliz..."
NEOLY VARGAS/RS

Uma Trova de Ademar

Natal é festa... Emoção;
Natal é tempo de luz,
tempo de paz e oração
para o Menino Jesus.
ADEMAR MACEDO/RN

...E Suas Trovas Ficaram

É Natal! A casa cheia
e a família reunida
no amor de Deus faz a ceia,
dividindo o pão da vida!
VERA MARIA BASTOS/MG

Estrofe do Dia

No Natal eu me comovo
com o espírito natalino,
então peço ao deus menino
pra vir na terra de novo,
pra convencer esse povo
e mostrar quem é Jesus,
trazer um pouco de luz
para esse povo infiel;
mesmo com o risco cruel
de voltar pra mesma cruz!
ASSIS BRAGA/RN

Soneto do Dia

– Carolina Azevedo de Castro/PE –
NATAL ANTIGO.

O Natal que este mundo conheceu,
de grandeza e de encantos diferentes,
há muito tempo já se converteu
numa festa de luzes surpreendentes.

Onde os pinheiros naturais e albentes?
Onde a ceia solene? Que ocorreu
com a surpresa ingênua dos presentes?
Quanta coisa sublime se perdeu!

Feliz Natal! Palavras que encantavam,
e que aos nossos ouvidos ressoavam,
num acorde suave e divinal,

já não têm mais o mesmo alumbramento,
e nem sequer o nobre sentimento
daquele antigo e cândido Natal!

Fonte:
Ademar Macedo

Monteiro Lobato (Emília no País da Gramática) Capítulo XII: Entre as Conjunções

O Verbo Ser levou Emília para a Casa das CONJUNÇÕES, que ficava ao lado.

— As Conjunções — explicou ele — também ligam; mas em vez de ligarem simples palavras (como fazem as Preposições) ligam grupos de palavras, ou isso a que os gramáticos chamam ORAÇÃO.

— Oração não é reza? — perguntou Emília.

— E reza e é também uma frase que forma sentido perfeito. Quando alguém diz: Emília é uma boneca, está formando uma Oração curtinha. Mas há frases muito compridas, compostas de várias Orações; nesse caso é preciso ligar as Orações entre si por meio das Conjunções. Não fazendo isso, a frase cai aos pedaços.

— Compreendo — disse Emília. — Se eu digo. . . — e engasgou.

— Espere — advertiu Ser. — Se você diz: A água é mole e a pedra é dura, você está amarrando duas Orações diversas com o barbantinho da Conjunção E.

Emília viu na Casa das Conjunções dois armários, um com as Conjunções COORDENATIVAS e outro com as ConjunÇÕES SUBORDINATIVAS. No armário das Coordenativas encontrou muitas conhecidas suas, como E, Também, Então, Bem Como, Que, Ou, Mas, Porém, Todavia, Senão, Somente, Pois Bem, Ora, Aliás. . .

— Como são numerosas! — comentou a boneca. — Nunca supus que fosse necessário tanta variedade de fios para amarrar as Senhoras Orações.

— Os homens costumam amarrar as Orações de tantos modos diferentes, que todas essas cordinhas se tornam necessárias.

Emília ainda viu lá Logo, Pois, Portanto, Assim, Por Isso, Daí, Ou, Isto É, Por Exemplo, e muitas mais.

No segundo armário estavam as Conjunções Subordinativas, que ligam as Orações dum modo especial, escravizando uma à outra. Eram igualmente abundantíssimas, e Emília notou as seguintes: Quando, Apenas, Como, Enquanto, Desde Que, Logo Que, Até Que, Assim Que, Ao Passo Que, Se, Salvo, Exceto, Sem Que, Porque, Visto Que, De Modo Que, Para Que, Segundo, Conforme, Embora e outras.

— Xi. . . São tantas que já estão me enjoando — disse Emília, fazendo um muxoxo. — Chega de Casa de Fios. Vamos ver outra coisa.

— Só nos resta visitar as Interjeições — disse o Verbo Ser, tirando do bolso uma caixinha de rape para tomar a sua pitada.

— Isso é tabaco ou pó de pirlimpimpim? — perguntou Emília.

— Pó de pirlimpimpim? — repetiu o Verbo Ser, franzindo a testa. — Que pó é esse?

Emília riu-se.

— Nem queira saber, Serência! É um pozinho levado da breca. Uma vez tomamos uma pitada e fomos parar na Lua. . .

