sábado, 30 de janeiro de 2010

Trova 113 - Campos Sales (São Paulo)

Everardo Norões (Jangada de Poesias)


CORPO

Teu corpo
se enxuga em minha água:
calafeta,
enxágua.
Completa
o que não vem de mim.
E por ser água e calma,
sonâmbula
como a
distraída voz do lume,
lembra um vago perfume
de jasmim.

CAFÉ

Desencarno arábias
de uma xícara morna
de café.
E um fio negro
me assedia a boca.

(Através da janela
o galho de pitanga
ostenta seu adorno
encarnado).

Viajo
pelo negror do pó:
Dar-El-Salam,
Bombaim,
Áden
(sem Nizan, sem Rimbaud):
as colinas ocres,
a poeira dos dias.

De onde vem o grão
dessa saudade?

Desentranho arábias
dessa xícara fria.
Enquanto aguardo o dia
que não chega.

Desacordo e sorvo
a sombra morna
do que sou
na borra
do café.

OS ENCOURADOS

A tarde chega.
A luz se dispersa:
quem anunciará a morte,
soltará o chicote,
abrirá a fresta?

Quem domará o espaço
entre o gume e a alma,
entre a cerca e a palma,
entre o assombro e a calma?

E dormirá no cio
de árvores cativas
ao solstício das pedras,
no despencar das sombras?
A tarde chega,
a luz se dispersa.
É uma luz de sede
do sol dos Inhamuns:
branca e calada.

Os encourados se miram
num horizonte de varas.
A copa é pequena:
na redondez dos cabos,
lâminas severas.

Nem palavras:
o vento soletra a mata,
converte-se em faca.
Sumida nos esteiros,
detida nas vazantes,
segue,
na garupa,
a sina dos instantes.

Adonde vosmecê,
alumia o sobrosso,
desmazelo do corpo?

A alma se estropia
nesses retirados
dentro dos Teus lustres...
A tarde chega.
A luz se dispersa.

E uma luz de sede
do sol dos Inhamuns:
branca e calada.

Ponto de cruz ou estrela:
uma rede bordada.

De Retábulo de Jerônimo Bosch (2009)

A MÚSICA

Para Isaac Duarte

Sem pedir licença,
insinua-se pelos cômodos,
invade os espelhos,
derrama suas jarras de luz.
Vejo-a
pelos canteiros da casa,
na nitidez dos bordados
de minha mãe,
no brilhar de tua íris
quando os deuses descem
para beber a insensatez
das águas.
Depois,
ela se transforma em seios,
goiabas,
espigas.
E nua, adormece,
enquanto a lua brinca
entre meus dedos
e lagartixas
passeiam pelas pedras do pátio...

A RUA DO PADRE INGLÊS

Na rua do Padre Inglês
um louco joga xadrez.

Joga o xadrez da desgraça:
uma sombra na vidraça
é o seu parceiro demente.

(Entre a dama e o cavalo,
corre um rio de afogados).

De sua cama, ainda quente,
um bafo de nicotina.
Vem um cheiro de latrina
da cela defronte à sua.

Na rua do Padre Inglês
um louco fala francês
com acentos de Baudelaire...

(O flamboyant encarnado
se mistura ao espetáculo
da esquizofrênica rua).

O bispo toma o cavalo
das mãos da dama de preto.
(São cinco horas da tarde:
as luzes se apagam cedo.)

Batente do meio-fio:
vem vindo a sombra da noiva,
sozinha, morta de medo.

(O louco avista das grades
as andorinhas azuis
que voam feito morcegos.)

Na rua do Padre Inglês,
um cheiro de gasolina.

{O louco engendra seu mate
contra a sombra na vidraça.}

São cinco em ponto da tarde
(cinco de Ignacio Mejías,
pensa o louco em sua cela)
— dos girassóis de Van Gogh
à solidão amarela...

O cavalo solta as crinas,
a noiva voa na rua
e nas vozes de um menino
acordes de um violino.

O louco sabe que o tempo
de dormir já vem chegando...

(Corujas soltas na cela
bicam as flores de papel
e uma boneca de pano).

Corre, corre, vem depressa,
Que a noite já vem chegando!

Na rua do Padre Inglês
um louco joga xadrez...

TRISTÃO

Em pé, ao sol e ao vento do sertão,
ele não se decompôs.
Pedro Nava (Baú de Ossos)

As palavras no alforje. E o rosário,
a escorrer das penas e dos dias.
O azul da barba lembra uma paisagem
onde campeiam cabras. E ramagens
desatam-se em sombras nas janelas.
A morrinha dos bichos. O mormaço,
trazendo o desespero, em vez de março:
um luto atravancando as taramelas.
A sela desapeada. E na garupa
do cavalo, a sentença das esporas.
Pendentes dos estribos, estão as horas,
relampejos de facas. E o sono da jurema.
O braço descarnado, o giz dos dentes,
e o olho além do corpo do poema.
No chão do meu degredo, sempre chão,
sete frases do ofício e um bordão.

SONETO I

Agonizavam os rastros de novembro.
E os meus ossos, cansados das neblinas,
doíam, no concerto das esquinas
da cidade, onde um dia, ainda me lembro,

penetrou-se de escuro a minha alma,
quando um cão, a ladrar contra o sol-posto,
mordeu o lado oculto do meu rosto
e deixou seus sinais à minha palma.

Lembro-me que era de tarde. Ainda chovia.
O eco dos espelhos conduzia
meus passos que jaziam pelas ruas.

Havia o som da água que caía.
E no horizonte, além da agonia,
um cemitério de meninas nuas.

TUA FALA

Tua fala parecia
uma rede de varandas,
branca,
no meio da sala.

(Uma coisa que envolve
e, ao mesmo tempo, se esquiva):
gesto seco de uma chama,
morrendo,
e sempre mais viva.

Era assim, tua palavra:
escorreita, sem medida.
Falas como pés descalços,
presos à relva macia.
Ou um cheiro de curral
quando a manhã principia.

(Tua fala parecia
a rede, toda bordada,
onde a noite amanhecia).

De A Rua do Padre Inglês (2006)
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Fontes:
Everardo Norões
• "Café", "Corpo", "Os Encourados"
Retábulo de Jerônimo Bosch 7Letras, Rio de Janeiro, 2009
• "A Música", "A Rua do Padre Inglês", "Tristão", "Soneto I", "Tua Fala"
A Rua do Padre Inglês 7Letras, Rio de Janeiro, 2006
Carlos Machado poesia.net

Everardo Norões (1944)



Natural de Crato, Ceará, o economista, poeta e crítico literário Everardo Norões (1944-) é um homem do mundo: viveu na França, Argélia e Moçambique e hoje está radicado em Recife. Estreou com o volume Poemas Argelinos, de 1981. Depois, publicou Poemas (2000); Nas Entrelinhas do Mundo (2002); A Rua do Padre Inglês (2006); e Retábulo de Jerônimo Bosch (2009). Norões escreve artigos e crônicas para jornais e também se exercita na criação teatral. É co-autor das peças Auto das Portas do Céu e Nascimento da Bandeira, de Ronaldo Correia de Brito.

Everardo Norões tem também seu nome ligado ao do poeta e engenheiro pernambucano Joaquim Cardozo (1897-1978). Ele organizou a obra completa de Cardozo, que acaba de sair pela editora Nova Aguilar.

Norões é um poeta de dicção marcante. Não é possível passar impune pelos seus livros. Ora, ele nos captura atenção e emoção com o agreste de versos desabridamente nordestinos: "E na garupa / do cavalo, a sentença das esporas. / Pendentes dos estribos, estão as horas, / relampejos de facas. E o sono da jurema" ("Tristão"). Esses versos têm a mesma pisada seca que se ouve em "Os Encourados": A tarde chega, / a luz se dispersa. / É uma luz de sede / do sol dos Inhamuns: / branca e calada".

Mas, afinado em outro diapasão, o lirismo de Everardo Norões também nos aparece cantante e melodioso, como no breve poema "Corpo" ou em "Tua Fala": "Tua fala parecia / a rede, toda bordada, / onde a noite amanhecia". Obviamente, o ritmo aí é ainda bem nordestino, porém marcado por um recorte íntimo, que passa longe da secura dos agrestes.

Há ainda uma terceira face do poeta cratense, que é aquela bafejada pelos ventos do mundo. Entre os poemas mostrados aqui, ela se manifesta especificamente em "Café". Ali se percebe o cruzamento das experiências pessoais e leituras do poeta com a sua sensibilidade lírica. Como um Proust, ele extrai de uma xícara de café (menos do aroma que da cor) um conjunto de sensações e divagações nostálgicas. "De onde vem o grão / dessa saudade?"

Fonte:
Artigo de Carlos Machado poesia.net

Nilto Maciel (Caderno de Poesias)


Dor

Não tenho mal nenhum, senhora minha,
como se fosse puro, imaculado,
como se fosse um anjo, um serafim,
como se fosse deus, imune à dor.

Eu nada sinto, dor nenhuma tenho,
quer na cabeça, quer no amargo peito.
Não tenho mal nenhum, senhora minha,
perfeitamente são me sinto e puro.

Se existe mal em mim, se existe dor,
é a de morrer tão cedo, a pleno sol,
envelhecer como qualquer mortal.

E a dor maior, minha senhora bela,
é dentro d'alma, bem profunda e aguda,
a dor chamada angústia, a dor de ser.

Possessão

Nada é meu,
nem a vida,
que é minha.

SÍSIFO

Para Cátia Silva

O meu destino é semelhante àquele
imposto ao legendário rei coríntio,
que carregava ao ombro para o monte
pedra que despencava em avalancha.

Buscava novamente a rocha bruta,
subia o monte e, mal chegava ao cimo,
de suas mãos sangradas escapava
o mineral, que ao solo retornava.

E assim jamais o seu suplício ao fim
chegava, mesmo exausto, quase morto.

O meu suplício é semelhante ao dele
- a cada “não” que tu me dizes, subo
minha montanha, carregando pedras,
que se desprendem de meus ombros, rolam
ladeira abaixo, e volto a ti, pedinte.

E tu de novo dizes “não”, sorrindo.

Apanho minha rocha, subo o monte.
Se conseguir chegar ao cimo e lá
deitar a pedra, ao chão fincá-la, o “sim”
de ti terei; porém fui condenado
a carregar meu fardo vida afora
e vê-lo escorregar pelas escarpas.

E quando quase morto me encontrar,
sabendo, embora, que somente “não”
a mim dirás, ainda assim direi:
“Melhor este suplício, a ser feliz
longe dos olhos teus, vizinho à morte”.

SONETO CREPUSCULAR

Para Francisco Carvalho

Nos campos de meu pai antigamente
as chuvas inundavam meus pensares
e do pomar do céu pingavam frutos.

Ventos ninavam aves repousadas
nas árvores vigias de seu sono,
sentinelas da luz crepuscular.

