sábado, 22 de agosto de 2020

Varal de Trovas n. 355

 

Arthur de Azevedo (Um Desastre)


Meteu-se em cabeça do pobre Raposo que havia de ser o marido da senhorita Ernestina Soares, e verdade, verdade, ele tinha por si os pais da moça, que o sabiam possuidor de um bom número de prédios e apólices e viam na sua pessoa o ideal dos genros.

A senhorita não era da mesma opinião, em primeiro lugar porque gostava muito do primo Enéias, que não tinha apólices nem prédios, mas era um bonito rapaz e um mimoso poeta e, em segundo lugar, porque o Raposo, coitado!, pesava nada menos de cento e vinte quilogramas, isto é, tinha uma pança que o incompatibilizava absolutamente com um ideal de moça.

O Soares - honra lhe seja! - não era homem que obrigasse a filha a casar-se contra a vontade; entretanto, procurou convencê-la de que a corpulência do Raposo não era um pecado nem um delito, nem uma vergonha, e melhor vida teria ela em companhia dele que na do primo Enéias, um troca-tintas que não valia dois caracóis.

- Não, papai! mil vezes não! Exija de mim tudo quanto quiser, menos que eu me case com uma barriga daquelas!

O Soares, que tinha as suas leituras, apontou à filha o exemplo de muitos homens ilustres que foram grande barrigudos, mas tudo em vão: decididamente a pequena estava enrabichada pelo primo Enéias.

O mais que o velho obteve foi fazer com que a filha recebesse, em companhia dos pais, a visita do Raposo.

- Tu não o conheces! Olha que é um homem de espírito e um cavalheiro de fina educação! Isso de mais barriga ou menos barriga não quer dizer nada! Vou convidá-lo para vir tomar uma noite dessas uma xícara de chá em nossa casa. Durante a sua visita examiná-lo-ás de perto. Quem sabe? Talvez se modifiquem as tuas impressões. Se não se modificarem, paciência - casa-te com quem quiseres e sê pobre à tua vontade!

Na noite aprazada o landau do Raposo conduziu-lhe a pança até à casa do Soares, e o capitalista foi recebido com muita amabilidade por toda a família.

Ele sentou-se em uma delicada cadeira de braços em que parecia não caber, e durante uma hora falou da sua vida, das suas viagens, das suas aventuras por esse mundo afora com tanta loquacidade, com tanta graça, com tanta verve, que efetivamente a senhorita esqueceu-se de que ele era gordo e começou a achá-lo simpático.

No fim daquela hora o primo Enéias estava quase esquecido; mas vejam os leitores de que depende, às vezes, o destino de um homem: quando, convidado a passar à sala de jantar, onde estava servido o chá, Raposo se ergueu, ergueu consigo a cadeira que ficou apertada entre os seus quadris, extraordinariamente dilatados por um largo repouso.

O desgraçado forcejou para arrancar a cadeira e não conseguiu. O Soares aproximou-se dele e começou a puxá-la com toda a força, enquanto o Raposo, curvado, agarrava-se ao umbral de uma porta como a um ponto de apoio.

Também o Soares não conseguiu tirar o pobre Raposo daquela prisão.

- Não puxe! não puxe mais! - gritou ele. - Olhe que quebra!...

E, agachado, esgueirou-se pela escada abaixo, sem se despedir de ninguém, levando consigo a cadeira.

A porta esperava-o o landau onde ele entrou, calculem com que dificuldade, gritando ao cocheiro que o levasse à casa, enquanto alguns transeuntes, espantados, riam às gargalhadas vendo aquele barrigudo, no carro, de gatinhas, com os largos quadris comprimidos entre os braços de uma cadeira.

A senhorita, desde que o Raposo se ergueu até que o viu entrar no landau, riu tanto, tanto, que foi preciso desapertar-lhe o colete.

Uma hora depois um criado restituía ao Soares a maldita cadeira.

Naquela casa nunca mais se falou no Raposo.

 A senhorita continua a namorar o primo Enéias, que está à espera de um emprego no Povoamento do Solo para se poder casar.

Fonte:
Arthur de Azevedo. Contos vários.

Trovas de amor 01

Organização: A. A. de Assis (Maringá/PR)

Num tempo em que tanta guerra
enche o mundo de terror,
benditos os que, na Terra,
semeiam versos de amor!
A. A. de Assis
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Tu vais passando orgulhosa!
Nunca vi soberba assim.
– Ai de ti, por tanto orgulho;
por muito amar-te, ai de mim!...
Adelmar Tavares
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Nós tanto nos pertencemos,
nosso amor vai tão além...
que nós dois já nem sabemos
qual dos dois é mais de quem!
Almerinda Liporage
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Em meu peito ponho escoltas
contra um amor sem razão,
dando, de vez, duas voltas
na chave do coração!
Amália Max
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Meu amor por ti (que mágoa)
se evaporou de repente,
tal se fosse um pingo d’água
caído num ferro quente...
Américo Falcão
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Eu amo a vida, querida,
com todo o mal que ela tem...
Só pelo bem, que há na vida,
de se poder querer bem!
Anis Murad
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Se aos meus agrados te furtas,
vou noutra porta bater...
As horas de amor são curtas;
não tenho tempo a perder!
Antônio Sales
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Solta as cordas do rancor,
se queres a paz de volta.
Mais vale um laço de amor,
do que mil nós de revolta!
Arlindo Tadeu Hagen
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O amor é como fumaça:
cobre tudo em derredor;
tonteia, asfixia e... passa,
mas quando passa é pior...
Beatrix dos Reis Carvalho
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O pranto do amor desfeito,
motivo do meu desgosto,
rompe a barragem do peito
e se esparrama em meu rosto.
Campos Sales
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Ó coração, tua dor
tu mesmo é que vais buscar...
Assim que parte um amor,
vais outro amor procurar.
Carlos Guimarães
- - - - - -
No amor o tempo se gasta
com medidas desiguais:
– se estás longe, ele se arrasta,
se perto, corre demais!
Carolina Ramos
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Busquei no amor, não me iludo,
a desventura que quis.
Nesta vida, amar é tudo,
é mais do que ser feliz!
Cléa Marina de Meneses
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O amor ficou no passado...
– Hoje eu sei por que ficou:
o nosso encontro marcado,
o destino desmarcou!
Clenir Neves Ribeiro
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Meu amor é tão sabido,
que eu só me dou por achado
quando me sinto perdido
por encontrar-me ao teu lado...
Colbert Rangel Coelho
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Amar – verbo transcendente
que a gente conjuga a dois...
É um sorriso no presente
e são lágrimas, depois.
Colombina
- - - - - -
Tinha portas de poesia
e janelas de luar
essa morada que um dia
deixou meu amor entrar.
Delcy Canalles
- - - - - -
Repartido pelo meio,
à moda de bissetriz,
amando a duas não creio
que possa alguém ser feliz.
Diamantino Ferreira
- - - - - -
Só mudou em nossa vida
de amor, ternura e desvelos
a chegada impercebida
da neve em nossos cabelos!
Dorothy Jansson Moretti
- - - - - -
Mocidade, quem me dera
retomar, com teu calor,
um pouco de primavera
no meu inverno de amor!
Durval Mendonça
- - - - - -
Renunciei por amar-te
e, em parte, por não supor
que as renúncias fazem parte
de quem se parte no amor...
Edmar Japiassú Maia
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Pago juro, imposto, empenho,
ações de qualquer valor,
e entrego tudo o que tenho
por um instante de amor!
Eduardo A. O. Toledo
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Tu me propões cessar fogo
e eu te proponho atiçar,
porque o nosso amor é um jogo
que é fogo de se apagar!
Elisabeth Souza Cruz
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Amor – a mais bela face
das faces que a vida tem...
Uma lágrima que nasce
quando se lembra de alguém!
Elton Carvalho
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Meia luz... noite... a vidraça...
a cama... o beijo... e depois...
um brinde... o champanhe... a taça...
o amor... o sonho... nós dois.
Flávio Roberto Stefani
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Sei que os motivos são poucos,
sei que as razões também são,
mas este amor nos faz loucos
e os loucos não têm razão!
Gerson César de Souza

Fontes:
A. de Assis (organizador). 60 Trovas de amor. Portal Cá Estamos Nós. http://carlosleiteribeiro.portalcen.org Agosto de 2005.

