sábado, 1 de dezembro de 2018

Neyd Montingelli (Poemas Diversos)


OS DEUSES DO OLIMPO

Do alto da montanha
Descem os deuses poderosos
Virtuosos, imponentes, valorosos.
Aos homens impõem sua campanha.
12 deuses a explicar,
Os fenômenos humanos,
Os acertos, os enganos,
Ora a punir, ora a exaltar.
Sentenciavam os mortais
À vida, à morte, ao sofrimento
Não importando o lamento
A pena era dada aos iguais
Mas, pela lealdade,
Agraciados com virtude,
Poder, força e magnitude.
Alguns, dos deuses eram a continuidade.

OS MORTAIS

Aos deuses se curvavam,
aos deuses suplicavam.
Rendiam-se aos seus encantos,
e pediam a proteção do seu manto
Com os deuses se deitavam
e semideuses geravam.
Outros, no entanto,
veneravam como a um santo.
Quando pela terra prosperavam,
aos deuses agradeciam.
Se a terra os deixava em pranto,
dos deuses era o desencanto.

TEMPLOS DOS DEUSES

Para os deuses construíram moradas,
com colunas de pedra, com ostentação.
Riqueza e beleza juntaram nos templos,
para agradar ao mito da exortação.
Oferendas e súplicas entregavam,
pela culpa, pelo medo, pelo amor.
Estátuas de marfim, ouro e prata,
dos deuses ficavam no seu interior.
Hoje restam as ruínas,
as colunas dóricas, jônicas e coríntias
em pé através dos tempos.
Até os nossos dias.

UM PAI

Do ventre de minha mãe
para os braços do meu pai.
Dos seios de minha mãe 
para o colo do meu pai.

Com amor me cobriu,
com mantas me aqueceu.
Com alimentos me nutriu
seus exemplos, me forneceu.

Minhas primeiras portas, abriu, 
meus primeiros passos, conduziu.
Minhas primeiras escadas, construiu.
na direção da vida me instruiu.

Agora, devo meus caminhos trilhar
e a meu pai agradecer.
Sempre ao seu abraço voltar,
e o seu amor reconhecer.

JUNINA

Dança, pipoca, canjica e quentão,
alegram a vida do brasileiro em junho.
Tão festivo, tão simples, tão cristão.
Festas juninas são meros testemunhos,
do louvor aos santos protetores do coração.
De prece em prece, de simpatia em simpatia,
A moça pede um noivo, o moço pede um amor.
Para os problemas pedem anistia,
que em rezas, clamam com ardor.
São Pedro, Santo Antônio e São João,
recebem homenagens dos crentes.
Pedem a eles intercessão,
e agradecem as graças benevolentes.

LAGARTIXA FUJONA 

A lagartixa subia e descia pela porta. 
Procurava uma saída, 
ela queria ir até a horta. 
Pelos insetos se sentia atraída. 

Através do vidro da janela, 
apreciava os bichinhos lá de fora. 
Queria comer uma larva de berinjela 
ou um fede-fede de amora. 

Encontrou então uma fresta 
e escapou para o quintal. 
Achou que ia fazer a festa 
Mas, só se deu mal, mal, mal. 

Sem a proteção da casa, 
Uma lagartixa fica indefesa. 
Cobras, gambás e os que têm asa, 
atacam com rapidez essa presa. 

Ai, ai, ai, lagartixa esperta. 
Rápido, rápido vai se esconder. 
Logo, logo será descoberta 
Se para a casa não correr.

BUSCA

Todos em busca do amor, da estima perfeita
Com sintonia, com harmonia, com alegria.
A vida de igualdade, lealdade e amizade.
Alguém para dividir todas as conquistas
Amor incondicional, onde ele estará?
Com confiança, com segurança, com aliança.
Amigo, meu companheiro, aliado e parceiro.
Divido meu chão, meu pão, dou meu coração.
Ao encontrar esse amor, a busca cessará. 
A vida então se completará.
Com esplendor, com ardor, sendo seu provedor.
Entra, incorpora, sucumbe e no meu ser mora.


