JOSÉ ERIGUTEMBERG MENESES DE LIMA nasceu em Fortaleza/CE, radicou-se em Blumenau/SC. Advogado aposentado do Banco do Brasil, com graduação em Ciências Econômicas e Direito pela FURB - Fundação Universidade Regional de Blumenau, dedica-se às letras, escrevendo prosa na forma de crônicas, contos, ensaios, textos jurídicos e poesia, especialmente, sonetos. Publicou “Raptos Líricos” - Sonetos, 2005; Portas da Solidão pela Fundação Cultural de Blumenau, 1996.
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domingo, 26 de janeiro de 2025
André Giusti (O Mais Novo Grande Senhor do Tempo)
Por que resolvera, de repente, a caminho dos 40 anos, usar relógio, era para ele mesmo um mistério daqueles encruados nas cavernas das razões desconhecidas. Em toda a vida tivera um único relógio. Em algum natal bem remoto, talvez no princípio da adolescência, o pai dera-lhe um bem vistoso, a pulseira cromada, o fundo azul perolado, os minutos e os ponteiros amarelos que brilhavam com a luz apagada para que fosse possível olhar as horas até mesmo no escuro. Usou um, dois meses se tanto. Um dia foi jogar futebol no intervalo rápido do recreio na escola, uma pelada daquelas bem improvisadas com bola feita de papelão amassado e grudado com durex. Tomou um toco de um moleque maior e o pulso em que estava o relógio foi beijar a fria dureza do chão de cimento. Sobraram apenas os estilhaços do vidro. O ponteiro das horas pulou longe, jamais foi encontrado.
Nunca mais, nunca mais te dou outro, o pai sentenciou sem raiva, embora não disfarçasse a pequena mágoa pelo descaso com o presente. Se aquilo foi trauma de infância, acabou virando peculiaridade bem resolvida de adulto: cresceu com os pulsos livres, vazios daquele peso, aprendendo a calcular as horas pelo sol, feito um índio urbano. Nos dias de chuva, perguntava as horas aos apressados que perseguiam o tempo. As vitrines das joalherias nunca roubaram seus olhos. Com o passar dos anos, não usar relógio afigurou-se como um ato reservado de rebeldia. Enquanto amigos erguiam modelos caros e robustos a prova d’água, a prova de choque, a prova de tudo, ele levantava o braço, deslizava as mãos pelo cabelo, indicava com o dedo um ponto distante, enfim, fazia qualquer movimento que permitisse aos curiosos reparar em seu pulso vazio. De vez em quando pendurava ali um elástico desses de embrulho. Fazia isso para debochar não sabia exatamente do quê. Quando um primo da namorada, sujeito com quem ele não ia muito, apareceu ostentando um modelo dourado desses que valem um carro semi-novo, comprou uma fita do Senhor do Bonfim e usou-a até que praticamente virasse pó.
Portanto, qual não foi o impacto de ver e sentir aquele peso sobre o pulso que julgava fino, que em tempo algum combinou com uma pulseira ateada a uma forma esférica de metal e vidro. Por um instante teve a impressão de que não era dele o próprio braço, e sim que o membro de outra pessoa fora-lhe enxertado às pressas, trazendo de brinde o elegante modelo suíço de pulseira de couro marrom e algarismos romanos. Presente da mulher, que pousava nele uns olhos amorosos, e que no fundo eram também os olhos doces do pai, concedendo-lhe uma segunda chance. Enquanto a esposa risonha estendia-lhe a mão para que saíssem da joalheria, o ponteiro veloz dos segundos deixava cada vez mais longe o rapaz que gastava o dinheiro apenas em livros de sebo e discos de rock. Ficara sozinho - cismado em um mundo triste e apressado - o adulto que adquirira a mania de chegar na hora, encurralado pelo horário de entrar no trabalho e deixar o filho na escola.
Quarenta, cinquenta minutos andaram pelas galerias do shopping. Ele sentindo-se um comunista aceitando ideias liberais, um ateu que tenha recebido provas da existência de Deus. Ia a passos lentos e medrosos ao lado da esposa. Disfarçadamente, sem que ela percebesse, tirou o relógio do pulso esquerdo e colocou no direito para que mesmo dentro do enquadramento social pudesse ainda existir um resto de transgressão. Estranho objeto o relógio, que para ser contrário ao padrão comum precisa estar na direita.
O senhor pode me dizer que horas são? Uma gorduchinha de seus vinte e poucos anos perguntou quando encostaram em um balcão para tomar café. Olhou-a e a princípio pensou que havia engano. Deu-se conta, afinal, e disse as horas sem muita certeza do que via nos ponteiros. Quando saíram dali, ele conferiu as horas, mais calmo, reparando melhor no mostrador, no brilho dos metais e do vidro, e caminhou um pouco mais depressa como um perfeito e grande senhor do tempo.
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ANDRÉ LUIS DE ALMEIDA GIUSTI nasceu em 1968 no subúrbio carioca de Cascadura. Passou a infância, a adolescência e boa parte da vida adulta no eixo subúrbios/zona norte do Rio de Janeiro, universo que levou para seus contos, criando personagens quase sempre filhos da classe média de bairros dessa área da cidade. No começo dos anos 90, começou a escrever contos, o que veio exatamente ao encontro de seus anseios literários. Entre 1992 e 1994, escreveu os contos de seu primeiro livro, Voando Pela Noite (até de manhã). No ano seguinte, o livro foi indicado ao Prêmio Jabuti. Em 1998 mudou-se para Brasília. Impregnado de saudades do Rio, escreveu Eu nunca fecharei a porta da geladeira com o pé em Brasília, uma novela quase autobiográfica de seus primeiros meses na capital do país. Em 2009 seu quarto livro: A liberdade é amarela e conversível. Também é jornalista, com passagens por diversas rádios e TVs do Rio e de Brasília.
Fontes:
http://www.andregiusti.com.br/ . Acesso 01 fevereiro 2010
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Francisco de Morais Mendes (O Homem que Recolhia o Tempo)
Numa velha sacola de feira, ele recolhia o tempo deixado pelos outros. Como fazia isso, não se sabe. Para ele, homem solitário, que vivia entre a casa e o serviço, a palavra “repartição” não designava apenas o local de trabalho. Cabia-lhe, como servidor público, cuidar das horas, repartir o tempo entre os colegas. Havia quinze anos executava com diligência a mesma tarefa: zelar pelo ponto, abonar as faltas justificadas, converter o excedente de horas em pagamento. O tempo era público.
Contudo, sofria de um mal sem remédio. Pressentia o correr dos dias, dos meses, dos anos, como uma subtração da vida. O tempo escapava-lhe enquanto acumulavam-se coisas por fazer. A perda do tempo é individual, lamentava.
À noite, em casa, recostado à velha poltrona de couro, sentia o peso de dois mil livros não lidos. E lia metodicamente. Olhando à esquerda, um infatigável atlas oferecia-lhe países por visitar. E ele mal saíra da cidade. À direita, centenas de obras aguardavam releitura.
Pensando constantemente no tempo, observava que boa parte do que se fala contém essa palavra vaga, sem peso, sem consistência. Certo dia, num corredor da repartição, ouviu de uma grávida que faltavam quatro meses para o bebê nascer. Então ocorreu-lhe que, durante a gravidez, ela deixava sem uso um outro tempo. O que primeiro pareceu-lhe uma brincadeira, uma anedota, tomou a forma de idéia. Depois de algumas noites em que se pegava pensando na grávida, supondo que estivesse assaltado por uma paixão em todos os sentidos inoportuna, o assunto passou de idéia a teoria. Não era a grávida que o atormentava. Era o tempo.
Formulou, então, a teoria dos tempos laterais, que correm simultaneamente na vida das pessoas. Pela última vez voltou a pensar na grávida, para explicar a si mesmo sua teoria. A vida segue num tempo que ele, como todo mundo, chamava de normal, mas qualquer alteração ou acidente põe em funcionamento um tempo dos que correm lateralmente àquele, que ele chamava de tempo outro. Durante o período da gravidez, tomado como uma alteração, o tempo normal continua a passar, mas em desuso, um cão sem dono vagando por aí.
Durante alguns dias, observou o que classificou de amostras da sua teoria. Há um tempo largado aqui fora pelas pessoas que baixam ao hospital. Há um tempo de ócio enquanto trabalham. Esse tempo ocioso fica com unhas e engrenagens à espreita, aguardando que a pessoa deixe o trabalho; acompanha-a até o ponto do ônibus, e enquanto, após um banho quente, a pessoa decide se liga a tevê ou coloca um disco para tocar, ele está pronto para seguir. Em outra circunstância, enquanto a pessoa mergulha a atenção no noticiário do rádio, fica desocupado o tempo da distração. Nenhum deles deixa de correr.
Certa noite, acomodado na poltrona, voltou a refletir. Era preciso recolher o cão sem dono. A outro, não iria fazer falta. A ele, o livraria da aflição.
Na manhã seguinte, mexendo no quarto de coisas abandonadas, encontrou a sacola que passou a carregar. Das grávidas, subtraía o tempo da não gravidez. Dos colegiais em algazarra à saída da escola, recolhia variadas espécies de tempo. Do sujeito que lia no ônibus, tomava o tempo de olhar pela janela. O mais surpreendente eram aquelas pessoas que parecem pensar em coisa alguma, absolutamente desligadas. Dessas, fluíam, ou melhor, jorravam tempos em profusão. E recolhia, recolhia, recolhia.
Voltara a ler sem ansiedade, sabendo que acumulava considerável reserva de tempo. Em pelo menos um momento, levantou os olhos do livro e pensou na imortalidade. Deu um breve sorriso, sem precisar recorrer ao espelho para encontrar o que supunha um rosto rejuvenescido. Voltou a concentrar-se na leitura. O tempo, agora, não passava; vinha até ele. O cão encontrara o dono.
Certa manhã, depois de ler no jornal sobre um sujeito condenado a muitos anos de prisão, foi tomado de grande ansiedade. Ocupado em juntar os tempos dispersos no presente, não lhe ocorrera tocar num tempo futuro. Nem sequer havia pensado nisso. No entanto, vislumbrava que aquele tempo podia ser recolhido de uma única vez. Tenho que capturar o tempo que ele deixa aqui fora, mas onde estará?, pensou, quase faltando-lhe o ar. Saindo às pressas com a sacola, sem saber exatamente onde buscar aquela fatia esplêndida de tempo, distraiu-se numa travessia e, atropelado por um caminhão de mudanças, teve morte instantânea.
Corroída pelo tempo e pelo uso, ficou a sacola jogada num canto da rua. Os que olhavam em seu interior, de algum modo sabiam que vazia não estava; era um engano dos olhos. Afastavam-se ao sentir uma espécie de sufocação. A que não sabiam nomear.
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FRANCISCO DE MORAIS MENDES é jornalista e escritor de Belo Horizonte/MG. Publicou os livros de contos “Escreva, querida” (Mazza Edições, 1996) e “A razão selvagem” (Ciência do Acidente, 2003). Vencedor dos prêmios “Guimarães Rosa”, do governo do Estado de Minas Gerais, “Cidade de Belo Horizonte”, da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, e “Luiz Vilela”, da Fundação Cultural de Ituiutaba.
Fontes:
Letras e Ponto. Acesso 28 nov 2011.
http://www.letraseponto.com.br/textos_listar.php?id=23
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Vereda da Poesia = 206
MARIA THEREZA CAVALHEIRO
São Paulo/SP , 1929 – 2018
De meu peito arranquei tudo
que de ilusão ainda houvesse,
e ela então, mato miúdo,
com o tempo de novo cresce!
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Poema de
JOSÉ FELDMAN
Campo Mourão/PR
Velho Teatro
Velho teatro abandonado,
que tantos sucessos houve,
palco de um tempo passado…
Hoje só restam cadeiras vazias,
quebradas, num canto jogadas,
memórias daqueles dias
de glórias conquistadas.
A parede carcomida
com cartazes, página rasgada
no livro de uma outra vida,
num passado condenada.
Na estação da saudade
cinzas de um fado,
testemunhas da verdade.
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Quadra de
PAULO LEMINSKI
Curitiba/PR, 1944 – 1989
Tem horas que é caco de vidro
Meses que é feito um grito
Tem horas que eu nem duvido
Tem dias que eu acredito.
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Poema de
CECÍLIA MEIRELES
Rio de Janeiro RJ, 1901-1964
De que são feitos os dias?
- De pequenos desejos,
vagarosas saudades,
silenciosas lembranças.
Entre mágoas sombrias,
momentâneos lampejos:
vagas felicidades,
inatuais esperanças.
De loucuras, de crimes,
de pecados, de glórias
- do medo que encadeia
todas essas mudanças.
Dentro deles vivemos,
dentro deles choramos,
em duros desenlaces
e em sinistras alianças...
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Trova de
AMARYLLIS SCHLOENBACH
São Paulo/SP
Contra a angústia e o contratempo,
eu vivo de sobreaviso...
Pelos meandros do tempo,
perdeu-se meu pobre riso!
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Poema de
FERNANDO PESSOA
Lisboa/Portugal, 1888 – 1935
Há um tempo
Há um tempo em que é preciso
abandonar as roupas usadas ...
Que já têm a forma do nosso corpo ...
E esquecer os nossos caminhos que
nos levam sempre aos mesmos lugares …
É o tempo da travessia ...
E se não ousarmos fazê-la ...
Teremos ficado ... para sempre ...
À margem de nós mesmos...
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Trova de
ALBA HELENA CORRÊA
Niterói/RJ
Foi bem triste a descoberta:
o tempo, descontrolado,
me trouxe a pessoa certa,
porém, no momento errado!
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Poema de
VANDA FAGUNDES QUEIROZ
Curitiba/PR
Dois Tempos
Eu ficava à janela olhando o trem.
Qual seria o seu destino?…
Era um fascínio imaginar, em fantasia,
quanta gente que partia,
enquanto eu ficava à janela
olhando o trem.
Hoje voltei. Quis rever meu mundo antigo.
Talvez o anseio de buscar abrigo,
ou a esperança de encontrar comigo,
ou simplesmente ver o trem passar.
Daquela antiga estação,
do meu velho casarão…
nada encontrei, porém.
Onde está a vida que eu achava linda?
Afinal, o que será que resta ainda
de quem ficava à janela olhando o trem?…
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Trova de
EDMAR JAPIASSÚ MAIA
Miguel Couto/RJ
Os vincos nas faces nuas
o tempo jamais refreia,
pois são rugosas as ruas
onde a velhice passeia!
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Poema de
EMILY DICKINSON
Amherst/EUA, 1830 – 1886
Dizem que o tempo...
Dizem que o tempo ameniza
Isto é faltar com a verdade
Dor real se fortalece
Como os músculos, com a idade
É um teste no sofrimento
Mas não o debelaria
Se o tempo fosse remédio
Nenhum mal existiria
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Trova de
DOMITILLA BORGES BELTRAME
São Paulo/SP
Envelheço!... E o tempo agora,
parece um menino arteiro,
no relógio, a toda hora,
acelerando o ponteiro...
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Soneto de
MÁRIO QUINTANA
Alegrete/RS (1906 – 1994) Porto Alegre/RS
Recordo Ainda
Recordo ainda... e nada mais me importa...
Aqueles dias de uma luz tão mansa
Que me deixavam, sempre, de lembrança,
Algum brinquedo novo à minha porta...
Mas veio um vento de Desesperança
Soprando cinzas pela noite morta!
E eu pendurei na galharia torta
Todos os meus brinquedos de criança...
Estrada afora após segui... Mas, aí,
Embora idade e senso eu aparente
Não vos iludais o velho que aqui vai:
Eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino... acreditai!...
Que envelheceu, um dia, de repente!...
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Trova de
JESSÉ F. NASCIMENTO
Angra dos Reis/RJ
Tempo em louca disparada,
- isso me causa terror -
a vida na autoestrada
pisa no acelerador.
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Soneto de
FRANCISCO MIGUEL DE MOURA
Teresina/PI
Se
Se o tempo é sentinela lá nos cimos,
e permite a acumulação de dores,
sem fazer festas nem sequer rumores,
quando em adeuses todos nós partimos...
Se o tempo é o rei dos sentenciadores
e assim nos vê (mas creio que não vimos),
por que é que dele, embora assim, não rimos
como quem ri dos campos e das flores?
Se o tempo não pensa... Nem conforma,
do nascimento à morte a um bom destino,
a vida - onde o sofrer é sempre norma...
Só enxergo um caminho que conforte:
- Voltar ao nosso tempo de menino,
que foi quando tivemos melhor sorte.
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Trova de
ADACY DE O. NETTO VALADÃO
Barra do Piraí/RJ
Só meu coração escuto
quando, na volta, demoras:
cada segundo é um minuto
e os minutos viram horas
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Poema de
CARLOS LÚCIO GONTIJO
Santo Antonio do Monte/MG
Tempo Rei
Meus pés não encontram rastros no caminho
Minha rua não é mais cadinho de meus passos
Calçada nua que trocou
paralelepípedo por asfalto
Na casa em que morei não há mais samambaias
Dando saias verdes ao alpendre que me recebia
Onde logo eu via o rosto redondo de minha mãe
A vida vai compondo gosto novo para as gerações
Porções de desgosto agora moram em mim
O tempo realmente é invencível rei
Tudo o que eu pensei um dia dominar ou saber
O tempo cuidou de me provar que nada sei!
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Trova de
MARA MELINNI GARCIA
Caicó/RN
Segue o tempo, indiferente,
pela idade, em despedida...
Passa, mas deixa presente
o doce encanto da vida!
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Poema de
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Itabira/MG, 1902 - 1987, Rio de Janeiro/RJ
Os ombros suportam o mundo
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
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Vereda da Poesia
Marcia Tiburi (O Desejo do Tempo)
Os antigos gregos tinham em Chronos, deus do tempo, a imagem do pai todo poderoso devorador dos filhos. Ele criava, ele mesmo aniquilava. O tempo cronológico é apenas o tempo que passa. Mas a experiência do tempo não passa tão simplesmente, somos nós que passamos por ela. Nos constituímos, em nossa interioridade, a partir dela. Como dizia Santo Agostinho, o tempo é algo complexo demais, sendo muito difícil para cada um explicá-lo. Tanto quanto é fácil de entender, pois estamos nele desde sempre. O tempo nos possui e não o contrário.
UM DIA DE CADA VEZ
É melhor viver um dia de cada vez? É provável que ouçamos ou pronunciemos esta frase em vários momentos da vida. Quando incertezas e desesperanças se põem em cena é a reflexão sobre o tempo (seja ele dito na forma dos dias, das horas, do tempo ao tempo) que sustenta nossas ponderações. Ou na básica ansiedade que move o cotidiano, quando não compreendemos as próprias direções, quando, sem perspectiva ou foco, parece que não buscamos nada. Ansiosos quando queremos muito, nem sempre sabemos bem o que queremos. E nos angustiamos porque estamos no tempo, medido, e não na eternidade, desmedida. A vida exige solução, mas o tempo é o limite de toda vontade. Por isso, ele também é possibilidade.
A frase traz uma sabedoria básica na forma de um conselho sobre o uso e a compreensão do tempo, do qual depende o desejo, nome que se dá ao modo de nos relacionarmos ao futuro, o nosso e o que compomos junto de outros. A frase nos diz sobre um modo de tratar com a frustração comum na sociedade de hoje: a da ausência do desejo que diz respeito a uma incapacidade de criar projeto de vida. Ou seja, o que fazer da vida dentro de seu limite. “Um dia de cada vez” significa: “vá com calma, aproveite o tempo presente”, mas por outro lado, também diz “esqueça a totalidade da vida”. Aí conhecemos o conflito com a “temporalidade” sobre o qual vivemos cegos. Se pensarmos em termos de vantagens, talvez não seja frutífero ter em mente a vida inteira, o todo do que podemos fazer com o tempo que dispomos, pois não há certeza sobre o que virá. Porém, sem pensar no todo da vida, que é o tempo que temos para viver, talvez fique difícil orientar-se dentro dela. Sem sabermos do nosso tempo, estamos perdidos de nós mesmos, sem futuro. A dimensão do tempo é mais que psicológica e metafísica, ela é também prática. Põe-nos diante de nossa liberdade de decisão, define o destino, ou o tempo, que devemos construir.
A experiência do tempo pode ser uma experiência de angústia, de que algo desconhecido nos espreita. Só o desejo é a cura desta sensação de opacidade da vida. O desejo não é tormento, mas o caminho para sair dele. Ela não vem do nada. Nasce do tempo experimentado em seu limite, do fato de que há a consciência perturbadora da existência que é a morte. Enquanto esperamos seguimos a “viver um dia de cada vez”. No tempo que é sempre medida, a soma dos dias, compõe o sentido da vida, o valor da eternidade.
OS LIMITES DA EXPERIÊNCIA
Assim como damos “limites” às crianças para que possam orientar seus desejos, seus quereres e poderes, nós, mesmo adultos, deveríamos nos reorientar no nosso limite com a vida, a que chamamos tempo. O tempo, todavia, não é a mera duração da vida. A duração é só o tempo do relógio, ela se parece mais com o espaço que percorrem os ponteiros no mostrador. Nosso modo de compreender o tempo é o que nos orienta na vida: o tempo do trabalho, o tempo do lazer, o tempo do conhecimento, do amor, o tempo interior, o tempo domesticado pela vida orientada e administrada que vivemos. O tempo é um radar que nos ensina aonde ir, nossas urgências, os caminhos que precisamos escolher diante da impossibilidade de seguir todos.
A frase sobre o dia a dia a ser vivido de um em um, nos serve de antídoto quando vivemos esta frustração tão específica que é a do tempo que não aprendemos a experimentar em seus dois polos, o do todo fora de nós (a família, a sociedade, a história, o planeta) e o do que se elabora em nossa interioridade. De um lado, vivemos o nosso tempo pessoal, o tempo de cada individualidade, de cada um que experimenta seu corpo, seu sentimento, medos, anseios, possibilidades, e sua noção de morte. O tempo individual é sempre o tempo da insegurança. Buscamos os outros: filhos, maridos, amigos, trabalho, para participarmos do tempo coletivo onde, ao partilharmos a insegurança com as demais individualidades, a eliminamos. Para tudo isso é preciso sempre muita atenção sobre o que estamos vivendo.
A AVAREZA DO TEMPO
Por outro lado, todos aqueles que sabem o valor do tempo, costumam pensá-lo em analogia com o dinheiro: tempo é dinheiro. Quem dispensa tempo, dispensa dinheiro ou, em termos mais técnicos, dispensa lucro. Mas o que é o lucro senão a vantagem que temos em relação aos outros, ao trabalho, à vida? O lucro é um “a mais”, mas a vida não vai nos dar mais tempo. Logo, tempo não é necessariamente dinheiro, mas justamente o que nos logra se a vida não foi bem vivida. Se o avaro economiza dinheiro, quem economizar tempo não poderá ser avarento, a rigor, o tempo é algo que sempre se multiplica. O tempo se multiplica na generosidade. É uma questão de organização. O desejo só surge como mensagem na garrafa àquele que entendeu a função de seu tempo próprio no tempo coletivo.
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MÁRCIA ANGELITA TIBURI nasceu em Vacaria/RS, em 1970. Graduada em filosofia (1990), e em artes plásticas (1996); mestre em Filosofia (1994) e doutora em Filosofia (1999) com ênfase em Filosofia Contemporânea. Publicou diversos livros de filosofia, entre elas as antologias As Mulheres e a Filosofia, O Corpo Torturado, e Mulheres, Filosofia ou Coisas do Gênero, Seis Leituras sobre a Dialética do Esclarecimento. Em 2008 publicou Filosofia em Comum - para ler junto. Em 2010 publicou o infantil Filosofia Brincante e Diálogo/Desenho, em 2011 Olho de Vidro, a televisão e o estado de exceção da imagem , também os romances Magnólia em 2005 indicado em 2006 ao Jabuti de melhor romance e o segundo volume da série Trilogia Íntima chamado A Mulher de Costas em 2006. Em 2009 finalizou com o romance O Manto, a série intitulada Trilogia Íntima. Escreveu para várias revistas e jornais e desde 2008 é colunista da Revista Cult. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Mackenzie, professora convidada da Fundação Dom Cabral. Realiza palestras sobre filosofia, ética e educação e temas relacionados.
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