As ovelhas baliam suas crias,
os vaga-lumes alumbravam tudo
e a solidão das vacas nos currais.

Duendes se assustavam co’os trovões.
Na escuridão dos quartos o perfume
do amor gemente à sombra dos lençóis.

Invernos que de mim se evaporaram
nos campos de meu pai antigamente.
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Fonte:
Jornal de Poesia.

Nilto Maciel (O Ouro de um Pobre-Diabo)


Passei toda minha longa vida imaginando riquezas, sonhando tesouros e prêmios lotéricos. Vivia numa pobreza de causar dó. Trabalhava feito um desgraçado. Cometi mil pequenos erros, de tanto querer escapar à má sorte. Embriagava-me, jogava dados, batia na mulher e nos filhos. Terminei por abandoná-los. Vagueei pelas ruas, por vilas e cidades, sempre em busca de dinheiro, muito dinheiro, fortuna.

Já velho, cansado, doente, resolvi parar. O destino não me queria rico. Restava trabalhar, pedir, roubar migalhas. E esperar a morte. A mais miserável morte.

Uma noite, deitado numa esteira, eu fazia um balanço de minha vida. E olhava para um buraco no teto. Talvez visse estrelas e seu brilho distante, infinito.

Absorto, senti cair sobre meu peito um pequeno objeto. Assustado, ergui-me. A coisa rolou para um lado. E tiniu. Parecia uma moeda. Dei um bote, agarrei-a. Trêmulo, aproximei dos olhos o brilho encantador do ouro. Sim, era moeda de ouro.

Ainda encantado, ouvi outro tinido no quarto. Arregalei os olhos, para não perder de vista um só instante do trajeto daquele maná. A rodinha rodopiou no chão e parou junto à parede. Ia eu apanhá-la, quando novo baque sucedeu. Olhei para o teto. Não vi mais estrelas. Em compensação, o buraco parecia entupido de moedas, que caíam lentamente, uma a uma.

Primeiro enchi os bolsos, a seguir sacos e sacolas. Cheguei a esvaziar a mala de roupas e pequenos objetos de uso pessoal. Imaginava fugir dali, tão logo caíssem todas as moedas. Com certeza haviam sido roubadas e escondidas no telhado da casa.

Porém não consegui fugir. Pois, abarrotados bolsos, sacos e mala, continuaram a cair moedas. E cada vez com mais intensidade. Decidi, então, sentar-me a um canto e simplesmente observar o espetáculo.

Acumulavam-se moedas no chão. E eu maravilhado, sem mais nenhum pensamento, a não ser o de estar finalmente rico.

No meio da noite, já todo o chão se cobrira de moedas. E eu passeava, sonolento, de um lado para outro, a pisar, orgulhoso, minha incalculável riqueza. Olhava de vez em quando para cima. O buraco expelia ouro, sem parar.

Pela madrugada, senti sono e cansaço, e recostei-me à porta. Acordei já de manhã. Um peso enorme parecia me sufocar. Eu devia estar sentado. As moedas chegavam à altura do pescoço e todo o quarto cheirava a ouro e brilhava como um sol.

Tentei desenterrar-me. Nem sequer consegui arrancar as mãos do monte de moedas. E do teto mais e mais ouro escorria.

Apavorei-me. Se aquilo não parasse logo, eu poderia morrer sufocado. Pus-me a gritar, ao mesmo tempo que fazia força para me soerguer.

Quando conseguiram entrar no quarto, minha alma já havia sumido.

Fontes:
Jornal de Poesia.
Imagem = Montagem sobre desenho (mendigo) de Souzacampos

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Charles Bukowski (Conversa às 3h30 da madrugada)


às 3h30 da madrugada
uma porta se abre
e há passos na entrada
movendo um corpo,
e uma batida
e você repousa a cerveja
e responde.

com os diabos, ela diz,
você não dorme nunca?

e ela entra
com rolos no cabelo
e num robe de seda
estampado de coelhos e passarinhos

e ela trouxe a sua própria garrafa
à qual você gloriosamente acrescenta
2 copos;
o marido, ela diz, está na Flórida
e a irmã manda dinheiro e vestidos para ela,
e ela tem estado procurando emprego
nos últimos 32 dias.

você diz a ela
que é um cambista de jóquei e
um compositor de jazz e de canções românticas,
e depois de alguns copos
ela não se preocupa em cobrir
as pernas
com a beira do robe
que está sempre caindo.

não são pernas nada feias,
na verdade são pernas ótimas,
e logo você está beijando uma
cabeça cheia de rolos,

e os coelhos estão começando a
piscar, e a Flórida é longe, e ela diz
que não somos realmente estranhos
porque ela tem me visto na entrada.

e finalmente
há muito pouca coisa
para dizer.

(Tradução de Roberto Schmitt-Prym)
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Charles Bukowski nasceu na Alemanha, filho de um soldado americano, ainda criança foi para os EUA. Teve problemas com alcoolismo e, apesar de ter realizado estudos superiores em literatura e jornalismo, trabalhou como frentista, ascensorista e motorista de caminhão. Começou a escrever poesias aos 15 anos, em 1935, mas seu primeiro livro saiu apenas 20 anos depois. Em 1962, estreou na prosa, caracterizada pela mistura de vida pessoal na literatura. Apenas em 1970 Bukowski deixou seu último emprego "comum", o de funcionário do correio, para se dedicar exclusivamente à escrita. Moreu em 1994 aos 73 anos.
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Fontes:
Máquina do Mundo – Revista de Poesia.
Imagem = http://www.simplesmentepoeta.hpg.ig.com.br/

Emilia Barbès (Conversa)


A senhora já teve alguém da família preso? – ia perguntar, na primeira chance.

Podia ser quando ela entrasse na cozinha para pedir alguma coisa ou beber água e ficasse por ali puxando conversa, comentando alguma notícia. Às vezes dava para começar uma conversa assim comentando notícia, e eu contava tudo, se desse tempo.

Dizia primeiro que há uns seis meses tinha ido à cadeia pública. Um filho meu ficou preso vinte dias. Fui lá dois domingos para vê-lo e levar frutas. Não, não comprei frutas – levei biscoitos e cigarros e outras coisas. Não me lembro. Quando cheguei, vi logo que estava exasperado. Atirou num homem num baile; não matou, a bala passou de raspão. Nem sabia que ele tinha arma. Disse que em outro baile o sujeito tinha dado um tapa na cara dele e fugido na confusão. Que confusão? Um tapa na cara, ficou apanhado. Esse meu filho tem 23 anos.

Fui aqueles dois domingos para a fila. Tinha muitas mulheres, quase só mulheres. Jovens, velhas, meia-idade, tudo com sacola na mão, caladas, conversando, umas já conhecidas das outras, falando, falando. Nunca senti tanta vergonha de ser mulher, de ser mãe, de estar ali com aquelas outras todas, carregando coisas para amenizar o malfeito dos outros. E depois raiva, uma raiva que dava vontade de largar aquela sacola e ir andando sem rumo.

Pensava na distância grande até em casa, mas não podia me ver caminhando na cidade como num descampado, sem ponto final definido, sem parar para esperar os carros. Queria mesmo era andar sem rumo e sem paradas - num descampado - andar muito, até ficar meio grogue, sem sentir os pés, com uma moleza, sem saber de dia, de noite, do tempo desgraçado que fazia, ou muita chuva, ou pouca, sol fraco, sol escaldante, vento frio, mormaço, não consigo me lembrar. Como o tempo aqui é assim, talvez nem estivesse chovendo, não levava sombrinha, ou carreguei a minha pequena, por hábito, dentro de uma das sacolas. Tinha duas. Sacolas, quero dizer. Todas de plástico, do supermercado. Não, eram quatro, uma por dentro da outra, de reforço. Cheguei lá para entregar as coisas. Não teve muita conversa. Vi a vergonha dele. Vergonha da burrice, da cavilação. Comprou o revólver, ficou esperando o baile três semanas. Agora que está solto tem dificuldade de arranjar emprego por conta da ficha suja na polícia. Na época do tiro trabalhava, arrumou dinheiro, comprou arma, passou dias remoendo a raiva, fermentando. Gostaria de bater nele, dar uns tapas, sacudir pelos ombros, beliscar os braços, puxar os cabelos, torcer os dedos.

Vingança burra; se pegasse, miserável, quem perdia os melhores dias? Pro morto, nada mais conta: toda a merda ia ficar contigo mesmo. Essa sujeira. Não pelo resto da tua vida, mas bem pelo resto da minha, miserável. Não, queria que pelo resto da tua mesmo, o resto dos teus dias desgraçados, sem entendimento, remoídos, burros. Quem sabe aprendia alguma coisa nessa porcaria.

Se ela me perguntasse, sim, eu gostaria de ter dito. Não disse nada. Só as coisas habituais: “Oi, filho?”, eu disse. “Trouxe umas coisinhas aqui pra você”. Dei notícias de casa, as desculpas dos que não podiam visitá-lo, não permitiam a família toda - nem me lembro. Sei que não queriam, nenhum queria fazer visita em cadeia, o pai não quis, os irmãos não iam estragar a folga do domingo: vai você, mãe. Não disse. Dei as saudações, as lembranças, falei de um churrasco que o irmão mais velho queria dar quando ele saísse, seria logo sua saída. E ia sentindo minha falta de pena. Até enxergava a vergonha dele, exasperado, ignorante, o rosto mais fino, como se fosse magro e era forte. Mas pena, compaixão, dó de mãe, não consegui. Ali, durante a conversa, a raiva foi mudando, assentando. Eu olhava para ele, falava, agia tudo como mãe, mãe zelosa do filho; quero dizer, de sua maneira particular, levando coisas, falando, sem muitos afagos, mas com os cuidados, os cumprimentos etc. Mas de mim ele estava muito apartado. Depois, em casa, a distância foi diminuindo.

Penso agora que se dividiu pelos outros filhos. Toda vez que faço coisas por eles, um favor, uma atenção a mais, qualquer espécie de agrado, de ajuda, desconfio. Acho que é assim, um sujo num canto difícil de limpar, a gente olha aquele lugar, tenta, tenta, tenta, cansa, desiste, esquece. Depois vê de novo, tenta de novo, pensa até que melhorou e a sujeira acaba se entranhando, já faz parte daquele canto. Se der, falo. Será que falo mesmo? E ela escuta tudo ou me interrompe, faz perguntas? A senhora nunca vai conhecer meu filho, - podia começar.
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Emília Barbès nasceu em Belém do Pará em 1962. Formou-se em Química pela Usp em 1985 e pouco depois casou-se com um empresário canadense. No exterior, morou em Ottawa, Boston, Copenhagen e Vevey (Suíça). Divorciou-se e voltou para São Paulo, onde trabalha com educação infantil polilinguística. Começou a escrever recentemente.
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Fontes:
Cronopios – Literatura e Arte em Meio Digital.
Silvia Caroline.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Trova 112 - Manoel Martins de Oliveira (Juiz de Fora/MG)

Valdecy Alves (Canto ao Ceará)


Poesia selecionada para coletânea do XII Prêmio Ideal Clube de Literatura. Obra lançada no dia 21 de janeiro de 2010.

Não sou amigo de Homero
Nem sou parente de Dante
Licença, pois vou adiante
Com nada me desespero
Virgílio me inspira, eu quero
Apoio me dá Camões
Vieira com os seus sermões
E a força de Patativa
Vem Cego Aderaldo e ativa
Razão, sentir, emoções

Com todas as forças penso
Minha mente um reboliço
Protege-me Padim Ciço
Benção de Beato Lourenço
Meu pensar fica então denso
Avisto Frei Damião
Ibiapina dá-me a mão
Enfrento universo inteiro
Ao meu lado Conselheiro
Dos deuses a proteção

Das páginas da Iracema
As brisas da inspiração
E da Normalista, então
O real invade o tema
E de Galeno o Poema
De Raquel a força bruta
Do Quinze que o país enluta
Reforcem minha criação
Fogo à imaginação
Que brote poesia astuta

Paisagem bela e lunar
Na praia de Morro Branco
Vou-lhe confessar sou franco
Jericoacora não há
Igual éden, duna e mar
Serras de Baturité
E de Araripe da fé
Chapada da Ibiapaba
No alto o Ceará se acaba
Ao infinito onde der!

Corre o Rio Jaguaribe
Atravessando o sertão
Em tempos de sequidão
Artéria que não se inibe
Produz riqueza e PIB
Ao norte o Acaraú
Com o Rio Coreaú
São construtores da vida
Às suas margens o homem lida
Irrigando o solo nu

Tem a gruta de Ubajara
Os casarões de Icó
Crato, florestas que só
As dunas que o vento apara
Seco sim, mas não Saara
Lugares dos mais insólitos
Tem Quixadá dos monólitos
Tem mar, serra e sertão
Mulheres belas que são
Senhoras de homens acólitos

Ceará de sol intenso
Nas praias bronzeador
Carrasco no interior
Pai da seca e calor denso
Do sertão sem fim, imenso
Pátria do mandacaru
Banha-o a bica do Ipu
Tem único e ímpar luar
Carnaubais a dançar
Sob céu sem igual azul

Ceará doce Ceará
Do corajoso vaqueiro
Da praia do jangadeiro
Do artesão, renda e cantar
De repentistas a criar
De grandes compositores
Paraíso de escritores
Tapioca e rapadura
Que leva o turista à loucura
Com seu povo, o belo e cores...

Mesmo o cidadão que emigra
Pro Norte ou Sul do país
Kafka eterno infeliz
A distância causa intriga
Mesmo a miséria inimiga
Não o separa da terra
Que seu alicerce encerra
Sempre sonhando voltar
Com vida ou pra se enterrar
Nada atrapalha ou emperra

Tão grande amor instintivo
Não há maior sentimento
O voltar melhor momento
O partir fá-lo inativo
E da saudade cativo...
No Ceará o forasteiro
Seja rico ou sem dinheiro
Que resolve nele morar
Atesta no paraíso estar
O melhor do mundo inteiro!
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Valdecy Alves


Nascido na cidade de Senador Pompeu (CE), terra natal do grande escritor Moreira Campos, mora em Fortaleza, terra da luz.

É poeta, dramaturgo, cineasta e advogado especialista em Direito Constitucional..

Participou da fundação de inúmeros jornais e revistas literárias tanto no Ceará, como no Estado de São Paulo.

Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB Ceará durante 8 anos, foi advogado da Cáritas em Senador Pompeu (CE), advogando em várias áreas do direito.

Atualmente tem escritório em Fortaleza Ceará, assessorando vários sindicatos de servidores municipais tanto em Fortaleza, quanto no interior do Estado Ceará. Atuando como consultor e parecerista para todo o Brasil.

Livros

SEU SEVERINO (romance)
O MARITICÍDIO (romance)
ENCANTADO (romance)
O SONHO TEM ASAS PARA O INFINITO (romance)
O PODER, O IDEAL E A MISÉRIA (romance)
TRAVESSIA (romance)
EROSÃO (poesias)
A BESTA FERA DE 32 – Cordel
DIREITOS HUMANOS EM CORDEL - 2004
A DIVINA COMÉDIA EM CORDEL – 2004 Igualdade Mulheres e Homens – Cordel – 2005
EMBRIONÁRIA – 2006. HISTÓRIA, Lei Maria da Penha em Cordel, : ENCICLOPÉDIA DE SENADOR POMPEU.

FILMOGRAFIA:

São Paulo 2080 (Festival Guarnicê)
Senamorpoemeu
Um Grito No Caos
Orvalho Negro (premiado em São Paulo)
Infimus
Um Carrasco Deve Ser Coerente (festival mundial do minuto)
A Ponte
O Novo Deus
Albino Donat
Solidão
Guardiões do Tempo e da História
Etc.

Produziu, montou escreveu e dirigiu várias peças teatrais, uma delas “Ondas Secas” muito premiada no Estado do Ceará. De sua autoria foi montada em 2009 a Tragédia de 32, tratando do Campo de Concentração da Seca de 32 em Senador Pompeu - Ceará.

Fonte:
http://www.valdecyalves.blogspot.com/

Frei Betto (Passeio Socrático)


Ao viajar pelo Oriente, mantive contatos com monges do Tibete, da Mongólia, do Japão e da China. Eram homens serenos, comedidos, recolhidos, e em paz nos seus mantos cor de açafrão...

Em outro dia, eu observava o movimento do Aeroporto de São Paulo: a sala de espera estava cheia de Executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomado o seu café da manhã em casa; mas, como a companhia aérea oferecia outro café, todos comiam vorazmente.

Aquilo me fez refletir: “Qual dos dois modelos vistos por mim, até aqui, realmente produz felicidade?”.

Passados alguns dias, encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: “Não foi à aula?”. E ela me respondeu: “Não. Eu só tenho aula à tarde”. Comemorei: “Que bom! Isto significa, então, que, de manhã, você pode brincar, ou dormir até mais tarde!....”. “Não!”, retrucou-me ela, “tenho tanta coisa a fazer, de manhã...”. “Que tanta coisa?”, perguntei. “Aulas de inglês, de balé, de pintura, piscina”, e começou a elencar seu programa de garota robotizada...

Fiquei pensando: “Que pena! A Daniela não me disse: “Tenho aula de meditação”. Vê-se que estamos construindo super-homens e super-mulheres, totalmente equipados, mas, emocionalmente infantilizados.

Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo... Mas, preocupo-me com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos. Alguns perguntaram “Como estava o defunto?”. E outros responderão: “Olha..., uma maravilha, não tinha uma celulite!”...

Mas, como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?

Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação, porém, de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual. Somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. E somos também eticamente virtuais...

A palavra hoje é “entretenimento”. Domingo, então, é o dia nacional da imbecilização coletiva. Imbecil, o apresentador; imbecil, quem vai lá e se apresenta no palco; imbecil, quem perde a tarde diante da telinha... E como a publicidade não consegue vender felicidade, ela nos passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: “Se tomar este refrigerante, calçar este tênis, usar esta camisa, comprar este carro..., você chega lá!”.

O problema é que, em geral, “não se chega”! Pois, quem cede a tantas propagandas desenvolve, de tal maneira, o seu desejo, que acaba precisando de um analista, ou de remédios. E quem, ao contrário, resiste, aumenta a sua neurose.

O grande desafio é começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: a amizade, a autoestima e a ausência de estresse.

Mas há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno.. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um Shopping Center. É curioso: a maioria dos Shoppings Centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles, não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de “missa de domingo”. E ali dentro se sente uma sensação paradisíaca: não há mendigos, não há crianças de rua, não se vê sujeira pelas calçadas...

Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno: aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se vários nichos: capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Mas, aquele que só pode comprar passando cheque pré-datado, ou a crédito, ou, ainda, entrando no “cheque especial”, se sente no purgatório. E pior: aquele que não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno...

Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer do McDonald...

Por tudo isto, costumo dizer aos balconistas que me cercam à porta das lojas, que estou, apenas, fazendo um “passeio socrático”.. E, diante de seus olhares espantados, explico: “Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia: Estou, apenas, observando quantas coisas existem e das quais não preciso para ser feliz!".

Fontes:
Colaboração de Maria Inez (Mifori)
Imagem = http://gabiru.info/

Pedro Ornellas (O Ébrio)

Foto do filme "O Ébrio"
Curtindo o efeito da malvada pinga,
cantando vai pela deserta rua...
Do mundo mau que o desprezou se vinga
fazendo um show bizarro à luz da lua!

Um sonolento abre a janela e xinga,
menciona a mãe e ele responde: “É a tua!”
gargalha e chora... e grita... e dança... e ginga...
e deita e dorme na calçada nua...

Já foi homem de bens, hoje um mendigo
que teve um dia a lhe mudar a história
uma mulher traidora e um falso amigo...

Que força estranha encerra um desengano:
pode impulsar um homem à vitória
ou transformá-lo num farrapo humano!
----------
Fonte:
Colaboração do Autor.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Denise Emmer (Caderno de Poesias)


O MEU ESTRANHO AMOR

Um espectro que passa enquanto chora
Por minha ausência ele se consome

E quando chega vem como quem some
E bate as asas universo afora

É o meu estranho amor que longe mora
E dorme no altar da cabeceira

Quando me ama arde sem fogueira
Para partir na arca da memória

Foge com o sol e leva nossa estória
Tão docemente me acena uma vertigem

Sequências de montanhas impossíveis
Escarpas adversas giratórias

Quando ele chega o mundo é uma sala acesa
O seu sorriso ofusca a cena da aurora

Não tarda ele se cala e vai embora
Para morar na plácida tristeza.

O BEIJO

Levou-me sem feitas frases
Somente passo e camisa
Roubou-me um beijo de brisa
Na quadratura da tarde

Jogou-me contra a parede
Rasgou-me a blusa de linho
Roubou-me um beijo de vinho
Diante das aves vesgas

Puxou-me para seu fundo
Rompeu a rosa pirâmide
Roubou-me um beijo de sangue
E bateu asas no mundo.

VIAS AVESSAS

Chegas por vias avessas escuto teus passos surdos
Deuses que movimentam a incoerência do mundo
Regem relógios quietos de horas que não existem
Feliz a insanidade das multidões irascíveis

Se há mares em teus abraços mergulho em sóis afundados
Decifro a nova linguagem que inutiliza tratados
E despedaça países fundidos em calmarias
O amor desgoverna os ventos assombros em abadia

Viajo os rumos trocados as ruas que se invertem
Distâncias que se encontram pernas que se perseguem
Olhos que confabulam dentro de rios quentes
Percebo outras cidades nos vãos de uma nova lente

O que me faz alcançar as caravelas aéreas
Andaimes velozes cumes a indizível matéria
São teus incêndios a luz que espalhas pelo Universo
E por meu corpo acendendo meus lampiões submersos.

À NOITE

A noite ela se embriaga
e vai bailar nos espaços
usando um traje de pássaros
viaja para o infinito

abro a janela do mundo
e já não vejo seu rastro
me leva lagoa lua
à grande festa das águas

em que outra madrugada
esconderás teu espelho

nas esquinas que não vejo
onde a noite vira asa?

OS ANIMAIS QUE MORREM

Os animais que morrem
viram luzes
assombros tão pequenos
entre escuros
espectro sereno
sobre muros

os animais que morrem
são futuros.

SINAL DE ALERTA

Faça a noite que faça
as fábricas soltam fumaça
e como avistar quem passa
através de um claro vidro?

Os operários levitam
seus espíritos vencidos
ao cume das chaminés;
que flutuam ente os telhados
marés de moços causados
qual uma cinza tristeza.

E esta pálida natureza
vai colorindo de morte
os jardins de nossos filhos
os fios de nossos pássaros.

E enquanto as mulheres abraçam
crianças de olhos fundos
vão se calando o mundo
como um velho homem com tosse.

Tão curvado e solitário
um moribundo canário
canta a manhã da cidade
que a todo dia reage.

AS GALÁXIAS

As galáxias
se expandem
e nem ouvimos
seus gritos

os labirintos
se aprofundam
sem que saibamos
seus números
esperamos
que um cão azul
decifre
o infinito

e que nos esclareça
a álgebra
do abismo

a lógica
do insondável

a física
do ilimitado.

Por que é tão dramática
a visão de um céu estrelado?

NOITE MAGA

Andei contigo nas dunas
Nas páginas das areias
Pensei avistar sereias
Mas eram sóbrias escunas

E ao perguntar quem eras
O mar moveu seus navios
Olharam-se as éguas no cio
Voaram fêmeas sem sela

Enquanto me assombravas
Os sais trocavam segredos
Abraçava-me com medo
Torpor, o que me falavas

Então comecei morrer
Por rua mão de veludo
Que me levava entre surdos
No tênue amanhecer

Desmanches de beijo e vício
Aroma de folha e chuva
Teu sorriso atrás da curva
Na ponta do precipício

Longe vai a noite maga
Em seu palácio estranho
Não te decifro és sonho
A povoar minhas águas.

DA MORTE

Os mortos não sobem aos céus
nem elevam-se abstratos
tornam-se apenas retratos
lado a lado nas paredes.

Retrato do avô imóvel
austero e silencioso
do tio tuberculoso
que esquivo me espia.

A avó já está fria
mas me olha com ternura
tece uma colcha escura
para as bodas da família,

Mortos não sobem trilhas
de inconsistentes arranjos
não viram anjos nem brisas
nem cristos nem assombrados.

Sequer passam dos telhados
sequer vão a outros mundos
quando morrem se enraízam
e se alastram é pelos fundos.

Não lhes peço algum milagre
também não lhes rogo bênçãos
de dentro de seus quadrados
não podem mover o Tempo.

Quadros em salas quietas
emoldurados cinzentos
memória em fragmentos
— as vezes nem lhes percebo.

TARDE NO MAR

Tarde e moleza marolas e mascavo
Nada suponho nada sei nada respondo
Não sei o nome do mundo
E seu patrono

Leio jornais em branco folhas velhas
Cartas passadas notícias reviradas
Do que me valem as novas utopias
Se o que me traz o mar
É uma garrafa vazia.

NAVIOS

Venho ao cais esperar navios
Sucedem-se as altas vagas
Aceno sinais de estio
Às vesperas adiadas

Te aguardo e quando te espreito
Arrastam-se os segundos
O vento esticou o mundo
Nos cárceres dos estaleiro

Passam veios, horas largas
Nenhum sinal de teu fardo
Busco-te a cada entrada
O que me passas - passado.
---------------------

Fontes:
Teatro dos elementos, 1993
Cantares de amor e abismo, 1995
Canções de acender a noite, 1982
O Inventor de enigmas, 1998
Lampadário, 2008

Denise Emmer


Denise Emmer Dias Gomes Gerhardt (Rio de Janeiro,mais conhecida como Denise Emmer, é uma poeta, compositora, cantora, violoncelista e escritora brasileira.

Filha dos escritores Janete Clair e Dias Gomes, tornou-se primeiramente conhecida por temas musicais compostos para personagens das telenovelas,tais como "Pelas muralhas da adolescência", Bandeira 2, e "Alouette", Pai Herói, "Companheiros",Sinhá Moça,entre outros, alcançando depois, reconhecimento pela sua vasta e premiada produção poética.

É violoncelista da Orquestra Rio Camerata.

Biografia

Denise começou a compor aos 10 anos, e ainda no colégio fazia composições em português arcaico, como Galvan el gran cavalero e Aquestas mañanas frias.

Estudou piano clássico e formou-se em física. É pós graduada em filosofia ( especialização-lato-sensu) pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Graduou-se também em violoncelo pelo Conservatório Brasileiro de Música(bacharelado), sob a orientação do violoncelista Paulo Santoro.

Carreira musical

Na década de 1970, compôs vários temas para telenovelas da Rede Globo, como "Pelas muralhas da adolescência" (para Bandeira 2); "Tema verde" (para Assim na Terra como no Céu); "O amor contra o tempo" e "Montanhês" (para Bravo!); "Pedra de ouro" (para O Pulo do Gato) e "Alouette" (para Pai Herói).

O compacto simples "Alouette", lançado em 1980 (um ano depois da novela), vendeu mais de 300 mil cópias, o que rendeu a Denise o Disco de Ouro e o reconhecimento público, participando de vários programas de televisão, como o Fantástico. Essa canção seria incluída posteriormente na coletânea Belle France, da Globodisc, além de uma versão instrumental no compacto duplo que incluía "Chocolat", "Jardineiro" e "Sândalus", todas de Denise e com solo de flauta doce da própria compositora.

Na década de 1980, foi assistente de Waltel Blanco na produção de trilhas sonoras de novelas e seriados, como O Bem-Amado e Quarta nobre.

O primeiro long playing veio em 1980, Pelos Caminhos da América, que continha composições suas ("Lavadeiras", "Boiadeiros do céu", "Garganta", etc.), de Milton Nascimento ("Minha cidade suja", sobre poema de Ferreira Gullar) e outras. O disco tinha arranjos do Grupo Água, com quem Denise se apresentou em show no Parque Laje, no Rio de Janeiro.

Em 1981 veio o LP Toda Cidade É um Pássaro, em que atuou como cantora e instrumentista. As canções eram todas suas. Em 1983 gravou o LP Canto Lunar, também só com canções suas. A canção-título seria, anos depois, gravada pelo grupo Tarancón.

Ainda na década de 1980, participou da trilha sonora de outras telenovelas da Globo: "Lavadeiras" foi para Coração Alado, de Janete Clair; "Cavaleiro do Rio Seco" foi para Voltei pra Você, de Benedito Ruy Barbosa; e "Companheiro" foi para Sinhá Moça, também de Benedito.

O LP Cantiga do Verso Avesso veio em 1992 e também era todo de canções próprias, algumas sobre poemas conhecidos, como "Soneto do amor nascendo" (Pedro Lyra), "Canção" (Ivan Junqueira), "Poema do cego, da noite e do mar" (Moacyr Félix). A canção "Cavaleiro do Rio Seco" foi homenagem ao compositor Elomar. O disco teve participação de Jacques Morelenbaum.

Em 1994, criou o grupo Trovarte, em que cantava acompanhada pelo violão de Beto Resende, a viola de Ivan Sérgio Niremberg e o violino de Ludmila Plitek. O grupo se apresentou na Academia Brasileira de Letras e na Casa de Cultura Estácio de Sá, entre outros palcos.

O CD Cinco Movimentos e um Soneto (1995) foi todo com poemas de Ivan Junqueira musicados por Denise, também com participação de Jacques Morelembaum em algumas faixas.

Ainda musicando poemas consagrados, Denise gravou, em 2004, o CD Mapa das Horas, no qual cantou e tocou violoncelo. O repertório inclui poemas de João Ruiz de Castelo-Blanco ("Partindo-se"), do século 15, Diogo Brandão ("Pois tanto Gosto Levais"), do século 16, e de autor desconhecido do século 15 ("Cantiga da Ribeirinha"). Os arranjos, de estilo medieval, tinham instrumentos como viola de gamba, alaúde, oboé, organeto medieval, etc. O disco foi lançado em show na Academia Brasileira de Letras.

Desde 2001 faz parte da Orquestra Rio Camerata, como violoncelista.

Carreira Literária

O primeiro livro de poesia "Geração Estrela" publicou precocemente, na adolescência, pela Ed. Paz e Terra,(1975). Coletânea essa organizada pelo poeta Moacyr Félix. Mas, foi nos anos oitenta que sua produção se destacou, e seguiram-se as demais coletâneas de poesia : "Flor do Milênio "Ed.Civilização Brasileira, "Canções de Acender a Noite", Ed Civilização Brasileira, "Equação da Noite" Ed Philobliblion, "Ponto Zero" Ed Globo, "O Inventor de Enigmas" Ed. José Olympio.

As excelentes críticas recebidas, tais como a do poeta, tradutor e acadêmico Ivan Junqueira (Folha de São Paulo) na qual afirma ser Denise "um dos maiores poetas de sua geração" e da romancista Rachel de Queiróz em prefácio de "Teatro dos Elementos"(1993), onde diz que "Ela pega das palavras seus elementos poéticos e faz deles um uso extremamente pessoal, inventa, recria, redistribui, suscita imagens absurdamente inesperadas e mágicas"...] e, sobretudo os prêmios recebidos de "Melhor Poeta Jovem" da UBE, e "José Marti"(Casa Cuba Brasil), deram a poeta incentivo para prosseguir sua fertil produção.

Na década de noventa publicou " Invenção para uma Velha Musa" Ed. José Olympio ( Prêmio APCA e Prêmio Olavo Bilac da ABL), "Teatro dos Elementos & Outros Poemas" e "Cantares de Amor e Abismo" Ed 7letras. As críticas e prefácios de nomes de relevância intelectual como Olga Savary, Nelson Werneck Sodré, Pedro Lyra, Alexei Bueno, entre outros, foram de grande importância para a sua carreira, e Denise voltou-se então para o romance publicando então dois títulos : "O Insólito Festim" Ed. Nova Fronteira(Prêmio Nacional de Literatura do PEN Club do Brasil), e " O Violoncelo Verde" Ed. Civilização Brasileira.

Após um hiato de mais de dez anos, quando dedicou-se ao estudo do violoncelo, publicou "Poesia Reunida" Ediouro,2002, "Memórias da Montanha", Ediouro,2006 e recentemente "Lampadário", Ed7Letras,2008, que recebeu o "Prêmio Cecília Meireles de Poesia" (da União Brasileira de Escritores). Além de participar de antologias poéticas como "41 Poetas do Rio",(Ministério da Cultura - organização Moacyr Félix-1998),"Antologia da Nova Poesia Brasileira" (Ed.Hipocampo/Fundação Rio Arte/Prefeitura do Rio de Janeiro-1992) "POESIA SEMPRE" (-ano -I- NÚMERO 2 -Fundação Biblioteca Nacional - 1993) e periódicos tais como : "Jornal de Letras", entre outros, teve recentemente seus poemas publicados na "Revista Brasileira" da Academia Brasileira de Letras n.56, em setembro de 2008.

Seu mais recente livro Lampadário acaba de obter o Prêmio ABL de Poesia 2009.

Prêmios

**Prêmio Guararapes de Poesia, UBE,1987.
**Prêmio União Brasileira de Escritores - melhor autor jovem - 1988
**Prêmio Nacional de Literatura do PEN CLUB do Brasil, poesia, (Prêmio Luiza Claudio de Souza) Poesia, 1990
**Prêmio APCA , poesia (Associação dos Críticos de Arte), 1990
**Prêmio Olavo Bilac, poesia( Academia Brasileiras de Letras), 1991
**Prêmio José Marti de Literatuira - Conjunto de Obra - Casa Cuba Brasil, 1995
**Prêmio Nacional de Literatura do PEN CLUB do Brasil, romance,(Prêmio Luiza Claudio de Souza), 1995
**Prêmio Alejandro José Cabassa (UBE) romance, 1995
**Prêmio Yeda Schmaltz (UBE) , poesia, 2002
**Prêmio José Picanço Siqueira(UBE) Memória Romanceada, 2007
**Prêmio Cecília Meireles de Poesia (UBE) , 2008
**Prêmio ABL de Poesia 2009 (Academia Brasileira de Letras)

BIBLIOGRAFIA

POESIA

*Geração Estrela- Rio de Janeiro, Ed Paz e Terra 1975 (orelha Moacyr Félix)
*Flor do Milênio – Rio de Janeiro, Ed Civilização Brasileira, 1981. (prefácio Moacyr Félix)
*Canções de Acender a Noite – Rio de Janeiro, Ed Civilização Brasileira, 1982. (Prefácio Paes Loureiro)
*A Equação da Noite – Rio de Janeiro, Ed Philobiblion, 1985. (Prefácio Pedro Lyra)
*Ponto Zero – Rio de Janeiro, Ed Globo, 1987. (Prefácio Antônio Houaiss e posfácio Olga Savary)
*O Inventor de Enigmas – Rio de Janeiro, Ed José Olympio, 1989. (Prefácio Ivan Junqueira)
*Invenção para uma Velha Musa – Rio de Janeiro, Ed José Olympio, 1990. (Prefácio Nelson Werneck Sodré)
*Teatro dos Elementos & Outros Poemas – Rio de Janeiro, Ed 7Letras, 1993. ( Prefácio Rachel de Queiroz) –
*Cantares de Amor e Abismo Rio de Janeiro, Ed 7Letras, 1995. (Prefácio Carlos Emílio Corrêa Lima)
*Poesia Reunida – Rio de Janeiro, Ediouro, 2002. (Organização Sérgio Fonta)
*Lampadário – Rio de Janeiro, Ed. 7Letras, 2008 (Prefácio Alexei Bueno)

ROMANCE

*O Insólito Festim – Rio de Janeiro, Ed Nova Fronteira, 1994. (Prefácio Rachel de Queiroz)
*O Violoncelo Verde – Rio de Janeiro, Ed Civilização Brasileira, 1997. (Prefácio Sérgio Viotti)
*Memórias da Montanha – Rio de Janeiro, Ediouro, 2006.

Participou de diversas antologias. Colaborações e colunas no Jornal de Letras ; Jornal O Dia ; Revista Itaú Personnalité ; Caderno Prosa &Verso ( O Globo) ; Revista Colóquio ( Portugal ) ; Revista RioArte ( Funarte)

Fontes:
Rede Brasileira de Escritoras (REBRA)
http://www.antoniomiranda.com.br/
http://pt.wikipedia.org/

Gizelda Morais (Baú de Textos)



POEMETO N°1
(verso / 1958)

Neste minuto agora
solitário
olho o começo de uma estrada
indecisa.
Mais indecisa fico
e o tempo passando
me arrasta com ele
por essa estrada assim
sem meta nem reta.

(reverso/ 2002)

houve sempre retas que não vi
metas que não cumpri
o tempo nunca passou
senão por mim
já não conto as horas
dos relógios
perdidos e quebrados
não restou nem um
do meu vocabulário
risquei rimas
sinas
risquei
do começo ao fim do meu caminho
um grande signo
a interrogação.

POEMETO N°2

(verso/ 1958)

Mais uma hora que passa.
Mais uma hora contada
no passado que o tempo já levou.
Mais uma hora vivida
em cada vida
mais uma hora de angústia
de dores
de risos
de sonhos.

(reverso/ 2002)

um diâmetro
uma corda
uma circunferência
geômetras do nada
reinventando o átomo
delimitando pontos
apreendendo a matéria
aprisionando o círculo
reformulando o quadrado
plasmando o paralelepípedo.

POEMETO N°3

(verso / 1958)

Petrificou-se o tempo
silenciaram-se os ares
silêncio de pedra
nas pedras
no vento
nas portas
nos corpos
e nos olhares.
Silêncio de ferro
nos lábios mudos
nas mãos sem gestos
nos pés sem passos.

(reverso/ 2002)

estas estátuas falam
com seus lábios mudos
suas mãos sem gestos
seus olhos cavos
estas estátuas andam
com seus pés sem passos
seus corpos de ferro
suas mãos de pedra
estas estátuas escutam
com seus ouvidos ocos
puxam os seres humanos
do passado
rondam este presente

POEMETO N°4

(verso/ 1958)

Escoam-se os minutos
e a agonia marcada nos ponteiros
aponta nos semblantes
uma expressão de angústia.
Mais um segundo.
E continua a marcha
dos minutos
olhados pelos olhos ansiosos
da humanidade inteira
que passa
que passou
que passará.

(reverso/ 2002)

partimos a existência
em milésimos de segundo
inventamos os ponteiros
criamos a paciência
para enfrentar o quê?
– a morte ou a resistência?

POEMETO N°5
(verso/ 1958)

Pensamentos de asas de vidro
vagando
e horas à frente
gemendo
as faces caídas
poemas repetidos
idéias repetidas
e vidas únicas
sós
irrepetidas.

(reverso/ 2002)

único é o fio da navalha
cortando o que não vemos
somos sínteses
amálgamas de eras
heras nas paredes
invisíveis
asas de vidro
vencendo
ventos

CARROSSEL
(verso/ 1958)

Carrossel foi fincado
na praça de Aracaju
cavalo colado
cadeira pregada
carrossel rodou cheio de crianças
carrossel girou, girou
foi pra dentro da gente
fez da gente pião
e lá fomos rodando
pelo mundo afora.
Carrossel fincado dentro da gente
carrossel fincado na praça de Aracaju.

(reverso/ 2002)

carrossel retirado
da praça de Aracaju
cavalo queimado
cadeira quebrada
carrossel despregado
do peito da criança
pinhão solto no mundo
atravessado
entalado na garganta
regurgitado
no sono
dos sobreviventes

BALADAS DO INÚTIL SILÊNCIO

I

se há por quês
é porque não se cansam
as andorinhas de voar
nem os mágicos
de tirarem coelhos da cartola
e o tempo é o gesto
e o espaço um pedaço de pão.
––––––––––––––––––-
PREPAREM OS AGOGÔS
( transcrição, início do primeiro capítulo).

SOAM GUIZOS
Volto ao hotel. Difícil adormecer. Sobe a temperatura. Febre, talvez uma gripe. Tomo uma aspirina, ligo a televisão. Os olhos esbugalhados de Vicent Price andando pelos corredores de um castelo mal assombrado. Um livro se desfazendo em suas mãos, comido pelas traças.

Espirros, pó, cal, poeira. – Quem disse, dr. Tomás, ser Gonzaga teu sobrenome? Por acaso atrás de tua pele branca não há um pouco mais de negritude?

O jantar na casa de meus anfitriões em Lagos se transformara num filme de horror. Histórias de séculos passados – na África a ganância, a escravidão, as lutas fratricidas. No Atlântico a travessia, os porões das galeras, bergantins, sumacas, faluchos, chalupas, brigues. No Brasil, as senzalas, os currais, os troncos, festas e quilombos. O retorno, o refluxo depois da abolição. A Nigéria dos ingleses.

Os fulas batendo os agogôs no ritmo dos pés, embaixo de grandes baobás. A boca abobalhada de Vicente Price na tela à luz de uma vela iluminando o longo corredor. Os hemisférios norte e sul se misturando num doido mapa astral. Música sacra, oitocentista, o Scala de Milão, vozes de Djavan, Milton Nascimento, Gilberto Gil. – Doutor, não te anunciaram o sucesso dos negros tanto quanto o dos brancos?

Eu, admirando minha pele clara se tornando intensamente negra, igual à das crianças sentadas em torno de um grande prato. Entôo, paparaô, papá oô, pápa oô oô, e avanço meu braço pra pegar um bocado. Recebo uma palmada. Uma menina recolhe o alimento e oferece. A mãe come diretamente nessa mão supina. A filha inclina a cabeça e recebe a sua parte. Todos podem comer, menos eu, um rejeitado. Meu braço continua suspenso. Com os olhos comprimidos observo, e choro. Então a mãe me oferece o peito e me vejo paparicando no seio dessa negra que se fartara na mão da filha adolescente.

O sono treme nas pálpebras de Vicent Price, tremem minhas pálpebras, as mãos deixam cair o castiçal, o lápis, a pena. Ça suffit! Ça suffit! Ah, ah, ah. O grito ecoando nas paredes do castelo, nas paredes do quarto do hotel.

Abro bem os olhos. Benzo-me três vezes. Medo? Do fundo da infância e da adolescência surge o gesto automático. O sinal da cruz, começando da testa até o tórax e de um ombro ao outro. Tento exorcizar os sonhos maus, afastar gnomos escondidos por detrás das portas, almas penadas, fantasmas reivindicando seus desejos.

De novo a sensação de desequilíbrio, a necessidade de apoio e segurança, intensamente ressentida em várias ocasiões, como no término do casamento.

Pego o telefone. Falar urgentemente com Marli. A chamada não se completa. Desço às pressas. O vigia dorme na portaria, ronca numa cadeira estreita, suas nádegas sobrando pelos lados livres das bordas. Sonha, na certa, e segura as chaves no bolso da calça. O aparelho na recepção, trancado com um cadeado, não envia mensagens.

Fontes:
Prof. Wagner Lemos
Rede de Escritoras Brasileiras

Gizelda Morais (1939)



Nascimento em 30 de maio de 1939 na cidade de Campo do Brito - Sergipe.

Em razão de deslocamento de seus pais para Riachão do Dantas - SE, esse foi oficialmente anotado como seu local de nascimento.

Estudos primários no Grupo Escolar Tobias Barreto da cidade de Tobias Barreto (Sergipe) onde passou a infância e leu os primeiros livros na Biblioteca pública do mesmo nome.

Estudos ginasiais e secundários no Colégio N.S. de Lourdes e Ateneu Sergipense em Aracaju.

Desde adolescente declamava suas poesias em solenidades estudantis. Teve sua apresentação na imprensa feita por Epifânio Dória (13/01/ 1955 no Sergipe Jornal)e daí em diante publicou poemas, artigos e crônicas em diversos jornais de Sergipe.

Nos anos 50 e 60 participou de programas culturais de emissoras de rádio.

Membro da Arcádia Estudantil do Colégio Estadual de Sergipe (Atheneu), participou da fundação do Clube Sergipano de Poesia.

Seu primeiro livro de poesias, Rosa do Tempo), foi publicado em 1958, em Aracaju, pelo Movimento Cultural de Sergipe. No ano seguinte, iniciando seus estudos universitários em Belo Horizonte, ganhou ali o 1° prêmio no Concurso Universitário de Poesia, e em 1960 um prêmio com o ensaio, João Ribeiro e a História do Brasil, em concurso promovido pela Secretaria de Educação e Cultura de Sergipe. Transferindo-se para Salvador para continuar seus estudos, colaborou ali em revistas universitárias.

Graduada em Filosofia e em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia, recebeu o grau de Doutora, em Psicologia, pela Universidade de Lyon (França), realizando, mais tarde, estágio pós-doutoral na Universidade de Paris XIII.

Na Universidade Federal da Bahia trabalhou no Departamento de Psicologia (do qual foi também chefe), e no Mestrado em Educação do qual foi Coordenadora e uma das fundadoras da ANPED.

Na Universidade Federal de Sergipe foi professora do Departamento de Psicologia e Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação. Professora visitante na Universidade de Nice (França). Prestou serviços a outras Universidades brasileiras e a instituições públicas nacionais como CFE, CNPq, CAPES e outras.

Foi a primeira Secretária Regional da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) em Sergipe (1981-86) e membro do Conselho Nacional dessa entidade científica (1986 a 91).

Além de sua tese de doutorado, L'Ecriture et la Lecture - (1969), defendida em 13 de janeiro de 1970, publicou trabalhos científicos em livros, revistas, anais, e Pesquisa e Realidade no Ensino de 1° Grau, org. (Cortez Editora, São Paulo, 1980). Entre os ensaios, Esboço para uma análise do significado da obra poética de Santo Souza (Aracaju, 1996).

Mais recentemente vem se dedicando ao romance e já publicou:

. Jane Brasil, 1986.
. Ibiradiô - as várias faces da moeda, 1990.
. Preparem os agogôs, (Menção Honrosa no Concurso Nacional de Romance, promovido pela SEC do Estado do Paraná - 1994). 1996.
. Absolvo e Condeno, 2000 (Menção Especial do Prêmio A.J.Cabassa, UBE, 2002)
– Feliz Aventureiro, 2001. (Prêmio A.J.Cabassa, Especial do Júri, UBE, 2002).

Poesia:
– Rosa do Tempo, Movimento Cultural de Sergipe, 1958.
– Baladas do inútil silêncio (com Núbia Marques e Carmelita Fontes), 1965.
– Acaso, 1975.
– Verdeoutono (com Núbia Marques e Carmelita Fontes), 1982.
– Cantos ao Parapitinga ou Louvações ao São Francisco,1992.

Participação em diversas coletâneas (também em jornais e revistas), entre as quais:
– Aperitivo Poético, Secretaria de Cultura da Prefeitura Municipal de Aracaju, SE. Edições de 1986/ 87/ 88/ 89.
– Palavra de Mulher, Maria de Lourdes HORTAS (org.), 1979.
– Nordestinos, Pedro Américo de FARIAS (org.), Portugal, 1994.

Prêmio: 1º lugar no Concurso Universitário de Poesia, Belo Horizonte, 1959.

Inéditos: Poemas de Amar (divulgação artesanal)

Sonatas da Quarta Dimensão

Crônicas e contos:
– Retalhos da Vida - coluna mantida na Gazeta de Sergipe -1960/61.

Participação em: Contos e Contistas Sergipanos, SEC, Aracaju, 1979.

Ensaios:
- João Ribeiro e a História do Brasil (prêmio em Concurso de Monografias sobre J. Ribeiro), em: Caderno de Cultura , nº 1, Edição da SEC. de Sergipe, 1960.
– Esboço para uma análise do significado da obra poética de Santo Souza, Gráfica J. Andrade, Aracaju, 1996.
– A Trajetória poética de Núbia Marques, em Caminhos e Atalhos, N. N. Marques, Segrase, Aracaju, 1997.

Fonte:
Prof. Wagner Lemos.

Antonio Brás Constante (Viagem que se Faz Dentro da Viagem)



As viagens tendem a começar bem, pois se iniciam em nossa mente. Você ao pensar em férias de verdade já se imagina em alguma praia espetacular, ou em alguma ilha paradisíaca, dirigindo um belo conversível vermelho, cheio de dinheiro e de belas mulheres, loucamente apaixonadas por você.

Hospedagem nos melhores hotéis, banhos de piscina, baladas, refeições que custam mais do que um salário mínimo. Que delícia de férias. Tudo vai indo muito bem, até que você escuta os resmungos de sua esposa, mandando-o parar de sonhar acordado, sair do sofá, e ir colocando todas as sacolas de roupa e comida no carro.

Ao levantar-se do sofá, você ainda consegue sentir os últimos restos de nostalgia se esvaindo de suas lembranças, percebendo em uma última fagulha de pensamento, aquela loira que estava sentada ao seu lado no conversível, dando-lhe uma piscadela de olho. Mas antes que você tenha tempo de pedir o telefone dela, a imagem some por completo.

Passa então a assumir seu papel de burro de carga da família. Junta todas as sacolas e mochilas, levando-as até o seu possante, modelo 1983 (chamado de possante, pois em todo lugar que para, deixa uma poça de óleo).

Começa a partir daí o longo caminho para se chegar ao calvário... Digo a praia, que não é espetacular, mas é a mais próxima da sua cidade. Repleta de pedágios, acidentes, pedágios, engarrafamentos, pedágios, buracos, pedágios, pardais e mais pedágios.

As viagens (com ênfase no litoral) são divididas em três etapas de gastos. Na primeira, se gasta na compra de roupas para usar na praia, bronzeadores e se gasta também com a manutenção do carro.

Na segunda etapa, os gastos são com o pedágio, gasolina, outro pedágio, compra de lembrancinhas na estrada, mais pedágios (espero não ter me esquecido de nenhum pedágio).

Até este momento, todas as despesas foram cobertas graças as suas reservas financeiras, guardadas para custear as férias, porém, insuficientes. Tudo que é pago a partir da terceira e última etapa, são frutos de cheques pré-datados, empréstimos e do limite de seu cheque especial. As férias parecem verdadeiras ilhas, cercadas de dívidas por todos os lados.

Os valores do dispêndio da terceira etapa equivalem a mais de 50% de tudo que vai ser gasto durante a viagem. Neles está incluída a compra de picolés, milho cozido, carne, aluguel, multas, etc (você não achou que iria para praia com seu possante em estado crítico e não levaria multa, achou?).

Mas não desanime, tenha por consolo que o bom nas viagens é que enquanto toda família dorme nos bancos de carona, você pode voltar a sonhar acordado enquanto dirige. Com sorte ainda consegue achar a tal loira do conversível vermelho em suas lembranças, e curtir os prazeres de férias inesquecíveis... Em seus sonhos.

Fontes:
Colaboração do escritor.
Imagem = http://www.mulherdigital.com

Rebra (Rede de Escritoras Brasileiras)

O que é a Rebra

Rede de Escritoras Brasileiras — REBRA — é uma organização não governamental, sem fins lucrativos, que pretende reunir em associação o maior número de escritoras de nosso país que tenham compromisso público com a literatura, a cultura e a justiça social, entendendo que as idéias exprimidas pela palavra escrita tem a força de modificar a sociedade humana. E é justamente esse o principal objetivo e a missão da REBRA: o aprimoramento da sociedade brasileira em particular e da humanidade em geral, por meio da divulgação da palavra da mulher.

Foi fundada em 8 de março de 1999, para tentar corrigir a grande injustiça que as mulheres escritoras brasileiras, em particular, e as mulheres brasileiras, em geral, sofreram e continuam sofrendo ao serem permanentemente excluídas dos registros históricos de nossa sociedade.

Trabalham em conjunto com a organização mundial Women's WORLD - Women's World Organization for Rights, Literature and Development, com sede nos Estados Unidos da América.

No âmbito Latino-Americano, funciona também em parceria com a RELAT — Red De Escritoras Latinoamericanas, sediada no Peru e atuante nos países da América do Sul e México.

FINALIDADES

1. Proporcionar mútuo conhecimento e rápida troca de informações entre as escritoras mulheres do Brasil.

2. Divulgar as obras de suas associadas - nacional e internacionalmente - por meios eletrônicos e convencionais.

3. Manter viva, na memória cultural brasileira, as obras de nossas escritoras já falecidas, divulgando a história da literatura feminina do Brasil.

4. Desenvolver projetos literários, tais como: cursos, encontros, simpósios, concursos e congressos, assim como promover publicações visando as finalidades acima descritas.

5. Criar, em parceria com a iniciativa privada ou com órgãos governamentais, no âmbito nacional ou internacional, mecanismos que estimulem o mercado da literatura feminina, em particular, e da literatura em geral.

6. Expor a literatura brasileira feita por mulheres para o mundo inteiro, com o objetivo de modernizar e globalizar sua divulgação para o mercado literário.

7. Fazer valer os direitos da mulher escritora a um tratamento justo e igual ao dos homens escritores.

8. Manifestar-se publicamente todas as vezes que seus princípios sejam feridos.

9. Manter e ampliar laços de solidariedade e amizade entre mulheres que se ocupam do mesmo ofício e alimentam os mesmo ideais.

PRINCÍPIOS

1. Defender permanentemente os direitos universais da mulher.

2. Defender permanentemente os direitos do ser humano à liberdade de expressão.

3. Propiciar o exercício da solidariedade e da fraternidade sem qualquer restrição.

4. Promover o respeito e a preservação do patrimônio cultural da humanidade e do Brasil.

5. Promover o respeito à preservação do planeta e do meio ambiente.

6. Repudiar qualquer forma de violência à vida humana.

7. Repudiar publicamente qualquer forma de preconceito, velada ou explícita, ao gênero feminino.

8. Repudiar qualquer forma de preconceito de cor, raça, credo e gênero.

9. Lutar por justiça e igualdade, visando o bem estar do ser humano.

SERVIÇOS DISPONÍVEIS

01. HOMEPAGE, A GRANDE VITRINE MUNDIAL:

Todas as associadas da REBRA ganham um site trilíngüe (português - inglês - espanhol) na Internet, contendo foto, biografia, bibliografia e um pequeno texto de sua autoria, no qual a escritora poderá alterar seus dados e o conteúdo de sua própria página, através da "Área da Escritora". Esse site será conectado ao site geral da associação e exposto ao mundo inteiro. Servirá como referência para agentes literários, editores, professores, leitores, interessados em lusofonia em geral. Dessa forma, a literatura feminina do Brasil será universalizada.

02. APRESENTAÇÃO VIRTUAL:

Uma vez construída a homepage de cada associada, será apresentada virtualmente a todas colegas escritoras por esse Brasil afora, para que, assim, possamos nos conhecer e interagir umas com as outras. Da mesma forma, será apresentada também para uma lista de 30.000 e-mails, pertencentes a profissionais da área literária do país e do exterior. Além disso, a página pessoal de cada sócia aparecerá randomicamente, em destaque na nossa página frontal: www.rebra.org.

03. INFORMAÇÃO:

Todas as associadas receberão, por correio eletrônico, notícias interessantes da área literária, como por exemplo: notícias de concursos, seminários, congressos, encontros, agentes literários, editores, etc.,

SONHOS E PROJETOS

01. ASSESSORIA JURÍDICA:

A REBRA planeja oferecer orientação jurídica, indicando às suas associadas, escritórios de advocacia de alto nível, especializados em direitos autorais.

02. NÚCLEOS ESTADUAIS:

Dentro de suas metas principais, a REBRA pretende organizar núcleos de escritoras associadas em todos os estados do Brasil. Logicamente, isso não poderá ser feito do dia para a noite. No entanto, já temos em andamento os núcleos estaduais do Rio Grande do Sul, do Rio de Janeiro e do Paraná.

03. PATROCÍNIO:

Conseguir patrocínio para promover bolsas de trabalho e concursos literários para as associadas, junto ao governo e iniciativa privada usando as diversas leis de benefícios fiscais.

04. RESGATE HISTÓRIA DA LITERATURA FEMININA NO BRASIL:

Expor - pela Internet - biografias e obras das mais importantes escritoras brasileiras que já se foram, cujas presenças estão sendo esquecidas por falta de dedicação da própria sociedade ao nosso patrimônio imaterial.

05. FEIRA DE LIVROS FEMININOS - São Paulo

06. CONGRESSO LATINOAMERICANO DE ESCRITORAS.

DIRETORIA EXECUTIVA

Presidente e Fundadora : Joyce Cavalccante
Romancista. Contista. Jornalista.

Secretária/Sócia Fundadora: Kátia Abud
Professora Doutora. Historiadora. Escritora.

Tesoureira / Sócia Fundadora : Sabine Cavalcante
Psicóloga. Contista.

SÓCIAS HONORÁRIAS

Lygia Fagundes Telles
Contista. Romancista.
Membro da Academia Brasileira de Letras

Nélida Piñon
Contista. Romancista.
Membro da Academia Brasileira de Letras
Ex-presidente dessa instituição

Nelly Novaes Coelho
Crítica Literária. Dicionarista.
Ex-presidente da Associação Paulista de Críticos de Arte.

Kina De Oliveira
Jornalista, psicóloga e escritora.
Presidente Honorária da AJEB
Associação das Jornalistas e Escritoras do Brasil.

Isaura Fernandes
Escritora, jornalista, poeta e artista plástica.
Graduada em Comunicação e Semiótica

Ana Mae Barbosa
Doutora em Arte-Educação
Ex-diretora do Museu de Arte Contemporânea(MAC-USP)
Presidente da International Society of Education through Art (InSea).

Rosely Boschini
Editora e presidente da CBL-Câmara Brsileira do Livro

MEMBROS HONORÁRIOS

João Scortecci
Editor. Poeta.

Steve F. Butterman
PHD - University of Miami, Fl - USA

Lúcio Alcântara
Médico, político e poeta

Claudio Pereira
Produtor cultural

Francisco Souto
Jornalista

Humberto Cavalcante
Empresário, Presidente do Ideal Clube

Danilo Santos De Miranda
Diretor Geral do SESC

Celso De Alencar
Poeta

Sergio Braga
Livreiro

João Soares
Escritor e empresário

Ednilo Soarez
Professor,empresário e escritor

Inácio De Loyola Brandão
escritor e jornalista

José Neûmane Pinto
Escritor e jornalista

REPRESENTANTES INTERNACIONAIS

Maria De Lourdes Leite
Portugal

Isabel Ortega
Espanha

Verônica Cavalcanti Esaki
Estados Unidos

Elza Suguitame
Japão

Mariana Brasil
Itália

Claudia Pacce
Nova Zelândia

Mara Freitas Herrmann
Alemanha

Adalgisa Muniz
Holanda

Regina Von Arx
Suiça

Diva Pavesi
França

Jacilene Brataas
Noruega


REPRESENTANTES NACIONAIS

Alcinéa Cavalcante
Amapá

Nilze Costa E Silva
Ceará

Sylvia Pellegrino
Paraná

Neida Rocha
Santa Catarina

Regina Lyra
Paraiba

Célia Labanca
Pernambuco

Maria Abadia Silva
Goiás

Martha Serrano
Bahia

PARA SE ASSOCIAR

INSTRUÇÕES PARA ASSOCIAR-SE

Para associar-se à Rede de Escritoras Brasileiras, você precisa preencher as seguinte condições:

1) Ser do sexo feminino.

2) Concordar e praticar os princípios que regem a nossa organização.

3) Ser brasileira nascida ou naturalizada; ou estrangeira que conheça e trabalhe com a língua portuguesa, no que se refere aos assuntos da cultura feminina brasileira.

4) Ser escritora publicada ou ainda inédita, tanto faz, com textos produzidos nas diversas áreas do conhecimento .

5) Ou então ser uma mulher que tenha contribuído notoriamente para a cultura literária brasileira.

Se você satisfaz essas condições e gostaria de se inscrever como associada e colaboradora da REBRA, assim como gozar dos benefícios de seus serviços e participar de seus eventos, preencha online todas as linhas do formulário de inscrição e o envie para nossa apreciação, clicando no botão que está no inferior desta página.

CONTRIBUIÇÃO ANUAL

A REBRA é uma associação não governamental e sem fins lucrativos. Mantém-se com eventuais doações de pessoas físicas ou jurídicas e, principalmente, com a contribuição anual de suas associadas, que é de R$200,00 (duzentos reais) ao ano.

Essa quantia deverá ser paga até quinze dias após a associada ter recebido a carta de boas vindas, como resposta ao seu formulário de inscrição. Nessa carta estão todas as informações bancárias necessárias ao procedimento. Caso contrário, ela ainda não será uma associada, e portanto, não terá direito aos benefícios de nossos serviços. Seu e-mail, no entanto, passará a fazer parte de nossa lista de divulgação.

Os seguintes vencimentos dessa contribuição se farão na data exata (dia e mês) em que completar anos a inscrição de cada associada.

Antes da anuidade de cada associada vencer, ela receberá um lembrete com orientações para proceder ao próximo pagamento.

Após efetuado o pagamento, cópia do comprovante do depósito bancário deve ser enviado à REBRA, constando a identificação com nome e número de inscrição da associada, por e-mail, correio ou fax, para nosso controle contábil e para que lhe seja enviado um recibo dedutível do imposto de renda.

O valor da contribuição anual foi obtido em 25 de janeiro de 2010. Qualquer reajuste confirmar em contatos: http://rebra.org/index.php?pg=rebramail.php

Fonte:
http://rebra.org/

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

José de Alencar (Ao Correr da Pena I)


A primavera – Eclipse de uma estrela – Espetáculo de graça – As três graças dos gregos e as des-graças de um diletante – Importe de um espetáculo gratuito – o baile do Cassino – A valsa – Nova pomba da arca.

17 de setembro

Estamos na primavera, dizem os folhetins dos jornais, e a folhinha de Laemmert, que é autoridade nesta matéria. Não se pode por conseguinte admitir a menor dúvida a respeito. A poeira, o calor, as trovoadas, os casamentos e as moléstias, tudo anuncia que entramos na quadra feiticeira dos brincos e dos amores.

Que importa que o sol esteja de icterícia, que a Charton enrouqueça, que as noites sejam frias e úmidas, que todo o mundo ande de pigarro? Isto não quer dizer nada. Estamos na primavera. Os deputados, aves de arribação do tempo do inverno, bateram a linda plumagem; a Sibéria fechou-se por este ano, os buquês de baile vão tomando proporções gigantescas, as grinaldas das moças do tom são perfeitas jardineiras, a Casaloni recebe uma dúzia de ramalhetes por noite, e finalmente os anúncios de salsaparrilha de Sands e de Bristol começam a reproduzir-se com um crescendo animador.

Come, gentil spring! Vem, gentil quadra dos prazeres! Vem encher-nos os olhos de pó! Vem amarrotar-nos os colarinhos da camisa, e reduzir-nos à agradável condição de um vaso de filtrar água. Tu és a estação das flores, o mimo da natureza! Vem perfumar-nos com as exalações tépidas e fragrantes da Rua do Rosário, da Praia de Santa Luzia, e de todas as praias em geral!

Doce alívio dos velhos reumáticos, esperança consoladora dos médicos e dos boticários, sonho dourado dos proprietários das casinhas dos arrabaldes! Os sorveteiros, os vendedores de limonadas e ventarolas, os donos dos hotéis de Petrópolis, os banhos, os ônibus, as gôndolas e as barracas, te esperam com a ansiedade, e de suspirar por ti quase estão ficando tísicos (da bolsa).

Esta semana já começamos a sentir os salutares efeitos de tua benéfica influência! Vimos uma estrela do belo céu da Itália eclipsada por uma moeda de dois vinténs, e tivemos a agradável surpresa de ouvir o 1º ato do Trovatore e um epeech da polícia, tudo de graça.

Alguns mal intencionados pretendem que a noite não foi tão gratuita como se diz; mas deixai-os falar; eu, que lá estive, posso afiançar-vos que o espetáculo foi todo de graça, como ides ver.

A autoridade policial depois de participar que ficava suspensa a representação e que os bilhetes estavam garantidos, sendo por conseguinte aquela noite de graça, como esta notícia excitasse algum rumor, declarou formalmente, e com toda a razão, que se acomodassem, porque a polícia, quando tratava de cumprir o seu dever, não era para graças.

Os namorados que tiveram duas noites de namoro pelo custo de uma, os donos de cocheira que ganharam o aluguel por metade do serviço, o boleeiro que empolgou a sua gorjeta sem contar as estrelas até a madrugada, aqueles que lá não foram, não só riram-se de graça, como acharam nisto uma graça extraordinária.


Muito olhar suplicante vi eu nos últimos momentos, humilhando-se diante de um rostozinho orgulhoso e ofendido, clamar com toda a eloqüência do silêncio: grazia! grazia! É preciso advertir que o olhar estava no Teatro Provisório, e por isso não se deve admirar que falasse italiano; além de que, o olhar é poliglota e sabe todas as línguas melhor do que qualquer diplomata.

Finalmente, para completar a graça deste divertimento, as graças com os seus alvos vestidinhos brancos se reclinavam sobre a balaustrada dos camarotes, cheias de curiosidade, para verem o desfecho da comédia. E a este respeito lembra-me uma reflexão que fiz a tempos, e da qual não vos quero privar, porque é curiosa.

Os gregos, como gente prudente e cautelosa, inventaram unicamente três graças, e consta que viveram sempre muito bem com elas. Nós, de mal avisados que somos, queremos ter em todos os divertimentos, nos bailes, nos teatros e nos passeios uma porção delas, sem refletir que, logo que se ajuntarem muitas, podem formar necessariamente um grupo de dez graças.

Maldito calembur! Não vão já pensar que pretendo que as graças tenham sido a causa de tudo isto, nem também que todo aquele desapontamento fosse produzido por alguma graça da Charton. A primadona estava realmente doente, e, aqui para nós, suspeito muito os meus colegas folhetinistas de serem a causa daquela súbita indisposição com o formidável terceto de elogios que entoaram domingo passado. Lembrem-se que os elogios e os aplausos comovem extraordinariamente um artista. Ainda ontem vi como ficaram fora de si as tímidas coristas, unicamente porque lhe deram duas ou três palmas!

Em toda esta noite, porém, o que houve de mais interessante foi o fato que vou contar-vos. Um velho dilettante do meu conhecimento, ainda do tempo do magister dixit, e para quem a palavra da autoridade é um evangelho, teve a infeliz lembrança de justamente nesta noite encomendar um magnífico buquê para oferecer à Charton no fim da representação. Apenas se declarou o relâche par indisposition, o homem perdeu a cabeça, e, o que foi pior, com os apertos da saída perdeu igualmente a bengala, que lá deixou ficar com os ares de novo um chapéu comprado pela Páscoa.

No outro dia, o homem, que tinha seus hábitos antigos de comércio, viu-se em sérias dificuldades. Não podia deixar de acreditar, à vista da declaração da polícia, que o espetáculo da noite antecedente fora de graça; mas, ao mesmo tempo, tinha de dar saída no livro de despesas ao dinheiro que gastara com o aluguel do carro, com a gorjeta do boleeiro, com o par de luvas, com o buquê da Charton, o custo da bengala e o estrago do chapéu. Coçou a cabeça, tomou a sua pitada, e afinal escreveu o seguinte assento: Importe de um espetáculo gratuito no Teatro Provisório – 26$000!

O meu dilettanti ainda não sabia que a palavra grátis é um anacronismo no século XIX, e, quando se fala em qualquer coisa de graça, é apenas uma graça, que muitas vezes torna-se bem pesada, como lhe sucedeu. Provavelmente, depois deste dia, o velho lhe aditou ao seu testamento um codicilo proibindo terminantemente ao seu herdeiro os espetáculos gratuitos.

Assim a crônica futura desta heróica cidade consignará nas suas páginas que, pelo começo da primavera do ano de 1854, tivemos um divertimento de graça. Os nossos bisnetos, não falo dos militares de boca aberta , hão de pasmar quando lerem um acontecimento tão extraordinário, e, se nesse tempo ainda estiver em uso o latim, clamarão com toda a força dos pulmões: Miserabile dictu!

Depois de uma semelhante noite, era natural que os dias da semana corressem, como correram, monótonos e insípidos, e que o baile do Cassino estivesse tão frio e pouco animado. Entretanto aproveitei muito em ir, pois consegui perder as minhas antipatias pela valsa, a dança da moda. É
verdade que não era uma mulher que valsava, mas um anjo. Um pezinho de Cendrillon, um corpinho de fada, uma boquinha de rosa, é sempre coisa de ver-se, ainda mesmo em corrupios.

Fiz a amende honorable de minhas opiniões antigas, e, vendo nos rápidos volteios da dança voluptuosa passar-me por momentos diante dos olhos aquele rostinho iluminado por um sorriso tão ingênuo, não pude deixar de fazer uma comparação meio sentimental e meio cosmogônica, que talvez classifiqueis de original, mas que em todo o caso é verdadeira. Quando o mar, que Shakespeare disse ser a imagem da inconstância, revolveu o globo num cataclisma e cobriu a terra com as águas do dilúvio, foi uma pomba o emblema da inocência, que anunciou aos homens a bonança, trazendo no bico um raminho de oliveira. Se algum dia uma paixão de loureira vos revolver a alma, e deixar-vos o desgosto e a desilusão, há de ser um anjinho inocente como aquele quem vos anunciará a paz do coração, trazendo nos lábios o sorriso do amor o mais casto e mais puro.

Fonte:
ALENCAR, José de. Ao correr da pena. SP: Martins Fontes, 2004.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Hermes Fontes (Caderno de Poesias)


ROSA

Rosa do meu Jardim, que ardes na minha Jarra,
filha do meu afã, mártir do meu amor!
Minha grande paixão egoísta te desgarra
as pétalas, te aspira o segredo interior.

Pois que estamos a sós — eu volúvel cigarra,
tu, borboleta rubra estacionada em flor —
deveras ter comigo uma folha de parra,
a fim de preservar-te a beleza e o pudor...

Pois que! tão nua assim, tão fresca e tão punícea,
rosa da Tentação, rosa da Impudicícia,
és o próprio Pecado: e há virtude em pecar...

— Pecar morrendo em ti, sangrando em teus espinhos,
remindo num Desejo os desejos mesquinhos,
gozando pelo Olfato e amando pelo Olhar...

JOGOS DE SOMBRAS

Sempre que me procuro e não me encontro em mim,
pois há pedaços do meu ser que andam dispersos
nas sombras do jardim,
nos silêncios da noite,
nas músicas do mar,
e sinto os olhos, sob as pálpebras, imersos
nesta serena unção crepuscular
que lhes prolonga o trágico tresnoite
da vigília sem fim,
abro meu coração, como um jardim,
e desfolho a corola dos meus versos,
faz-me lembrar a alma que esteve em mim,
e que, um dia, perdi e vivo a procurar
nos silêncios da noite,
nas sombras do jardim,
na música do mar…

MESSIANEIDA

São Francisco de Assis pregou aos pássaros,
e Santo Antônio aos peixes.
Mais corajoso do que São Francisco
e do que Santo Antônio,
Jesus pregou aos homens e às mulheres...

Perderam, todos eles, o seu tempo
e o seu sermão:
O mais sábio por certo,
o mais sábio de todos foi São João,
que pregou no deserto...

POUCO ACIMA DAQUELA ALVÍSSIMA COLUNA

Pouco acima daquela alvíssima coluna
que é o seu pescoço, a boca é-lhe uma taça tal
que, vendo-a, ou, vendo-a, sem, na realidade, a ver,
de espaço a espaço, o céu da boca se me enfuna
de beijos — uns, sutis, em diáfano cristal
lapidados na oficina do meu Ser;
outros — hóstias ideais dos meus anseios,
e t o d o s cheios, t o d o s cheios
do meu infinito amor . . .
Taça
que encerra
por
suma graça
tudo que a terra
de bom
produz!
Boca!
o dom
possuis
de pores
louca
a minha boca
Taça
de astros e flores,
na qual
esvoaça
meu ideal!
Taça cuja embriaguez
na via-láctea do Sonho ao céu conduz!
Que me enlouqueças mais... e, a mais e mais, me dês
o teu delírio... a tua chama... a tua luz...

A CIGARRA

Não, orgulhosa! não, alma nobre e vadia,
nunca foste pedir migalha ao formigueiro!
Dessedenta-te o sol e te nutre a alegria
De viver e morrer cantando, o dia inteiro...

Que infâmia ires ao vizinho celeiro
tu, que tens o celeiro universal do Dia,
e preferes morrer queimada em teu braseiro
íntimo a renunciar a tua fantasia!

Não! tu és superior ao código e ao compêndio,
à Economia, ou à Moral. — Aristocrata,
crês que prever miséria é já um vilipêndio.

Primadona pagã do Jardim e da Mata,
trazes dentro em ti mesma, em teu constante incêndio,
a luz, que te alimenta e o fogo, que te mata…

TODOS TÊM SUA GLÓRIA...

Ó glória, glória triste, excelsa glória,
irmã do amor e da felicidade!
Visão miraginal da trajectória
curta de nossa curta Mocidade!

Só se logra alcançar-te, à merencória
luz, quando a alma de ti se dissuade
e não és mais o que és, pois a memória
do que foste, é que é gloria, de verdade.

O glória que eu julgava inatingível,
se és apenas a fama, e o amor é apenas
a posse corporal de urna mulher...

Que vos valeu penar as grandes penas
de sonhar que eras quase um impossível,
se és um sonho ao alcance de qualquer?!

PERFEIÇÃO

Tanto esforço perdido em ser perfeito!
Em ser superno, tanto esforço vão!
Sonho efêmero; acordo e, junto ao leito,
a mesma inércia, a mesma escuridão.

Vejo, através das sombras, um defeito
em cada cousa, e as cousas todas são,
para os meus olhos rútilos de eleito,
prodígios de impureza e imperfeição!

Fico-me, noite a dentro, insone e mudo,
pensando em ti, que dormes, esquecida
do teu amargurado sonhador...

Ali, Mas, se ao menos, imperfeito é tudo
salve-se, as mil imperfeições da vida,
a humilde perfeição do meu amor!

SUAVE AMARGOR

Sofrer é o menos, minha suave Amiga;
todos têm sua cruz ou seu cajado
— cruz de dor, ou cajado de dever...

Este é sereno; aquele se afadiga:
um, só pelo desejo contrariado,
outro, por esperar, sem nunca obter.

Tudo muda, dirás... Mas, certamente,
não muda a luz: — vem sempre do Nascente
para o mesmo calvário de Sol-Pôr!

Sofrer é o menos... A dificuldade
é sofrer sem protesto e sem rancor;
é morrer sem tristeza e sem saudade:

Morrer, de olhos em Deus, devagarzinho,
ciciando uma palavra de carinho
aos que vivem sem fé e sem amor...

––––––––––––––––––-

Fontes:
LEMOS. Wagner (seleção). Antologia Poética da Literatura Brasileira.
MIRANDA, Antonio. Poesia dos Brasis: Sergipe.