E enquanto ia caminhando para a Casa das Interjeições, a boneca desfiou a primeira aventura da Viagem ao céu.
______________________
Continua ... Capítulo XIII: Na Casa da Gritaria
____________________________
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. SP: Círculo do Livro. Digitalizado por
http://groups.google.com/group/digitalsource

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Vânia Maria Souza Ennes (Livro de Trovas)


Acalmar gesto impulsivo
num conflito sem razão:
Medicinal... curativo...
é a humildade e o perdão!

A Curitiba hibernosa.
aumenta a temperatura.
Se aquece com verso e prosa
a Capital da Cultura!

Amor, um santo remédio,
que revitaliza e cura.
Livra-nos de qualquer tédio,
também nos leva à loucura.

Afinal, eis a questão:
achei um rico alimento...
Somos gêmeos na emoção:
teu amor é o meu sustento.

Causador da minha insônia,
motivo do meu sorriso,
sem nenhuma cerimônia...
me transporta ao paraíso!

Dissipando a incerteza,
ânsia e conhecimento
o livro, vasta riqueza:
esclarece cem por cento!

Educação e cultura,
seriedade e competência
é alvo certo de ventura
que aguardamos com urgência!

Encantada olho os pinheiros,
formosos! Iguais? Não há.
Dos poetas são os parceiros
Que versam o Paraná!

Eu não mudo de país,
nem de cidade ou estado,
porque aqui sou bem feliz...
exatamente... ao teu lado!!!

Falar de amor é alegria
que conduz à inspiração.
Do poeta é a energia
e fonte de nutrição.

Fazer da vida uma festa
é atitude que fascina.
Vamos rir! A hora é esta!
O bom humor contamina.

Hoje órfã de seu afeto,
carente de seu carinho,
queria você por perto...
a iluminar meu caminho!

Mãos que orientam crianças,
seja na escrita ou leitura,
mostram sinais de alianças
de nobreza e de ventura!

Numa transfusão de afeto,
basta só abrir os braços
e o coração indiscreto,
se entrega sem embaraços!

Posso ver do meu terraço
na escuridão do infinito,
quando a lua abre espaço...
E dá seu show favorito!

Quero um planeta perfeito,
sem guerra, sem corrupção.
Povo justo e satisfeito,
respeitando seu irmão!

Reconheço que a razão
me exerce extremo fascínio,
mas, se acerta o coração...
perco o rumo e o raciocínio!

Romântico e apaixonado,
meu pensamento flutua,.
vai ao céu... volta zoado:
Vive no mundo da lua!

Se falta a luz ou calor,
para isso tem saída...
Só a falta do teu amor
me apaga e congela a vida!

Seu forte olhar, penetrante...
me acelera o coração.
O seu perfil estonteante
ofusca a minha visão.

Sob o feitiço do mar,
o poeta assim diria:
-É propício pra sonhar,
mas, sem você... que ironia!!!

Sou mulher, luto, decido,
sei de cor muitos poemas,
mas com seu beijo atrevido,
esqueço até dos problemas!

Surge atrevida a saudade,
sem alarme e sem aviso,
ataca qualquer idade...
Se acaba com teu sorriso!

Tendo um bom livro na mão,
alço vôo... crio asa.
Mando embora a solidão...
sem sair da minha casa!

Você que me anima a vida
e muda meu céu de cor,
numa ação bem resolvida:
-Confesso-lhe eterno amor!

Ademar Macedo (Trovadoresco n. 66)


Clique sobre a imagem ao lado para fazer o download do O Trovadoresco n. 66, do potiguar Ademar Macedo.

Trovas de Natal e Ano Novo
O Cantinho da Poesia
Trovas Potiguares
A Saudade em Quatro Versos

Você encontra neste número (e muito mais):

Nem só de presentes faz-se
o Natal, nem de comida.
Natal é aquele em que nasce
Jesus Cristo em nossa vida!
(A. A. de Assis/PR)

Podes ter em tua vida,
um Natal a cada dia,
se em cada dia é nascida
a luz da fé que te guia!
(Carolina Ramos/SP)

Deus-menino não reclama
mas a verdade é cruel...
no Natal quem leva a fama,
é sempre o papai-noel!
(Francisco José Pessoa/CE)

Da cidade da alegria,
desta Camboriú legal,
lhe desejo, em poesia,
um belo e Feliz Natal!
(Gislaine Canales/SC)

"Bem-vindo, dois mil e onze,”
que nos tragas bom agouro:
Dois mil e dez foi de bronze...
Que sejas um ano de ouro!...
(Hermoclydes S. Franco/RJ)

Menino Jesus Cristinho,
puro, simples, soberano,
ilumina o meu caminho
e os dias do Novo Ano!
(Lisete Johnson/RS)

Uma estrela fulgurante,
os Reis, a Belém conduz.
Maria, mais fulgurante,
deu à luz... a própria Luz!
(Wanda de Paula Mourthé/MG
)

Luiz Carlos Felipe (Contar histórias: como tudo começou?)


“É contando histórias, nossas próprias histórias, o que nos acontece e o sentido que damos ao que nos acontece, que nos damos a nós próprios uma identidade no tempo.” (Jorge Larrosa) Você sabe o que faz um “rapsodo”? Não? E um “griô” ? Também não? Não lhe são familiares os vocábulos “bardo”? “jogral” ? “menestrel” ? Nada. Você pode não acreditar, mas esses vocábulos exóticos denominavam em tempos e lugares diferentes as vozes ancestrais da longa família dos contadores de história.

Surgidos provavelmente no século VII a. C, os rapsodos eram poetas ou declamadores andarilhos que, na Grécia antiga, perambulavam de cidade em cidade divulgando fragmentos dos poemas épicos de Homero a “Ilíada” e a “Odisséia”. Não apresentavam suas próprias composições, especializando-se na declamação de obras de outros artistas. No noroeste da África, em Mali, os griôs (do francês “griot” que significa “feiticeiro”) preservavam os rituais antigos, as histórias orais do seu povo, atuando ora como poetas, cantores e músicos, ora como sacerdotes ou juízes, em pequenas desavenças entre as grandes famílias. Mas, há um porém, só pode ser um griô quem nasce em uma família de griôs!

Entre os celtas, galeses, irlandeses e escoceses, eram os “bardos” os guardiões da memória das linhagens das famílias importantes, das grandiosas cenas de batalhas, do elogio à vida virtuosa de reis e príncipes, muitas vezes apelando para a sátira. Viajantes incansáveis, era natural que suas histórias encantassem um público ansioso por novidades que brotavam da boca desses “viramundos”. Já na França, desde o século V, os jograis ganhavam a vida na base das caretas, mímicas, jogos, ditos engraçados e músicas divertindo todo tipo de público. No fim da Idade Média, o menestrel substituiu o jogral. Durante o séculos XIII e XIV, o menestrel exercia as funções de músico e cantor, viajando por aldeias, exercendo seu ofício em meio a uma platéia de fidalgos ou no meio do povaréu, a invenção da imprensa no século XV reduziu bastante o papel social dessas expressões artísticas. Mas falemos um pouco mais de um tempo anterior à invenção de Gutemberg.

Esses poetas viajantes em todo tempo e lugar encontraram quem os escutasse. Narrando os desafios de caçadas, vivenciando ritos como os da morte e do sepultamento; ou divulgando crenças em criaturas marítimas monstruosas, tesouros no fundo do mar e histórias de inacreditáveis náufragos. Não importa. Eles eram os portadores da tradição, esses contadores/cantadores bendiziam o casamento, mas revelavam as muitas traições e entre risos e espanto, a plateia aplaudia a descoberta de um mundo feito de palavras cujas cores e melodias ignorava. Em algumas sociedades tribais essa atividade não possuía uma finalidade exclusivamente artística; mas tinha um caráter funcional decisivo, pois os contadores de histórias funcionavam como memórias portáteis, uma vez que conservavam e transmitiam a história e o conhecimento acumulado pelas gerações, as crenças, os mitos, os costumes e valores a serem preservados por todos da comunidade.

Pode-se afirmar que como atividade artística, com normas e técnicas passíveis de serem transmitidas a todos, a prática de contar histórias se desenvolveu recentemente, sobretudo nos países nórdicos, anglo-saxões e posteriormente nos latino-americanos. Esta prática se estendeu e ainda hoje aparece reduzida a um tempo cronológico, “a hora do conto”, nas escolas e bibliotecas.

A narração oral é uma forma de comunicação que se alimenta da história e da ficção, integrando a palavra aos gestos. É nesta economia de recursos que está a força de sua expressão; o ouvinte forma com o contador de histórias as duas faces de uma unidade, pois ele deve recriar na sua imaginação o que lhe contam e com isto transformar a missão em recepção, conformando a mensagem.

Portanto, hoje, o contador de histórias urbano também se forma : é aquele que conhece as técnicas para narrá-las, é aquele que ama os textos e quer dizê-los, é aquele que, sobretudo, articula seu idioma de modo a produzir efeitos de melodia e de elaboração nova da frase, para com elas revelar a complexidade do mundo, as diferentes manifestações de cultura e poder expressá-las para seus ouvintes. Por essa razão, o contador de histórias tradicional é uma pessoa dos livros. Ou seja, no caso contemporâneo, atrás de toda narração de contos se encontra um perfil básico e essencial: um grande leitor.
–––––––––––––––––––––-
(*) Luiz Carlos Felipe, Professor de Literatura Infantojuvenil na Faculdade de Campina Grande do Sul (FACSUL) e Professor de Contos Contados e Desvelados no Instituto Aprender, (Joinville, SC).

Fonte:
Boletim Guatá – Cultura em Movimento. Agosto de 2010. http://www.guata.com.br/Tirando%20de%20letra/_1E100803TL_contar_historia_como_tudo_comecou_luis_carlos_felipe.html
Imagem = http://www.fetreli.com.br/historia2.htm

Machado de Assis (Curta História)


Sinopse
Curta História", de Machado de Assis, foi publicada originalmente em A Estação, no ano de 1886. Conta a história de Cecília, jovem de dezoito anos que ama incondicionalmente Juvêncio de Tal. Porém, em um belo dia, seu pai a leva para assistir a peça "Romeu e Julieta" e ela acaba se apaixonando perdidamente por Rossi, o ator que representa Romeu. Durante algum tempo, tudo o que passa em seu pensamento é Romeu, chegando até a se esquecer de Juvêncio. Porém, ela acaba percebendo que cada uma tem o Romeu que merece. Assim, casa-se com Juvêncio e acaba tendo dois filhos bonitos e inteligentes, que se parecem com ela.

O Conto

A leitora ainda há de lembrar-se do Rossi, o ator Rossi, que aqui nos deu tantas obras-primas do teatro inglês, francês e italiano. Era um homenzarrão, que uma noite era terrível como Otelo, outra noite meigo como Romeu. Não havia duas opiniões, quaisquer que fossem as restrições, assim pensava a leitora, assim pensava uma D. Cecília, que está hoje casada e com filhos.

Naquele tempo esta Cecília tinha dezoito anos e um namorado. A desproporção era grande; mas explica-se pelo ardor com que ela amava aquele único namorado, Juvêncio de Tal. Note-se que ele não era bonito, nem afável, era seco, andava com as pernas muito juntas, e com a cara no chão, procurando alguma cousa. A linguagem dele era tal qual a pessoa, também seca, e também andando com os olhos no chão, uma linguagem que, para ser de cozinheiro, só lhe faltava sal.

Não tinha idéias, não apanhava mesmo as dos outros; abria a boca, dizia isto ou aquilo, tornava a fechá-la, para abrir e repetir a operação. Muitas amigas de Cecília admiravam-se da paixão que este Juvêncio lhe inspirava;1 todas contavam que era um passatempo, e que o arcanjo que devia vir buscá-la para levá-la ao paraíso, estava ainda pregando as asas; acabando de as pregar, descia, tomava-a nos braços e sumia-se pelo céu acima.

Apareceu Rossi, revolucionou toda a cidade. O pai de Cecília prometeu à família que a levaria a ver o grande trágico. Cecília lia sempre os anúncios; e o resumo das peças que alguns jornais davam. Julieta e Romeu encantou-a, já pela notícia vaga que tinha da peça, já pelo resumo que leu em uma folha, e que a deixou curiosa e ansiosa. Pediu ao pai que comprasse bilhete, ele comprou-o e foram.

Juvêncio, que já tinha ido a uma representação, e que a achou insuportável (era Hamlet) iria a esta outra por causa de estar ao pé de Cecília, a quem ele amava deveras; mas por desgraça apanhou uma constipação, e ficou em casa para tomar um suadouro, disse ele. E aqui se vê a singeleza deste homem, que podia dizer enfaticamente — um sudorífico; — mas disse como a mãe lhe ensinou, como ele ouvia à gente de casa. Não sendo cousa de cuidado, não entristeceu muito a moça; mas sempre lhe ficou algum pesar de o não ver ao pé de si. Era melhor ouvir Romeu e olhar para ele...

Cecília era romanesca, e consolou-se depressa. Olhava para o pano, ansiosa de o ver erguer-se. Uma prima, que ia com ela, chamava-lhe a atenção para as toilettes elegantes, ou para as pessoas que iam entrando; mas Cecília dava a tudo isso um olhar distraído. Toda ela estava impaciente de ver subir o pano.

— Quando sobe o pano? perguntava ela ao pai.

— Descansa, que não tarda.