Cora Coralina (O Cangaceiro)


Aquela cidadezinha do Norte do Estado tinha sido, em todo tempo, teatro de velhas lutas políticas, partidárias, sociais e econômicas. Muita briga feia de homem ensopara de sangue a areia daquelas ruas descalçadas. Por nada, ninharia, toma-lá-dá-cá, eram tiros, facadas, pancadaria. A impunidade era a lei vigente da terra. Um ou outro pobre, desapadrinhado, era que, dentro das grades, justificava a existência da cadeia, ali. Agora, porém, estava tudo mudado, e a cidade, pacata e sossegada. Com a descoberta dos cristais do Chiqueirão e do Pium, distante 30 léguas, o pessoal de fora, bagunceiro e de instinto criminoso, tinha se passado todo para o cristal.

A cidade tinha feito, automaticamente, a higiene dos indesejáveis. Até o delegado, que ativava maior desordem, com sua valentia, ignorância e falta de prudência, tinha ido pra lá, onde, além de autoridade do novo distrito, sustentava sua meia-praça com um garimpeiro do Piauí.

Foi o tempo em que a gente firme, alicerçada e conservadora do lugar, de acordo com o prefeito, entendeu de procurar Seu Lilico, ótima pessoa, caridosa e muito de bem, para o cargo, acéfalo, de delegado de polícia. Seu Lilico refugou de entrada. Não tinha jeito para aquilo; não tinha traquejo, não tinha preparo, não desejava se meter num cargo que só viria a lhe dar aborrecimentos.

Os amigos insistiram. Não podiam ficar sem delegado. Era da Lei e, se o cargo havia de ir para outra pessoa que comprometesse o sossego do lugar, melhor seria que ficasse com ele, Lilico, que era da confiança de todos, Um assoprozínho na vaidade vence resistências depois de boas falas. Não havia mais jeito de recusar, e Seu Lilico acabou aceitando. Como era calmo, moderado, tímido mesmo, e sempre de justa razão, passou a haver ordem na cidade e a paz de Deus entre aquelas criaturas.

Foi quando chegou ali um caboclo com ares de jagunço nordestino. Chapéu de serigoba, rebatido na testa, a meio encourado e aferrado de suas armas. Sozinho, se aboletou num rancho largado na saída da cidade e por ali se deixou ficar sem pedir trabalho, sem conversar e procurar intimidades com o povinho da redondeza.

Aquela gente, desconfiada por natureza e acostumada, de velhas tradições, com criminosos, tiros e brigas, começou a achar no indivíduo, assim fechado, traços e parecença com um facínora perigoso, meio conhecido de uns tantos.

Vieram o fuxico, a agitação, o diz-que-diz. Correu, então, que o tal era um inimigo de Seu Balduíno, dono da Loja do Sol, de quando esse vivia em Carolina, no Maranhão, e comprava couro de bode. Que, por via de mulheres, ou de negócio, tinha vindo ali para ajustar com Seu Badô uma velha conta de rancor e tiros trocados.

Ninguém sabia nada ao certo; mas assim mesmo é que sempre se fez a história dos homens. Os repórteres do boato tomaram conta do assunto e o jornal falado das esquinas, com suplemento diário, passou a ter várias edições. A cidade se achou unida e coesa. Seu Badô era negociante estimado. Homem recursado, de crédito largo e preceituoso; e os amigos tinham várias folhas lançadas no grande borrador do balcão e que passavam, automaticamente, para a conta-corrente, onde dormiam, por tempo indeterminado e prazo longo, o tranquilo sono da espera. Por esta e mais aquelas, todos cerraram fileiras e juraram que Seu Balduíno não seria desacatado,

Ficou resolvido que se devia prender o cangaceiro que, pelo jeito e contado, era mesmo o Felinho, de Carolina, conhecido na zona como chefe de bando armado.

Havendo na terra um delegado, foram falar com ele. Queriam fazer tudo dentro da lei, civilizadamente, e aquela prisão só podia ser emanada de autoridade competente. Contaram o caso do cangaceiro que tinha vindo ali para matar Seu Balduíno e arrasar com a família do negociante. Acrescentaram mais endechas, mesmo que o Felinho - decerto era ele - estava armado de 32, rifle e lapiana e que seu bando jagunço pombeava as estradas, esperando o momento de se reunir para atacar a Loja do Sol, liquidando com Seu Badô.

Seu Lilico, que nada sabia, ouviu o caso com espanto e uma vaga tremura pelas pernas. Não esperava por aquela entalada. Como era homem de brio, amigo de Seu Badô e autoridade por aclamação, não achou por onde se virar e topou a parada; tanto mais que muita gente já estava ali na sala esperando a ordem de prisão.

Seu Lilico mandou chamar o cabo e os dois soldados do antigo destacamento que tinha se passado para o garimpo. Assinou o mandado e recomendou ao cabo que tivesse muita cautela e fosse com. muito jeito.

Um fuxiqueiro logo anotou que o homem fora avisado da prisão e que estava esperando os soldados, comendo fogo e com a mão na escorva. Seu Lilico pediu licença e se retirou para o quarto. Era homem de devoção e de preceito. Foi se ajoelhar nos pés de Nossa Senhora da Abadia, pedindo para se sair bem daquele aperto e, sobretudo, que não houvesse sangue de homem derramado.

Seu Lilico era congregado. Nas procissões era da opa e da vara do pálio, vara da frente. Não dava passada ou tomava deliberação sem apelar para algum santo protetor. Além de vários quadros pelas paredes, tinha oratório no quarto e, dentro de um antigo baú de tampa pesadona, uma linda imagem, novinha, da Virgem, que mandava vir de fora e para quem apelava em suprema instância.

Tinha despachado os mantenedores da lei com ordem de prisão para o cujo cangaceiro, parecido com o Felinho, facínora perigoso. Ali, sozinho no seu quarto, abriu o bauzão de tampa pesada e rezava contrito de joelhos, debruçados para dentro, onde estava a Senhora tão linda com a criança nos braços, pedindo que fizesse tudo correr bem, que mandasse o cangaceiro se entregar sem resistência, com as armas, os balázios, o facão e os canivetes e que o bando que pombeava a cidade se dispersasse sem tiros e fosse parar lá nos Piuns.

Que ele faria a novena e a romaria do ano, a pé e curtindo sede. Rezando assim, fervoroso e contrito, batendo no peito um mea-culpa mais cheio, esbarrou com o cotovelo na tampa mal-escorada do baú, que lhe veio duro na cabeça, na hora certinha em que passava um pião de boiadeiro, correndo a cavalo pela rua de sua casa, atrás de um boi assomado e gritando:

- Arreda minha gente, arreda, que é brabeza!...

E como o boi investia, alguns disparos foram dados. Com a pancada seca na cabeça e com a cavalhada, a gritaria e os tiros na sua rua, Seu Lilico viu foi o cangaceiro dentro de casa. Ali mesmo, ajoelhado com a tampa no cocuruto e arcado para dentro do baú:

~ Não faz isso comigo não. Seu Felinho... Não faz assim não, Seu Felis... Bem eu que não queria ser delegado... Não me mata, seu cangaceiro, eu mando relaxar sua prisão...

A mulher de Seu Lilico, que estava na cozinha, ouvindo aquele vozerio surdo no quarto, empurrou a porta e entrou. Levantou a tampa pesadona do baú e tirou o marido daquela atrapalhação. Bom delegado, Seu Lilico. Por ele não vinha mal ao mundo.

Fonte:
Cora Coralina. Estórias da casa velha da ponte.

Chaguri e Bertoletti (A Internet como Espaço Virtual para o Incentivo à Literatura)

Artigo de Jonathas de Paula Chaguri (PG-UEM/FAFIPA), Vanessa Alves Bertolleti (PG-UEM), Mário Luiz Neves de Azevedo (Orientador – UEM), em 2009.

1. INTRODUÇÃO

A Internet, este poderoso instrumento de comunicação e informação, vem se disseminando velozmente no mundo inteiro. Sua utilização se faz presente em diferentes setores da sociedade carregando, na sua essência, um potencial de impulsionar processos de mudanças paradigmáticas. Parece impossível imaginar um computador sem acesso a internet. Apesar de seu surgimento ser mais recente que a invenção do computador pessoal e a sua popularização ter ocorrido algumas décadas depois, hoje, a falta de acesso à grande rede torna um computador semelhante a uma televisão sem os telejornais, telenovelas e filmes, de fato muito incompleta. Os recursos da internet aplicados no ambiente educativo podem contribuir qualitativamente no desenvolvimento de novas posturas educacionais. Entretanto, para que ela possa ser usada pedagogicamente na sua plenitude, é fundamental que o educador domine esta tecnologia, ou seja, conheça seu potencial técnico para que possa explorá-la adequadamente. Muito se têm escrito sobre a ligação da educação com tecnologia e, com isto, levantado questões acerca do papel da escola e do educador na Sociedade Informática. Conforme Schaff (1991), o termo Sociedade Informática é utilizado para caracterizar uma sociedade onde tecnologias informatizadas se fazem presentes em todos os processos de atividades sociais, ou seja, a sociedade em que vivemos. Contudo, este trabalho não se preocupa em buscar respostas a essas questões, mas sim, objetiva-se relatar alguns caminhos de como a Internet pode ser um recuso utilizado por autores eleitores para uma expansão da literatura.

2. O COMEÇO DE TUDO

De acordo com Castro & Silva (2008) a internet começou a ser idealizada e criada entre os anos 60 e 70 pelo governo norte-americano em tempos de guerra fria, com a intenção de garantir segurança e agilidade na troca de dados entre bases militares. Passaram-se algumas décadas até a rede mundial de computadores ganhar a utilidade que possui hoje. Desde o início da Internet em termos mundiais, é registrada a criação de páginas de conteúdo voltado às atividades e criações dos próprios autores. Entre elas estão os ezines ou zines[1] eletrônicos, que por sua vez são a adaptação dos fanzines/zines impressos em papel, com conteúdo artístico e cultural não necessariamente profissional (CASTRO & SILVA, 2008). Contudo, estes tipos de publicação eram difíceis de serem encontradas devido a falta de ambiente virtual da época.

Basicamente duas palavras parecem ser essenciais para caracterizar o termo Weblog[2]: velocidade e facilidade. Essas duas características que compõe o Weblog na criação das páginas, na sua publicação, atualização e principalmente na interação com os leitores. “De acordo com a idéia de publicação de conteúdo original, livre e amador, o termo Weblog  foi concebido pelo americano Jorn Barger em 1997” (CASTRO & SILVA, 2008, p. 694).

O termo Weblog é a justaposição de duas palavras inglesas web (rede, sinônimo de Internet) e log (registro). Este termo é para designar um tipo especial de site, que mostrava informações em ordem cronológica (diária), e misturava a tradicional estruturadas páginas com mecanismos de interação. Em 1998 estes tipos de páginas se multiplicaram e foram surgindo páginas na internet como The Eatonweb Porta de Brigite Eaton e Blogger.com [3] criado pela empresa Pyra Entertainment de Evan Willians, que, além de fornecer um portal para sites com os critérios acima descritos, posteriormente oferecia ferramentas para novas criações destes tipos de site, com facilidades jamais vistas na Internet. Assim, passa a surgir os primeiros editores de Weblogs na Internet. Peter Merholz, respeitado jornalista americano, em 1999 disse ser inevitável que a pronúncia de Weblog passaria para somente blog e o editor de Blog para Blogger como realmente ocorreu em todo o mundo (CASTRO & SILVA, 2008).

Desse modo, através dos primeiros Blogs em 1999 a mídia passa a dar mais atenção a essa forma de expansão de ideia de publicação de conteúdo original, livre e amador criando os primeiros softwares[4] como o Blogger.com que possibilitava a criação e manutenção de um Blog, mais fácil, sem qualquer conhecimento e/ou custo desse recurso na Internet. Neste sentido, os Blogs são páginas de Internet que são atualizadas com frequência e seus conteúdos dependem unicamente do que o autor desejar publicar. A maioria deles possui um sistema de comentários para cada entrada, sendo o post [5] do Blog em que o visitante pode exprimir sua opinião em tempo real sobre o que leu. A liberdade de expressão e a rápida recepção da resposta são o ponto forte do Blog. O autor pode publicar o que quiser, sem intermediários e obter respostas de qualquer público, anonimamente ou não.

Alguns Blogs narram apenas fatos do cotidiano irrelevantes para a maioria das pessoas. Outros têm um tema fixo, como por exemplo, um seriado de televisão. Ainda, há os que simplesmente não têm tema, abordando de tudo um pouco e ainda os jornalísticos, cômicos, políticos, críticos e dentre outros.

Houve um significante crescimento dos Blogs nos últimos anos, e isso, levou com que as ferramentas dos blogs também se expandissem para sanar as necessidades dos usuários para um melhor layout [6] do texto publicado no Blog. Assim, uma das ferramentas que consolidou o uso diário dos Blogs na Internet foi o permalinks [7] que possibilita a participação de mais de um autor em um mesmo Blog dando início aos Blogs coletivos. Também o microblogging outra ferramenta criada para dar apoio aos usuários de Blogs que por sua vez, possibilita a criação de uma página, muitas vezes interligada ao Blog de outro autor, na qual só se publica posts de até 140 caracteres.

3. OUTROS RECURSOS

Além dos Blogs, cuja criação está ao alcance de literalmente qualquer pessoa com acesso à Internet, há além das revistas e periódicos virtuais os hipertextos [8].O hipertexto possui uma natureza especial que aponta algumas características determinantes próprias.

a) O hipertexto é um texto não-linear: apresenta uma flexibilidade desenvolvida na forma de ligações permitidas/sugeridas entre nós que constituem redes que permitem a elaboração de vias navegáveis. (...)

b) O hipertexto é um texto volátil: não tem a mesma estabilidade dos textos de livros, (...) e todas as escolhas são tão passageiras quanto às conexões estabelecidas por seus leitores, sendo um fenômeno essencialmente virtual;

c) O hipertexto é um texto topográfico: não é hierárquico nem tópico, por isso ele é topográfico (...) um espaço de escritura e leitura que não tem limites definidos para se desenvolver;

d) O hipertexto é um texto fragmentário: consiste na constante ligação de porções em geral breves com sempre possíveis retornos ou fugas; carece de um centro regulador imanente, já que o autor não tem mais controle do tópico e do leitor;

(e) O hipertexto é um texto de acessibilidade ilimitada: acessa todo tipo de fonte, sejam elas dicionários, enciclopédias, museus, obras científicas, literárias, arquitetônicas etc. e, em princípio, não experimenta limites quanto às ligações que permite estabelecer;

(f) O hipertexto é um texto multisemiótico: caracteriza-se pela possibilidade de interconectar simultaneamente a linguagem verbal com a não-verbal (musical, cinematográfica, visual e gestual) (...).

(g) O hipertexto é um texto interativo: procede pela interconexão interativa (...) que, por um lado, é propiciada pela multisemiose e pela acessibilidade ilimitada e, por outro lado, pela contínua relação de um leitor-navegador com múltiplos autores em quase sobreposição em tempo real, chegando a simular uma interação verbal face-a-face (MARCUSCHI, 2002, p. 92).

Conhecendo as características desta tipologia textual fica evidente a inserção do Blog como “filiado” diretamente ao hipertexto. Na verdade todas as características hipertextuais se mostram presentes na maioria dos Blogs.  Contudo, a principal característica que difere tenuamente um Blog em relação aos outros tipos de hipertexto é a ênfase dada à interatividade. Segundo Snyder (1997) o hipertexto obscurece os limites entre escritores e leitores. Estes papéis de autor e leitor, no caso do Blog, se revezam em uma sobreposição em tempo real, levando a uma interação mais profunda e reflexiva de ambos, chegando em alguns casos a simular uma conversa face-a-face.

Tanto nos Blogs quanto em outros hipertextos o leitor é o protagonista. É ele quem escolhe seus caminhos, buscando as informações que deseja, no momento e na ordem que julgar mais interessante, ou seja, acaba a seu modo, também produzindo o texto à sua maneira. Contudo, no caso dos Blogs esta interação não se limita apenas a escolhas. Faz com que o leitor se sinta à vontade para dividir o espaço com o autor da página, colocando como desejar suas próprias ideias. Apesar de ainda não nos convencer do porquê do sucesso dos Blogs, principalmente entre os jovens, este tipo de ferramenta da Internet é um site comum e tão interessante quanto difícil de se montar. Neste ponto, portanto, parece surgir o principal motivo de seu sucesso: a facilidade de criação e atualização. Montar e atualizar um Blog são tarefas relativamente muito simples, requer o mínimo de informática e o máximo da criatividade. Basta que o interessado se cadastre gratuitamente em algum site editor de Blogs, escolha um modelo pré-definido e está apto a escrever sobre o que desejar com a certeza de seus textos estarem à disposição, instantaneamente, a milhões de pessoas mundo afora. Para atualizar há a mesma facilidade. O texto é escrito diretamente em espaços do site editor e em seguida é publicado, podendo ser inseridas figuras, fotos, ou diversas outras mídias, em uma mesma publicação.

Nada muito diferente é o sistema de comentários, disponível na maioria dos Blogs. Logo após a leitura de uma determinada publicação o visitante, por meio de um simples clique é convidado a expressar sua opinião sobre o que leu. Assim, é só escrever e publicar.

4. OS RECURSOS DA INTERNET NA EDUCAÇÃO

Conforme relata Pais (2002) o uso da informática na educação não se deve restringir às salas e laboratórios de informática. Especialmente devido ao fato de nem sempre existirem condições físicas e materiais adequados para essa prática, que abranjam todos os alunos uniformemente. A Internet é mais um recurso onde se pode encontrar vários tipos de aplicações educacionais. Conforme Moran (1998, apud FAQUETTI, & OHIRA, 1999, p. 49) destaca os seguintes recursos:

• de divulgação: a divulgação pode ser institucional, mostrando seus objetivos e o que a escola possui como também pode ser específica da biblioteca, dos professores, dos alunos ou de grupos organizados da escola que divulgam seus trabalhos, projetos ou ideias.

• de pesquisa: a pesquisa pode ser feita durante as aulas ou fora dela; na biblioteca ou nas salas de laboratório; pode ser uma atividade livre ou obrigatória, individual ou em grupo;

• de apoio ao ensino: nas atividades de apoio ao ensino pode-se obter textos, imagens, sons dirigidos ao programa desejado, utilizando-os como um elemento a mais junto com os livros, revistas e vídeos;

• de comunicação: novas práticas de comunicação são desenvolvidas nas escolas. Correio eletrônico, Web, listas e grupos de discussão são alguns dos recursos utilizados. Eles proporcionam encontros virtuais entre pessoas, possibilitam a formação de grupos específicos com interesses afins para trocas de informação.

Nesta perspectiva, a partir dos pressupostos apresentado acima é imprescindível refletir sobre o papel do professor. Como fazer com que os alunos tenham contato com novas tecnologias quando estas estão tão próximas de alguns e ao mesmo tempo tão distante de outros? Devemos considerar que a escola e a sala de aula não são as únicas instâncias do sistema de aprendizagem. O aluno recebe informações diariamente de diversas outras fontes não somente na escola, e isto, não pode ser ignorado pelo professor. Na verdade, é neste momento que surge a necessidade do aproveitamento dessas informações extra classe para um relacionamento mais profundo entre o novo e o já conhecido, efetivando assim o aprendizado por completo.

Por conseguinte, ao resgatarmos o objetivo central desse trabalho: relatar alguns caminhos de como a Internet pode ser um recuso utilizado por autores e leitores para uma expansão da literatura, nota-se que é possível propiciar incentivo a literatura como forma de cultura e de formação, utilizando meios que possibilitem a nossos alunos, leituras prazerosas e interessantes, não somente por meio de materiais impressos como livros didáticos e obras literárias, mas também, por meio de outros tipos de leitura, como a jornalística, crítica, esportiva, e sem dúvida, a ‘literária’, devido a sua importância na vida estudantil do aluno, e por ser um dos tipos de leitura mais difíceis de ser apreciada por eles. Assim, sabendo que a Internet é uma das principais fontes de leitura de nossos alunos por que não incentivar o uso de ferramentas como os hipertextos e Blogs para a expansão da literatura?

O professor jamais perderá sua autonomia, mas certamente receberá muito em troca, se orientá-los corretamente, ajudando-os a selecionar e diferenciar os bons conteúdos dos conteúdos fúteis e incompletos existentes em abundância na grande rede. Uma sugestão é promover leituras de hipertextos que contenham conteúdos literários que instiguem o aluno, aguçando sua curiosidade a pesquisar mais informações, a ponto de conseguirem por si só compreender que da diversidade, deve-se buscar qualidade. O que deve ficar evidente é a necessidade de uma atenção especial de nossa parte, educadores, às mudanças e às novidades que se fazem presentes no nosso dia-a-dia e, consequentemente, no dia-a-dia de nossos alunos. A partir do reconhecimento desta realidade fazermos o possível para aproveitá-la de modo eficiente em nossa prática docente, deixando de lado pré-conceitos que possam nos impedir de aproveitar as oportunidades. Que nos impeçam de enxergar no novo, algo instigante e ainda com muitas possibilidades a serem exploradas.

5. CONCLUSÃO

As novas tecnologias de informação, mais especificamente a Internet, têm contribuído para que mudanças paradigmáticas ocorram-nos diversos setores da sociedade. A educação também passa por este momento de transformação onde os conceitos são rediscutidos, reformulados e o novo está em construção. O uso da Internet como recurso de informação e comunicação nas instituições de ensino cresce gradativamente. Sua ampliação está vinculada a existência de uma infraestrutura adequada; ao conhecimento operacional da Internet e suas aplicações educacionais; e ao planejamento de sua inserção como instrumento de trabalho para respaldar os objetivos educacionais.

Neste sentido, o Mercado Editorial lança mão de uma união com rede de computadores a fim de propiciar uma divulgação de ideias, e até mesmo, em proporcionar uma circulação de textos literários para o alcance do público leitor. Assim, dentre os vários espaços em que se desenvolve o processo de expansão editorial de textos literários em um meio de divulgação em massa, destaca-se a“Internet”, que por meio de suas ferramentas possibilita a nossos alunos, leitura e construção de uma nova literatura, não nos moldes impressos, como revistas e livros didáticos e literários, mas em blogs, hipertextos, sites de revistas, livros e, especialmente, sob os olhos dos autores que lêem leitores que escrevem e todos que, nesse cenário, se destacam.

REFERÊNCIAS

CASTRO, A. G. M; SILVA, M. L. A Literatura Brasileira em Tempos de Internet: blogs, microblogs e outros logs. In: II Congresso de Linguagens em Interação. II CONALI. Universidade Estadual de Maringá, Anais..., 2º, 2008. p. 693-703.Maringá – PR.

FAQUETTI, M. F; OHIRA, M. L. B. A Internet como Recurso na Educação: contribuições da literatura. Revista ACB: Biblioteconomia em Santa Catarina. Florianópolis, V. 4, N. 4, 1999.

MARCUSCHI, L. A. O hipertexto como um novo espaço de escrita em sala de aula. In: Revista Linguagem & Ensino. Vol. 4. Nº 1, 2001. p. 79-111.

PAIS, L. C Educação escolar e as tecnologias da Informática.  Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

SNYDER, I. Hypertext. The electronic labirinth. Washington. New York University Press, 1997.

SCHAFF, A. A sociedade Informática. São Paulo. Unesp/Brasiliense, 1991.
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NOTAS:

[1] Do inglês “fanzine”; tipo de impresso artesanal de conteúdo cultural/artístico.

[2] Equivalente a “registro (log) na rede (web)”, no sentido de registrar (algo escrito) na Internet.

[3] Um dos primeiros sites a hospedar e oferecer ferramentas específicas para blogs.

[4] É um programa de computador, pela qual o sistema/serviço é oferecido por determinado site.

[5] Denominado como “postagens”; cada um dos registros/textos inseridos pelo autor do blog.

[6] Parte visual design de um site, também chamada de template.

[7] Links permanentes que facilitam as referências. Nos blogs, estes links direcionam para um post específico, sem que o leitor tenha que buscar o conteúdo.

[8] É um texto eletrônico, isto é, um texto cujo espaço de escrita é a tela do computador e se pode fazer uma relação óbvia entre blog e hipertexto

Fontes:
CHAGURI, Jonathas de Paula; BERTOLLETI, Vanessa Alves; AZEVEDO, Mário Luiz Neves de. A internet como espaço virtual para o incentivo a literatura. In: SINAGEL – Simpósio Nacional de Pesquisa em Estudos Literários. 1, 2009, Maringá. Anais... Maringá, 2009, p. 591 -596.

Imagem = Prefeitura Municipal de Vila Velha/ES
https://www.vilavelha.es.gov.br/noticias/2020/07/biblioteca-virtual-com-classico-da-literatura-e-filme-ganhador-do-oscar-31093
 

Nota do blog: O artigo foi postado em sua íntegra com as devidas fontes. Apenas alguns parágrafos foram divididos para uma melhor visualização, para não ficar um bloco muito extenso.

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Varal de Trovas n. 354

 

Folhetim Doce Aconchego das Trovas (n. 5 – agosto de 2020)

 

Você pode baixar no link:
https://drive.google.com/file/d/1kKDWnwiaHGQktrwu1S8gu7Ac34TDzbVH/view?usp=sharing

Em suas 48 páginas há 222 trovas, tendo em seu conteúdo:

Panaceia de Trovas,

Trovas premiadas no Equador,

Trovadores homenageados: Elisabete Aguiar (Portugal) e Lairton Trovão de Andrade (Pinhalão/PR),

Lista dos Novos Veteranos até julho de 2020.

Dicas para fazer trovas e

Concursos de trovas com inscrições abertas.

Solicito aos organizadores de concursos que me enviem as trovas premiadas para que possam ser divulgadas no Folhetim.

Sempre lembrando que podem enviar suas colaborações com suas trovas ou mesmo de trovadores de sua região, vivos ou falecidos para gralha1954@gmail.com.

Uma ótima leitura.

abraços fraternos,
José Feldman

A. A. de Assis (Rocamora, Pioneiro do Rádio)


Meados da década de 1960. Chico ia passando de jipe, brecou, abriu a porta, mandou-me entrar: “Vamos até Marialva?”. Não perguntei para quê. Fui. Chegamos a uma torre que ele erguera no ponto mais alto da vizinha cidade. “Sobe?” Subimos. Uma vista fascinante. Diante de nós aquele verde e vasto planalto onde Maringá se destacava como futura metrópole. Chico, um idealista. Um sonhador contagiante.

Seu propósito era a partir dali retransmitir sinais de tevê para a região. Por um aparelhinho portátil ele me mostrou que poderia jogar som e imagem nas casas da população pioneira. Como de fato se deu. Captou, ainda em preto e branco, a TV Coroados de Londrina e garantiu que logo nos traria também sinais de emissoras paulistas. Em pouco tempo o sonho virou realidade. Veio em seguida a TV Tibagi de Apucarana, depois a TV Cultura de Maringá. Mas a história há de sempre se lembrar de que tudo isso começou graças à ousadia e à competência de um gênio chamado Chico.

Francisco Dias Rocamora, nascido em Mococa-SP, cresceu em São José do Rio Pardo. Concluiu o ginásio e ao mesmo tempo um curso de eletrônica por correspondência. Em 1941, com 16 anos, já se sentindo preparado para enfrentar a vida, mudou para São Paulo. Conseguiu logo emprego numa firma importante, especializada em eletrotécnica. Em 1943, com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, essa empresa passou a funcionar a serviço das Forças Armadas. Chico foi escalado para trabalhar na fabricação de transmissores. Anonimamente, ganhou status de herói.

Declarada a paz no mundo, Chico Rocamora voltou para Rio Pardo, montou uma oficina e fez-se rádio-amador PY2-AEV. Nesse meio tempo ouviu falar das novas cidades que estavam sendo abertas no norte-noroeste do Paraná e que ofereciam ótimas oportunidades aos profissionais que tivessem qualquer especialidade técnica. Decidiu: “Vou montar uma estação de rádio nessa tal de Maringá”.

Veio para cá em 1950. Maringá estava começando. O jovem Rocamora chegou com a mala cheia de ferramentas e a cabeça cheia de sonhos. De imediato requereu licença para instalar sua emissora de rádio. Aconteceu, porém, que a concessão já havia sido liberada para outro arrojado sonhador, Samuel Silveira. Foi um baque, todavia ele não perdeu o pique. De uma forma ou de outra o projeto seguiria adiante. Os dois logo se conheceram, tornaram-se amigos, juntaram forças.

No dia 15 de junho de 1951, a voz bonita do grande Chico solenemente anunciava: “Senhoras e senhores, esta é a ZYS-23, Rádio Cultura de Maringá, inaugurando as suas atividades”.

Rocamora era o diretor técnico, locutor comercial, locutor esportivo e tudo o mais que fosse necessário. Aos dois fundadores somaram-se mais tarde Joaquim Dutra, Carlos Piovezan e Reginaldo Nunes Ferreira. A Rádio Cultura se expandiu, multiplicou-se, virou Rede Paranaense de Rádio.

Francisco Dias Rocamora morreu em Campinas em 2018, aos 93 anos.
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 16-7-2020)

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Pedro Du Bois (Poemas Escolhidos) 7


ENGANO

Ser no engano
desengano: a hora do tempo
desmedido dos andares.

Ter estado aqui em outro estado.
Cortar passagem entre o povo
impensável da espera

Saber do fim aproximado e rasgar
em versos o sofrimento acobertado
da esperança: desenganar a imagem
empobrecida das águas turvadas
em cada dia. Adiar a sensação
convincente das emendas
e buscar em frestas o erro
percebido: estar aqui agora
e ainda.
****************************************

INVENÇÕES

Invento o tempo das respostas: respondo
todas as perguntas: interpreto no texto
o avesso do poeta: a publicidade escapa
do controle na pergunta e se faz verdade
consumida em tolo dia de respostas

altero o sentido em respostas
amplas de argumentos parcos
                                 restritos
                                aos sofrimentos
                               aflorados
                              à mente

minto as perguntas banais
da sobrevivência e me auxilio
da leitura quando nas respostas
                a invenção consome a hora
                em que devia estar dormindo.
****************************************

MINHA VIDA

Minha vida é a travessia
a travessura
o atravessado

(do planalto
à praia pela planície)

geográfico dos sentidos
ao ficar recolhido
nos abraços da amada

- ter ido embora
sem medo
do regresso -

no elementar direito de ser discreto
nas imediações do avesso e direto
em relação ao topo das esperas

o rosto acomodado
no travesseiro e os olhos
fechados em sonhos.
****************************************

RESTOS

A limalha de ferro
aparas
a madeira
recortada
em papel

escrevo em grafite
na folha
arrancada à raiz

rasgo a estrada
em pedras cinzeladas.
****************************************

RETENÇÃO

A retenção da hora no dia
acabado em capítulo de novela

- a irrealidade dos fatos
consumida no abstrato
espaço negado ao corpo -

a afobação na voz do eremita
diariamente em mesmas coisas

- sobre o dia de hoje: céus
se sucedem em arcos
e a íris dos olhos conflita.
****************************************

REVER

Revejo
como colocadas as coisas
entre mesas com pessoas
buscando em garfadas
enfrentar seus pensamentos

rever
ajuda?

rever
prejudica?

rever: como não ser
visto novamente.
****************************************

TANTOS

Em tantos estávamos
reunidos: uns aos outros
vazios em ciúmes
não reconhecidos

adultos significantes em sustos
inconcebíveis na idade percorrida
aguentávamos o vento e nas penas
dos pássaros flutuavam pesadelos

estávamos reunidos na imensidão
da casa: na peça principal diante
da mesa decomposta em pratos
e copos derramados. Reviramos
o lixo e não encontramos
a palmatória do mundo
nos gestos de frustrações
e raivas

em tantos estávamos na idade
passada em acovardadas idas
e retornos.
****************************************

TENRA


A planta
Fixa
Fixada
Em terra

Tenra vida

Onde o machado
Veneno
Tormenta
Mão
Age em desacordo

A flor
Seca
Entre folhas
Do caderno
Como lembrança.

Fonte:
Poemas enviados pelo poeta.

Isabel Furini (Marketing?)


O vendedor disse que a cliente tem pescoço de cisne, olhos de tigresa, aparência de coelhinha, andar de gazela

Márcio caminhou pelo shopping, e entrou na lojinha que vendia bijuterias finas e peças de prata legítima. Exposição de semijoias distribuídas estrategicamente em vitrines. De um lado, pulseiras; do outro, anéis; ao lado da coluna dourada, os colares.

Um vendedor, de gravata azul, mostrava um colar de prata e semijoia a uma freguesa que gostara do produto, mas achara muito caro.

- O colar ficará lindíssimo na senhora... A senhora tem pescoço de cisne - disse o vendedor.

A mulher sorriu.

Márcio olhava uma gargantilha de prata com cristal quando o vendedor, entusiasmado com o sorriso da cliente, acrescia:

- O colar ficará belíssimo na senhora, a senhora tem olhos verdes de tigresa.

A mulher sorriu e, desta vez, olhou o chão acanhada.

Feliz com o êxito, o vendedor continuou:

- A senhora deveria levar o colar, ficará esplêndido, pois a senhora parece uma coelhinha de revistas masculinas. Ficará esplêndido sim - continuou - e a senhora chamará a atenção, pois tem andar de gazela...

- Vou levar!... - decidiu a mulher.

O vendedor parabenizou-a pela compra e aproximou-se de Márcio.

- Preciso de um presente para minha esposa. Aniversário de casamento...

A compradora saiu da loja sorridente. O vendedor começou a mostrar as semijoias para Márcio. O senhor deve ter bom gosto e apreciar esta gargantilha. A mulher entrava no carro e Márcio não resistiu e falou.

- Não quero elogios... Não acha que o senhor exagerou ao elogiar a moça? Ela nem é tão bonita...

- Elogiar? Exagerar? Não! Não!.. - exclamou o vendedor. - Essa mulher realmente tem pescoço de cisne, olhos de tigresa, aparência de coelhinha, andar de gazela... Ela parece um ornitorrinco!

Fonte:
Olho Vivo

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Varal de Trovas n. 353

 

Aparecido Raimundo de Souza (Comédias da Vida na Privada) Parte Nove


A ELEGÂNCIA DO OURIÇO

DONA MARGARIDA, aos oitenta e sete anos completos e bem vividos, foi em espaços idos, a derradeira voz bradativa do grande passado vitorioso em que viveu. Com o avanço dos cabelos brancos e sendo devorada pelos janeiros inexoráveis, deixou de ser a linda e encantadora senhora de outrora, o pedestal sobre o qual constituiu todos os momentos de sua trajetória pontilhada de glórias e triunfos.

Vive, hoje, a pobrezinha, aparafusada aos cuidados desastrosos de uma miséria indigesta, enfurnada numa casinha humilde, contendo apenas um quarto, uma sala cozinha e banheiro simples, sem os benfazejos da modernidade e pior, sem saúde, dinheiro, sem amigos mais chegados, caminhando, vez em quando, em companhia de seu fiel escudeiro, um pau de arrimo dos cafundós do ronca.

Passa seus dias sentada em uma cadeira de balanços doada pela Comunidade. A pedido dela, vizinhos próximos, fazem a gentileza de ora colocarem o assento na varanda, ora na sala. Do alpendre ela espia a rua larga que levanta uma poeira dos diabos, quando passa um carro. Quando na sala, revê retratos anosos, numa tentativa de relembrar seus pares, muitos dos quais se mudaram de mala e cuia para o pequeno cemitério local.

O resto das fotografias, são vultos encanecidos e carcomidos pelos sumiços das efígies, cujos rostos se evaporaram em processos amarelentos em conformidade com os desgastes dos tempos. Seus trezentos e sessenta e cinco dias de cada novo ano que chega, fluem tristes e vazios, descoloridos e de prazeres cada vez mais desfalecidos. A vida desta pobre alma, na verdade, não tem outra saída; outro porque; senão chorar e esperar pacientemente pela hora de ir; de vez; experimentar a mortalha que a acompanhará para a viagem sem regresso à terra dos sepulcros selados.

Cansada de tudo, distante dos familiares, atormentada pelas frialdades que a degradam, divorciada dos filhos e netos, esquecida pelas noras, genros e irmãs, acha que a hora do adeus já deveria ter chegado. “Será que Jesus se esqueceu de mim?”.  De repente, agarra a pensar numa maneira rápida e rasteira de acabar, de vez, com a própria existência. Sem dar na vista, logicamente e para não alardear a atenção dos bisbilhoteiros. Com este pensar meio que macabro, se arrasta numa eternidade pesada, o corpo apertado num vestido comprido de chita esmaecido até o prédio de uma UPA que o prefeito construiu recente no antigo prédio da rodoviária. Quer ser atendida por um clinico geral, por um cardiologista e, de lambuja, por um geriatra.

Custa realizar seus intentos, apesar da ancianidade (os velhinhos não tem vez neste país), a marcar um horário com os médicos pretendidos. Consegue. O derradeiro deles, se faz muito requisitado e a sua agenda praticamente superlotava a cada dia. Finalmente, depois de muitas idas e vindas, quase seis meses diariamente na portaria da UPA, pinta uma brecha com o cardiologista. Ao se avistar, finalmente com o postremo (o último dos três), e falar, ou melhor, de repetir incansavelmente os esboços de suas dores e desprazeres, quase ao cimo da consulta, indaga, como quem não quer nada, qual a posição exata de um órgão importante, que bate desde sempre dentro de seu peito: o coração.

O especialista (aquele dia) de plantão, meigo e carinhoso, que a atende, em atenção ao avançado das rugas e refolhos da paciente, acha por bem examina-la com acuidade e lhe dar a informação pleiteada. O papo descontraído rola por uns vinte minutos (apesar da agenda complicada com pessoas gritando na recepção) e,  em resumo, se sucedeu mais ou menos assim:

- Então, doutor!. O que me trouxe até sua beira e dos outros dois anteriores, foi o seguinte. Como o senhor mesmo me disse, no geral estou ótima. Aguento, ainda, seguir adiante, sem que careça me preocupar com o caixão. Preciso saber, do senhor, pequenos detalhes com relação a determinados pontos fracos do meu corpo....

- Sou todo ouvidos, minha linda. Pode perguntar o que quiser. Como os demais colegas que a atenderam, procurarei fazer o meu melhor.

- Agradeço, doutor a sua paciência e compreensão.

O médico muda um pouco o rumo da prosa:

- Antes de lhe dar os esclarecimentos que deseja, se me permite – diz o doutor, a certa altura -, posso lhe confessar um particular? Sabia que a senhora lembra muito, mas muito mesmo, uma avó minha, que faz uma fileira de anos não vejo?

- É, doutor? – Me fale um pouco dessa pessoa.

- Eu gostava de morar com ela. Foi quem me criou. Esteve comigo o tempo todo, praticamente a minha infância inteira.
 

- Entendo...

- Olhando agora, para a senhora -, imagine, me veio à memória a ternura da voz dela, não sei explicar o motivo. Vi, na senhora, os mesmos olhos calmos que ela possuía, o rosto como se torneado por mãos hábeis, a boca bem feita...

Faz uma pausa, sorri e continua:

- De nascença carregava um acantoma* do lado do nariz. Que loucura! Percebo o vento batendo em seus cabelos, meu avô chegando dos serviços da fazenda e a ajudando a colocar a mesa para o almoço...

- Continue, meu filho...

- A senhora, nestes poucos minutos em que está aqui sentada, me fez surgir, do nada, um amontoado de coisas que trago guardadas dentro de recordações que, por mais que eu queira, ou tente esquecer, não me deixam...

- Doutor, acredite. Fico feliz em saber que, aos oitenta e sete, ainda sirvo para alguma coisa.

- Que é isso, dona Margarida. A senhora é uma mulher e tanto. Eu diria que vale ouro.

Dona Margarida sorri e coloca a sua mão direita sobre as do médico:

- Neste ponto lhe dou completa e inteira razão, meu jovem. Quando moça, aí pela faixa dos dezoito ou vinte, por valer, realmente ouro, acabei dando muito no prego para um mancebo alto e forte. A criatura tinha um bigodinho à Charlie Chaplin. Me encantei com ele. Amor ao primeiro colar de pérolas. Trabalhava na Caixa Econômica Federal. Me comeu, aos poucos, todas as joias de valor.

Ambos se abrem em farta gargalhada a esta tirada quase infantil daquela pobre criatura desgastada pelo furor dos encarquilhos:

- Que bom que a senhora existe, dona Margarida. Ganhei meu dia proseando com a senhora. Mudando as páginas dos nossos assuntos, o que a senhora queria, de fato, saber?

Dona Margarida se pôs séria:

- Doutor, me dissipa uma curiosidade. Vou lhe fazer a mesma pergunta que fiz ao clínico geral e ao geriatra aqui mesmo nesta sala. Hoje, pela minha idade, sei que o corpo da gente sofre mudanças e se transforma... Enfim, pela minha compleição esquelética, uma dúvida me persegue: qual a posição exata do meu coração?

O doutor cachina* gostosamente alto e explica:

- O seu coração, dona Margarida está situado na reta da sua linha mamária, ou seja, para que a senhora compreenda, ele se acha atrás do osso esterno (este osso é um osso igual a uma gravata). Aliás, é ele que segura todas as suas costelas. Este osso, ou esta gravata, está voltado para o seu lado esquerdo. Para não confundir a sua cabecinha branca, grosso modo, eu simplificaria dizendo que o seu coraçãozinho se acha alojado e batendo perfeitamente bem dois dedinhos abaixo do seu seio esquerdo.

Dia seguinte, dona Margarida se torna manchete de primeira página no jornal de maior circulação da cidade. Com direito a foto e entrevista exclusiva. O assunto se fez tão envolvente e inesperado, tão atraído e flanqueado, que pega e não só pega, deixa a população inteira do bairro em pavorosa repulsão e desespero:

"MULHER IDOSA AO TENTAR SUICÍDIO ACERTA O SEU JOELHO ESQUERDO”.
--------------------------------

* Vocabulário:

Acantoma = tumor benigno que se forma a partir da camada espinhosa da epiderme.

Cachina = rir, zombar, gargalhar.

 Fonte:
Aparecido Raimundo de Souza. “Comédias da vida na privada”. RJ: AMC-GUEDES, 2020.

Luiz Damo (Poemas Escolhidos) II


CIÚME

Quantas flores exalam seu perfume!
E as estrelas não param de brilhar.
Muitas pessoas morrem de ciúme
por não conseguir seus rumos trilhar.

Envoltas no rancor, ninguém assume,
aquilo que a vida tem pra lhes dar,
tanta inveja de quem alcança o cume
e assim as deixa sem poder andar.

Num escuro pranto, à sombra da dor,
noites caíram trazendo o seu manto,
levando nos braços todo o fulgor.

E o brilho do céu repleto de encanto
devagar também vai perdendo a cor
restando as trevas a causar espanto.
****************************************

DECLARAÇÃO

A pedido da parte interessada
uma declaração pode ser feita,
se for de amor deverá ser perfeita,
para não ferir a pessoa amada.

Se o destino for a própria "Receita",
nunca ocorra vê-la mascarada,
e assim, quem a lê, veja retratada.
na escrita somente a verdade eleita.

"Saibam todos quantos virem num ato"
além dos que possam manifestar,
todo teor legado num contrato.

Enquanto muitos tentam demonstrar,
nobres valores, frutos deste fato,
outros seguem vasto campo a plantar.
****************************************

ECOS DO TEMPO

Foram os rastros de antigos verões
n'algum lugar do passado, escondidos,
que transformaram modestos galpões
em templos de luzes na alma floridos.

Se chorarmos os nobres dons perdidos
quiçá, deixados nos velhos porões,
choramos porque não foram vividos
ou guardados como vivos brasões.

O tempo passou, restaram sinais,
gravados na fronte do nosso ser,
cujos momentos voltarão jamais.

Pairam ecos dum suave entardecer
nos confins das belezas siderais
num reluzente e eterno alvorecer.
****************************************

EMOÇÕES

É dos melhores momentos vividos
que preservamos as recordações,
muitos pedaços de sonhos perdidos
formam castelos de divagações.

São vastos campos, serenos, ungidos,
pela brisa mansa das pretensões,
formam pequenos sinais protegidos
lidos à sombra das ternas canções.

Muitos caminhos que foram seguidos,
talvez só contenham provocações
entre tantos espinhos escondidos.

Que nas fronteiras das conjugações,
nenhum tempo e modo fique abolido
nem banido um verbo das emoções.
****************************************

PALAVRAS

Nas entrelinhas da conversação
as palavras são ditas sem sentir,
às vezes escondem toda intenção
de a meta alcançar ou nela seguir.

A síntese da tese entra em ação
numa antítese que faz persuadir,
do pensamento fiel transmissão
tudo o que somos nos faz refletir.

No espelho da vida com vibração
seu sereno brilho quer transmitir,
na mesma grandeza e Igual direção.

Simples fonemas procuram abrir
mais do que mera comunicação,
um canal de voz pra todos ouvir.
****************************************

SONHOS

Temo tanto, tudo quanto me ataca,
tento em todos os momentos lutar,
estreito pranto, tão pouco retrata,
as torturas que terei de enfrentar.

No túnel do tempo a terra resgata
centenas de pontos a despontar,
qual touro perdido na densa mata
forte e raivoso querendo atacar.

No topo do monte ou numa cascata,
constantes gritos se fazem notar,
para relembrar uma serenata.

Enquanto no sótão pra pernoitar
deitam cantigas, talvez a sonata,
repletas de luz, até o despertar.

Fonte:
Luiz Damo. Pétalas do Quotidiano. Caxias do Sul/RS: Lorigraf, 2012.
Livro enviado pelo poeta.

Contos e Lendas do Mundo (Thor, o Deus do Trovão)

Thor, assim como Odin, O Ancião, chegou ao norte através da imigração, que em tempos remotos tiveram lugar na Ásia e Asgard. Aqui ele teve de lutar com os primeiros habitantes da terra, que por causa de seus esconderijos em montanhas e tocas, bem como de sua estatura gigantesca e ferocidade, eram chamados de Jattar (Gigantes), Trolls e Bergs-boar (moradores das montanhas). Daí vindo todas as tradições sobre gigantes e coisas do gênero.  Aquelas pedras lisas, em forma de cunha, que às vezes são encontrados na terra, são chamadas Thorwiggar, isto é, cunhas de Thor: segundo se conta, por estas terem sido arremessadas por Thor em algum troll. Em muitos lugares onde as pradarias são vizinhas das montanhas, histórias eram contadas de como trolls se enchiam de terror quando trovejava, e como eles, então, transformados em diversas formas, embora a maioria frequentemente como grandes bolas ou novelos, rolavam das montanha, procurando abrigo entre os camponeses, que, bem ciente do perigo, sempre os mandavam de volta com suas foices; e em diversas ocasiões acontecia que o trovão golpeava e estremecia a foice, e assim o trolll com um gemido, voltava para a montanha.

Meteoritos são encontradas em muitos lugares e são monumentos a Thor. Embora nem sempre de grande magnitude, eles são, no entanto, tão pesado que quase nenhum homem pode levantá-los.  Estes, diz-se, Thor usa como brinquedos.  Dos meteoritos em Linneryd em Smaland se diz, que Thor, passando por ali com seu pajem, encontrou com um gigante, e perguntou a ele para onde ele ia. ”Para Valhalla”, respondeu o gigante,” para lutar com Thor, que com seu raio queimou meu gado e casa.”

“É pouco aconselhável para ti, para medir forças com ele,” Thor respondeu, ”porque eu não posso imaginar que tu és o homem o bastante para levantar essa pequena pedra em cima dessa maior.” O gigante indignado, pegou a pedra com toda sua força, mas não foi capaz de tirá-la do chão, pois Thor tinha jogado um encanto sobre ela. O pajem de  Thor, em seguida, fez uma tentativa, e levantou a pedra como se tivesse sido uma luva. O gigante desferiu um golpe em Thor que o deixou de  joelhos, mas Thor com seu martelo revidou e matou o gigante. Ele agora jaz  sob a grande pilha de pedras do lugar.

Thor era adorado na alta Gothland junto com outros deuses. O Thorbagge (Stercorarius scarabseus) era sagrado para ele. Existe uma superstição relativo a este besouro que ainda existe, que tem sido transmitida de pai para filho, que se qualquer um em seu caminho encontrar um thorbagge repousando desamparado em suas costas, e colocá-lo em seus pés, ele expiará sete pecados; isso porque Thor no tempo do paganismo foi considerado como um mediador com uma força sobrenatural, ou o Todo Poderoso. Na introdução do cristianismo, os sacerdotes se esforçaram para aterrorizar as pessoas no culto aos antigos deuses, dizendo a seus adeptos que eles eram maus espíritos pertencentes ao inferno.  E o pobre thorbagge pobres, foi então renomeado como Thordjefvul ou Thordyfvel (o diabo de Thor), nome pelo qual ainda é conhecida na Suécia. Ninguém agora pensa em Thor, quando encontra a criatura indefesa descansando em seus costas, mas o compatriota de boa índole raramente pensa em passá-lo a seus pés, tentando a expiação de seus pecados “.

Que a lembrança e a veneração por Thor eram longamente  retidas na Noruega e em Bohuslän, aparece de muitas tradições. De alguns marujos de Bohuslän, cerca de cem anos desde atrás, é relatado, que, enquanto a serviço de um navio holandês de Amsterdam, caçando baleiras perto da Groenlândia, eles foram afastados de seu curso conhecido, e  observaram por muitas noites luzes de uma fogueira em uma ilha ou na terra, e entre alguns dos marinheiros, estavam homens de Bohuslän, que foram tomados pelo desejo de visitar o local e ver o que as pessoas faziam lá. Assim, tomaram o bote do navio barco e remaram para o local.

Tendo desembarcado e se aproximado do fogo, eles encontraram um velho sentado se aquecendo perto da fogueira, que imediatamente perguntou-lhes de onde eles vieram.

“Da Holanda”, respondeu o homem de Bohuslän.

“Mas de que lugar de lá você veio?” perguntou o velho.

“De Safve em Hisingen” respondeu o marinheiro.

“Tu conheces Thorsby?”

“Sim, também.”

“Sabes onde fica Ulfveberg?”

“Sim, muitas vezes tenho passado por lá, porque há um caminho direto de Gotemburgo para Marstrand através Hisingen para Thorsby.”

“Aquelas grandes pedras e montes de terra ainda estão em seus lugares?”

”Sim, todos, mas uma das pedras que está prestes a cair”

“Conte-me mais” –  disse o velho pagão – “Tu sabe onde o altar de Glosshed está e se ele ainda está são e salvo?”

Ao ouvir do marinheiro que não, o velho disse:

“Faça com que o povo em Thorsby e Thores-bracka não destruam as pedras e os montes sob  Ulfveberg e  acima de tudo mantenham  o altar Glosshed seguro e intacto, e assim terás um bom vento para o local para o qual viajas.”

Tudo isso o marujo prometeu cumprir na sua volta para casa.  Ao perguntar ao velho o seu nome, e por que ele tão ansiosamente perguntava por esses objetos, ele respondeu o marinheiro:

“Meu nome é Thorer Brack, e minha morada é lá, mas agora sou um fugitivo.  No grande monte ao lado de Ulfvesberg minha raça inteira está enterrada, e no altar de Glosshed nós realizamos nossa adoração aos deuses.”

Eles então se separaram do velho e tiveram ventos favoráveis de volta para casa.

O Poço de Thor

Desde a época do paganismo existe um poço em Smaland, na freguesia de Skatelof, que é notável para um deplorável evento. No local onde o poço está agora, uma moça, diz-se, encontrava-se com seu amante, e de depois de suspeitar de sua infidelidade, o assassinou. O deus Thor fez com que o poço cuspisse o sangue de suas águas.

Em consequência da mudança que a religião pagã tinha sofrido na cabeça  das pessoas, o nome do deus Thor foi mudado para “Hehge Thor” (Santo Thor), o festival da Ascensão de Nosso Salvador, foi chamado de “Helig Thor’s-dag”, literalmente Holy Thor‘s-day, Dia Sagrado de Thor, (Quinta-feira Santa), e Skatelofs Kalla foi chamado de ‘Helige Kalle Thor.

Pesquisa em documentos antigos, apontam que uma determinada música  era cantada nas cercanias desse poço, quando a população do país, toda véspera de quinta-feira Santa, reuniam-se ali para jogar e fazer oferendas.

Fonte:
Northern mythology : comprising the principal popular traditions and superstitions of Scandinavia, North Germany, and the Netherlands, compilado por Benjamin Thorpe. Londres, 1851. Disponível em Casa de Cha

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Varal de Trovas n. 352

 

Rubem Braga (A Minha Glória Literária)

"Quando a alma vibra, atormentada..."

Tremi de emoção ao ver essas palavras impressas. E lá estava o meu nome, que pela primeira vez eu via em letra de forma. O jornal era O Itapemirim, órgão oficial do Grêmio Domingos Martins, dos alunos do Colégio Pedro Palácios, de Cachoeiro de Itapemirim, estado do Espírito Santo.

O professor de Português passara uma composição: "A lágrima". Não tive dúvidas: peguei a pena e me pus a dizer coisas sublimes. Ganhei dez, e ainda por cima a composição foi publicada no jornalzinho do colégio. Não era para menos:

Quando a alma vibra atormentada, às pulsações de um coração amargurado pelo peso da desgraça, este numa explosão irremediável, num desabafo sincero de infortúnios, angústias e mágoas indefiníveis, externa-se, oprimido, por uma gota de água ardente como o desejo e consoladora como a esperança; e esta pérola de amargura arrebatada pela dor ao oceano tumultuoso da alma dilacerada é a própria essência do sofrimento: é a lágrima.

É claro que eu não parava aí. Vêm, depois, outras belezas; eu chamo a lágrima de "traidora inconsciente dos segredos da alma", descubro que ela "amolece os corações mais duros" e também (o que é mais estranho) "endurece os corações mais moles". E acabo com certo exagero dizendo que ela foi "sempre, através da História, a realizadora dos maiores empreendimentos, a salvadora miraculosa de cidades e nações, talismã encantado de vingança e crime, de brandura e perdão".

Sim, eu era um pouco exagerado; hoje não me arriscaria a afirmar tantas coisas. Mas o importante é que minha composição abafara; e tanto que não faltou um colega despeitado que pusesse em dúvida a sua autoria: eu devia ter copiado aquilo de algum almanaque. A suspeita tinha seus motivos: tímido e mal falante, meio emburrado na conversa, eu não parecia capaz de tamanha eloquência. O fato é que a suspeita não me feriu, antes me orgulhou; e a recebi com desdém, sem sequer desmentir a acusação. Veriam, eu sabia escrever coisas loucas; dispunha secretamente de um imenso estoque de "corações amargurados", "pérolas da amargura" e "talismãs encantados" para embasbacar os incréus; veriam...

Uma semana depois o professor mandou que nós todos escrevêssemos sobre a Bandeira Nacional. Foi então que – dá-lhe Braga! – meti uma bossa que deixou todos maravilhados. Minha composição tinha poucas linhas, mas era nada menos que uma paráfrase do Padre Nosso, que começava assim: "Bandeira nossa, que estais no céu..."

Não me lembro do resto, mas era divino. Ganhei novamente dez, e o professor fez questão de ler, ele mesmo, a minha obrinha para a classe estupefata. Essa composição não foi publicada porque O Itapemirim deixara de sair; mas duas meninas – glória suave! – tiraram cópias, porque acharam uma beleza.

Foi logo depois das férias de junho que o professor passou nova composição: "Amanhecer na fazenda". Ora, eu tinha passado uns quinze dias na Boa Esperança, fazenda de meu tio Cristóvão, e estava muito bem informado sobre os amanheceres da mesma. Peguei da pena e fui contando com a maior facilidade. Passarinhos, galinhas, patos, uma negra jogando milho para as galinhas e os patos, um menino tirando leite da vaca, vaca mugindo... e no fim achei que ficava bonito, para fazer pendant com essa vaca mugindo (assim como "consoladora como a esperança" combinava com "ardente como o desejo"), um "burro zurrando". Depois fiz parágrafo, e repeti o mesmo zurro com um advérbio de modo, para fecho de ouro:

"Um burro zurrando escandalosamente".

Foi minha desgraça. O professor disse que daquela vez o senhor Braga o havia decepcionado, não tinha levado a sério o seu dever e não merecia uma nota maior do que cinco; e para mostrar como era ruim minha composição leu aquele final: "um burro zurrando escandalosamente". Foi uma gargalhada geral dos alunos, uma gargalhada que era uma grande vaia cruel. Sorri amarelo. Minha glória literária fora por água abaixo.

Fonte:
Rubem Braga. Crônicas transcritas. Publicada em 1960.