sábado, 4 de novembro de 2023

A. A. de Assis (Jardim de Trovas) 35

 

Mensagem na Garrafa – 24 -

Criação JFeldman com Microsoft Bing

Hélder Proença
Bissau/Guiné Bissau (1956 – 2009)

NÃO POSSO ADIAR A PALAVRA

Quando te propus
um amanhecer diferente
a terra ainda fervia em lavas
e os homens ainda eram bestas ferozes.

Quando te propus
a conquista do futuro
vazias eram as mãos
negras como breu o silêncio da resposta

Quando te propus
o acumular de forças
o sangue nômade e igual
coagulava em todos os cárceres
em toda a terra
e em todos os homens.

Quando te propus
um amanhecer diferente, amor
a eternidade voraz das nossas dores
era igual a «Deus Pai todo poderoso
criador dos céus e da terra».

Quando te propus
olhos secos, pés na terra, e convicção firme
surdos eram os céus e a terra
receptivos as balas e punhais
as amaldiçoavam cada existência nossa.

Quando te propus
abraçar a história, amor
tantas foram as esperanças comidas
insondável a fé forjada
no extenso breu de canto e morte.

Foi assim que te propus
no circuito de lágrimas e fogo, Povo meu
o hastear eterno do nosso sangue
para um amanhecer diferente!

Nilto Maciel (A perseguição)

Após perambular por ruas escuras e desertas, eu só queria dormir ou descobrir um modo de afugentar os urubus que me bicavam a solidão. Devia ser mais de meia-noite. Não se via uma só pessoa na rua e eu caminhava sem pressa. De repente pressenti que alguém me seguia. Ouvi-lhe a zoada das pisadas. Tranquilizei-me: certamente outro solitário vagabundo com quem poderia conversar por alguns minutos de caminhada. Pouco me importava fosse uma prostituta desleixada e doente, um bêbado sem rumo e delirante, um mendigo à cata de pouso e mudo. Olhei de esguelha e achei tratar-se de homem de passo firme e boa aparência. Andava na mesma vagareza com que eu passava pelas casas dormidas. Estranhei não se aproximasse um metro sequer de mim E se se tratasse de um assaltante? Deveria enfrentá-lo ou correr? Meti as mãos nos bolsos. Nada me faltava ainda: chaves, cigarros, lenço, documentos, dinheiro. Apressei o passo, por cautela. Logo, porém, mudei de ideia. Seria mesmo um mendigo e não me custava nada dar-lhe uma esmola e um boa-noite. Também logo desisti da piedade. Devia ser um estrangulador, um maníaco qualquer.

Tenho pensado, e pensei na ocasião, mil besteiras, absurdos. Um ente sobrenatural, um ser qualquer, um robô, minha sombra.

De qualquer forma, continuei de mãos enfiadas nos bolsos. Talvez até pelo simples desejo de aquecê-las, resguardá-las do frio.

Andava sem jeito, como se tivesse presos os braços, amarrados por cordas, empurrado para o abismo. Mas quem me prendia e conduzia para a morte? Lembro-me de ter retirado dos bolsos as mãos, que, crescidas, inchadas, volumosas, custaram a saltar fora. E balançando os braços, pesados, quase paralisados, numa vontade imensa de voar, fugir, correr. Tentei apressar o passo. O chão parecia grudar-se aos meus pés. O som de nossas pisadas ressoava na calçada, como se a calçássemos com força, em marcha de tropas vitoriosas. Quantos já me seguiam? Olhei para trás. O homem continuava à mesma distância de mim, lento, preguiçoso, rastejante. Acalmei-me e julguei-o apenas um coitado, um idiota acostumado a caminhar sozinho dentro da noite. E se fosse um vampiro? Saltaria, devorador, ao meu pescoço. Passei a mão trêmula pela nuca. Senti calafrios. Apressei o passo mais ainda. Ia quase correndo. Atrás de mim, passos cadenciados de quem corre. Meu coração batia sem sossego. Cansado, parei. E deixei de ouvir também as pisadas do estranho. Voltei-me e ele me deu as costas. Enchi-me de coragem e fui em sua direção. Agora eu o perseguia. E ele fez-se perseguido. De novo parei. Se continuasse, nunca chegaria a minha casa. E ele deixou também de andar. Vi, por suas costas, que se parecia comigo: os mesmos ombros caídos, a mesma cabeleira despenteada. Por que não dirigir-lhe a palavra, perguntar-lhe o que queria, quem era, por que me seguia, por que me imitava em tudo? Não o fiz, voltei-me e tomei meu caminho, devagar, desiludido.

Mais adiante, já resolvido a esclarecer o mistério, reduzi a marcha e, sem me voltar, gritei: “Que quer você?” Minha voz ecoou: “Que quer você?” Não sei, talvez ele, o estranho, me arremedasse, zombasse de mim, para me amedrontar. Com febre, eu tremia e não sabia mais em que pensava. Cuidei, me vi diante de casa. Olhei para trás. O homem havia parado a uns vinte passos de mim. Abri o portão, percorri, sonâmbulo, o jardim, abri a porta e pulei para a sala. Tirei a camisa ensopada em suor e corri ao quarto. Caí na cama como um bêbado. Não vi, não senti, não pensei mais nada. Devo ter dormido profundamente.

De manhã, mal o sol despontava, abri a porta, percorri o jardim e cheguei ao portão. Na calçada, encharcado numa poça d’água, jazia um homem. E nem sei se se tratava do mesmo que me havia seguido.

Fonte: Nilto Maciel. Babel. Brasília/DF: Editora Códice, 1997. Enviado pelo autor.

Dorothy Jansson Moretti (Trovas ao entardecer) – 4

A asa branca do teu lenço
no momento da partida,
selou o amargo consenso
que foi nossa despedida.
= = = = = = = = = 

Achando tudo enfadonho,
te elevas a tais alturas,
que passas pelo teu sonho
sem saber o que procuras.
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A lua beija a montanha
e debruça sobre a mata
seu clarão que tudo banha
em mistério cor de prata.
= = = = = = = = = 

A malefício eu dizia
que tinha o corpo fechado;
e fui tombar... (que ironia!)
ao mel do teu mau-olhado!
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À montanha tenebrosa
chego, enfim, e que surpresa!
É a mera sombra tortuosa
de minha própria incerteza.
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A rosa estava com frio...
O sol ficou com peninha,
mandou seu raio sadio
para aquecer a rainha.
= = = = = = = = = 

Beijando a macia alfombra
toda de orvalho molhada,
um raio de sol, na sombra,
diz adeus à madrugada.
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Cabo da Boa Esperança,
para sempre representas
o arrojo e a firme confiança
do luso, ao Mar das Tormentas.
= = = = = = = = = 

Cheguei tarde para a festa.
De véu, grinalda e um sorriso,
ela é a imagem que me resta
de um pretenso paraíso.
= = = = = = = = = 

De minha vida vazia
sinto que a voz se desgarra,
e assume a monotonia
da cantiga da cigarra.
= = = = = = = = = 

Em nosso mútuo abandono,
desfazemos um reinado:
És rainha já sem trono,
e eu, pobre rei desterrado!
= = = = = = = = = 

Juraste que não me amavas,
eu também, cedendo à ira.
E o amor, por águas tão bravas,
naufragou na vil mentira.
= = = = = = = = = 

Juro odiar-te, e a cada frase
a que ponho mais vigor,
da mentira envolta em gaze,
salta a emoção deste amor.
= = = = = = = = = 

Mais um gole de cachaça
e a tragédia aconteceu:
traçando a própria desgraça,
brigou, matou... e morreu.
= = = = = = = = = 

Minha ilusão exigente
que ambicionava um império,
hoje só busca, indigente,
um lugar no cemitério.
= = = = = = = = = 

Na tua calma aparente
vislumbro um certo rancor,
pois tentas, inutilmente,
desprezar o meu amor.
= = = = = = = = = 

Nuvem que ao vento te inspiras,
compondo painéis tão belos,
que os rasgues depois em tiras,
mas poupe os meus castelos.
= = = = = = = = =

Qual a Fênix renascida
das cinzas de um coração,
o amor dá o sopro de vida
ao fantasma da ilusão.
= = = = = = = = = 

Quais pétalas que arrancamos
a uma pobre margarida,
são as horas que atiramos,
inúteis, ao léu da vida.
= = = = = = = = = 

Que ao vento o barco me leve,
nada mais tenho que conte...
Somente a fé me descreve
um novo e belo horizonte.
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Se para "além da montanha"
nossa vida é só sorriso,
por que reação tamanha
a ir viver no paraíso?
= = = = = = = = = 

Ser bom, sem jamais no entanto,
qualquer retorno exigir,
é a pedra angular do encanto
e da razão de existir.
= = = = = = = = = 

Soluçava a margarida;
o sol quis saber por quê...
e ela, tremendo, encolhida:
"É saudade de você!"
= = = = = = = = = 

Sorvo a taça de amargura,
imune à dor que me invade,
mas não resisto à tortura
a que me impõe a saudade.
= = = = = = = = = 

Teu olhar meigo e risonho
para mim é uma promessa
de que das cinzas de um sonho,
de novo tudo começa.
= = = = = = = = = 

Vento de outono, passando,
varrendo as folhas do chão,
vai a velhice arrastando
os sonhos do coração.
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Fonte: Dorothy Jansson Moretti. Painel do entardecer. Cachoeirinha/RS: Texto Certo, 2013. Enviado pela trovadora.

Machado de Assis (O melhor remédio)

O que se vai ler passa-se num bonde. D. CLARA está sentada; vê D. AMÉLIA que procura um lugar; e oferece-lhe um ao pé de si.