Subiu afinal o pano, e começou a peça. Cecília não sabia inglês nem italiano. Lera uma tradução da peça cinco vezes, e, apesar disso, levou-a para o teatro. Assistiu às primeiras cenas ansiosa. Entrou Romeu, elegante e belo, e toda ela comoveu-se; viu depois entrar a divina Julieta, mas as cenas eram diferentes, os dous não se falavam logo; ouviu-os, porém, falar no baile de máscaras, adivinhou o que sabia, bebeu de longe as palavras eternamente belas, que iam cair dos lábios de ambos.

Foi o segundo ato que as trouxe; foi aquela cena imortal da janela que comoveu até às entranhas a pessoa de Cecília. Ela ouvia as de Julieta, como se ela própria as dissesse; ouvia as de Romeu, como se Romeu falasse a ela própria. Era Romeu que a amava. Ela era Cecília ou Julieta, ou qualquer outro nome, que aqui importava menos que na peça. "Que importa um nome?" perguntava Julieta no drama; e Cecília com os olhos em Romeu parecia perguntar-lhe a mesma cousa. "Que importa que eu não seja a tua Julieta? Sou a tua Cecília; seria a tua Amélia, a tua Mariana; tu é que serias sempre e serás o meu Romeu."

A comoção foi grande. No fim do ato, a mãe notou-lhe que ela estivera muito agitada durante algumas cenas.

— Mas os artistas são bons! explicava ela.

— Isso é verdade, acudiu o pai, são bons a valer. Eu, que não entendo nada, parece que estou entendendo tudo...

Toda a peça foi para Cecília um sonho. Ela viveu, amou, morreu com os namorados de Verona. E a figura de Romeu vinha com ela, viva e suspirando as mesmas palavras deliciosas. A prima, à saída, cuidava só da saída. Olhava para os moços. Cecília não olhava para ninguém, deixara os olhos no teatro, os olhos e o coração...

No carro, em casa, ao despir-se para dormir, era Romeu que estava com ela; era Romeu que deixou a eternidade para vir encher-lhe os sonhos.

Com efeito, ela sonhou as mais lindas cenas do mundo, uma paisagem, uma baía, uma missa, um pedaço daqui, outro dali, tudo com Romeu, nenhuma vez com Juvêncio.

Nenhuma vez pobre Juvêncio! Nenhuma vez. A manhã veio com as suas cores vivas; o prestígio da noite passara um pouco, mas a comoção ficara ainda, a comoção da palavra divina. Nem se lembrou de mandar saber de Juvêncio; a mãe é que mandou lá, como boa mãe, porque este Juvêncio tinha certo número de apólices, que... Mandou saber; o rapaz estava bom; lá iria logo.
E veio, veio à tarde, sem as palavras de Romeu, sem as idéias, ao menos de toda a gente, vulgar, casmurro, quase sem maneiras; veio, e Cecília, que almoçara e jantara com Romeu, lera a peça ainda uma vez durante o dia, para saborear a música da véspera. Cecília apertou/lhe a mão comovida, tão-somente porque o amava. Isto quer dizer que todo amado vale um Romeu.

Casaram-se meses depois; têm agora dous filhos, parece que muito bonitos e inteligentes. Saem a ela.

Fontes:
Domínio Público
Imagem = http://veja.abril.com.br/blog/temporadas/pilotos-de-series/abc-desenvolve-adaptacao-de-romeu-julieta/

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.56)


Trova do Dia

Os anjos tocam o sino,
esperando por Jesus.
Vai nascer o Deus Menino,
Para nos cobrir de LUZ.
MALU MOURÃO/CE

Trova Potiguar

Jesus, divina criança!
Seu Natal trouxe a pureza;
aos justos deu esperança,
aos maldosos, incerteza.
HÉLIO ALEXANDRE/RN

Uma Trova Premiada

2002 > Garibaldi/RS
Tema > Natal > M/H

O Natal já se insinua...
Na cidade que se agita,
são as crianças de rua
a consciência que grita!...
DOMITILLA BORGES BELTRAME/SP

Uma Poesia

Narcélio Lima/CE
ESTRELINHA DE NATAL.

Caia do céu estrelinha
Caia aqui no meu quintal
Seja minha companhia
Nesta noite de Natal

Caia logo estrelinha
Estrelinha aí do céu
Nos convide com magia
Para ver Papai Noel

E depois, minha estrelinha,
Ilumine os olhos meus
Traga toda alegria
Pra noite do menino Deus.