Fontes:
Carmo Vasconcelos. Revista Eisfluencias (varios ns.)

Neyd Montingelli (Cadeira n. 7 da AVIPAF)

Patrono: Machado de Assis
_____________________________

Neyd Maria Makiolka Montingelli nasceu em Curitiba, em 1957. 

Formou-se em Psicologia, Nutrição e Laticínios. 

Aposentada pela Caixa Econômica Federal, já teve um laticínio.

Tem 27 livros solo e participa em 121 antologias. 

Foi premiada em concursos de contos e poesias. 

Membro da Academia de Letras do Brasil/Araraquara e ALUBRA/SP, Centro de Letras do Paraná, Núcleo de Letras e Artes de Buenos Aires e Lisboa, Embaixada da Poesia e ALMAS/Ba. 

Recebeu troféu Cecília Meireles, Cora Coralina, Federico Garcia Lorca; Medalha Monteiro Lobato; 

Medalha Melhores Poetas e Troféu Melhor Cronista, Melhor Contista, 

Menção Honrosa Concurso Paulo Leminski, entre outros. 

O livro Cavalos e contos recebeu o prêmio de Melhor Livro de Contos de 2015/16 em Ouro Preto. 

Recebeu o prêmio Literarte 2017, pelo conjunto da obra.

Fonte:

Humberto Rodrigues Neto (Sonho de Criança)


Após o término da aula de Evangelização Infantil, no Centro Espírita, Raquel, uma das meninas conversa com sua coleguinha Márcia, que se encontra algo triste:

— Marcinha... Está havendo algum problema com você?

— Não... Por que você está me perguntando isso?

— Porque hoje, na classe, achei que você estava um pouco triste...

— É... Ando um pouco chateada. São os meus pais, sabe?

— Que é que têm os seus pais?

— Sei lá... às vezes fico pensando que eles gostam mais da televisão do que de mim.

— Que é isso? Mas que bobagem!

— Bobagem? Olha: quando a minha mãe está vendo a novela eu não posso dar um pio. Não permite 
que eu abra a boca! Isso é vida?

— Mas, Raquel... Não pense que a minha mãe seja muito diferente. É claro que às vezes, durante o intervalo, por exemplo, me ajuda em alguma dúvida nas lições da escola.

— Ah, então sua mãe é um pouco mais legal que a minha. E o seu pai?

— Bem... aí a coisa fica um pouco mais difícil. Mesmo assim, uma vez ou outra ele me dá um pouco de atenção enquanto está assistindo ao futebol.

— Pois com meu pai a coisa já complica.

— É mesmo? Como, assim?

— Ah... ele chega em casa, joga a pasta e o paletó numa cadeira e nem sequer me dá um beijo. Liga a televisão no futebol ou no noticiário e não quer nem saber de nada. Só me dá algum atenção nos intervalos, e mesmo assim, ó... bem rapidinho, sabe?

— Eu entendo, Marcinha... Mas, quantas vezes a D.ª Izabel, nossa Evangelizadora, não nos disse para termos paciência com nossos pais? Às vezes sua mãe pode estar cansada, e...

— Cansada? Cansada disso tudo ando eu, Raquel!

— Calma, amiguinha... Calma... Vamos devagar, porque...

— E se a televisão queima... Ah... não dá outra: Eles correm como uns loucos e mandam consertá-la num instantinho. Não conseguem passar nem um dia sem ela!

— E quem é que passa sem televisão? O conserto tem que ser rápido, mesmo!

— Só que lá em casa, o conserto da TV é “vapt-vupt”! Mas quando é para me comprar um vestido novo... Chiii... Aquilo demora séculos!

— Mas, isso são provas que temos de sofrer nesta encarnação, conforme ouvi numa palestra.

