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sábado, 21 de setembro de 2024
Carolina Ramos (Trovando) “25”
Geraldo Pereira (A Mangueira e a Cerejeira)
Em tarde assim, de suave tropicalidade, com os ventos alísios assoprando o frescor dos ares, mesmo que a ansiedade fustigue a intimidade d’alma, antecipando momentos de tensão emergente, nada pode ser melhor que saborear uma manga Rosary, presente de Oswaldo Martins de Souza, leitor habitual desses meus escritos. Ainda mais, se a morosidade das horas permite a leitura atenta das contribuições do agrônomo ao estudo dessas frutas da Ilha de Itamaracá. Considerações de caráter técnico e ao mesmo tempo sociológico ou antropológico, pelo que traz dos convívios pretéritos, das superstições e das crenças.
Prendo-me, particularmente, à lenda da manga Primavera, uma das mais saborosas daquele recanto, nascida dos amores frustrados de um padre por uma moça.
Corriam os anos do século XVII e o jovem Saldanha apaixonara-se, perdidamente, pela moçoila casadoira de nome Sancha, cortejando-a o mais que podia ou o mais que lhe permitiam as regras do tempo. Decidido, foi à presença do pai e decantou os sentimentos, recebendo, todavia, a maior de todas as negativas de que se tem notícia pras bandas de Itamaracá. Voltou cabisbaixo e por certo chorou baixinho as lágrimas de todas as perdas, o pranto da decepção estabelecida. Mas, não desistiu, antes buscou o caminho das glórias, para impressionar o resistente sogro. Lutou contra os holandeses e venceu batalhas, matou gente e quase morreu, levantou-se ninguém sabe como, depois de ter sido considerado destinado já à outra dimensão da vida. Bateu à porta do seminário e se fez sacerdote.
Um dia, sem esquecer nunca do semblante de Sancha, mandado trabalhar em terras da Ilha, tomou-se da coragem que anima os amantes condenados à sina das rupturas e procurou a velha amiga, que solteira ainda vivia em companhia de um irmão e sua prole. Bateu à porta vestido a caráter, de batina e barrete! Foi ela quem se achegou e o recebeu, ouvindo-lhe pronunciar o nome que agora tinha: Pe. Aires Ivo. Não resistiu à identificação do antigo amor, da face que mostrava ainda traços da juventude e da voz, cuja tonalidade apontava a idade, mas conservava o timbre dos outroras vividos. Caiu por terra, fulminada, inerte, diante da inesperada visita, da surpresa e da condição que adotara, a de celibatário.
Morreu, porque se morre mesmo, quando a decepção faz consolidar o desgosto!
Foi sepultada em cova rasa, rodeada de jasmins e numa das vezes em que o cura por lá voltou, para retomar imaginárias aproximações, com as quais convivera a existência inteira, plantou uma semente de manga no canto desses seus proibidos encantos. A mangueira desabrochou viçosa, cresceu em busca dos céus e deu o mais doce de todos os frutos de que se sabe em terras assim, quinhentona já: a manga Primavera.
Plantada em solo diferente daquele das origens, fora da Ilha e longe daquela fada, que é madrinha também, não repete o sabor de mel, o adocicado do gosto, pra que não se fale de Aires, o padre ou de Sancha, a musa! Nem a ciência e nem a técnica conseguiram explicar a lenda ou mudar de hábitos a árvore dos amores rompidos.
E nessa mesma tarde, de suave tropicalidade, encontro no computador uma correspondência de lugar distante, bem distante. Chega de Tóquio, assinada por amiga minha, Harumi de prenome, dando conta que a sakura, a cerejeira dos japoneses, floresceu e encheu as ruas da cidade com a beleza das pétalas. Há gente sentada na relva admirando as flores, jovens e velhos, casais enamorados e errantes solitários.
Será que existem homens como o cura de Itamaracá ou mulheres como Sancha embevecidos com o efêmero fenômeno, rebuscando passados e fantasiando amores? Talvez sim! Talvez não! Mas, por todo o tempo em que este mundo durar, quer queiram ou quer não queiram, amantes embevecidos hão de chorar as perdas, derramando as silentes lágrimas das distâncias, com as quais regam as árvores de bons frutos das lembranças eternizadas.
Fonte: Geraldo Pereira. A medida das saudades. Recife/PE, 2006. Disponível no Portal de Domínio Público.
Vereda da Poesia = 115 =
TEIXEIRA LEITE
Prado/BA
Todo amor que vai e volta,
de fingido tem sinais.
Um dia ele as asas solta
e, é certo, não volta mais.
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Poema de
VIVALDO TERRES
Itajaí/SC
Lisboa tu és divina
Lisboa tu és divina...
Sabes quanto me fascinas!
Quantas vezes te adorei!
Pois és tu que me iluminas.
Cidade maravilhosa!
Cheia de amor e carinho...
Quantas vezes te adorei.
Pois estas no meu caminho!
Oh Lisboa dos poetas!
E dos grandes escritores...
Como posso te esquecer.
Se sou um dos teus amores!
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Trova de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP
Às vezes, me desespero
e penso: "Se eu trabalhasse...
mas deito na rede e espero
que o "mau pensamento" passe!!!
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Soneto de
GONÇALVES DIAS
Caxias, 1823 – 1864, Guimarães
Ando abaixo
Ando abaixo, ando acima, e sempre às solas,
Afronto a tempestade, o vento, o frio,
Qual se fora ambulante corropio,
Seguindo o exemplo enfim de outros patolas.
Do meu engenho e arte gasto as molas
Em suspiros quebrar que à luz envio;
E, já por teima só, render porfio
A cabeçuda, por quem rompo as solas.
E a amo, ela me adora com loucura,
Di-lo ao menos; se a beijo não se espanta;
Paga-me até; se insisto... adeus ternura!
Do matrimônio a estátua se levanta,
Negro espectro! ela torna-se brandura,
Eu a imagem do horror que me aquebranta.
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Trova de
TAPAJÓS DE ARAÚJO
Belém/PA
Tange o vento, em luta franca,
as penas que a ave soltou,
mas ninguém do peito arranca
penas que o tempo deixou.
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Poema de
VINICIUS DE MORAES
Rio de Janeiro/RJ, 1913 – 1980
Bilhete a Baudelaire
Poeta, um pouco à tua maneira
E para distrair o spleen
Que estou sentindo vir a mim
Em sua ronda costumeira
Folheando-te, reencontro a rara
Delícia de me deparar
Com tua sordidez preclara
No velha foto de Carjat
Que não revia desde o tempo
Em que te lia e te relia
A ti, a Verlaine, a Rimbaud...
Como passou depressa o tempo
Como mudou a poesia
Como teu rosto não mudou!
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Trova Popular
Vossos cabelos na testa
é o que vos dá tanta graça;
parecem meadas de ouro
aonde o sol se embaraça.
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Soneto de
WILLIER CARLOS PEREIRA
Goiânia/GO
Adão e Eva
Deus fez a mulher tão bela,
De uma simples costela de Adão.
Só Ele pode fazer de uma costela,
A mulher, símbolo da perfeição.
E Adão se apaixonou por ela,
Dando-lhe inteiro seu coração.
Viu mil e um encantos nela,
Que perdeu o juízo e a noção.
Eva era seu verdadeiro paraíso...
Razão de alegria e de sorriso,
Por aquela criação tão bela.
Para ter outras Evas iguais aquela,
Por certo ele não titubearia:
Várias outras costelas ele daria.
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Trova de
GERSON CESAR SOUZA
São Mateus do Sul/PR
Eu comparo o meu sonhar
com quem, na praia, anda ao léu,
colhendo estrelas-do-mar,
querendo as que estão no céu.
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Poema de
PAULO LEMINSKI
Curitiba/PR, 1944 – 1989
Amor bastante
quando eu vi você
tive uma ideia brilhante
foi como se eu olhasse
de dentro de um diamante
e meu olho ganhasse
mil faces num só instante
basta um instante
e você tem amor bastante
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Trova Humorística de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP
Ao pai dela, o cafajeste
explica: "Foi num pagode"...
O velho é um "cabra da peste"
e a moça explica: "Deu bode!"
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Soneto de
EUGÊNIA CELSO
(Maria Eugênia Celso Carneiro de Mendonça)
São João Del Rey/MG, 1886 – 1963, Petrópolis/RJ+
Meu céu
És para alguns a fúlgida certeza
De outra vida vivida em perfeição,
Uma esperança de compensação
Ao velho mal de toda a natureza.
Felicidade, sem a atroz surpresa
Do amanhã destruidor, eterna união,
Recompensa, esplendor, paz e perdão,
Luz sem ocaso em formosura acesa...
Meu céu, no entanto, a pátria imorredoura
Do sonho de ventura em que me assombro
E meu quinhão de glórias entesoura,
Céu que um reflexo de saudades doura,
Seria se, de novo, no meu ombro,
Pousasses, filho, a cabecinha loura...
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Trova de
GISLAINE CANALES
Herval/RS, 1938 – 2018, Porto Alegre/RS
A paixão não tem coerência,
chega ao nosso coração,
rápido e sem paciência,
parecendo um furacão!
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Poema de
DINA SALUSTIO
(Bernardina Oliveira)
Santo Antão/Cabo Verde
Éramos Tu e Eu
Éramos eu e tu
Dentro de mim
Centenas de fantasmas compunham o espetáculo
E o medo
Todo o medo do mundo em câmara lenta nos meus olhos.
Mãos agarradas
Pulsos acariciados
Um afago nas faces.
Éramos tu e eu
Dentro de nós
Suores inundavam os olhos
Alagavam lençóis
Corriam para o mar.
As unhas revoltam-se e ferem a carne que as abriga.
Éramos tu e eu
Dentro de nós.
As contrações cada vez mais rápidas
O descontrole
A emoção
A ciência atenta
O oxigênio
A mão amiga
De repente a grande urgência
A Hora
A Violência
Éramos nós libertando-nos de nós.
É nossa a dor.
São nossos o sangue e as águas
O grito é nosso
A vida é tua
O filho é meu.
Os lábios esquecem o riso
Os olhos a luz
O corpo a dor.
A exaustão total
O correr do pano
O fim do parto.
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Trova Funerária Cigana
Ao filho que a mão da morte
roubou com desgosto tanto,
contai as tristezas minhas
meu sentimento e meu pranto.
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Soneto de
MARTINS FONTES
Santos/SP, 1884 – 1937
Sol das almas
À última luz que doira as tardes calmas,
À última luz de amor que beija o poente,
Se dá, no meu país, poeticamente,
A denominação de "Sol das Almas"!
Na montanha, a palmeira, de repente,
Brilha! O mistério lhe incandesce as palmas!
Para outro mundo leva o pó das almas
A luminosidade comovente!
Vai morrer e ainda fulge! Ainda! Ainda!
Como um sorriso, finda a claridade,
Como um soluço, a claridade finda!
Adeus! Adeus! É o fim da Mocidade!
Nunca mais! Nunca mais! E era tão linda!
Qual é teu nome, Luz do Azul? — Saudade.
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Trova Humorística de
MARIA LÚCIA DALOCE
Bandeirantes/PR
Lá no altar, um ébrio em pranto,
que por vingança rechaça:
- Ou tenho aumento, meu Santo,
ou corto... a sua cachaça!
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Poema de
JANSKE NIEMANN SCHLENKER
Curitiba/PR
Um Pequeno Túmulo
Lá na campina, queria ser flor
para que tua mão me colhesse,
ou ser o capim,
para que pudesses descansar em mim,
ou ser o caminho
por onde voltasses a ser meu,
ou ser um pequeno túmulo
- sem nome e sem data -
á beira da tua estrada
... e só tu saberias onde estou...
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Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR
Afinal, que te aproveita
o labor que te consome,
se não doas, da colheita,
uma parte a quem tem fome?…
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Soneto do “Príncipe dos Poetas Capixabas”
NARCISO ARAÚJO
(Narciso da Costa Araújo)
Vila de Itapemirim/ES, 1877 – 1944
Casa triste
Como está triste aquela casa! Nela,
Meus olhos viam tanta vez, outrora,
Em purpurejos, rútila, a janela
Toda tocada de clarões de aurora.
Ali morou Maria, doce e bela
Conterrânea gentil, mimo de Flora,
Que perfumava, em outro tempo, aquela
Casa que eu vejo tão tristonha, agora.
Como está triste aquela casa! Quando,
Alheio a tudo, longamente a fito,
Uma saudade, dentro em mim chorando,
Recorda o feliz tempo, em que Maria,
Com o rosto alegre, juvenil, bonito,
Era, à janela, um sol que resplendia.
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Trova de
JAIME PINA
São Paulo/SP
Que os nossos filhos não herdem
os males que o mundo afligem.
Nossos sonhos já se perdem
no negrume da fuligem!
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Hino de Tatuí/SP
Tatuí, Cidade Ternura,
Terra querida onde vivemos
Tens filhos de grandes méritos,
É justo que os louvemos:
Nas letras, Paulo Setúbal,
Recebeu seu galardão;
Na caridade, Chico Pereira,
Foi exemplo de cristão.
No verde-esmeralda das melancias
No amarelo-ouro do abacaxi
Lembramos a Bandeira do Brasil
Nas colheitas de Tatuí.
Tatuí do XI de Agosto
Tatuí da Festa de São Jorge,
A ternura é a tua carga, o coração o teu alforje
A ternura é a tua carga, o coração o teu alforje
No progresso industrial,
Manoel Guedes foi pioneiro;
Na música, Nacif e Bimbo
Brilharam no estrangeiro;
No polo e no futebol,
Na justiça e na arte
No carnaval e no fandango,
Tatuí fez estandarte.
No verde-esmeralda das melancias
No amarelo-ouro do abacaxi
Lembramos a Bandeira do Brasil
Nas colheitas de Tatuí.
Tatuí do XI de Agosto
Tatuí da Festa de São Jorge,
A ternura é a tua carga, o coração o teu alforje
A ternura é a tua carga, o coração o teu alforje
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Trova Humorística de
HUMBERTO RODRIGUES NETO
São Paulo/SP
Há duas coisas bem opostas
que nos matam de repente:
um vento por trás das costas
e uma sogra pela frente!
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Soneto de
EMÍLIO DE MENEZES
Curitiba/PR (1816– 1918)
Pinheiro Morto
(Ao Paraná)
Nasceste onde eu nasci. Creio que ao mesmo dia
Vimos a luz do sol, meu glorioso irmão gêmeo!
Vi-te a ascensão do tronco e a ansiedade que havia
De seres o maior do verdejante grêmio.
Nunca temeste o raio e eu como que te ouvia
Murmurar, ao guiar da fronde, ao vento: - "Teme-o
Somente o fraco arbusto! A rija ventania,
Teme-a somente o errante e desnudado boêmio!
Meu vulto senhorial queda-se firme. Embala-mo
O tufão e hei de tê-lo eternamente ereto!
Resisto ao furacão quando a aura abate o cálamo!"
Ouve-me agora a mim que, em vez de ti, vegeto:
Já que em ti não pesei, entre os fulcros de um tálamo,
Faze-te abrigo meu nas entraves de um teto!
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Trova de
FRANCISCO ASSIS MENEZES
Porangatu/GO
Vendo o mundo sem brandura,
só cogitando da guerra,
tenho medo que a ternura
fuja da face da Terra.
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Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França
A Gota e a Aranha
Ao dar o inferno à luz a Gota e a Aranha,
«Ufanem-se, lhes disse, filhas minhas,
Em maldade, bem má, ninguém lhes ganha.
Nem feitas de encomenda há tais praguinhas!
Cuidemos de dispor-lhes aposentos.
Dou-lhes à escolha alcáçeres (castelos) dourados,
Choças gretadas ao raivar dos ventos,
Aos lutos, à miséria. Minhas filhas,
Façam, de mútuo acordo, estas partilhas,
Ou louvem-se nos dados.
— Choupana, acode a Aranha, não me agrada.»
A Gota, vendo os paços apinhados
Da raça dos Galenos,
Teve medo a grandezas de pousada.
Cativa-se do menos:
Arma a tenda em casebre esburacado.
Repete-na à larga, a fome ceva
No artelho dum coitado.
«Aqui não falta que fazer, exclama.
Nem conheço Esculápio que se atreva
A trocar-me o fofinho desta cama
Pelo do andar da rua.»
No entanto a Aranha vai urdindo a sua,
Sumida no seu ninho,
Um friso de ouro e azul, tão rija, e fera,
E senhora de si, como se houvera
Aforado a seus donos o cantinho.
Estende a teia e espera.
Quase de gáudio estoura:
Chovem-lhe as moscas do artesão vizinho,
Eis senão quando arranca-lhe a vassoura,
Em punhos de criada,
Teia, esperanças, alegria, tudo!
A cada nova teia, vassourada.
Em vão se muda o nosso animalejo;
Quer recanto mais fundo, e cego, e mudo:
Vem a vassoura, e intima-lhe despejo!
Vai de visita à Gota, que na aldeia
Vive mil vezes mais afortunada
Que a própria Aranha do varrer da teia.
Seu hóspede, um grosseiro,
Sai com ela a sachar (lavrar) de madrugada,
Faz de azemel (carregador), simula de moleiro,
Lida a fartar, pois gota bem lidada,
Dizem que é meia cura.
«Não posso mais, — suspira. A desventura
Prostra-me, irmã e amiga. Se consente,
Troquemos de pousada. Fica assente?»
E a Gota logo: «Aceito.»
Pega-lhe a Aranha na palavra, e a jeito
Se hospeda na choupana,
Onde ri de vassouras e criadas.
E, de sorrate (dissimulada), a mana
Embebe-se nas juntas dum prelado,
Que sepulta em perpétuas almofadas.
Cataplasmas receita a medicina,
Oleoso xarope, amarga quina,
Enxúndias (gorduras) e tisanas (cozimentos):
E vê sem grande pejo, nem cuidado,
Oh, cura inteligente!
Que engorda o mal à custa do doente.
Só lucraram na troca as duas manas.
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Vereda da Poesia
Dissecando a Magia dos Textos (“A Menina de Tranças”, de Aparecido Raimundo de Souza)
por José Feldman
O escritor deste conto, Aparecido Raimundo de Souza, é natural de Andirá/PR, radicou-se em Vila Velha/ES. Formado em Direito e Jornalismo, trabalhou como jurado do programa Sílvio Santos e Ratinho. Escreveu para diversas revistas e jornais do RJ, ES e MG. Atualmente é free-lancer para a Revista "Quem" (da Rede Globo), e às quintas escreve crônicas para o jornal "O Dia", no Rio de Janeiro. Colabora com seus textos e poemas neste blog desde 2010.
ANÁLISE
1. Contexto e Ambiente
O cenário de Santa Luzia do Monte Sagrado, um vilarejo pacato, simboliza a simplicidade e a tranquilidade da vida rural. Este ambiente serve como um contraste poderoso com as complexidades do mundo moderno, destacando a importância das relações interpessoais e da tradição. A descrição detalhada da praça central, onde a vida social se desenrola, é um microcosmo da comunidade, mostrando como as interações moldam a identidade coletiva.
2. Personagem Principal: Laudicea
Laudicea, a "Menina de Tranças", é uma figura emblemática que representa a inocência e a beleza da juventude. Seus longos cabelos trançados, adornados com fitas coloridas, simbolizam tanto a sua individualidade quanto a conexão com as tradições familiares. Sua habilidade de ouvir e absorver histórias a torna uma ponte entre o passado e o presente, destacando o valor da oralidade e da transmissão de saberes.
3. Temática do Desejo e da Magia
O conto aborda a ideia de desejo através da história do viajante e do fio de ouro que pode realizar sonhos. Este elemento mágico serve como um catalisador para a transformação da realidade. A escolha de Laudicea em desejar a preservação da paz e da harmonia em sua comunidade reflete uma maturidade além de sua idade, enfatizando a responsabilidade que vem com o poder de realizar desejos.
4. A Comunidade como Personagem
A dinâmica da comunidade é central para a narrativa. A transformação que ocorre após o desejo de Laudicea — as pessoas se unindo e ajudando umas às outras — sugere que o verdadeiro poder reside nas relações humanas e na solidariedade. O conto critica a desumanização que pode ocorrer em ambientes urbanos e modernos, onde a individualidade muitas vezes se sobrepõe ao bem comum.
5. Ciclo da Vida e a Evolução Pessoal
Laudicea evolui de uma menina inocente para uma mulher que compreende a verdadeira essência da felicidade. Sua jornada simboliza o ciclo da vida e a importância de cultivar valores que transcendem o material. Mesmo após a morte de seus entes queridos, sua decisão de explorar o mundo, levando consigo o fio dourado, é um ato de coragem e reflexão sobre o legado que deixa.
6. Simbolismo e Metáforas
O fio dourado é uma metáfora poderosa que representa a conexão entre o desejo e a realidade. Ele também simboliza a continuidade da vida e das tradições, mostrando que a verdadeira magia não está em objetos materiais, mas nas ações e na bondade. As tranças de Laudicea, por sua vez, podem ser vistas como uma representação da interconexão entre os indivíduos e a comunidade.
LIÇÕES DO CONTO
A jornada de Laudicea em "Menina de Tranças" oferece várias lições valiosas. Aqui estão algumas das principais:
1. Importância da Comunidade
Laudicea demonstra que a força de uma comunidade reside na união e na solidariedade. A colaboração e o apoio mútuo são essenciais para enfrentar desafios e construir um ambiente harmonioso.
2. Poder dos Desejos Sinceros
O desejo de Laudicea de preservar a paz e a felicidade na comunidade ilustra que intenções puras e altruístas podem ter um impacto significativo na realidade ao nosso redor.
3. Valor da Tradição e da Oralidade
A conexão de Laudicea com as histórias de sua família e da comunidade enfatiza a importância de preservar tradições e transmitir conhecimentos por meio da oralidade, enriquecendo a identidade cultural.
4. Crescimento Pessoal e Maturidade
A transição de Laudicea de uma menina inocente para uma mulher consciente mostra que o crescimento pessoal envolve não apenas experiências, mas também reflexões sobre o que realmente importa na vida.
5. A Magia nas Pequenas Coisas
O conto revela que a verdadeira magia não está em elementos sobrenaturais, mas nas ações cotidianas e na bondade. Pequenos gestos podem transformar vidas e fortalecer laços.
6. Resiliência diante da Perda
A capacidade de Laudicea de seguir em frente após a perda de entes queridos ilustra a importância da resiliência e da busca por novos horizontes, mesmo em tempos difíceis.
7. Autenticidade e Individualidade
Laudicea, através de seu desejo, representa a autenticidade. Ser verdadeiro consigo mesmo e com os outros é fundamental para construir relacionamentos significativos.
RELAÇÃO DOS VALORES ABORDADOS NO CONTO DE APARECIDO COM OUTROS AUTORES
"O Pequeno Príncipe", de Antoine de Saint-Exupéry
Estão presentes valores como amizade, inocência, e a importância das coisas simples. A história enfatiza que o essencial é invisível aos olhos. Assim como o príncipe valoriza as relações que estabelece, Laudicea cresce em um ambiente onde a amizade e a solidariedade são fundamentais. Sua capacidade de ouvir e se conectar com os outros fortalece os laços comunitários.
"A Menina que Roubava Livros", de Markus Zusak
Há a solidariedade, resiliência e o poder das palavras. A protagonista se encontra em meio a um um contexto de guerra e perda, assim como Laudicea lida com a morte de seus entes queridos. Ambas as histórias mostram a importância de encontrar esperança e conforto nas relações humanas.
"O Alquimista", de Paulo Coelho
Aborda a busca de sonhos, autoconhecimento e a importância da jornada, aprende sobre a vida e a conexão com o universo. A jornada de Laudicea em busca de um desejo sincero reflete a busca por um propósito maior, semelhante à busca do protagonista de Coelho por seu tesouro. Ambas as histórias falam sobre o autoconhecimento que surge durante a busca.
"A Cabana", de William P. Young
Percebemos o perdão, amor e a superação da dor. A história aborda a importância de enfrentar a perda e encontrar paz interior. Assim como a narrativa de Young aborda temas de perdão e conexão, a oralidade nas histórias da comunidade de Laudicea destaca a importância da tradição e da comunicação para a cura e fortalecimento emocional.
"O Velho e o Mar", de Ernest Hemingway
Observa-se a perseverança, resiliência e a luta contra adversidades. Ambos os protagonistas enfrentam desafios. Laudicea, ao desejar a harmonia da comunidade, e o velho pescador, em sua luta contra o mar, mostram que a perseverança é crucial para se alcançar objetivos e manter a dignidade.
CONCLUSÃO
A análise do conto "Menina de Tranças" de Aparecido Raimundo de Souza revela não apenas a riqueza narrativa do autor, mas também suas influências e a relevância de sua obra no mundo contemporâneo e para as futuras gerações. O autor é influenciado por elementos da literatura oral, tradições culturais e a vida comunitária, que permeiam sua narrativa. Ele utiliza a oralidade como um recurso para transmitir valores, histórias e sabedoria ancestral, resgatando a essência das relações humanas e a simplicidade da vida rural. Essa conexão com as raízes culturais é fundamental, especialmente em um mundo que frequentemente prioriza a velocidade e a superficialidade.
Em tempos de individualismo e desumanização, a mensagem de "Menina de Tranças" se torna ainda mais significativa. O conto ressalta a importância da empatia, da solidariedade e do pertencimento. Em um contexto em que as comunidades enfrentam desafios como a alienação e a fragmentação social, a obra de Aparecido nos convida a refletir sobre a necessidade de retornar a valores que fortalecem os laços sociais. Para as futuras gerações, o conto serve como um modelo de como a literatura pode ser uma ferramenta poderosa para a educação emocional e social. Através de personagens como Laudicea, as crianças e jovens podem aprender sobre a importância de cultivar amizades, honrar tradições e valorizar a comunidade. A história incentiva a compreensão de que a verdadeira riqueza da vida está nas relações que construímos e na forma como nos conectamos uns com os outros.
Assim, "Menina de Tranças" transcende sua narrativa simples para se tornar uma reflexão profunda sobre a condição humana. A obra de Aparecido não apenas enriquece a literatura brasileira, mas também oferece lições valiosas para um mundo em constante transformação. Ao lembrar a importância da comunidade, da tradição e da empatia, o escritor nos proporciona um legado que ressoa com a essência do que significa ser humano — um convite para construirmos um futuro mais conectado e solidário.
Fonte: José Feldman. Dissecando a magia dos textos: Contos e Crônicas. Maringá/PR. IA Open.
Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.
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