Uma Trova de Ademar

Que na noite de Natal
vivamos apenas isto:
um momento fraternal
e uma louvação a Cristo!
ADEMAR MACEDO/RN

...E Suas Trovas Ficaram

Natal... Repicam os sinos...
Banha-se o mundo de luz...
Há nos lábios dos meninos
o sorriso de Jesus!
COLBERT R. COELHO/MG

Estrofe do Dia

Ao teu próximo não queira
O que não queres pra ti
Pois não sairás daqui
Devendo dessa maneira,
Só se livra da viseira
Quem nunca deseja o mal,
Faz da paz o ideal
Assim diz o Nazareno;
Pra viver no amor pleno
Pois toda a vida é Natal.
PETRONILO FILHO/PB

Soneto do Dia

– Luiz Antonio Cardoso/SP –
NATAL

Belíssimas noites, na infância perdida,
agora ressurgem, cantando o natal !
E aquela criança, já tão esquecida,
retorna esperando, que o bem vença o mal.

Mas fica tristonha... percebe que a vida
perfaz um caminho, sombrio... fatal !
E num desespero, procura a saída
de um tempo moderno... já sem ideal.

Mas saiba, menino, viver é premente...
e a vida é possível, nutrindo a esperança
de um mundo mais justo... fraterno e luzente.

Deixemos de lado, tamanha ilusão:
Natal verdadeiro? Depende, criança,
da sua vontade... de ser um cristão!

Fonte:
Ademar Macedo

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Fernando Pessoa (13 junho 1888 – 30 novembro 1935)


Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
--------

Escritor português, nasceu a 13 de Junho de 1888, numa casa do Largo de São Carlos, em Lisboa. Aos cinco anos morreu-lhe o pai, vitimado pela tuberculose, e, no ano seguinte, o irmão, Jorge. Devido ao segundo casamento da mãe, em 1896, com o cônsul português em Durban, na África do Sul, viveu nesse país entre 1895 e 1905, aí seguindo, no Liceu de Durban, os estudos secundários.

Frequentou, durante um ano, uma escola comercial e a Durban High School e concluiu, ainda, o «Intermediate Examination in Arts», na Universidade do Cabo (onde obteve o «Queen Victoria Memorial Prize», pelo melhor ensaio de estilo inglês), com que terminou os seus estudos na África do Sul. No tempo em que viveu neste país, passou um ano de férias (entre 1901 e 1902), em Portugal, tendo residido em Lisboa e viajado para Tavira, para contactar com a família paterna, e para a Ilha Terceira, onde vivia a família materna. Já nesse tempo redigiu, sozinho, vários jornais, assinados com diferentes nomes.

De regresso definitivo a Lisboa, em 1905, frequentou, por um período breve (1906-1907), o Curso Superior de Letras. Após uma tentativa falha de montar uma tipografia e editora, «Empresa Íbis — Tipográfica e Editora», dedicou-se, a partir de 1908, e a tempo parcial, à tradução de correspondência estrangeira de várias casas comerciais, sendo o restante tempo dedicado à escrita e ao estudo de filosofia (grega e alemã), ciências humanas e políticas, teosofia e literatura moderna, que assim acrescentava à sua formação cultural anglo-saxónica, determinante na sua personalidade.

Em 1920, ano em que a mãe, viúva, regressou a Portugal com os irmãos e em que Fernando Pessoa foi viver de novo com a família, iniciou uma relação sentimental com Ophélia Queiroz (interrompida nesse mesmo ano e retomada, para rápida e definitivamente terminar, em 1929) testemunhada pelas Cartas de Amor de Pessoa, organizadas e anotadas por David Mourão-Ferreira, e editadas em 1978. Em 1925, ocorreria a morte da mãe.

Fernando Pessoa viria a morrer uma década depois, a 30 de Novembro de 1935 no Hospital de S. Luís dos Franceses, onde foi internado com uma cólica hepática, causada provavelmente pelo consumo excessivo de álcool.

Levando uma vida relativamente apagada, movimentando-se num círculo restrito de amigos que frequentavam as tertúlias intelectuais dos cafés da capital, envolveu-se nas discussões literárias e até políticas da época. Colaborou na revista A Águia, da Renascença Portuguesa, com artigos de crítica literária sobre a nova poesia portuguesa, imbuídos de um sebastianismo animado pela crença no surgimento de um grande poeta nacional, o «super-Camões» (ele próprio?). Data de 1913 a publicação de «Impressões do Crepúsculo» (poema tomado como exemplo de uma nova corrente, o paulismo, designação advinda da primeira palavra do poema) e de 1914 o aparecimento dos seus três principais heterônimos, segundo indicação do próprio Fernando Pessoa, em carta dirigida a Adolfo Casais Monteiro, sobre a origem destes.

Em 1915, com Mário de Sá-Carneiro (seu dileto amigo, com o qual trocou intensa correspondência e cujas crises acompanhou de perto), Luís de Montalvor e outros poetas e artistas plásticos com os quais formou o grupo «Orpheu», lançou a revista Orpheu, marco do modernismo português, onde publicou, no primeiro número, Opiário e Ode Triunfal, de Campos, e O Marinheiro, de Pessoa ortónimo, e, no segundo, Chuva Oblíqua, de Fernando Pessoa ortónimo, e a Ode Marítima, de Campos.

Publicou, ainda em vida, Antinous (1918), 35 Sonnets (1918), e três séries de English Poems (publicados, em 1921, na editora Olisipo, fundada por si). Em 1934, concorreu com Mensagem a um prêmio da Secretaria de Propaganda Nacional, que conquistou na categoria B, devido à reduzida extensão do livro. Colaborou ainda nas revistas Exílio (1916), Portugal Futurista (1917), Contemporânea (1922-1926, de que foi co-diretor e onde publicou O Banqueiro Anarquista, conto de raciocínio e dedução, e o poema Mar Português), Athena (1924-1925, igualmente como co-diretor e onde foram publicadas algumas odes de Ricardo Reis e excertos de poemas de Alberto Caeiro) e Presença.

A sua obra, que permaneceu majoritariamente inédita, foi difundida e valorizada pelo grupo da Presença. A partir de 1943, Luís de Montalvor deu início à edição das obras completas de Fernando Pessoa, abrangendo os textos em poesia dos heterônimos e de Pessoa ortônimo.

Foram ainda sucessivamente editados escritos seus sobre temas de doutrina e crítica literárias, filosofia, política e páginas íntimas. Entre estes, contam-se a organização dos volumes poéticos de Poesias (de Fernando Pessoa), Poemas Dramáticos (de Fernando Pessoa), Poemas (de Alberto Caeiro), Poesias (de Álvaro de Campos), Odes (de Ricardo Reis), Poesias Inéditas (de Fernando Pessoa, dois volumes), Quadras ao Gosto Popular (de Fernando Pessoa), e os textos de prosa de Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, Textos Filosóficos, Sobre Portugal — Introdução ao Problema Nacional, Da República (1910-1935) e Ultimatum e Páginas de Sociologia Política.

Do seu vasto espólio foram também retirados o Livro do Desassossego por Bernardo Soares e uma série de outros textos.

A questão humana dos heterônimos, tanto ou mais que a questão puramente literária, tem atraído as atenções gerais. Concebidos como individualidades distintas da do autor, este criou-lhes uma biografia e até um horóscopo próprios. Encontram-se ligados a alguns dos problemas centrais da sua obra: a unidade ou a pluralidade do eu, a sinceridade, a noção de realidade e a estranheza da existência. Traduzem, por assim dizer, a consciência da fragmentação do eu, reduzindo o eu «real» de Pessoa a um papel que não é maior que o de qualquer um dos seus heterônimos na existência literária do poeta. Assim questiona Pessoa o conceito metafísico de tradição romântica da unidade do sujeito e da sinceridade da expressão da sua emotividade através da linguagem. Enveredando por vários fingimentos, que aprofundam uma teia de polêmicas entre si, opondo-se e completando-se, os heterônimos são a mentalização de certas emoções e perspectivas, a sua representação irônica pela inteligência. Deles se destacam três: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos.

Segundo a carta de Fernando Pessoa sobre a gênese dos seus heterônimos, Caeiro (1885-1915) é o Mestre, inclusive do próprio Pessoa ortônimo.

Nasceu em Lisboa e aí morreu, tuberculoso, em 1915, embora a maior parte da sua vida tenha decorrido numa quinta no Ribatejo, onde foram escritos quase todos os seus poemas, os do livro O Guardador de Rebanhos, os de O Pastor Amoroso e os Poemas Inconjuntos, sendo os do último período da sua vida escritos em Lisboa, quando se encontrava já gravemente doente (daí, segundo Pessoa, a «novidade um pouco estranha ao caráter geral da obra»). Sem profissão e pouco instruído (teria apenas a instrução primária), e, por isso, «escrevendo mal o português», órfão desde muito cedo, vivia de pequenos rendimentos, com uma tia-avó. Caeiro era, segundo ele próprio, «o único poeta da natureza», procurando viver a exterioridade das sensações e recusando a metafísica, caracterizando-se pelo seu panteísmo e sensacionismo que, de modo diferente, Álvaro de Campos e Ricardo Reis iriam assimilar.

Ricardo Reis nasceu no Porto, em 1887. Foi educado num colégio de jesuítas, recebeu uma educação clássica (latina) e estudou, por vontade própria, o helenismo (sendo Horácio o seu modelo literário). Essa formação clássica reflete-se, quer a nível formal (odes à maneira clássica), quer a nível dos temas por si tratados e da própria linguagem utilizada, com um purismo que Pessoa considerava exagerado. Médico, não exercia, no entanto, a profissão. De convicções monárquicas, emigrou para o Brasil após a implantação da República. Pagão intelectual, lúcido e consciente, refletia uma moral estoico-epicurista, misto de altivez resignada e gozo dos prazeres que o não comprometessem na sua liberdade interior, e que é a resposta possível do homem à dureza ou ao desprezo dos deuses e à efemeridade da vida.

Álvaro de Campos, nascido em Tavira em 1890, era um homem viajado. Depois de uma educação vulgar de liceu formou-se em engenharia mecânica e naval na Escócia e, numas férias, fez uma viagem ao Oriente, de que resultou o poema Opiário. Viveu depois em Lisboa, sem exercer a sua profissão. Dedicou-se à literatura, intervindo em polêmicas literárias e políticas. É da sua autoria o Ultimatum, publicado no Portugal Futurista, manifesto contra os literatos instalados da época. Apesar dos pontos de contacto entre ambos, travou com Pessoa ortônimo uma polêmica aberta. Protótipo do vanguardismo modernista, é o cantor da energia bruta e da velocidade, da vertigem agressiva do progresso, de que a Ode Triunfal é um dos melhores exemplos, evoluindo depois no sentido de um tédio, de um desencanto e de um cansaço da vida, progressivos e auto-ironicos.

De entre outros, de menor expressão, destaca-se ainda o semi-heterônimo Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros que sempre viveu sozinho em Lisboa e revela, no seu Livro do Desassossego, uma lucidez extrema na análise e na capacidade de exploração da alma humana.

Quanto a Fernando Pessoa ortônimo, segue, formalmente, os modelos da poesia tradicional portuguesa, em textos de grande suavidade rítmica e musical. Poeta introvertido e meditativo, anti-sentimental, reflete inquietações e estranhezas que questionam os limites da realidade da sua existência e do mundo. O poema Mensagem, exaltação sebastiânica que se cruza com um certo desalento, numa expectativa ansiosa de ressurgimento nacional, revela uma faceta esotérica e mística do poeta, manifestada também nas suas incursões pelas ciências ocultas e pelo rosa-crucianismo.

Figura cimeira da literatura portuguesa e da poesia europeia do século XX, se o seu virtuosismo é, sobretudo inicialmente, uma forma de abalar a sociedade e a literatura burguesas decrépitas (nomeadamente através dos seus «ismos»: paulismo, interseccionismo, sensacionalismo), ele fundamenta a resposta revolucionária à concepção romântica, sentimentalmente metafísica, da literatura. O apagamento da sua vida pessoal não obviou ao exercício ativo da crítica e da polêmica em vida, e sobretudo a uma grande influência na literatura portuguesa do século XX.

Segundo o Professor Linhares Filho, as duas principais características da sua modernidade seriam: a consciência do fazer artístico e a prevalência do apolíneo sobre o dionisíaco, no elaborar-se poético.

Sensacionalista, o ortônimo nos mostra como sentir a paisagem, pois, para ele, todo objetivo é uma sensação nossa, toda arte é conversão da sensação em objeto, toda arte é conversão da sensação em sensação.

O próprio Pessoa apresenta cinco condições ou qualidades para entender os símbolos do ortônimo: a simpatia, a intuição, a inteligência, a compreensão e a graça. Depois conclui que:


"Todo estado de alma é uma paisagem.
Uma tristeza é um lago morto dentro de nós.
Assim, tendo nós, ao mesmo tempo, consciência do exterior
e do nosso espírito, e sendo nosso espírito uma paisagem,
temos ao mesmo tempo consciência de duas paisagens."

Como se vê, um espírito tão rico e até paradoxal como o de Pessoa não podia se resumir numa só personalidade. Daí o surgimento de muitos heterônimos, principalmente o de Ricardo Reis, Alberto Caeiro e Álvaro de Campos.

Existe presentemente, em Lisboa, a Casa Fernando Pessoa, instalada na última morada do autor.

Fonte:
Colaboração de Carlos Leite Ribeiro (Portal CEN), com pesquisa extraída de http://www.astormentas.com e http://nescritas.nletras.com