— Eu sei disso, Raquel. Eu também aprendi numa palestra que a gente pode escolher o tipo de vida que deseja ter na outra encarnação. Só assim é que eu vou conseguir acabar com essa falta de atenção do meu pai e da minha mãe.

— Já sei. Você vai pedir para nascer em outro lar, como filha de outros pais, que sejam mais
compreensivos. É isso?

— Não, Raquel! Não é, não... Eu gosto muito deles dois. Vou pedir para tornar a nascer na mesma casa, no mesmo lar.

— Espere um pouco, Marcinha! Não entendi Desse jeito os seus problemas vão continuar.

— Não vão, não, Raquel. Já pensei em tudo, amiguinha! Nessa nova casa meus pais de hoje vão me adorar!

— Mas, de que forma você vai conseguir isso?

— Eu vou pedir para ser a televisão!

Fonte:

AVIPAF - Academia Virtual Internacional de Poesia, Arte e Filosofia (Acadêmicos)


Isabel Florinda Furini
Cadeira: 1
Patrono: Amado Nervo
Argentina - Brasil
Presidente da AVIPAF

Carlos Zemek
Cadeira: 2
Patronesse: Helena Kolody
Brasil
Vice-Presidente da AVIPAF

Sonia Andrea Mazza
Cadeira: 3
Patrono: Alfonsina Storni
Argentina

Carmo Vasconcelos
Cadeira: 4
Patrono: Antero De Quental
Portugal

Henrique Ramalho
Cadeira: 5
Patrono: Manuel Maria Barbosa Du Bocage
Portugal

Roza De Oliveira
Cadeira: 6
Patrono: Tasso Da Silveira
Brasil

Neyd Montingelli
Cadeira: 7
Patrono: Machado De Assis
Brasil

Julio Enrique Gómez
Cadeira: 8
Patrono: Pablo Neruda
Argentina

Maria Da Glória Colucci
Cadeira: 9
Patronesse: Cecília Meireles
Brasil

Maria Antonieta Gonzaga Teixeira
Cadeira: 10
Patrono: Castro Alves
Brasil

Marli Terezinha Andrucho Boldori
Cadeira: 11
Patrono: Dídio Augusto
Brasil

Isabel Sprenger Ribas
Cadeira: 12
Patronesse: Julia Da Costa 
Brasil

Gustavo Alonso Henao Chica
Cadeira (Silla): 13
Patrono: Mario Escobar Velásquez
Colombia