D. CLA. Suba aqui, Amélia. Como passa?  

D. AMÉ. Como hei de passar?

D. CLA. Doente?

D. AMÉ. (suspirando) Antes fosse doente!

D. CLA. (com discrição) Que aconteceu?

D. AMÉ. Coisas minhas! Você é bem feliz, Clara. Digo muita vez comigo que você é bem feliz. Realmente, eu não sei para que vim ao mundo.

D. CLA. Feliz, eu? (Olhando melancolicamente para as borlas do leque) Feliz! feliz! feliz!

D. AMÉ. Não tente a Deus, Clara. Pois você quer comparar-se a mim nesse particular? Sabe por que é que saí hoje?

D. CLA. E eu por que é que saí?

D. AMÉ. Saí, porque já não posso com esta vida: um dia morro de desespero. Olhe, digo-lhe tudo: saí até com ideias... Não, não digo. Mas imagine, imagine.

D. CLA. Fúnebres?

D. AMÉ. Fúnebres. Sou nervosa, e tenho momentos em que me sinto capaz de dar um tiro em mim ou atirar-me de um segundo andar. Imagine você que o senhor meu marido teve ideia... Olhe que isto é muito particular.

D. CLA. Pelo amor de Deus!

D. AMÉ. Teve ideia de ir este ano para Minas; até aqui vai bem. Eu gosto de Minas. Estivemos lá dois meses, logo depois que casamos. Comecei a arranjar tudo; disse a todas as pessoas que ia para Minas..

D. CLA. Lembro-me que me disse.

D. AMÉ. Disse. Mamãe achou esquisito, e pediu-me que não fosse, dizendo que, para ela visitar-nos de quando em quando, era-lhe mais fácil se estivéssemos em Petrópolis. E era verdade; mas ainda assim não falei logo ao Conrado. Só quando ela teimou muito é que eu contei ao Conrado o que mamãe me tinha dito. Ele não respondeu; ouviu, levantou os ombros, e saiu. Mamãe teimava; afinal declarou-me que ia ela mesma falar a meu marido; pedi-lhe que não, ela porém respondeu-me que não era um bicho de sete cabeças. Petrópolis ou Minas, tudo era passar o verão fora, com a diferença que, para ela, Petrópolis ficava mais perto. E não era assim mesmo?

D. CLA. Sem dúvida.

D. AMÉ. Pois ouça. Mamãe falou-lhe; foi ele mesmo quem me disse, entrando em casa, no sábado, muito sombrio e aborrecido. Perguntei-lhe o que é que tinha; respondeu-me com mau modo; afinal disse-me que mamãe lhe fora pedir para não ir a Minas. “Foi você quem se agarrou com ela!” — “Eu, Conrado? Mamãe mesma é que me anda falando nisto, e eu até lhe disse que não lhe pedia nada.” Não houve explicação que valesse; ele declarou que não iríamos em caso nenhum a Petrópolis. “Para mim é o mesmo, disse eu; estou pronta até a não ir a parte nenhuma.” Sabe o que é que ele me respondeu?

D. CLA. Que foi?

D. AMÉ. “Isto queria você!” Veja só!

D. CLA. Mas... não entendo.

D. AMÉ. Eu disse a mamãe que não pedisse mais nada; não valia a pena, era perder tempo e zangar o Conrado. Mamãe concordou comigo; mas, daí a dois dias, tornou a falar na mudança; e afinal ontem o Conrado entrou em casa com os olhos cheios de raiva. Não me disse nada, por mais que lhe rogasse. Hoje de manhã, depois do almoço, declarou-me que mamãe tinha ido procurá-lo ao escritório e lhe pediria pela terceira vez para não ir a Minas, mas, a Petrópolis; que ele afinal consentira em dividir o tempo, um mês em Minas e outro em Petrópolis. E depois pegou-me no pulso, e disse-me que tomasse cuidado; que ele bem sabia por que é que eu queria ir para Petrópolis, que era para andar de olhadelas com... Nem lhe quero dizer o nome, um sujeito de quem não faço caso... Diga-me se não é para ficar maluca.

D. CLA. Não acho.

D. AMÉ. Não acha?

D. CLA. Não: é um episódio sem valor. Maluca havia de ficar se desse o que se deu hoje comigo.

D. AMÉ. Que foi?

D. CLA. Vai ver. Conhece o Albernaz?

D. AMÉ. O do olho de vidro?

D. CLA. Justamente. Damo-nos com a família dele, a mulher, que é uma boa senhora, e as filhas que são muito galantes...

D. AMÉ. Muito galantes.

D. CLA. Há mês e meio fez anos uma delas, e nós fomos lá jantar. Comprei um presente no Farani, um broche muito bonito; e na mesma ocasião comprei outro para mim. Mandei fazer um vestido, e fiz umas compras mais. Isto foi há mês e meio. Oito dias depois deu-se a reunião do Baltasar. Já tinha o vestido encomendado, e não precisava mais nada; mas, passando pela Rua do Ouvidor, vi outro broche muito bonito e tive vontade de comprá-lo. Não comprei, e fui andando. No dia seguinte torno a passar, vejo o broche, fui andando, mas na volta... Realmente, era muito bonito; e com o meu vestido ia muito bem. Comprei-o. O Lucas viu-me com ele, no dia da reunião, mas você sabe como ele é, não repara em nada; pensou que era antigo. Não reparou mesmo no primeiro, o do jantar do Albernaz. Vai então hoje de manhã, estando para sair, recebeu a conta. Você não imagina o que houve; ficou como uma cobra.

D. AMÉ. Por causa dos dois broches?

D. CLA. Por causa dos dois broches, dos vestidos que faço, das rendas que compro, que sou uma gastadeira, que só gosto de andar na rua, fazendo contas, o diabo. Você não imagina o que ouvi. Chorei, chorei, como nunca chorei em minha vida. Se tivesse ânimo, matava-me hoje mesmo. Pois então... E concordo, concordo que não era preciso outro broche mas isto faz-se, Amélia?

D. AMÉ. Realmente...

D. CLA. Eu até sou econômica. Você, que se dá comigo há tantos anos, sabe se não vivo com economia. Um barulho por causa de nada, uns miseráveis broches...

D. AMÉ. Há de ser sempre assim. (Chegando à Rua do Ouvidor.) Você desce ou sobe?

D. CLA. Eu subo, vou à Glace Elegante; depois desço. Vou ver uma gravura muito bonita, inglesa...

D. AMÉ. Já vi; muito bonita. Vamos juntas.

D. CLA. Há hoje muita gente na Rua do Ouvidor.

D. AMÉ. Olha a Costinha... Ela não fala com você?

D. CLA. Estamos assim um pouco...

D. AMÉ. E... e depois...

D. CLA. Sim... mas... luvas brancas.

D. AMÉ. ..................?

D. CLA. ...................!

AMBAS (sorrindo) Uma coisa muito engraçada; vou contar-lhe...

Fonte: Publicado originalmente em A Estação, 31/3/1884. Disponível em Domínio Público  

Jaqueline Machado (Isadora de Pampa e Bahia) – Capitulo 21: Noite de amor

Alguns dias se passaram. A natureza se movimentou. É noite que vai, dia que vem... Os peões trabalharam nas plantações e a vida continuou, sem cessar, a escrever as histórias de seus filhos. Histórias distintas, mas entrelaçadas na velha teia do destino da existência. 

Depois da lida, e do surgir de uma noite bonita, o casal apaixonado, Juca e Amélia, comemoraram seus dez anos de união, e trocaram repetidas confissões. 

- Há dez anos fiz a melhor escolha da minha vida. – disse o marido, com seu olhar apaixonado. 

- Digo o mesmo, meu querido. Tu és o presente que a vida me deu. 

- Somos o presente um do outro, minha flor.

- Atrasei o jantar. Queria preparar algo especial para nós dois. Até acendi umas velas, apanhei flores para enfeitar a mesa, perfumei o ambiente, tudo para um jantar romântico igual ao que vi uma vez no cinema.

- Está tudo lindo. Aliás, tudo que vem de ti é lindo, farto, cheio de entusiasmo. Vou me banhar. E já volto. 

Após o jantar, eles trocaram beijos ardentes. Juca, num impulso, puxou Amélia pela mão e os dois saíram para olhar as estrelas, agradecer a união rara, apegada e ao mesmo tempo, leve, livre, solta.  Eram como um casal de pássaros, livres na maneira de viver. Fizeram seus agradecimentos aos céus, e recordaram histórias passadas.

- Quando eu era guri, tu me perseguias – disse Juca.

- Eu?...

- Deixa de ser dissimulada... 

Eles eram filhos de agricultores de uma região próxima. Estudavam na mesma escola. Eram muito amigos, mas por volta dos onze anos de idade, Amélia, descobriu-se apaixonada pelo garoto que tinha o sonho de futuramente ser o capataz de uma grande fazenda. Foi Amélia quem se declarou, no recreio da aula de uma certa tarde de verão. Juca foi pego de surpresa. Sua timidez o deixou corado. Sorriu, e sem saber o que dizer, saiu correndo atrás dos colegas que estavam jogando futebol. Estava tão nervoso, que no primeiro chute, caiu, torceu o tornozelo e teve de ficar uma semana de repouso em casa. Amélia sentiu-se culpada, mas não era nada grave. E logo tudo voltou ao normal.  É curioso perceber o quanto as meninas amadurecem mais cedo do que os meninos. Ela, corajosa, decidida, e ele, cheio de medos. 

O momento romântico trouxe à tona essas e outras doces lembranças. A noite estava calma, mas a presença mágica da paixão a perfumar a atmosfera, a deixou agitada. E o minuano, antes escondido, à espreita da conversa do casal, se fez presente. As nuvens encobriram a lua e as estrelas, o vento soprou as flores, as folhas, inclinou os galhos das árvores. Cheio de marra, veio uivando o seu cantar impiedoso e rebelde, arrepiando a pele daqueles corpos presentes, quentes, sempre sedentos de amor.  Mas o frio não podia conter o ardor da paixão dos amantes, e logo o vento cessou. E as estrelas voltaram a brilhar no firmamento. Depois das tantas conversas, dos risos, dos beijos e abraços, eles despiram-se de suas roupas, e sem pudores, ali, em meio à natureza, ora rebelde, ora branda, se amaram na terra úmida de orvalho. 

- Eu te amo! – disse ele.

- Eu amo mais! - retribuiu ela, sussurrando. 
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continua…

Fonte: Enviado pela autora

sexta-feira, 3 de novembro de 2023

Isabel Furini (Poema 51): Metamorfose I

 Fonte: Isabel Furini. Flores e Quimeras. 2017. Ebook.   (ver no Calibre)
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Isabel Furini ocupa a cadeira n. 10, da Confraria Brasileira de Letras, tendo por patrono Dario Vellozo

Mensagem na Garrafa – 23 -

Criação JFeldman com Microsoft Bing

Charles Chaplin
Londres/Inglaterra (1889 - 1977) Corsiersur-Vevey/Vaud/ Suiça

CAMINHADA

Tua caminhada ainda não terminou
A realidade te acolhe
dizendo que pela frente
o horizonte da vida necessita
de tuas palavras
e do teu silêncio.

Se amanhã sentires saudades,
lembra-te da fantasia e
sonha com tua próxima vitória.
Vitória que todas as armas do mundo
jamais conseguirão obter,
porque é uma vitória que surge da paz
e não do ressentimento.

É certo que irás encontrar situações
tempestuosas novamente,
mas haverá de ver sempre
o lado bom da chuva que cai
e não a faceta do raio que destrói.

Tu és jovem.
Atender a quem te chama é belo,
lutar por quem te rejeita
é quase chegar a perfeição.
A juventude precisa de sonhos
e se nutrir de lembranças,
assim como o leito dos rios
precisa da água que rola
e o coração necessita de afeto.

Não faças do amanhã
o sinônimo de nunca,
nem o ontem te seja o mesmo
que nunca mais.
Teus passos ficaram.
Olhes para trás...
mas vá em frente
pois há muitos que precisam
que chegues para poderem seguir-te.

Leandro Bertoldo Silva (A moça fantasma)

Há muitos anos existia uma mulher tão linda que fazia estremecer de inveja as ricas filhas dos homens mais ricos da recém-fundada Belo Horizonte. Eu disse “filhas”? Não somente elas, mas as mães também. Estamos no ano 1899, mais precisamente no dia 1º de janeiro, na inauguração de uma das entidades recreativas mais auspiciosas da nova capital — o clube Rose, no Palácio da Liberdade, sob os cuidados de D. Ester Brandão, nada menos do que a primeira dama do Estado e, portanto, a esposa do presidente Silviano Brandão. Que festa! Belo Horizonte acabava de completar o primeiro aniversário.

A causadora de tanta inveja chamava-se Magnólia, outros a conheciam Jasmine, pela semelhança alva que possuía. De qualquer forma era mesmo uma flor cândida e pura. Não me alongarei na descrição da adorável criatura, basta saber que sua beleza cegava os homens de tal maneira que não importava serem casados. Eram atraídos como ímãs e perdiam a noção do espaço e do tempo, o que causava óbvios constrangimentos às senhoras. Na festa, até mesmo as melhores artistas de então, justamente por serem mulheres, ficavam incomodadas em perder a majestade da presença. Ora, o que valia a “Serenata”, de Schubert, até mesmo "Fantasie-Impromptu", de Chopin ou "Dance des Sylphes", de Berlioz tão bem executadas pelas artistas? Nada disso apagava o brilho de Magnólia (ou Jasmine).

Vale lembrar que a capital, com pouco mais de um ano, tinha uma população ainda muito escassa, aumentando sobremaneira a fama de Jasmine (ou Magnólia), e o ciúme das senhoras, filhas e artistas da cidade já estavam à flor da pele. Então concluíram: Era preciso que a moça se mudasse dali, ou qualquer outra coisa que lhe fizesse desaparecer. Porém, demitir a moça de seus serviços domésticos e festivos não diminuiria sua atração ao passear pelas ruas. Fazia-se necessária uma atitude mais drástica como o caso exigia. Calma lá! Nada de violência... Isso não fazia o feitio das senhoras, donzelas e moças casadoiras da sociedade que se iniciava na capital mineira. Mas uma coisa seria a vingança perfeita: ela que cegava os homens com a sua beleza incutindo-lhes desejos e, por isso mesmo, poderia ter o namorado, noivo e esposo que quisesse, ficaria impedida de amar quem quer que fosse. Mas como? 

Bem, como dito, a população era pequena e qualquer coisa que se fizesse ficaria logo à vista de todos. Era preciso uma ocasião propícia. E ela veio: O carnaval!

Nos primeiros anos do século passado, essa festa era uma das principais realizações de rua da cidade, em que um préstito com pomposos carros de tração animal, ricamente decorados, desfilavam pelas ruas centrais da cidade, para alegria das famílias que faziam verdadeiras batalhas de confetes e atiravam das janelas das casas flores e serpentinas. Era uma grande festa, ideal para o intento de um grupo de senhoras que necessitavam que todos, principalmente os maridos, estivessem entretidos com o alarido. Nesse dia, o cortejo partiu do barracão do Congresso. Essa casa legislativa situava-se entre a rua da Bahia e a rua Tupis e a avenida Afonso Pena. O barracão referido ficava nos fundos desse prédio, lugar perfeito para atrair a moça sem riscos de serem vistas tão logo a festa ia adiante. Uma das senhoras, com a desculpa de pedir Jasmine para ir ao barracão buscar mais serpentinas, providenciou que as outras já estivessem lá quando da chegada da moça. Foi a última vez que Jasmine ou Magnólia, seja como for, fora vista, para o lamento dos homens e felicidade das mulheres... 

A moça, mantida presa nesse barracão, fora transferida na quarta-feira de cinzas para um outro cárcere ao pé da Serra do Curral, de onde só saía a noite, sem mais ter o direito de ver a luz do dia. Inocente e obediente — e não se sabe por qual razão — voltava sempre antes dos primeiros raios da manhã, de forma que toda a sua formosura foi se misturando com o negrume da noite até que a morte veio selar seu destino: tornou-se aquela que, por falta de amar e sendo filha da solidão, descia em branco desespero as mediações do bairro dos Funcionários, pois fora ela uma funcionária obediente e infeliz, a recolher os amores nascidos na iminência de se separarem para nunca mais se encontrarem. Era mesmo, como disse Carlos Drummond de Andrade: "um vapor que dissolve quando o sol rompe na Serra".

É por isso que até hoje quem passa pelo bairro dos Funcionários em madrugadas sem neblina sente, vindo do sopé da Serra, o rastro frágil e hesitante da Moça Fantasma em um aroma característico de dama-da-noite, às vezes jasmim outras vezes magnólia, a perfumar os amores perdidos...
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Pois é... Arthur Azevedo, durante sua viagem a Minas Gerais, por volta de 1902, já dizia: “Ao lado do brilho, os detritos. As ruínas de uma dúzia de velhos bairros se amontoavam no chão. Para onde iria toda essa gente?” E assim, Belo Horizonte é conhecida como a capital dos fantasmas: o Avantesma da Lagoinha, a Loira do Bonfim, Maria Papuda e tantos outros; inclusive, a Moça Fantasma que trago aqui nessa história 

Com um tantinho assim de que quem conta um conto aumenta um ponto.... A propósito, você já viu ou conhece alguém que tenha visto algum deles? Eita... Diz aí!

Fonte: Árvore das Letras. Enviado por email pelo autor.

Caldeirão Poético LXX (O Livro em versos)

Criação JFeldman com Microsoft Bing

António Ramos Rosa
Faro/Portugal, 1924 – 2013, Lisboa/Portugal

A LEITORA

A leitora abre o espaço num sopro subtil.
Lê na violência e no espanto da brancura.
Principia apaixonada, de surpresa em surpresa.
Ilumina e inunda e dissemina de arco em arco.
Ela fala com as pedras do livro, com as sílabas da sombra.

Ela adere à matéria porosa, à madeira do vento.
Desce pelos bosques como uma menina descalça.
Aproxima-se das praias onde o corpo se eleva
em chama de água. Na imaculada superfície
ou na espessura latejante, despe-se das formas,

branca no ar. É um torvelinho harmonioso,
um pássaro suspenso. A terra ergue-se inteira
na sede obscura de palavras verticais.
A água move-se até ao seu princípio puro.
O poema é um arbusto que não cessa de tremer.
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Clarice Pacheco
Porto Alegre/RS, 1989 – 2002

VIAJAR PELA LEITURA

Viajar pela leitura
sem rumo, sem intenção.
Só para viver a aventura
que é ter um livro nas mãos.
É uma pena que só saiba disso
quem gosta de ler.
Experimente!
Assim, sem compromisso,
você vai me entender.
Mergulhe de cabeça
na imaginação!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Florbela Espanca
Vila Viçosa/Portugal, 1894 – 1930, Matosinhos/Portugal

A UM LIVRO

No silêncio de cinzas do meu Ser
Agita-se uma sombra de cipreste,
Sombra roubada ao livro que ando a ler,
A esse livro de mágoas que me deste.

Estranho livro aquele que escreveste,
Artista da saudade e do sofrer!
Estranho livro aquele em que puseste
Tudo o que eu sinto, sem poder dizer!

Leio-o, e folheio, assim, toda a minh’alma!
O livro que me deste é meu, e salma
As orações que choro e rio e canto! …

Poeta igual a mim, ai que me dera
Dizer o que tu dizes! … Quem soubera
Velar a minha Dor desse teu manto! …
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Luísa Ducla Soares
Lisboa/Portugal (1939)

LIVRO

Um amigo para falar comigo.
Um navio para viajar
Um jardim para brincar
Uma escola para levar debaixo do braço
Livro um abraço para além do tempo e espaço.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Jorge Luis Borges
Buenos Aires/Argentina, 1899 – 1986, Genebra/Suiça

OS MEUS LIVROS

Os meus livros (que não sabem que existo)
São uma parte de mim, como este rosto
De têmporas e olhos já cinzentos
Que em vão vou procurando nos espelhos
E que percorro com a minha mão côncava.
Não sem alguma lógica amargura
Entendo que as palavras essenciais,
As que me exprimem, estarão nessas folhas
Que não sabem quem sou, não nas que escrevo.
Mais vale assim. As vozes desses mortos
Dir-me-ão para sempre.
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Sammis Reachers
São Gonçalo/RJ

CARTA AO LIVRO DE BOLSO

Adolescido tomo
lanterna dos afogados

paraninfo da literatura
rancho da tropa, democrática
classe econômica
talismã, lítero muiraquitã iniciático

sustentáculo dos sebos, colecionário
de ceitils, centavos e xelins

ingresso de matinê
na nau de Stevenson, na floresta
de London
na faiscante Paris espadachim e amante
dos Dumas

condensário das imensidões
de Moby Dick ao pai Quixote

dramas d’antanho em prosa e papel jornal
poemas seletos lidos com lenta pressa
enquanto sacoleja o bonde ou o busão

lâmpada de celulose que exulta
na cama de solteiro do quartinho dos fundos
tanto te devemos, fiador dos desamparados
bengala dos moços, livro de bolso
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Wallace Stevens
Reading/EUA, 1879 – 1955, Hartford/EUA

A CASA ESTAVA QUIETA E O MUNDO CALMO

A casa estava quieta e o mundo calmo.
Leitor tornou-se livro, e a noite de verão

Era como o ser consciente do livro.
A casa estava quieta e o mundo calmo.

Palavras eram ditas como se livro não houvesse,
Só que o leitor debruçado sobre a página

Queria debruçar-se, queria mais que muito ser
O sábio para quem o livro é verdadeiro

E a noite de verão é como perfeição da mente.
A casa estava quieta porque tinha de estar.

Estar quieta era parte do sentido e da mente:
Acesso da perfeição à página.

E o mundo estava calmo. Em mundo calmo,
Em que não há outro sentido, a verdade

É calma, é verão e é noite, a verdade
É o leitor insone debruçado a ler.
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Fonte: Sammis Reachers (seleção e edição). Poemas sobre Sua Majestade, o LIVRO: uma microantologia. ebook gratuito.

Silmar Böhrer (Croniquinha) 95

Parece que o tempo vai dopando a nossa vida. 

Daqui a pouco temos noventa anos e não percebemos que não fruimos os melhores sabores da existência . 

Fomos negligentes ? 

Indolentes ? 

Imanentes ? 

Você vai descobrir mais cedo  ou mais tarde que o tempo para  ser feliz é curto, e cada instante que vai embora não volta mais. (Arnaldo Jabor) 

Você ama a vida ? Então não desperdice o tempo, porque é desse material que a vida é feita. (Benjamin Franklin) 

Todos os dias devíamos ouvir um pouco de música, ler uma boa poesia, ver um quadro bonito, e se possível, dizer alguma coisas sensatas. (Goethe) 
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Silmar Böhrer ocupa a cadeira n. 06, da Confraria Brasileira de Letras, tendo por patronesse Cora Coralina

Fonte: Enviado pelo autor 

Sammis Reachers (No tempo dos fliperamas...)

A depender da janela de idade, talvez você também tenha curtido a época. Ela durou relativamente bastante: De meados da década de oitenta até meados, ou vá lá, final da década de 10 deste nosso século.

No começo, além das pioneiras e parangoléicas (libertárias e levadas ao êxtase) máquinas eletromecânicas de pinball, os jogos eletrônicos eram restritos a um Pac-Man, um Galaga, um Space Invaders... A coisa era simples. Na década de 90 veio a explosão: Os jogos de luta suplantaram os demais, e multiplicaram o número de usuários (viciados não!). Quem viveu, não tem como esquecer: Street Fighter, The King of Fighters, Samurai Shodown, Mortal Kombat e trocentas outras franquias que corriam por fora. As demais categorias nunca deixaram de existir: Os shoot ‘em ups, que são os tradicionais jogos de navinha; os beat ‘em ups (haja up!), que são os divertidos jogos de andar-e-bater, como Double Dragon, Final Fight, Captain Commando, Cadillacs and Dinosaurs; os jogos de corrida, tiro e outros mais.

Todos os bairros, por mais aloprados e esquecidos das atenções da civilização, tinham suas máquinas, em bares, lojinhas, padarias... Alguns bairros, agraciados, contavam com casas exclusivas, apenas para eles: os fliperamas.

Quanta mãe gonçalense já foi buscar seu rebento que jazia enfurnado naqueles antros de perdição! Mas, passado o tempo, sabemos que a perdição era apenas de dinheiro: Merrecas de fichas, mas verdadeiras fortunas para quem não tinha quase nada.

E era meu caso. Mas dava meu jeito: vendia garrafas, catava ferro-velho nas margens do rio Alcântara e nos lixões do entorno (nos anos oitenta não havia coleta por cá). E havia o corporativismo dos defasados (miseráveis não!): Quando um moleque não tinha dinheiro, o outro tinha; um trabalhava de ajudante aqui, outro via pingar a curta mesada ali, e assim mão lavava mão e as quatro mãos se divertiam. Ou oito, pois havia cabines para até quatro jogadores ao mesmo tempo, e a fruição, o prazer da balbúrdia que é você jogar com mais três amigos de uma vez, naquelas chuvas de bordoadas, naquele bate-apanha-perde-coloca-outra-ficha, naquele esbraveja-xinga-gargalha, ah, é dos prazeres, acredite, maiores que vi na vida.

Tínhamos aqui alguns jargões, “bora pranchar uma ficha”, “bora apertar uma ficha”. E lá íamos para a fonte escolhida. Aqui na região as opções eram muitas: O saudoso Bar do Galego, em Tribobó (“para de xingar aí, moleque!!!”, berrava o inveterado flamenguista com aquela voz rouca), logo sucedido pelo Fliper do Moacir Desenhista, defronte à concessionária Dicasa Fiat, e finalmente o Bar do Marquinhos, "rei dos fliperamas" (e outros lances) cujo império alcançava meia região metropolitana do RJ, para onde alugava cabines e placas de jogos, e cuja base "felizardamente" era ali na passarela do bairro Tribobó, o que nos garantia acesso em primeira mão aos lançamentos, motivo de mui grande honra e também marra de nossa parte. Doutro lado, tínhamos o “Fliperama do Arsenal”, grande casa dedicada que reinou por década na rua do colégio Dalila, próximo ao B. Braun; Seu Djalma no Capote, Dona Marta e Dona Zeza no Palha Seca, Casa Taicorama na entrada do Jockey (a atendente juvenil diabolicamente se vestia como uma pin-up - haja up! - e foi uma de minhas paixonites) e tantos e tantos outros.

Claro, já haviam os videogames, e a certa altura ganhei um – estratégia de minha sofrida mãe para me prender mais em casa – mas os jogos simples do Nintendo não se comparavam aos festivais de cores e efeitos e a variedade dos jogos de arcade.

E aquilo era socializar, faziam-se muitas amizades, e vá lá, alguns inimigos também.

Uma época que “quem viveu, viveu”, seja jogando, seja tendo que dar dinheiro pra filho – seja proibindo-o de entrar na perdição. Com o tempo, o aumento da qualidade dos consoles caseiros (calma, é o nome técnico dos videogames) proporcionou a mesma qualidade técnica dos arcades, podendo ser usufruída no conforto de casa. E isso tornou o negócio não extinto, mas comercialmente inviável.

Hoje a jogatina coletiva, muito mais complexa e cara, rola apenas online, no aconchego do lar, e as socializações, embora mais frias e distantes, abarcam agora toda a estatura do orbe: Seu filho deve estar jogando à noite num clã (“guilda”, equipe) que junta coreanos, chineses, mexicanos e outros "quetais". Entendem-se como podem, com rudimentos de inglês, com a linguagem universal que esse grande universo gamer – indústria que, saiba você, movimenta mais dinheiro que a cinematográfica ou qualquer outra indústria de mídia – tem construído. 

Lembra de seu sonho de pirralho de se tornar jogador de futebol? Puff! Um quinto de meus alunos de sexto ano (sim, eu pesquisei), moleques de onze anos, sonham em se tornar profissionais dos e-sports, os esportes eletrônicos. Aquela nossa diversão viciante agora é meio de vida, malandro! Conheci um guri desses que é arrimo de família...

E pensar que no começo tudo se resumia a andanças em ruas de poeira atrás daqueles mágicos caixões de madeira.
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Sammis Reachers ocupa a cadeira n. 16, da Confraria Brasileira de Letras, tendo por patrono Malba Tahan.

Fonte: