sexta-feira, 4 de outubro de 2024

José Feldman (Poetizando) * 2 *

 

Roberto Tchepelentyky (Trovas em Preto & Branco)


1
Amor, estranha magia,
do coração e da mente.
Com toda sua alquimia,
nos faz um adolescente.
2
À noite, em frente à TV,
a vovó e o manto dela...
Ela dorme e nada vê,
o manto assiste à novela…
3
"Bate" a inspiração na gente...
Verso nenhum se aquieta,
quando Deus, onipotente,
nos permite ser poeta!
4
Deixa o que passou "de lado",
a vida é um ensinamento...
Pois lamentar o passado
é correr atrás do vento!…
5
E o velhinho gritou: “Opa!...”
Depois de tanta procura...
no prato de sua sopa,
encontrou a dentadura.
6
O amargor da despedida
de alguém que amamos demais,
é ter o sabor na vida
do “gosto de nunca mais”!…
7
O destino escreve a escolha
do amor de nós dois assim:
Páginas da mesma folha...
Tu... de costas para mim!…
8
O teatro é fantasia,
mas, às vezes, como tal,
ninguém o diferencia
da nossa vida real…
9
Partiste... E a nossa amizade
no infinito se enternece...
Tu me mandas a saudade,
eu te mando a minha prece!…
10
Pra aquela visita chata,
o que me deixa mais louco,
é ouvir a frase insensata:
"Já vai? Fica mais um pouco"!…
11
Teu “jogo de amor” peralta,
por ciúme, nos devora:
- tu cobraste a minha falta,
batendo o “pênalti” fora! …
12
Vive a "página da vida"
nem que seja a "solavanco"!...
Pior é quem na "partida",
carimba a página: "Em branco"!

Trovas de Roberto Tchepelentyky em Preto & Branco
por José Feldman

As trovas uma a uma: temas, análise, relação com poetas brasileiros e estrangeiros e suas características. 

As trovas de Roberto Tchepelentyky são uma bela expressão da poesia popular, capturando emoções e situações cotidianas com humor e reflexões profundas.

Trova 1. 
Tema: O amor como uma força transformadora.
A magia do amor é apresentada como um fenômeno que afeta tanto o coração quanto a mente. A metáfora da "alquimia" sugere que o amor tem o poder de criar algo novo e maravilhoso, comparando os sentimentos ao estado de adolescência, onde tudo é intenso e vibrante. Destaca a magia do amor e sua capacidade de nos fazer sentir jovens e cheios de vida.

Vinicius de Moraes: é conhecido por sua poesia lírica sobre o amor, frequentemente explorando sua beleza e complexidade. Seus versos transmitem a intensidade e a magia do amor, assim como a transformação que ele provoca nas pessoas.

Adélia Prado: também aborda o amor de maneira profunda, ligando-o à espiritualidade e à experiência humana, com uma linguagem simples, mas repleta de emoção.

Pablo Neruda (Chile, 1904-1973): reconhecido por sua poesia apaixonada e intensa, frequentemente explorando o amor em suas diversas facetas. Ex: Soneto XVII. Neruda foi influenciado pelo modernismo latino-americano, especialmente na busca por novas formas de expressão poética. A técnica surrealista de imagens vívidas e sonhos se reflete em sua poesia, especialmente em seus poemas amorosos e políticos.

Elizabeth Barrett Browning (Reino Unido, 1806-1861): é famosa por sua obra lírica sobre o amor, especialmente em seu soneto que expressa a profundidade do sentimento amoroso. Ex: Sonhos de Amor (Soneto 43). A emotividade e a valorização da individualidade caracterizam sua obra, típica do movimento romântico. Também incorpora referências a mitologia e literatura clássica em seus sonetos.

Trova 2. 
Tema: A vida familiar e a rotina.
A cena retratada é comum e íntima, mostrando a avó, símbolo de sabedoria e tradição, em um momento de descontração. O contraste entre a avó adormecida e o "manto" que "assiste" à novela sugere uma crítica sutil ao tempo que passa, onde até os objetos têm vida própria nas narrativas da televisão.

Carlos Drummond de Andrade: frequentemente retrata o cotidiano e a vida familiar em suas obras, utilizando uma linguagem coloquial para capturar a essência da experiência humana.

Cecília Meireles: explora temas familiares e a passagem do tempo, refletindo sobre a vida em suas nuances. Sua poesia combina lirismo e simplicidade.

Walt Whitman (EUA, 1819-1892): geralmente retrata a vida cotidiana e a experiência humana em sua poesia, celebrando a simplicidade e a beleza do comum. Ex: Leaves of Grass. Foi profundamente influenciado pelo transcendentalismo, enfatizando a conexão entre o indivíduo, a natureza e o divino. Seu amor pela democracia e pela diversidade da experiência americana permeia sua poesia.

Langston Hughes (EUA, 1902-1967): explorou a vida da comunidade afro-americana, abordando temas cotidianos e familiares com uma voz autêntica. Ex: The Weary Blues. Hughes foi uma figura central no Harlem Renaissance, refletindo as experiências da comunidade afro-americana em sua obra. O ritmo e a musicalidade do jazz e do blues influenciaram seu estilo poético, criando um som único.

Trova 3. 
Tema: O ato de criar e a inspiração.
Aqui, a inspiração é personificada como uma força que "bate" na pessoa, quase como uma intervenção divina. A referência a Deus sugere que a criatividade é um presente e uma responsabilidade, enfatizando a relação entre o divino e o humano na arte.

Fernando Pessoa: é famoso por suas reflexões sobre a criação poética e a inspiração, muitas vezes abordando a busca por significado e a relação entre o poeta e o divino.

Mário Quintana: trata da inspiração de maneira leve e divertida, muitas vezes refletindo sobre a simplicidade e a beleza do ato de criar.

Rainer Maria Rilke (Áustria, 1875-1926): é conhecido por suas reflexões sobre a arte e a inspiração, frequentemente ligando a criação poética à espiritualidade. Ex: Poema: Cartas a um Jovem Poeta. Rilke foi influenciado pelo romantismo e pelo simbolismo, explorando a espiritualidade e a busca por significado. As reflexões filosóficas sobre a condição humana e a solidão estão presentes em sua obra.

Robert Frost (EUA, 1874-1963): aborda a vida rural e a criação poética, explorando a inspiração que vem da natureza e da experiência. Ex: The Road Not Taken. Frost foi influenciado pela paisagem rural dos Estados Unidos, que permeia sua poesia. Seu estilo realista e acessível reflete a vida cotidiana e os dilemas humanos.

Trova 4. 
Tema: Aceitação e aprendizado.
Esta trova fala sobre a importância de viver no presente e aprender com o passado, em vez de se prender a ele. A metáfora de "correr atrás do vento" ilustra a futilidade de lamentar o que não pode ser mudado, incentivando uma visão mais otimista da vida.

Cecília Meireles: além de abordar a vida familiar, Cecília frequentemente fala sobre o tempo e a aceitação, enfatizando a importância de viver no presente. 

Clarice Lispector: embora prosaísta, Lispector explora a psicologia e a aceitação do passado em seus textos, refletindo sobre a experiência humana e o aprendizado.

William Wordsworth (Reino Unido, 1770-1850): fala sobre a importância do presente e da natureza como fonte de inspiração e aprendizado. Ex: I Wandered Lonely as a Cloud. É um dos principais poetas românticos, enfatizando a natureza, a emoção e a experiência pessoal. A busca pelo sublime na natureza e nas emoções humanas é um tema central em sua obra.

T.S. Eliot (Reino Unido, 1888-1965): explora temas de tempo e memória, refletindo sobre a experiência humana e a aceitação do passado. Ex. de poema: The Love Song of J. Alfred Prufrock. Eliot é uma figura central do modernismo, refletindo o desespero e a fragmentação da sociedade moderna. Suas obras são influenciadas por suas leituras de filosofia, religião e literatura clássica.

Trova 5. 
Tema: Surpresas da vida cotidiana.
O tom humorístico destaca a simplicidade da vida e como situações inesperadas podem trazer alegria. A imagem da dentadura na sopa é uma representação da fragilidade da vida e da memória, mas, ao mesmo tempo, da leveza que o humor pode proporcionar.

Manuel Bandeira: combina humor e melancolia, frequentemente utilizando elementos do cotidiano para explorar a fragilidade da vida e o riso como forma de enfrentar a realidade.

Gregório de Matos: Conhecido como o "Boca do Inferno", ele usava o humor e a sátira para abordar a vida e suas ironias, refletindo sobre a condição humana de forma cômica.

Ogden Nash (EUA, 1902-1971): sua poesia humorística e satírica, frequentemente retrata cenas cotidianas com leveza e ironia. Ex: The Cow.

Shel Silverstein (EUA, 1930-1999): usa humor e simplicidade em sua poesia, abordando temas da vida cotidiana de forma divertida. Ex: Where the Sidewalk Ends.

Trova 6. 
Tema: A dor da separação.
Esta trova capta a tristeza e a nostalgia de uma despedida. O "gosto de nunca mais" evoca uma sensação de perda permanente, refletindo a profundidade das emoções ligadas ao amor e à saudade.

Adélia Prado: Adélia explora a saudade e a perda em sua poesia, capturando a dor das despedidas e a profundidade dos sentimentos humanos.

Alfredo Bosi: aborda a experiência da perda e da memória em sua obra, trazendo uma reflexão sobre o que nos deixa saudade.

John Keats (Reino Unido, 1795-1821): explora a beleza e a tristeza das emoções humanas, frequentemente abordando a dor da perda e da despedida. Ex. de poema: Ode to a Nightingale. Keats é um representante do romantismo, explorando a beleza, a emoção e a mortalidade. Referências à mitologia e à literatura clássica são comuns em seus poemas.

Emily Dickinson (EUA, 1830-1886): Dickinson lida com temas de morte, saudade e o efêmero, criando imagens poderosas e intimistas. Poema: Because I could not stop for Death. Dickinson combina elementos do romantismo com o transcendentalismo, refletindo sobre a natureza, a espiritualidade e a individualidade. Seu estilo único foi influenciado pelo seu isolamento e pela introspecção.

Trova 7. 
Tema: Amor e separação.
A metáfora das "páginas da mesma folha" sugere que, embora dois amantes estejam juntos, suas vidas podem se desenrolar em direções diferentes. A ideia de estar "de costas para mim" expressa a dor da desconexão, mesmo quando o amor ainda

Carlos Drummond de Andrade: também explora o destino e as relações amorosas em sua obra, refletindo sobre a condição humana e a separação.

Elias José: suas poesias frequentemente lidam com a temática do amor e do destino, abordando a conexão entre os amantes e as vicissitudes da vida.

Johann Wolfgang von Goethe (Alemanha, 1749-1832): Goethe explora o destino e as relações amorosas em sua obra, refletindo sobre a interconexão entre os amantes. Ex: Fausto. 

Mikhail Lermontov (Rússia, 1814-1841): trata do amor e da separação, frequentemente refletindo sobre o destino e a inevitabilidade das escolhas. Poema: The Demon.

Trova 8. 
A linha entre realidade e ficção.
Esta trova provoca uma reflexão sobre a vida cotidiana como um teatro, onde os papéis que desempenhamos podem ser indistinguíveis da realidade. A ideia de que, por vezes, não se consegue diferenciar entre as duas esferas sugere a complexidade da experiência humana.

Augusto dos Anjos: apesar de mais sombrio, reflete sobre a vida e a morte, questionando a realidade e a fantasia em suas poesias.

Fernando Pessoa: também trata da dualidade entre a realidade e a fantasia em sua obra, especialmente através de seus heterônimos.

Tennessee Williams (EUA, 1911-1983): embora tenha sido dramaturgo, explorou a linha entre realidade e fantasia em suas peças, refletindo sobre a vida humana. Obra: A Streetcar Named Desire.

Eugène Ionesco (Romênia, 1909-1994): é conhecido pelo teatro do absurdo, que discute a fantasia e a realidade de maneira provocativa. Obra: The Bald Soprano.

Trova 9. 
Tema: Amizade e saudade.
A conexão entre amigos é expressa através de um tom de melancolia. A troca de saudade e prece indica que, mesmo na ausência, há um desejo de proteção e carinho, mostrando a profundidade das relações interpessoais.

Casimiro de Abreu: aborda a amizade e a saudade em seus versos, refletindo sobre a conexão emocional e a dor da separação.

Cecília Meireles: novamente, Cecília é relevante por suas meditações sobre amizade, saudade e a profundidade das relações humanas.

Khalil Gibran (Líbano, 1883-1931): aborda temas de amor, amizade e saudade em sua obra, refletindo sobre a conexão emocional entre as pessoas. Poema: O profeta.

Rainer Maria Rilke (Áustria, 1875-1926): também trata de amizade e saudade, utilizando uma linguagem profunda e lírica. Poema: Cartas a um jovem poeta.

Trova 10. 
Tema: Relações sociais e desconforto.
O humor nesta trova aborda a frustração que muitos sentem durante visitas indesejadas. A frase "Já vai? Fica mais um pouco!" é uma ironia, refletindo a falta de percepção do outro sobre o desconforto da situação.

Carlos Drummond de Andrade: usa humor e ironia para abordar situações cotidianas e sociais, muitas vezes retratando a vida urbana e suas peculiaridades.

Mário Quintana: também utiliza o humor em sua poesia, explorando a vida e as relações sociais de maneira leve e bem-humorada.

W. H. Auden (Reino Unido, 1907-1973): usa o humor e a ironia para explorar as relações sociais, frequentemente comentando sobre a vida moderna. Poema: Funeral Blues

Dorothy Parker (EUA, 1893-1967): conhecida por seu humor ácido e críticas sociais, abordando situações de desconforto com sagacidade. Poema: Resume. Parker foi influenciada por movimentos de vanguarda e pelo modernismo, refletindo uma visão crítica da sociedade. Seu estilo mordaz e humorístico foi moldado por suas observações sociais e experiências pessoais.

Trova 11. 
Tema: Ciúmes e desentendimentos.
A metáfora do "jogo" é uma maneira inteligente de descrever a dinâmica do amor, onde os ciúmes podem causar conflitos. O "pênalti" perdido simboliza oportunidades desperdiçadas e a dor que resulta de mal-entendidos.

Vinicius de Moraes: explora as complexidades do amor e do ciúme, usando metáforas e imagens para retratar as dinâmicas amorosas.

Adélia Prado: também aborda a complexidade das relações amorosas com uma linguagem clara e poética, refletindo sobre emoções intensas.

W. B. Yeats (Irlanda, 1865-1939): explora a complexidade das relações amorosas e os conflitos que surgem delas, usando metáforas ricas. Poema: When You Are Old.

Sylvia Plath (EUA, 1932-1963): aborda a dinâmica das relações amorosas com intensidade e emoção, explorando ciúmes e conflitos. Poema: Lady Lazarus. Plath explora questões de identidade feminina e a luta contra as expectativas sociais. A influência da psicanálise e suas experiências pessoais permeiam sua obra, refletindo angústia e complexidade emocional.

Trova 12. 
Tema: Plenitude e realização.
Aqui, a ideia de viver plenamente é central. A metáfora da "página em branco" representa a falta de experiências significativas. A ênfase na "solavanco" sugere que, mesmo as dificuldades, são parte importante da jornada.

Mário Quintana: fala sobre a vida de forma leve e filosófica, incentivando a vivência plena e a apreciação do cotidiano.

Fernando Pessoa: reflete sobre a vida e suas experiências, instigando o leitor a refletir sobre a plenitude e o significado de cada momento.

Walt Whitman (EUA, 1819-1892): encoraja a vivência plena da vida e a apreciação da experiência humana em sua obra. Poema: Song of Myself

Mary Oliver (EUA, 1935-2019): celebra a vida e a natureza, incentivando a apreciação do presente e a vivência autêntica. Poema: The Summer Day. Oliver é fortemente influenciada pela natureza, explorando a conexão entre o ser humano e o mundo natural. Seu estilo é marcado pela simplicidade, com uma linguagem clara que transmite profundidade.

CONCLUSÃO
As trovas de Roberto Tchepelentyky representam uma intersecção rica entre a tradição poética e as inquietações contemporâneas, revelando a relevância contínua da poesia na compreensão da experiência humana. Em um mundo marcado pela velocidade das interações e pela superficialidade das relações, suas trovas ressoam com a profundidade emocional e a sabedoria que muitas vezes se perdem na correria do cotidiano.

As trovas são, em essência, uma celebração da vida em suas nuances. Elas abordam temas universais como amor, saudade, amizade, perda e as ironias do dia a dia. Cada verso serve como um espelho que reflete não apenas as alegrias e tristezas da vida, mas também as complexidades das relações humanas. Em um tempo em que a comunicação se dá predominantemente por meio de mensagens instantâneas e redes sociais, suas palavras poéticas nos lembram da importância da reflexão e da conexão emocional genuína.

Influenciado por uma rica tradição poética brasileira e pela cultura popular, Tchepelentyky incorpora uma linguagem acessível que dialoga com o leitor. Ele utiliza metáforas e trocadilhos que, embora simples à primeira vista, carregam uma profundidade significativa. Através de suas trovas, ele nos convida a reconsiderar nossas vivências, a valorizar os momentos simples e a aprender com os desafios da vida.

As temáticas que ele aborda são essenciais para o entendimento das dinâmicas sociais contemporâneas. A saudade, por exemplo, é uma emoção profundamente enraizada na cultura latina, e o trovador explora com sensibilidade, permitindo que os leitores se conectem com suas próprias experiências de perda e lembrança. O humor presente em suas trovas também desempenha um papel crucial, proporcionando alívio e uma nova perspectiva sobre as situações cotidianas que, muitas vezes, podem parecer pesadas.

Em um mundo onde a superficialidade frequentemente prevalece, as trovas de Tchepelentyky nos convidam a uma reflexão mais profunda sobre nossas relações e experiências. Elas nos lembram que, apesar das dificuldades e das ironias da vida, há beleza na simplicidade e na autenticidade. Através de sua poesia, Tchepelentyky reafirma a importância da arte como um meio de expressão e conexão, salientando que as emoções humanas são universais e atemporais.

Assim, suas trovas não são apenas um tributo à tradição poética, mas também um chamado à consciência e à apreciação das nuances da vida. Em um mundo contemporâneo que frequentemente busca a instantaneidade, suas trovas nos ensinam a valorizar o que é profundo, significativo e humano.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. vol.1. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Francisca Júlia (Vaidade)

Estavam reunidas cinco meninas no campo, a conversar, abrigadas à sombra de uma velha árvore, onde as cigarras cantavam.

Todo o resto da campina estava inundado de sol. Fazia um calor estival.

Como eram meninas ricas, e a vaidade é para a maior parte delas a preocupação constante, falavam a respeito da beleza de cada uma.

Dizia a primeira:

— Eu sou a mais bela de vós todas, porque tenho os cabelos claros e quando o sol os ilumina dá-lhes um reflexo dourado. 

E para mostrá-los, ficou em pé de encontro ao sol, cujos raios formaram uma auréola de ouro em torno à sua cabeça.

A segunda disse:

— Não sou menos bela que tu; tenho a cútis fina e rosada como a polpa de um pêssego.

— Eu tenho as mãos encantadoras.

E assim cada qual enumerava seus encantos, fazendo-os sobressair do melhor modo possível, em vez de ocultá-los ou disfarçá-los como manda a boa educação e a modéstia.

Minhas meninas, nunca vos blasoneis de vossos encantos físicos e do vosso aspecto externo, por mais notáveis que vos pareçam, porque a beleza com que a natureza vos dotou desaparece facilmente com as moléstias que se adquirem, com os inúmeros acidentes da vida e com a idade.

Deveis ser modestas, educar o vosso espírito nas boas leituras, nos exemplos bons, nos atos nobres, que sereis mais belas ainda e a simpatia, que decorre da elevação do espírito, dará um imperecível realce aos vossos encantos.

Fonte: Francisca Júlia. Livro da infância. 1899. Disponível em Domínio Público

Vereda da Poesia = 124 =


Semi-Soneto de
JOSÉ FELDMAN
Campo Mourão/PR

Solidão (3)
 
Oh, solidão, que na alma se adensa, 
teus laços frios me prendem em grilhões, 
um mar de silêncio, onde a vida é tensa, 
e as lágrimas bailam em corações. 

Nos sussurros da brisa, sinto a falta, 
de risos, de abraços, de companhia, 
mas mesmo sem voz, a dor não se exalta, 
e a paz, em sua forma, se anuncia. 

Em cada instante, a vida se ressignifica, 
e o ser que sou, se entrega ao que é…
Solidão, tu és minha amiga antiga. 

No teu abraço, o tempo não é só maré, 
e mesmo só, a dor se modifica, 
transformando a tristeza em fé. 
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova Humorística de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

No seu biquini apertado,
Maria me deixa mudo,
pois nunca vi "tanto nada"
cobrindo, tão pouco ..."tudo"...
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Poema de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ

Leveza

Tu te concretas na leveza dos meus sonhos...
Sou um poeta: deixo o vento me levar,
Meu coração, de pensamentos tão tristonhos
Ainda sabe, como flor, o que é sonhar.

Tu polinizas meu amor, quando diluis,
Na tua luz, meu coração que é tão carente
De emoção... e eu já nem sei mesmo onde pus
A minha dor mais arbitrária e incoerente.

Para a escrever, a pena é mero instrumento...
Cada momento é um reflexo do ser
E eu, por viver a insensatez de um sentimento,
Louvo o momento que me faz sobreviver.

Eu me protejo no teu beijo mais carente,
O amor pressente o que o sonho proporciona,
Por isso, quando um coração diz o que sente,
A pulsação a dois dilui-se... e emociona.

Quando a razão nos diz que não, o amor revida,
O amor convida o coração dançar
E se o salão de um coração é uma avenida,
Faço da vida o meu momento de sonhar.

Se és meu par, põe nos meus ombros, o calor
Das tuas mãos, deixa a canção nos embalar,
Pois na penumbra é que a Lua faz amor
Com o sonhador que sempre a quer admirar.

Tu te projetas, não és mero holograma,
És uma chama carinhosa que flutua
E me sorri... mostrando um rosto que me ama,
Ante o olhar mais sedutor da luz da lua.

És tão concreta... e irreal, mas... se te evoco,
Tu sempre vens e me aconchegas no teu seio
E eu, tão menino, a cada vez que eu te toco,
Retoco a calma mais feliz... de um devaneio.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova  Premiada em Irati/PR, 2023

SILVÂNIA MARIA COSTA 
Campo Mourão / PR

Feito rocha, sê bem forte, 
resistente à desventura. 
Mesmo estando à própria sorte, 
na alegria encontre a cura.
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Soneto de 
ENY SANTOS JÚDICE
S. Fidélis/ RJ

 Carta para o amor ausente 

Nesta manhã nevoenta de fumaça
estou morrendo de saudades tuas;
há na minha alma convulsões de luas,
há no meu peito a angústia que amordaça.

Amor, estou sorvendo a amarga taça,
a taça amarga das verdades cruas;
e busco em vão no retinir das ruas,
sufocar este amor que me desgraça.

Inútil! . . . E a obsessão dos teus abraços?!
Sinto em mim ainda as mãos do teu carinho,
dedilharem as cordas dos meus braços,

e a tua ausência, e o teu silêncio enorme,
vivem cantando para mim baixinho,
ninando esta saudade que não dorme!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova Popular

Quando o sobreiro der baga
e a cortiça for ao fundo,
só então se hão de acabar
as más línguas deste mundo.
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Poema de
DORA DIMOLITSAS
São Paulo/SP

Poetas em sarau

Da sacada do prédio ao lado
Vejo poetas em deliciosos saraus,
Muita gente circulando
Bebendo as palavras poéticas,
Vejo os rostos das pessoas
Que na noite deixam a alma falar
Transitando nos corredores.

Paro e me pergunto
A poesia é sonho ou é real?
Chego à conclusão:
Bem vivida a vida é poesia
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova de
ARI SANTOS DE CAMPOS
Balneário Camboriú/SC

Neste mundo de conflitos
o Poder faz e desfaz...
E os povos seguem aflitos
com a esperança de paz!...
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Poema de
J. G. DE ARAÚJO JORGE
(José Guilherme de Araújo Jorge)
Tarauacá/AC (1914 – 1987) Rio de Janeiro/RJ

De  Mãos  Dadas 

Ando na vida de mãos dadas
com a tua lembrança...

- E para que falar em esperança?

Não sei onde me levará esta ansiedade,
ou esta melancolia
cheia de umidade,
a me envolver como uma cerração...

Para a loucura?
Para a felicidade?
Ou para este morrer de cada dia
de quem vai tateando em noite escura ...
cego do coração?

Que fazer?  Ando na vida
como quem anda
- perdido, andando em vão...

Ando na vida de mãos dadas
com a tua lembrança,
a fazer roda em silêncio... numa triste ciranda
sem canção…
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova Humorística de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP

Trabalha no vestiário
onde o marido é roupeiro,
e, pra aumentar seu salário,
“dá bola”... pro time inteiro!
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Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Minhas Quatro Estações

Foi plena Primavera a minha infância
vivida com carinhos de meus pais,
sentindo sempre, em toda circunstância,
que o amor dos dois é o que valia mais!

Na juventude tive a incrível ânsia
de tudo ver bem rápido demais!
E abrasador Verão, em discordância
ao que hoje sei que não terei jamais!

E todo o Outono meu, de certa forma
foi de pacata vida cidadã:
fiel marido e pai, dentro da norma...

E agora neste inverno em que convivo
com as dores próprias de minha alma anciã,

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Trova do 
Príncipe dos Trovadores
LUIZ OTÁVIO
Rio de Janeiro/RJ (1916 -1977) Santos/SP

Brinquedo de porcelana
na mão de criança arteira...
Assim é a ventura humana,
tão frágil... tão passageira...
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Poema de
DORA TAVARES
(Maria Auxiliadora Tavares Duarte)
Pedro Leopoldo/MG

Solidão

Exceto o coração
Tudo se acalma
E faz-se preciso o silêncio.

Há muito não se sobe a escada
E o último táxi entregou em domicílio
Um retardatário da noite.

Por que a queixa
Se não há ouvidos
E esta dor é tão antiga
Como o poder de chorar?

O que nos resta é sorver um chá
Como se nada houvesse
E aconchegar na noite
Em que os pés são frios.
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Trova Funerária Cigana

Aqui descansam os restos
de meu filhinho adorado:
— Botão de flor de minh'alma,
tão rudemente arrancado.
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Soneto de 
ENOCH LINS
(dados desconhecidos)

Você

Você é para mim a síntese da vida!
O espírito que eleva; a matéria que prende,
o gozo que nos põe em perenal subida
e as nossas ilusões pelo infinito estende.

É o tédio que caminha á trágica descida
e o orgulho do prazer impiedoso que ofende;
você é para mim essa lição comprida
que a gente, sem saber, rapidamente aprende.

Só você me faz bem e é todo o meu encanto!
Só você, quem de longe o meu pesar ouvindo
vem depressa e num beijo aniquila o meu pranto.

Só você quem me espera os minutos contando...
Só você, quando eu chego, abre a porta sorrindo,
só você quando eu vou... fecha a porta chorando!
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Trova Hispânica de
LIBIA BEATRIZ CARCIOFETTI
Santiago del Estero/Argentina

Mirando pasar el tiempo
nos damos cuenta en la vida
que el amor no es pasatiempo
sino una lucha aguerrida.
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Poema de 
GERALDO CARNEIRO
Belo Horizonte/MG

O espelho

do outro lado um estranho
faz simulações como se fosse
um demônio familiar
é sempre noite, um assassino sonha
com mulheres assassinadas em série
sob as palmeiras de Malibu
o mundo é só uma ficção plausível
a imagem que baila ao rés-da-lâmina
é um último improvável vestígio
da existência de Deus
os restos são ecos de outras faces
gestos de espanto e despedida
a música dos relógios, a morte
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Trova de
LÓLA PRATA
Bragança Paulista/SP

De mãos dadas com o amor,
vencemos as horas más,
sabendo que o Criador
nos dá coragem e paz!
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Soneto de
GILSON FAUSTINO MAIA
Petrópolis/RJ

Sacrifício

Inda lembro os botões daquela blusa,
à noite, a provocar meu pensamento…
Desviava o olhar, mas, no momento,
a voz da tentação dizia: – Abusa!

Imaginava o tom de uma recusa,
um afastar-se por acanhamento.
Deveria frear o atrevimento,
não queria perder a minha musa.

Que sacrifício nos impõe a vida!
(Já não retornam mais tantas venturas).
Investir e travar essa investida,

colocar o chapéu em boa altura,
aguardar ser a mão bem recebida
pra não causar transtornos, desventuras.
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Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Destino, fado ou o que for... 
isso tudo é só brinquedo. 
– Na história real do amor, 
cria o amor seu próprio enredo. 
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Soneto de
EUCLIDES DIAS
(Belém/PA)

Viver dormindo 

Beijava-te. . . e beijando-te na face
oh! que doce prazer então sentia...
Se, assim, feliz, eu sempre assim sonhasse...
Se, assim, sonhando me passasse o dia...

Apertava-te ao peito em doce enlace,
com suave e terníssima alegria...
Se assim, sonhando, eu sempre te abraçasse
oh! que noites felizes eu teria!

E se eu te visse, assim, sempre a meu lado,
pálpebras roxas, colo perfumado,
lânguida, terna, e boa, e feiticeira,

eu quisera sonhar sempre, dormindo,
e, se sempre, a sonhar, te visse rindo,
passar dormindo a minha vida inteira.
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Trova da
Princesa dos Trovadores
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Teu amor... tal força tinha,
que a saudade me conduz
e esta penumbra só minha
ainda é cheia de luz!
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Hino de 
Icapuí/CE

Salve terra de um povo que é grande
Generoso e feliz de verdade
Que no afã do trabalho se expande
A grandeza sem par da cidade

Estribilho
Icapuí, rincão ditoso
Do Ceará torrão natal,
Há no teu seio esplendoroso,
Icapuí, nosso ideal

Salve terra dos verdes coqueiros,
Que se embalam aos ventos dos mares,
Hoje a ti, todos nós, altaneiros,
Elevamos os nossos cantares.

Estribilho
Icapuí, rincão ditoso
Do Ceará torrão natal,
Há no teu seio esplendoroso,
Icapuí, nosso ideal

Salve terra! Pela autonomia
Esperavas com fé renovada.
Os teus filhos ergueram-se um dia
E tornaram enfim libertada.

Estribilho
Icapuí, rincão ditoso
Do Ceará torrão natal,
Há no teu seio esplendoroso,
Icapuí, nosso ideal

Salve terra tão bela e querida
Nós saudamos a tua vitória.
Haverás de crescer forte e unida
E terás um futuro de glória!

Estribilho
Icapuí, rincão ditoso
Do Ceará torrão natal,
Há no teu seio esplendoroso,
Icapuí, nosso ideal

Salve terra de praias e dunas,
Pelas quais o teu mapa é bordado!
Tu és livre entre livres comunas
Para o bem e o progresso do estado.

Estribilho
Icapuí, rincão ditoso
Do Ceará torrão natal,
Há no teu seio esplendoroso,
Icapuí, nosso ideal
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Trova Humorística de 
RICARDO FERRAZ
Caçapava/SP

Espanta ver como é,
a preguiça do Caipira
que ao tentar coçar o pé,
coça a bota mas não tira.
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Poema de 
JÂNIA SOUZA
Natal/RN

Noturno

Orfeu abandonou-me em plena alcova
A ouvir o burburinho instigante da cama
Com suas falas lúgubres, interrompidas
Pelo estridente cicio da noite desnorteada
Acreditando ser verão em vez de primavera.
Ouço da noite mornas confidências
Verdades, mentiras, ilusão de vagos sonhos
Não compreende o próprio vagar entre  montanhas.
Procuro ignorar insistente convite
Mas suas quimeras prendem-me numa teia
De desejos inconfessáveis de fogo.
Ininterruptamente me fala seus deleites, fraquezas
Queixumes irrequietos de dores paridas.
Seus róseos sentidos arrancam-me gemidos
No frescor da caliente brisa florida dos trópicos
Tocando os leques das mamonas, plumas
De avestruzes em meu corpo semi-adormecido.
Ó noite irrequieta, voraz, que tens a revelar-me?
Será que não percebes meus navegares ensandecidos
Em douradas linhas de pensamento, embalo
De teimosos versos incontroláveis, sedentos
Da língua da lira rouca em meu profundo peito?

Arquejo, engasgada nos anéis das letras
Sopradas do ninho de prazer d'Orfeu adormecido.
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Trova premiada em Irati/PR – 2023
ANA WELTER 
Toledo / PR

Na rocha dura da vida,
esculpi dores e risos.
Hoje fico agradecida
pelos traços imprecisos.
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Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França

O raposo e os perus

De cidadela uma árvore servia
A perus, contra assaltos do raposo.
Tendo o velhaco dado volta aos muros,
Visto cada peru em sentinela:
«E zombará de mim tal raça? Os únicos
Serão que à lei comum escapem? — Logro!
Voto aos numes do céu...» Cumpriu palavra.
Brilhava a lua, como que quisesse
Amparar a ninhada perueira
Contra o velhaco. Ele não sendo novo
No mister de assaltadas fraudulentas,
Recorre ao saco das maldosas manhas.

Dá visos de trepar; com os pés se guinda,
Faz-se morto; ressurge. Arlequim mesmo
Tais papéis não faria, e tão de molde.
Alta a cauda, cambiava-lhe os reflexos;
Mil outras trejeitos... Nesse entanto
Tosquenejar nenhum peru ousava,
Cansando-os o inimigo, e assim cravando-lhes
Sempre a vista no brilho. A pobre raça
Encadeada ao fim, vinha caindo.

Tantos caídos, tantos apanhados,
Fazem monte. Mais de a metade cai;
E o marau foi depô-los na despensa.
A sobeja atenção fita nos perigos
Nos faz neles cair bastantes vezes.