Alfred Asís
Cadeira: 14
Patronesse: Gabriela Mistral
Chile

Vera Lucia Cordeiro
Cadeira:15
Patrono: Fernando Pessoa
Brasil

Vanice Zimerman
Cadeira: 16
Patrono: Mario Quintana
Brasil

Daniel Mauricio
Cadeira: 17
Patrono: Paulo Leminski
Brasil

Decio Romano
Cadeira: 18
Patrono: Federico García Lorca
Brasil

José Maurício Pinto De Almeida
Cadeira: 19
Patrono: Augusto Lopes Côrtes
Brasil

Elciana Goedert
Cadeira: 20
Patronesse: Florbela Espanca
Brasil

Ilia Ruiz Muñoz
Cadeira: 21
Patrono:
Argentina

Miriam Maria Santucci
Cadeira: 22
Patrono: Giacomo Leopardi
Itália

Regina Bacellar
Cadeira: 23
Patrono: Carlos Drummond De Andrade
Brasil

Carlos Vargas
Cadeira: 25
Patronesse: Edith Stein
Brasil

Miriam Adelman
Cadeira: 26
Patrono: Rosario Castellanos
Brasil - Estados Unidos

Claudia Mónica Beatriz Agustí
Cadeira: 27
Patrono: Raquel Forner
Argentina

Sonia Palma
Cadeira: 29
Patrono: Manoel De Barros
Brasil - Inglaterra

Sonia Cardoso
Cadeira: 30
Patronesse: Cora Coralina
Brasil

Igor Veiga (Perigor)
Cadeira: 32
Patrono: Vinícius De Moraes
Brasil

Ilario Iéteka
Cadeira: 34
Patrono: Ariano Suassuna
Brasil

José Feldman
Cadeira: 35
Patrono: Apollo Taborda de França
Brasil

Franccis Yoshi Kawa 
Cadeira: 38
Patrono: Victor Hugo
Brasil

Helena Douthe
Cadeira: 39
Patrono: Guimarães Rosa
Brasil

Geraldo Magela Cardoso 
Cadeira: 43
Patrono: Emiliano Perneta
Brasil

Fonte:

sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Heitor Stockler de França (1888 - 1975)


TROVAS

A continuar isto assim,
eu penso, só Deus prevê...
Não sei que será de mim
nem que há de ser de você.

A estima quando floresce
e se transforma em amor,
tem a força de uma prece,
ouvida pelo Senhor!

À minha amada eu escrevo,
se faltar tinta e papel,
em uma folha de trevo
e a pena molhada em mel.

A razão da minha mágoa,
motivo do meu sofrer,
põe meus olhos rasos d’água
por ser tolo em te querer.

A saudade é sempre grata
ao meu, ao teu coração,
porque nos lembra e retrata
horas de satisfação.

Cartilha de sensações
na linguagem de quem ama...
Rejubila os corações
e põe as almas em chama!

Cativa-me o beijo quente
dos lábios da minha amada,
como a papoula atraente
fascina a abelha dourada.

Como a terra se contrai
sob a geada nos caminhos,
definha o amor e se esvai
quando há falta de carinhos.

Confesso, é no teu perfume
e no sabor do teu beijo,
que para mim se resume
a volúpia do desejo.

Contei o tempo que falta
para ter você ao meu lado,
tremi de conta tão alta,
descrente e desconsolado.

Coração sossega e canta,
não busque na dor guarida,
pois é no canto que encanta
que está o encanto da vida.

Cruzamo-nos no caminho
por mero acaso. Confesso
que orei, embora sozinho,
novo encontro no regresso.

Denotam tuas atitudes
e norma de vida calma
a nobreza e as virtudes
que ornamentam a tua alma.

Difícil é compreender
a extravagância do amor,
que quanto mais faz sofrer,
mais se lhe quer o sabor.

Disseste que eras só minha,
que outro olhar não se lhe dava,
mas outro olhar te entretinha
sempre que o meu se afastava.

Do coração, igualmente,
há mister sentir o ardor,
pois ele é quem faz a gente
cair nos braços do amor.

Espero-te, amor, contente,
cantarolando a vibrar,
porque faz tão bem à gente
cantando o amor esperar.

Esses cabelos cor de ouro
a moldurar tua beleza,
são o fúlgido tesouro
que te deu a natureza.

Eu juro por qualquer santo
que já não creio em você...
No fingimento, entretanto,
eu creio...Não sei porque.

Felicidade? Quem dera!...
Ela é rara e fugidia...
Quem a espera desespera
por esperar noite e dia.

Grande enigma é o saber
o que deseja a mulher...
Pensa que sabe querer
mas nunca sabe o que quer.

Meu amor e teu amor
são afins conforme os vejo,
tal qual o perfume e a flor,
a insinuação e o desejo.

Meu coração bate tanto
quando longe do meu bem,
que parece estar em pranto
por afagos que não tem.

Meu coração, leal amigo,
que faz loucuras por mim,
me acautela que é perigo,
querer e amar tanto assim

Não há um instante somente,
nem um minuto sequer,
que me não baile na mente
o teu perfil de mulher.

Não julgues que a simpatia
seja fugaz, passageira...
É imutável, contagia
se espontânea e verdadeira.

Naquele instante do adeus
do nosso encontro fortuito,
teus olhos e os olhos meus,
discretos, disseram muito.

Nesta vida o teu caminho
para onde quer que tu fores,
será um relvado de arminho
coberto inteiro de flores.

O céu de estrelas constela
o infinito azul de Deus
mas nenhum dos astros vela
o fulgor dos olhos teus.

O teu sorriso me estende
as malhas da sedução,
e delas não se defende
meu valente coração.

Pensar em ti como eu penso
e muito tenho pensado,
diz, a rir, o meu bom senso,
que é o meu divino pecado.

Procurei a cartomante
que previu lendo-me a sorte:
-Um amor assim constante,
só se acaba com a morte.

Proponho com devoção:
Permutemos os presentes...
Eu te dou meu coração,
tu me dás mil beijos quentes.

Quando chegaste, a alegria
inundou meu coração;
quando partiste, partia
contigo a minha ilusão.

Quando longe de você
mais sinto quanto lhe quero...
A ausência, como se vê,
não me abate porque espero.

Quando te vi, que surpresa!
Bem rara é beleza assim.
Vieste ao mundo, com certeza
para encantares a mim...

Revelo, com embaraço,
a supor que ninguém crê,
que já outra coisa não faço
do que pensar em você.

Se a saudade que me empolga
teimar em me perseguir
sem me dar nenhuma folga,
acabo por sucumbir.

Se há excesso de fantasia
nos temas que aqui deponho,
perdoa, é o sol da alegria
glorificando o meu sonho!...

Se me houvesses revelado
não ter amor por ninguém,
não ficaria ao teu lado
a te chamar de meu bem.

Suponho serem só minhas
as mágoas do coração,
pelo que externam as linhas
da palma da minha mão.

Tenho ciúme até das rosas
abertas no teu jardim,
pois, sei que ao vê-las, formosas,
te esqueces logo de mim.

Teus olhos azuis de santa,
de blandícia na expressão,
a quem os fita acalanta
no ritual da sedução.
__________________________________

Heitor Stockler de França nasceu em Palmeira/PR, em 5 de novembro de 1888. Marcou sua passagem como cidadão pioneiro e empreendedor do Paraná. Foi um dos cinco homens fundadores da Confederação Nacional da Indústria – CNI; Fundador da Federação das Indústrias do Estado do Paraná – FIEP, seu primeiro presidente e por catorze anos consecutivos; Fundador e diretor do Serviço Social da Indústria –SESI/PR; fundador e presidente da União Brasileira de Trovadores – UBT Seção de Curitiba e Paraná; Fundador e presidente do Centro de Letras do Paraná e Presidente do Clube Atlético Paranaense.

Foi advogado, jornalista, industrial, comerciante, pecuarista, poeta, escritor, cronista, trovador, contista, historiador, teatrólogo, novelista e pesquisador devotado. 

Esteve sempre presente nos mais relevantes marcos da história contemporânea do Paraná. Autor de vários livros. Deixou entre centenas de poemas e trovas, quase duas mil crônicas publicadas em jornais.

Faleceu em Curitiba, em 11 de janeiro de 1975, aos 86 anos.

Fonte:
União Brasileira de Trovadores de Porto Alegre. Coleção Terra e Céu vol. XLI. Trovas de Apollo Taborda de França e Heitor Stockler França. Cachoeirinha/RS: Texto Certo, 2017.

Arthur de Azevedo (A Ama – Seca)


O Romualdo, marido de D. Eufêmia, era um rapaz sério, lá isso era, e tão incapaz de cometer a mais leve infidelidade conjugal como de roubar o sino de São Francisco de Paula; mas – vejam como o diabo as arma! Um dia D. Eufêmia foi chamada, a toda a pressa, a Juiz de Fora, para ver o pai que estava gravemente enfermo, e como o Romualdo não podia naquela ocasião deixar a casa comercial de que era guarda-livros (estavam a dar balanço), resignou-se a ver partir a senhora acompanhada pelos três meninos, o Zeca, o Cazuza, o Bibi, e a ama-seca deste último, que era ainda de colo. Foi a primeira vez que o Romualdo se separou da família.

Custou-lhe muito, coitado, e mais lhe custou quando, ao cabo de uma semana, D. Eufêmia lhe escreveu, dizendo que o velho estava livre de perigo, mas a convalescença seria longa, e o seu dever de filha era ficar junto dele um mês pelo menos. O Romualdo resignou-se. Que remédio!…

Durante os primeiros tempos saía do escritório e metia-se em casa, mas no fim de alguns dias entendeu que devia dar alguns passeios pelos arrabaldes, hoje este, amanhã aquele. Era um meio, como outro qualquer, de iludir a saudade. Uma noite coube a vez ao Andaraí Grande. O Romualdo tomou o bonde do Leopoldo, e teve a fortuna ou a desgraça de se sentar ao lado da mulatinha mais dengosa e bonita que ainda tentou um marido, cuja mulher estivesse em Juiz de Fora. Nessa noite fatal a virtude do Romualdo deu em pantanas: tencionando ele ir até o fim da linha, como fazia todas as noites, apeou-se na Rua Mariz e Barros, ali pelas alturas da Travessa de São Salvador. A mulata havia se apeado algumas braças antes.

E ele viu, à luz de um lampião, o vulto dela saltitante e esquivo, e apressou o passo para apanhá-la, o que conseguiu facilmente, porque, pelos modos, ela já contava com isso. – Boa noite!

– Boa noite.

– Como se chama?

– Antonieta.

– Pode dar-me uma palavra?

– Por que não falou no bonde?

– Era impossível… estava tanta gente… e estes elétricos são tão iluminados.

– Mas o sinhô bolinou que não foi graça! Vamos, diga: que deseja?

– Desejo saber onde mora.

– Não tenho casa minha; tou empregada numa famia ali mais adiente, por siná que não stou satisfeita, e ando procurando outra arrumação.

– Onde poderemos falar em particular?

– Não sei.

– Você sai amanhã à noite?

– Amanhã não, porque saí hoje, e não quero abusá.

– Então, depois de amanhã?

– Pois sim.

– Onde a espero?

– Onde o sinhô quisé.

– Na Praça Tiradentes, no ponto dos bondes. As oito horas.

– Na porta do armazém do Derby?

– Isso!

– Tá dito! Inté depois d’amanhã às oito hora.

– Não falte!

– Não farto não!

No dia seguinte, o Romualdo contou a sua aventura a um companheiro de escritório que era useiro e vezeiro nessas cavalarias… baixas, e o camarada levou a condescendência ao ponto de confiar-lhe a chave de um ninho que tinha preparado adrede para os contrabandos do amor.

Antonieta foi pontual. À hora marcada lá estava à porta do Derby, com ares de quem esperava o bonde.

O Romualdo aproximou-se, fez um sinal, afastou-se e ela seguiu-o…

Dez dias depois, estava ele arrependidíssimo da sua conquista fácil, e com remorsos de haver enganado D. Eufêmia, aquela santa! Procurava agora meios e modos de se ver livre da mulata, cuja prosódia era capaz de lançar água na fervura da mais violenta paixão.

Vendo que não podia evitá-la, tomou o Romualdo a deliberação de fugir-lhe, e uma noite deixou-a à porta do ninho, esperando debalde por ele. Lembrou-se, mas era tarde, que havia prometido dar-lhe um anel, justamente nessa noite.

– Diabo! pensou ele, Antonieta vai supor que lhe fugi por causa do anel!

Voltou, afinal, D. Eufêmia de Juiz de Fora. Veio no trem da manhã, inesperadamente, e já não encontrou o marido em casa.

Estava furiosa, porque a ama-seca de Bibi deixara-se ficar na estação da Barra. Podia ser que não fosse de propósito. O mais certo, porém, era o ter sido desencaminhada por um sujeito que vinha no trem a namorá-la desde Paraíbuna.

Quando D. Eufêmia contou isso ao marido, acrescentou indignada:

– Que homens sem-vergonha!… Não podem ver uma mulata!…

O Romualdo perturbou-se, mas disfarçou, perguntando:

– E agora? E preciso anunciar! Não podemos ficar sem ama-seca!

– Já mandei o Zeca pôr um anúncio no Jornal do Brasil.

No dia seguinte, o Romualdo saiu muito cedo; ao voltar para casa, a primeira coisa que perguntou à senhora foi:

– Então? Já temos ama-seca?. .

– Já! É uma mulatinha bem jeitosa, mas tem cara de sapeca. Chama-se Antonieta.

– Hem? Antonieta?

– Que tens, homem?

– Nada! Não tenho nada… É jeitosa?… Tem cara de sapeca?… Manda-a embora! Não serve! Nem quero vê-la!…

– Ora essa! Por quê? Olha, ela aí vem.

Antonieta chegou, efetivamente, com o Bibi ao colo, mas o Romualdo tinha fechado os olhos, dizendo consigo:

– Que escândalo!… rebenta a bomba!… este diabo vai reclamar o anel!.

Mas como nada ouvisse, o mísero abriu os olhos e – oh! milagre! – era outra Antonieta!.

Ele pensou, os leitores também pensaram que fosse a mesma, não era.

Decididamente, há um Deus para os maridos que enganam as suas mulheres.

Fonte:
Arthur de Azevedo. Contos.

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Contos e Lendas do Mundo (A Menina dos Brincos de Ouro)


Conto popular na Bahia e Maranhão, trazido pelos escravos africanos. No original africano os personagens eram animais.
__________________________________________

Uma Mãe, que era muito má (severa e rude) para os filhos, deu de presente a sua filhinha um par de brincos de ouro. Quando a menina ia à fonte buscar água e tomar banho, costumava tirar os brincos e botá-los em cima de uma pedra. Um dia ela foi à fonte, tomou banho, encheu o pote e voltou para casa, esquecendo-se dos brincos. 

Chegando em casa, deu por falta deles e com medo da mãe brigar com ela e castigá-la correu à fonte para buscar os brincos. Chegando lá, encontrou um velho muito feio que a agarrou, botou-a nas costas e levou consigo. O velho meteu ela dentro de um surrão (um saco de couro), coseu o surrão e disse à menina que ia sair com ela de porta em porta para ganhar a vida e que, quando ele ordenasse, ela cantasse dentro do surrão senão ele bateria com o bordão (vara). 

Em todo lugar que chegava, botava o surrão no chão e dizia: 

Canta, canta meu surrão, 
Senão te meto este bordão. 

E o surrão cantava: 

Neste surrão me meteram, 
Neste surrão hei de morrer, 
Por causa de uns brincos de ouro 
Que na fonte eu deixei. 

Todo mundo ficava admirado e dava dinheiro ao velho. Quando um dia, ele chegou à casa da mãe da menina que reconheceu logo a voz da filha. 

Então convidaram ele para comer e beber e, como já era tarde, insistiram muito com ele para dormir. De noite, já bêbado, ele ferrou num sono muito pesado. As moças foram, abriram o surrão e tiraram a menina que já estava muito fraca, quase para morrer. Em lugar da menina, encheram o surrão de excrementos. No dia seguinte, o velho acordou, pegou no surrão, botou às costas e foi-se embora. 

Adiante em uma casa, perguntou se queriam ouvir um surrão cantar. Botou o surrão no chão e disse: 

Canta, canta meu surrão, 
Senão te meto este bordão. 

Nada. O surrão calado. Repetiu ainda. Nada. Então o velho meteu o bordão no surrão que se arrebentou todo e lhe mostrou a peça que as moças tinham pregado. 

Fonte: