sábado, 26 de janeiro de 2013

J. G. de Araújo Jorge ("Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou") Parte 18


Corrêa de Araujo
(Raimundo Correa de Araújo)
(Pedreiras/MA, 29 maio 1885 – São Luis/MA, 24 agosto 1951)

" AQUELES OLHOS "

Ela olhou e passou, graciosa e bela.
Passou... e foi-se para sempre, embora
brilhe em meu coração, desde tal hora,
ditosa, a doce luz dos olhos dela...

Estrela que no azul cintila e mora,
viu-a o Poeta e emocionou-se ao vê-la;
e amou a estrela doidamente, e a Estrela
fugiu, fulgindo, pelos céus afora...

Desde então, muitos anos já passaram;
talvez haja fechado - a garra adunca
da morte, - os olhos que me deslumbraram..

Neste vale de lágrimas e abrolhos,
viva cem anos, não verei mais nunca
olhos tão lindos como aqueles olhos!

DENTRO DO ABISMO

Morria... O abismo embaixo, esboroadas
Fauces horríveis para o espaço abria,
E eu suspenso no vácuo, as mãos pousadas
Nas margens negras, já sem fé morria.

Sei que caí mas que, ao cair, sagradas
Mãos me ampararam na voragem fria;
E, ao despertar, Alguém d'asas doiradas,
Alguém que eu amo, junto a mim sorria.

Eras tu! Amparaste-me a fugiste:
E eis-me de novo cheio de desditas!
E eis-me de novo desvairado e triste!

E clamo e gemo... que cruel contraste!
És tu agora que me precipitas
No meu abismo donde me tiraste!

NA ARENA

Sou cavalheiro e menestrel, chorosas,
Notas desfiro no arrabil das dores;
Brando a lança de lendas luminosas
E a guitarra imortal dos trovadores.

Buscando justas e buscando amores,
Vêm-me em sonhos todas as formosas,
Com uma harpa de pétalas de flores,
Com uma espada de jasmins e rosas.

Seguirei combatendo destemido,
E quando um dia em chagas escarlates
Entre agonias eu tombar vencido,

Oh! bando loiro em sonhos absorto!
Ponde este gládio tosco dos combates
Na tumba azul do cavalheiro morto.
============

Fernando Torquato Oliveira 
(Rio de Janeiro/GB, 1913 ).

 CERTEZA 

Hás de ser minha, sinto que estás perto,
como alguém que procura, a cada passo
ser a presença que faltou no espaço,
ou ganhar vida em sentimento incerto.

Não procuro caminhos, nem desfaço
a sombra momentânea, e nem desperto
a poesia latente onde, por certo
vibrarás - sensualíssimo compasso.

Porque despontarás a qualquer hora
vinda do azul cruzado pelos mastros
onde a espuma dos sonhos se demora,

ou virás silenciosa, sob os astros,
um momento talvez antes da aurora
quando o amor busca o amor quase de rastros.

MARINHA

Daquele dia breve, inesperado,
recordo a areia, o finar, a vastidão,
gravados com requintes de artesão
no reverso do mundo iluminado.

Recordo o pormenor de uma canção,
gente no dorso liquido, boleado,
o teu nudismo quase consumado,
o zumbido difuso da extensão...

Vagas avultam, prontas ao massacre,
e vagas de cristal... tocando, algumas,
teus pés de unhas polidas, cor de lacre.

Recordo o fundo azul, teu corpo, brumas,
o cheiro, mais sabor, mesclado de acre,
do "champanhe" espoucante das espumas.

MUNDO

Estás ausente. Pela porta aberta
vê-se, lá fora, a trilha luminosa
dos teus pés delicados, que se foram
em busca cie utensílios ou de plantas

Na mesa tosca, longe do papel
um lápis guarda versos na grafita;
há novelos de lã pelo silêncio
com que teces amor para agasalhos.

Delineiam-se frutas saborosas,
descansam porcelanas na penumbra
onde adejam lembranças dos teus gestos.

Nas folhagens cativas, mas felizes,
paira um rumor de pétalas cumprindo
a receita singela de uma flor.

SOLIDÃO

Gosto da solidão, mas por egoísmo.
Piso as estradas ermas, onde a vida
é sincera, nostálgica, esquecida,
entregue ao seu tranqüilo fatalismo.

Posso pensar em ti longe da lida
e do fragor amorfo do realismo.
Minha paixão procura a cor do abismo,
colho temas na estrada impercorrida.

Não há ninguém no azul desses momentos.
Águas mansas, talvez... E a reticência
das coisas vagas, sem delineamentos.

Envolve-me a poesia. Na inclemência
das distâncias, dos rumos, e dos ventos,
paira, como um perfume, a tua ausência. . .

VORAGEM

Recordei-me de ti naquele instante.
No silêncio, entre os riscos dos bambus,
havia um plano de águas, onde a luz
batia quase oblíqua, cintilante.

junto da relva, em movimentos nus,
singela flor da margem, vacilante,
refletia-se inteira, sem cambiante,
sobre os tons a pincel, argênteos... crus.

A lâmina, entretanto, foi quebrada
por algo que não vi, e a flor singela
fugiu na agitação da água nublada.

Sumiste certo dia, muito bela,
entre as ondas concêntricas,
levada por uma tempestade igual aquela.

Fonte:
– J.G . de  Araujo Jorge . "Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou". 1a ed. 1963

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Pepetela (O Planalto e a Estepe – resumo da obra)


O livro começa com o narrador, Júlio, descrevendo onde nasceu (Huíla, sul de Angola), sua família e os tempos da escola. Quando menino, brincava com as outras crianças das redondezas, sendo amigo também dos filhos dos servos, que eram negros. Sua irmã, Olga, que declarava não gostar de negros (provavelmente no início por ter ouvido os adultos falando isso), alertou Júlio para não andar com os negros, mas para ele todos eram iguais. Mais tarde, porém, ele vai descobrir que há o racismo.

O pai de Júlio, que não teve como estudar, fazia de tudo para que o filho conseguisse frequentar a escola e se tornar doutor – qualquer tipo de doutor, contanto que seja um. Não poupava esforços para comprar livros e roupas novas para ele frequentar a escola, mas Júlio deveria ter boas notas, o que ele sempre teve. Quando se formou na escola com ótimo rendimento, Júlio conseguiu uma bolsa de estudos e foi estudar para Coimbra, Portugal. 

Em Coimbra, ingressou no curso de Medicina, mas logo percebeu que aquilo não era o que ele queria fazer. Logo Júlio se aproximou dos outros estudantes africanos que pensavam do mesmo modo que ele e foram morar juntos. Após perder a bolsa de estudos por mal rendimento no curso, resolve partir para o Marrocos junto com mais uns amigos para participar da revolução. Lá chegando, o grupo foi dividido: enquanto os mais escuros iam lutar, os mais claros iriam estudar na Europa. Júlio se sente desiludido e humilhado. É mandado, então, para estudar em Moscovo (Moscou, na Rússia) e lá resolve cursar Economia.

Em Moscovo, o grupo dos angolanos era guiado, e também vigiado, por uma mulher chamada Olga. Ela era quase como uma mãe para eles e se entusiasmava com os avanços de Júlio na língua russa. Por ser branco e de olhos azuis, muitos europeus não se aproximavam muito de Júlio e tinham dúvidas quantos às verdadeiras intenções dele. Mais uma vez, logo tornou-se amigo de outros africanos: o congolês Jean-Michel, o senegalês Moussa e o tanzaniano Salim. Os quatro logo fizeram sua primeira revolução no local: insatisfeitos com seus companheiros de quarto, conseguiram convencer o diretor a mudarem de quarto para os quatro ficarem juntos. Como Moussa e Salim eram muçulmanos e rezavam várias vezes ao dia, ficou acertado que eles ficariam em um quarto e Jean-Michel e Júlio em outro.

Após serem aprovados na língua russa, puderam ingressar na universidade: Jean-Michel e Júlio em Economia, Salim em Agronomia e Moussa em Engenharia. Embora estudando em locais diferentes, os quatro continuaram a se encontrar com frequência. Já Júlio e Jean-Michel continuaram a morar juntos e tornaram-se ainda mais amigos.

Os dois tinham as mesmas aulas e discutiam bastante sobre as coisas aprendidas na universidade. Enquanto Jean-Michel parecia aceitar passivamente tudo o que lhe era ensinado, Júlio tinha diversas dúvidas se tudo aquilo era ou não verdade ou válido. Porém, um dia conversando em um parque da cidade, Jean-Michel confessa também ter diversas divergências e críticas sobre o que é ensinado a eles, mas diz fingir que aceita tudo passivamente porque estão sendo vigiados o tempo todo. Além disso, alerta Júlio a tomar mais cuidado com o que fala. Nesse ponto, o narrador conta o que acontece com Jean-Michel no futuro: após terminar o curso, ele retorna a Brassaville e logo arranja emprego no gabinete de um ministro, subindo de cargo rapidamente até se tornar o chefe máximo da Juventude do Partido. 

Porém, ele havia perdido suas convicções no socialismo, pois todos só pensavam em mulheres e carros, “já que enriquecer é difícil em terra tão pobre”. Por fim, ele se mete em uma tentativa de revolução e é morto.

Quando Júlio estava no segundo ano do curso, uma aluna mongol chamada Sarangerel transfere-se para sua sala. Os dois tornam-se amigos e logo acabam começando um relacionamento amoroso. Um dia ela revela ser filha de um ministro da Mongólia, um dos homens mais importantes de seu país, e por isso pede segredo sobre o relacionamento dos dois. No fim desse ano Sarangerel vai passar as férias em sua terra natal e, ao voltar, os dois percebem que não conseguem ficar longe um do outro.

Jean-Michel já dá sinais de saber que Júlio tem uma namorada, mas não pergunta nada ao amigo e mantêm discrição. Porém, a companheira de quarto de Sarangerel, Erdene, insiste cada vez mais para saber o porquê dos atrasos da amiga e o que mais está acontecendo. 

Um dia, Sarangerel diz estar grávida e Júlio, sem medir as consequências, fica muito feliz. Os dois não queriam que ela abortasse, e Júlio diz que iriam se casar. Porém, Sarangerel diz que a escolha era dela também e que não era para ser nada imposto por ele assim. Ela conta tudo o que estava acontecendo para Erdene, que fica enlouquecida e revela ser uma guarda-costas de Sarangerel. Erdene conta ainda que o pai dela já está informado que ela tem um namorado não mongol e que ela só voltou das férias porque sua mãe queria que a filha se formasse. Erdene temia ser punida caso o pai de Sarangerel descobrisse que sua filha está grávida, e por isso pressiona a moça por uma solução.

Porém, Júlio e Sarangerel não querem o aborto e empreendem uma luta para se casarem. Ele mobiliza os alunos africanos e diversos outros amigos, que viam a criança como símbolo da união dos povos, um exemplo para o futuro. Pedem ajuda para Olga, mas essa nega, pois não quer fazer nada que possa causar uma crise entre dois governos aliados. Nesse ponto, o pai de Sorangerel já deve estar sabendo de tudo, pois Erdene foi até a embaixada e deve ter contado tudo antes que a KGB o fizesse. Júlio e seu grupo vão até a embaixada da Mongólia tentar achar uma solução, mas nem conseguem entrar. Ninguém queria ajuda-los e arriscar seus empregos ou mesmo causar uma crise internacional por conta disso.

A mãe de Sarangerel vai até Moscovo para tentar convencer a filha a abortar ir para Leningrado terminar seus estudos, mas não obtém sucesso em seu intento. No dia em que ela volta para a Mongólia, Júlio e Sarangerel passam a noite juntos na casa da moça. No outro dia, ela some e Júlio fica sabendo por Nara, uma amiga dela, que Sarangerel havia sido levada à força para a Mongólia. A partir daí, ele tenta de todas as forças entrar em contato com ela, mas não consegue. Depois de um tempo, Nara vai passar as férias na Mongólia e conta que Sarangerel deu luz a uma menina.

Júlio e seus amigos se formam e cada um tem um destino diferente. Júlio é mandando para ajudar na revolução na Argélia. Lá, chega a envolver-se com uma moça, mas a relação não dura muito. Ele aos poucos vai subindo de cargo devido a sua competência e dedicação ao trabalho, chegando a comandar um grupo de homens. Em certo momento, Júlio consegue um passaporte argelino para ir até a Mongólia, mas chegando lá ele é recebido por oficiais que o escoltam até o local onde hospedaria. Crente de que iria conseguir uma reunião com o pai de Sarangerel, ele espera. No dia seguinte, é levado para ver sua filha, mas os oficiais mantém Júlio preso dentro do carro e ele só consegue ver as costas da menina. De lá, é mandado direto para o aeroporto para pegar um avião para a Argélia.

Chega a independência, mas os países caem em guerra civil, uma vez que os colonizadores não queriam abrir mão do poder. Cerca de dez anos após a independência de Angola, Júlio é chamado para Lubango e reencontra sua terra-natal e família. Sua irmã Olga, antes racista, agora era nacionalista e defendia a igualdade entre todos. Júlio, que havia lutado na revolução, tornou-se seu herói e exemplo para os demais.

Em Luanda, Júlio logo tornou-se general e usou de sua posição privilegiada para tentar contato com a Mongólia. Todos prometiam ajuda, mas de nada adiantava. Júlio continuava a trabalhar como economista em Angola e tentava elaborar projetos efetivos de paz e progresso para o país. Sem nunca desistir de Sarangerel, o tempo foi passando. Após se reformar das forças militares, continuou trabalhando em uma empresa criada por um amigo seu. Assim, apesar de não ter ficado rico, tinha suas mordomias.

Um dia, sua amiga Esmeralda, que o havia ajudado em Moscovo para que ele e Sarangerel ficassem juntos, vai à Cuba e volta dizendo que encontrou Sarangerel lá. Que ela havia se casado e que sua filha, chamada Altan (significa ouro), estava casada e tinha filhos. Júlio fica atônito e resolve ir até Cuba. Consegue entrar para uma comitiva militar que iria à Cuba no mês seguinte.

Chegando em Havana, consegue tempo para visitar Sarangerel e os dois conversam pela primeira vez em 35 anos. Ela conta que teve dois filhos com seu marido e que esse queria conhecer Júlio. É marcado, então, um almoço para o outro dia. Nesse encontro, tudo ocorre amigavelmente e todos apenas conversam sobre política. De volta ao hotel, Júlio é surpreendido por um telefonema de Sarangerel, dizendo para ele arrumar um visto para ela que ela irá para a Angola viver com ele.

De volta a seu país, Júlio prepara sua casa para receber Sarangerel enquanto o visto fica pronto. Durante esse tempo, ela convence o marido a conceder o divórcio amigavelmente e também conta a seus filhos sua decisão. Algum tempo depois de chegar em Angola, Sarangerel diz que Altan quer conhecer Júlio e eles planejam uma viagem para Itália e toda a família se encontra lá. Altan fica feliz pelos dois pais que tem.

O casal volta para Angola e a vida passam a curtir os dias juntos, uma vez que Júlio decide sair do emprego. Algum tempo depois, Altan e seus irmãos vão conhecer a Angola e ficam encantados com as paisagens do lugar, mas também não deixam de mostrar espanto com a miséria da população.

Certo dia, Júlio resolve ir ao médico para descobrir o motivo de suas fortes dores nas costas. Após os exames, o médico o informa de que ele tem um câncer avançado e não dá muitas esperanças de cura. Júlio mantém isso em segredo de todos e Sarangerel só descobre tudo quando ele é levado ao hospital após uma crise. Altan novamente vai a Angola para despedir-se de seu pai. Júlio morre feliz após passar quatro anos ao lado de sua amada. Portanto, descobre-se ao final do livro que trata-se de um relato póstumo do narrador.

Lista de personagens

Júlio: angolano. decide tudo por instinto, sendo muitas vezes irracional e teimoso. 
Sarangerel: é uma mongol socialista que se transfere para a escola de Júlio no 2o ano. É filha do Ministro da Defesa da Mongólia, um dos homens mais importantes de seu país, mas é simples, modesta e meiga.
Jean-Michel: natural da República do Congo, tem grandes ideais fraternos. Para ele, as ideias socialistas não existem. É morto por ser herético.
Erdene: guarda-costas de Sarangerel, informa todos os passos da moça. Tenta encobrir o romance dela, mas fica com medo de ser punida.
Moussa: senegalês muçulmano, é um aristocrata.
Salim: natural da Tanzânia, é mulçumano. 
Olga: irmã de Júlio, inicialmente é racista, mas depois torna-se uma grande líder nacionalista e luta contra o racismo. Espécie de guia e vigia dos estudantes angolanos em Moscovo.

Sobre Pepetela

Artur Carlos Murício Pestana dos Santos, conhecido por Pepetela, nasceu em 29 de outubro de 1941 na cidade de Benguela, Angola. Seus pais eram angolanos de nascimento, mas descendentes de uma família colonial portuguesa. Começa seus estudos em sua terra natal, mas em 1956 muda-se para Lubango e termina seus estudos lá. Posteriormente, vai para Lisboa cursar o Instituto Superior Técnico. Em 1960 ingressa no curso de engenharia, mas muda logo em seguida para Letras, que também abandona para ingressar no Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA) em 1963.

Durante sua época de militante político, Pepetela fugiu para Paris e depois se estabeleceu em Argel, capital da Argélia. Lá trabalhou no Centro de Estudos Angolanos com Henrique Abranches fazendo uma documentação da sociedade e cultura angolanas, além de divulgar as atividades da MPLA pelo mundo. Nesse tempo ele escreve seu primeiro romance, "Muana Puó", obra que só decide publicar em 1978. Depois da mudança do Centro de Estudos Angolanos para a República do Congo em 1969, Pepetela ingressa na luta armada contra os portugueses, experiência que lhe serviu como inspiração para a obra "Mayombe" (1980), que também só foi publicado após a independência de Portugal.

Com a independência de Angola conquistada em 1975, Pepetela retorna para seu país de origem e torna-se Vice-Ministro da Educação no governo do Presidente Agostinho Neto. O escritor fica no cargo até 1982, quando abandona a carreira política para se dedicar à literatura. Durante essa época, ele encontra apoio do presidente para lançar seus livros.

Em 1984, Pepetela lança um de seus romances mais prestigiados, "Yaka", romance histórico que trata da vida dos membros de uma família de colonizadores portugueses que vão para Benguela no século XIX. Durante as décadas de 1980 e 1990, continua a publicar diversas outras obras onde Angola é o centro de suas atenções. Em 1997, recebe o Prêmio Camões, o mais importante prêmio literário de língua portuguesa, pelo conjunto de sua obra.

Durante os anos 2000 o escritor continua com uma intensa carreira literária, publicando livros que tratam da influência norte-americana em Angola, terrorismo e outros temais atuais. 

Suas principais obras são: "Muana puó" (1978), "As aventuras de Ngunga" (1979), "Mayombe" (1980), "Yaka" (1985), "A geração da utopia" (1992), "Parábola do cágado velho" (1996), "A gloriosa família" (1997), "Jaime Bunda, Agente Secreto" (2001) e "Jaime Bunda e a Morte do Americano" (2003)

Fonte:

Pepetela (O Planalto e a Estepe - Análise da obra)


O pano de fundo para a história de amor impossível de "O planalto e a estepe", publicado em 2009, é o movimento de libertação dos países angolanos que teve início no começo da década de 1960. Júlio, o narrador e protagonista da história, é um angolano branco e de olhos azuis que quando jovem não tinha noção dos preconceitos e racismo que existia em seu país. Porém, vai aos poucos tomando consciência disso – como, por exemplo, quando conversa com seu professor de filosofia e descobre a diferença entre “colono”, que se refere às pessoas que foram morar na Angola fugindo da pobreza de Portugal, e “colonista”, que esse diz respeito aos brancos que acham que os africanos são inferiores e tiram seus direitos – mas nunca compartilha das ideias racistas dos outros brancos de Angola.

Ao ganhar uma bolsa para estudar em Portugal, Júlio toma contato com outros estudantes africanos e começa a se politizar. Já não gostava do curso, uma vez que estudar anatomia enquanto uma revolução social estava a caminho lhe parecia inútil, abandona a faculdade e vai ao Marrocos para ingressar na luta. Porém, por ser branco, ele não é posto em combate, mas no lugar é mandado para Moscou (ou Moscovo, como aparece no livro) para estudar e aprender os preceitos socialistas. Lá ele conhece a jovem mongol Sarangerel, filha do Ministro da Defesa da Mongólia, e aí começa a descobrir que o racismo tem diversas faces. Não sendo mongol, a família dela nunca iria aceitar o romance dos dois. Quando Sarangerel engravida, é levada à força de volta à Mongólia e inicia-se, então, a luta de Júlio para reencontrar sua amada.

Júlio aprende, então, que a chamada “amizade entre os povos” e o “internacionalismo proletário” não passavam de slogans, pura propaganda. Como seu amigo Jean-Michel o alertou, o marxismo não conseguiu acabar com a diferença entre as raças. No final, o amor entre Júlio e Sarangerel não poderia ser concretizado meramente por questões políticas. Dessa forma, Pepetela expõe em seu livro a hipocrisia dos governos socialistas que pregavam uma coisa, mas na prática agia de outra forma. 

O local onde se dá a história de amor de Júlio e Sarangerel, Moscou, é também o centro de onde se comanda todas as revoluções socialistas pelo mundo. Assim, o movimento de libertação angolano e dos demais países africanos aparece sob um contexto mundial, sendo diretamente ligado à expansão socialista da União Soviética. Portanto, acompanha-se em "O planalto e a estepe" não só a história de luta entre os angolanos colonizados contra os colonizadores portugueses, mas sim todo o conflito entre a expansão do socialismo pregado pela União Soviética contra o imperialismo americano nos anos da Guerra Fria e também após a queda da União Soviética.

Dessa forma, a “grande viagem” de Júlio pode ser interpretada como uma espécie de jornada de aprendizagem pela qual o protagonista passou durante sua vida. Ele começa a história como uma criança ingênua, passa a estudante politizado, torna-se um general respeitado durante a revolução e termina o livro sem falsas ideologias e esperanças, mas com grande aprendizagem. Através desse percurso, percebe-se na própria história de amor impossível entre Júlio e Sarangerel que o preconceito, racismo e, de uma forma geral, o desrespeito às diferenças existe em grande grau e que traz consequências graves para todos. 

Porém, apesar de tantos desencontros e desilusões, Júlio continua firme em seus ideais, tanto amorosos quanto políticos até o fim da história. É interessante notar que ele nunca foi corrompido pela podridão da política feita a seu redor por causa de sua esperança de reencontrar Sarangerel; o que lhe deu forças para lutar e seguir em frente sempre foi o amor. O reencontro dos dois após trinta e cinco anos já ao final do livro mostra que ainda há esperanças para um mundo mais igualitário e justo, sendo que a chave para isto reside no amor e na nobreza de ideais.

O prof. Gilberto Alves da Rocha (Giba), do Curso Apogeu de Curitiba (PR), comenta que “O planalto e a estepe”, obra escrita por um dos maiores escritores angolanos da atualidade, tem um enredo forte e que, portanto, deve-se ficar atento aos detalhes da narrativa. A obra narra o amor entre um estudante angolano (Júlio) e uma jovem mongol (Sarangerel), na década de 60 do séc. XX, uma época bastante conturbada dentro do cenário político-social internacional.

Justamente por conta disso, assinala o prof. Giba, o contexto histórico e social que cerca a obra, além das trajetórias dos protagonistas, fazem com que a história dos protagonistas se transforme num “amor impossível”. Em contraste com o restante da obra, seu início, em que se tem as descrições da infância de Júlio são de um lirismo cativante: harmonia, pureza e brincadeiras infantis cercavam a vida do menino, sob a bela natureza de Angola. Por fim, o prof. Giba comenta que, assim como o protagonista Júlio, o próprio autor integrou o MPLA (Movimento Popular pela Libertação de Angola). A obra fala um pouco sobre a história angolana mas também é ambientada na União Soviética, o que representa uma espécie de “internacionalização” da obra de Pepetela.

Fonte:

7º Concurso Poesiarte (Resultado Final)


1º: Edweine Loureiro
Filho da Floresta
Saitama/Japão

2º: Perpetua Amorim
Deusa Mãe
Franca/SP

3º: Sonia Nogueira
Cajueiro
Fortaleza/CE

4º: Regina Célia
As árvores dão vida
Colombo/PR

5º: Nédia Sales
Cumprindo Ciclos
Conceição do Almeida/BA

6º: Flavio Machado
Prosaicos amazônicos
Cabo Frio/RJ

7º: André L. Soares
Árvore da vida
Guarapari/ES

8º: Roque Aloísio
Rumorejos
Santa Rosa/RS

9º: Jussara Godinho
Viceje!
Caixas do Sul/RS

10º: David Henrique
Futuro da Vida Arbórea
Belo Jardim/PE

11º: Lilian Araújo
O fauno e a dríade
Anápolis/GO

12º: Marcos Sodré
Oxalá
Armação dos Búzios/RJ

13º: Amélia Marcionila
O Guardador de Árvores
Pirapetinga/MG

14º: Janaína Santos
Vida de Árvore
São Bernardo do Campo/SP

15º: Geraldo Trombin
Árvore devida
Americana/SP

16º: Jehan Santos
Semeada na Metrópole
Cabo Frio/RJ

17º: Lohan Lage
Árvore da vida
Trajano de Morais/RJ

18º: Gislaine Aparecida
Árvore da vida
São Paulo/SP

19º: Marcelo de Oliveira
Árvore da vida
Salvador/BA

20º: Isabel Cora
Continuidade
Araruama/RJ

Fontes:
http://concursopoesiarte.blogspot.com.br/2013/01/resultado-do-vii-concurso-poesiarte-2013.html 
http://concursos-literarios.blogspot.com 

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Natália Lima (Poesias Avulsas)


FELICIDADE
E quando chegar amanhã
Eu vou estar do teu lado
E no depois de amanhã
Estaremos  contando histórias
de tudo o que vivemos

E por amá-lo hoje
Me honra a certeza desse amor
que  ainda ontem  desconhecia

Felicidade  é  teu amor
Por toda a eternidade
Felicidade é ser amor
Para minha felicidade

SE NÃO EXISTISSE HORA
Se não existisse hora
O tempo não acabava
Se não existisse hora
A vida não passava
Há  horas percebo o tempo
E o que ele leva consigo
O tempo acelera os segundos
E  os primeiros que passam voando
Já os últimos estão mais perto
Mas não muito longe do fim

Se não existisse hora
Também não existiria
Nem o nascer, nem o pôr
E nem o crescer da flor
Nem muitas belezas
E nem muita dor
Daquilo que parte por ora
Sem controlar o passar
O desejo do inerte impossível
Desejo de ter e ficar
Desejo do desequilíbrio

Se não existisse hora
Todo tempo seria agora
Sem pressa  e sem demora
O tempo faria  greve
E  a hora faria graça
Sem culpa ou explicações
Se não existisse hora
Estaria agora em outro lugar .…

PRECISO ESCREVER
Preciso escrever com a força daquele
que um dia conseguiu ser lido e admirado

Foi lido, admirado e cantado...

Aquele mesmo que versejava nas madrugadas

Um tal que parava no tempo e se perguntava:
-Serei lido amanhã ?

E se respondia feliz:
-Percebo que sim...

O mesmo que se questionava
quanto a riqueza de seus versos

Lia-se   e não acreditava

Mas aquela mesma força, a mesma força conseguiu ser lida
conseguiu ser admirada

Ao menos a minha própria visão leu o fundo
o profundo do meu eu
Com tanta força
Que mal espera para escrever
O que já está em mente
Antes mesmo que estes versos acabem…

PERCEPÇÃO
Você pode fazer da sua vida, o céu
Basta ter a percepção
Da simplicidade das coisas
Do valor do pouco
E de que o muito nem sempre  é tanto
De não parar no tempo
Mas ter paciência
Do significado do amor
De exercer a paz
Da importância de um sorriso
E da intensidade dos gestos
De que não somos perfeitos
Mas podemos ser o  ídolo de alguém
De que nem todo dia estaremos felizes
Mas que alguém é feliz porque existimos
Procurar algo para achar
Seja feito por você , ou por outrém
Mas que seja feito de coração
Com a pureza divina
De quem tem a percepção
De que a vida pode ser o céu

DESABAFO
Há algo que me sufoca
Que me inquieta
Não sem bem o quê
Algo que mexe com tudo
Tira-me o sossego
Tem a ver com o que sinto
Com o que quero ser
Tem a ver com o que conto
Com o quero dizer
Sem saber ao certo o quê
Vou-me esvaziando do sufoco
E preenchendo lacunas com palavras
No papel antes branco
Agora pleno de sentimento
Apenas sentimentos
Sem que eu ainda saiba qual
Sentimento que me alivia a alma
Sentimento relaxante
Desabafo talvez
Daquilo que precisava ser dito
Mesmo que sem sentido

CENAS DE AMOR
Escrevo que te amo
Com a felicidade pulsante
Que me percorre as veias

Escrevo no teu corpo
Sobre o doce amor
Que me entorpece

Escrevo versos nossos
Únicos e cúmplices
Que traçam o gosto
Da boca
Do beijo

De todas as partes
Que compõem
Nossas Lindas
Simples,
Mas Intensas,
Porém Incomparáveis,
Cenas de amor .…

Fonte:
http://www.recantodasletras.com.br/autor_textos.php?id=56322

Mário de Andrade (Tempo da Camisolinha)

Mário de Andrade, no conto "Tempo da Camisolinha ", da obra Contos Novos, assume um foco narrativo em primeira pessoa, com narrador participante, que, simultaneamente, é o protagonista da narrativa. A narrativa, por sua vez, é posterior aos fatos: o narrador adulto conta sua experiência infantil. Apesar de os fatos estarem distantes no tempo, estão próximos emocionalmente. Para contá-los, o narrador envolve-se tanto, que assume a linguagem da criança e expressa suas emoções e interrupções por meio de sinais de pontuação subjetivos, como reticências e exclamações: "(...) davam nela, machucavam muito ela, isto é ... muito eu não queria não, só um bocadinho, que machucassem um pouco, sem estragar a cara tão linda da pintura, só pra minha madrinha saber que agora que eu tinha a boa sorte, estava protegido e nem precisava mais dela, tó! ai que saudades das minhas estrelas-do-mar! (...)" "(...) eu bem não queria pensar, mas pensava sem querer, deslumbrado, mas a boa mesmo era a grandona perfeita, que havia de dar mais boa sorte pra aquele malvado de operário que viera, cachorro! dizer que estava com má sorte! Agora eu tinha que dar pra ele a minha grande, a minha sublime estrelona-do-mar!..." A apresentação do conflito não é a tradicional, já que, inicialmente, o narrador não parece ter a preocupação de situar o leitor no tempo e no espaço; não se preocupa em conduzir o texto para que o leitor o assimile de forma segura.

"A feiúra dos cabelos cortados me fez mal.": tal colocação não conduz o leitor ao assunto diretamente. Posteriormente, saberemos que os "cabelos cortados" foram os dele. O narrador parte de suas próprias experiências; o corte dos cabelos trouxe-lhe uma "noção prematura de sordidez dos nossos atos" ou "da vida". A criança não queria seus cabelos cortados; isso lhe trouxe sofrimento, mas a justificativa recebida foi que deveria ficar homem. Isso, em vez de animá-lo, apavorava-o, pois uma criança de três anos não queria ser homem; queria ser apenas criança. É o iníicio, assim, de uma das abordagens contidas no texto: o pré-estabelecido, o convencional, as regras fundamentais, que devem ser sempre seguidas por alguém que deseja fazer, coerentemente, parte da estrutura social. É "sórdido", como nos coloca o narrador, um menino ter cabelos "dum negro quente, acastanhados nos reflexos", principalmente se "caíam pelos ombros em cachos gordos, com ritmos pesados de molas de espiral". A reflexão que nos fica é se o que é sórdido é a imposição, ou a delicadeza dos cachos... Tal fato se torna tão marcante, que, já homem, os cachos tornaram-se a lembrança de um "engano grave", que o fizeram destruir o quadro que ainda continha essa lembrança. No corte dos cabelos, não são apenas eles que são destruídos, mas o "olhar manso, um rosto sem marcas, franco, promessa de alma sem maldade". O que fica é o homem que acha "besta" a camisolinha conservada pela mãe para que economizasse.

O adulto, que agora é, tenta-se justificar pelo que ele foi ("Guardo esta fotografia porque si ela não me perdoa do que tenho sido ao menos explica"). A criança, forçada a virar homem aos três anos, passa a ter um "quê repulsivo de anão". É nítida a comparação que faz entre ele e o irmão, Totó. O irmão mantém o ar sem malícia e infantil; parece não ter sofrido a repressão vivida pela personagem protagonista. Ao caracterizá-lo como "criança integral", reforça as perdas sofridas pelo narrador; nesse momento, a idéia dos cachos retorna à mente do leitor: o problema reforça-se como moral, não como físico; com os cabelos, perdeu-se a pureza. O personagem narrador - a "montruosidade insubordinada", revelada pelos "olhos que espreitam" - contrapõe-se ao irmão, "a própria imagem da infância". Num momento de "flash-back", o narrador reflete sobre o valor dos signos do passado ("não sei por que não destruí em tempo também essa fotografia"): é a forma de buscar-se e encontrar-se nas reminiscências. É como se fosse capaz de perceber que a foto era a comprovação da repressão e seus resultados: o que fazer diante disso? ... a sensação da incapacidade de reagir... Quando o leitor entra em contato com tudo isso, sente que os cachos cortados são ponto de partida do enredo. O fluxo de consciência vai tomando maior espaço à medida que incomoda o narrador. "Voltemos ao caso que é melhor": prefere interromper as reflexões a deparar-se, possivelmente, com o que não quer ver... Nessa repressão tão sofrida, o pai é elemento desencadeador de todo o processo: "meu pai suavemente murmurou uma daquelas suas decisões irrevogáveis".

A antítese marca a introdução do pai no enredo - suave e irrevogável; nesse caso, a suavidade não se liga à delicadeza, mas ao fato de não haver discussão nas decisões por ele tomadas. A maior revolta do menino é não ter nenhuma participação nisso: "Deixassem que eu sentisse por mim, me incutissem aos poucos a necessidade de cortar os cabelos, nada: uma decisão à antiga, brutal, impiedosa, castigo sem culpa, primeiro convite às revoltas íntimas (...)". A reação do narrador é de "monstruosidade insubordinada", voltando-se contra o cabeleireiro; a dificuldade de lembrar é grande, já que a resistência a tudo isso se mantém até hoje ("Tudo o mais são memórias confusas ritmadas por gritos horríveis (...)"). A seleção de vocabulário é pesada porque a dor também é: "cadáveres de meus cabelos", "um não-conformismo navalhante"... e a reação do menino é de pranto. Nota-se que o que dói mais é a troca proposta pelos adultos: presentes, gozações, espelhos. Ninguém tenta entender a dor do garoto. Na relação indivíduo/mundo, a reação do indivíduo é a revolta: nasce o homem - como queriam os "outros" - mas é alguém "cheio de desilusões, de revoltas, fácil para todas as ruindades", com lembranças infantis desagradáveis, cujo único elemento restante foram "as camisolinhas", tão detestáveis quanto todo o resto. A figura paterna não afeta apenas o menino, mas também a mãe: depois de um parto desastroso, movia-se "premiada pelas obrigações da casa e dos filhos". A idéia de "obrigação" intensifica-se ao longo das ações dela ("menos tratava da casa que se iludia, consolada por cumprir a obrigação de tratar da casa.").

A atitude do pai diante do sofrimento materno é exposta de forma irônica: "Diante da iminência de um desastre maior, papai fizera um esforço espantoso, o seu ser que só imaginava a existência no trabalho sem recreio, todo assombrado com os progressos financeiros que fazia e a subida de classe." Observa-se o antagonismo de interesses entre esses elementos do mesmo ciclo familiar: a criança, preocupada apenas com a própria dor (tal egocentrismo reflete-se, inclusive, nas reminiscências do narrador, que não consegue lembrar-se, exatamente, do que ocorria com sua mãe - "(...) não sei direito..." -; a mãe, preocupada com suas obrigações para com a família; o pai, preocupado com os "progressos financeiros e a subida de classe". O que vemos, portanto, é a família conservadora burguesa. Para melhorar o estado de saúde de sua mãe, vão para a praia. A mudança de espaço não mudará esse quadro familiar. Observa-se isso, por exemplo, no quadro de Nossa Senhora do Carmo (trazido da cidade para a praia), utilizado para ameaçar e amedrontar o menino ("Meu filho, não mostra isso, que feio! repare: sua madrinha está te olhando na parede!"). Diante disso, o menino não se submete, pois desafia a "madrinha santa", quando a mãe não está olhando ("Tó! que eu dizia, olhe! Olhe bem! Tó! olhe bastante mesmo!"). Nessa mudança de espaço, as poucas mudanças de atitudes são apenas aparentes: a mãe "sentia um prazer perdoável de representar naquelas férias o papel largado de convalescente"; o pai "deixara menos pai, um ótimo camarada com muita fome e condescendência". O que se nota é que pai e mãe precisam de motivos, "desculpas", para se comportarem de modo diferente, enquanto que o filho mantém sua personalidade rebelde, avessa ao formal.

Os operários trabalhadores do canal reforçam a hierarquia que a criança já observava na família, já que tratavam melhor a ele, "filhinho de ‘seu dotô’, do que aos próprios filhos": como diz o próprio narrador, agiam "proletariamente"... Tudo isso se segue de um fato novo que modifica o ritmo do enredo: o garoto é presenteado com três estrelas-do-mar por um operário, que lhe diz que as mesmas dão boa sorte. A posse das estrelas-do-mar tornou-se algo fundamental para a criança: constituíam-se num segredo. Não sendo necessário dividi-las ou partilhá-las com alguém, tornam-se algo só seu, capaz de dar a boa sorte prometida e protegê-lo de qualquer infortúnio: "Comer? pra que comer? elas me davam tudo, me alimentavam, me davam licença para brincar no barro, e si Nossa Senhora, minha madrinha, quisesse se vingar daquilo que eu fizera pra ela, as estrelas me salvavam, davam nela (...)" Porém, a posse das estrelas é momentânea; a felicidade é momentânea. Ao ver, na praia, um operário triste, queixando-se da sua má sorte, a criança sente-se na obrigação de ceder-lhe sua estrela-do-mar (de início, a pequena, mas, depois, sabia que devia ceder a maior: "(...) aquele homem com tantos filhinhos pequenos e aquela mulher paralítica na cama!... e no entanto eu era feliz, feliz e com três estrelinhas-do-mar pra me darem sorte..."). Se, no início do conto, o embate da criança era com o mundo, agora, é consigo mesma, quando descobre que até dentro de si as coisas não são harmoniosas: ao mesmo tempo que deseja as estrelas, que quer as três - que, para ele, representam a suprema felicidade -, incomoda-se com o sofrimento do operário. Dolorosamente, acaba deixando sua vontade de lado e entrega-lhe a estrela: "Tome! Eu soluçava gritado, tome a minha... tome a minha estrela-do-mar! dá... dá, sim, boa sorte!...". Tal atitude não deixa - ao contrário do que se poderia esperar de uma narrativa moralista tradicional - o garoto satisfeito consigo mesmo, já que foi tão altruísta. O que ocorre, na verdade, é um imenso sofrimento, arrependimento ("eu sofria arrependido"), que ele não consegue conter: "Eu corri pra chorar à larga, chorar na cama, abafando os soluços no travesseiro sozinho.". À sua maneira, a narrativa torna-se cíclica: o sofrimento vivido com a perda dos cachos castanhos retorna na perda da estrela-do-mar... é o homem que se forma através de perdas sucessivas, de sofrimentos contínuos, "no infinito dos sofrimentos humanos".

Fonte:
Sos Estudante

Contos do Folclore Brasileiro (A Formiguinha e a Neve)

Pois é, uma formiguinha gostava muito de fofoca, gostava muito de conversar. Aí, ela, no tempo frio, no tempo de geada, — e toda formiga também gosta muito de carregar, gosta muito de roubar, não é? — ela ia no moinho roubar fubá. Aí quando ela já evinha embora, já com frio, aí a geada prendeu o pezinho dela com o bolinho de fubá dela na cabeça, não é?

 Aí o sol veio, derreteu a geada, ela foi em casa, guardou o fubazinho dela e em vez de mexer o anguzinho dela, não, foi tirar pergunta.

 Aí foi na casa do sol:

 — Ô sol, você é tão forte que você derreteu a geada que estava presa no meu pezinho!

 Aí o sol respondeu pra ela:

 — Eu sou tão forte que a nuvem me tapa!

 Ela foi na casa da nuvem:

 — Ô nuvem, como você é tão forte que você tapa o sol e o sol derreteu a geada que prendeu o meu pezinho?

 Aí a nuvem falou:

 — Eu sou tão forte que o vento me toca.

 Ela foi na casa do vento:

 — Ô vento, como você é tão forte que sopra a nuvem, a nuvem tapa o sol, o sol derreteu a geada que estava prendendo o meu pezinho?

 Aí o vento falou:

 — Eu sou tão forte que a casa me tapa.

 Aí ela foi na casa:

 — Ô casa, como você é tão forte que você tapa o vento, o vento toca a nuvem, a nuvem tapa o sol, o sol derreteu a geada que estava prendendo o meu pezinho?

 Aí a casa:

 — Eu sou tão forte que o rato me fura.

 Aí ela foi na casa do rato:

 — Ô rato, como você é tão forte que você fura a casa, a casa tapa o vento, o vento toca a nuvem, a nuvem tapa o sol, o sol derreteu a geada que estava presa no meu pezinho?

 Aí o rato falou:

 — Eu sou tão forte que o cachorro me pega.

 Aí ela foi na casa do cachorro:

 — Ô cachorro, como você é tão forte que você pega o rato, o rato fura a parede, a parede tapa o vento, o vento toca a nuvem, a nuvem tapa o sol, o sol derreteu a geada que estava presa no meu pezinho?

 Aí o cachorro falou:

 — Eu sou tão forte que a onça me pega.

 Aí ela foi na casa da onça:

 — Ô onça, como você é tão forte que você pega o cachorro, o cachorro pega o gato, o gato pega o rato, o rato fura a parede, a parede tapa o vento, o vento toca a nuvem, a nuvem tapa o sol, o sol derreteu a geada que estava presa no meu pezinho?

 Aí ela disse:

 — Eu sou tão forte que o caçador me mata.

 Aí ela começou a ficar brava:

 — Ô caçador, como você é tão forte que você pega a onça, a onça pega o cachorro, o cachorro pega o gato, o gato pega o rato, o rato fura a parede, a parede tapa o vento, o vento toca a nuvem, a nuvem tapa o sol, o sol derreteu a geada que estava presa no meu pezinho?

 Aí o caçador:

 — Eu sou tão forte que a morte me mata.

 Aí ela falou para a morte:

 — Ô morte (gritando já), como você é tão forte que você mata o caçador, o caçador mata a onça, a onça pega o cachorro, o cachorro pega o gato, o gato pega o rato, o rato fura a parede, a parede tapa o vento, o vento toca a nuvem, a nuvem tapa o sol e o sol derreteu a geada que estava presa no meu pezinho?

 Aí a morte:

 — Eu sou tão forte que te mato.

 Plat! Passou o pé nela, matou ela e pronto.

 Ela não comeu o anguzinho dela, não é? ficou só tirando pergunta. Se ela fosse comer o anguzinho dela, quietinha, ela tinha enchido a barriga dela e não tinha morrido.

Fonte:
Jangada Brasil. Setembro 2010. Ano XII - nº 140. Edição Especial de Aniversário.

Lola Prata (Lançamento do Livro "E Eu Sei Fazer Versos?")


João Anzanello Carrascoza (E vem o sol)

Tinham acabado de se mudar para aquela cidade. Passaram o primeiro dia ajeitando tudo. Mas, no segundo dia, o homem foi trabalhar; a mulher quis conhecer a vizinha. O menino, para não ficar só num espaço que ainda não sentia seu, a acompanhou.

Entrou na casa atrás da mãe, sem esperança de ser feliz. Estava cheio de sombras, sem os companheiros. Mas logo o verde de seus olhos se refrescou com as coisas novas: a mulher suave, os quadros coloridos, o relógio cuco na parede. E, de repente, o susto de algo a se enovelar em sua perna: o gato. Reagiu, afastando-se. O bichano, contudo, se aproximou de novo, a maciez do pêlo agradando. E a mão desceu numa carícia.

O menino experimentou de fininho uma alegria, como sopro de vento no rosto. Já se sentia menos solitário. Não vigorava mais nele, unicamente, a satisfação do passado. A nova companhia o avivava. E era apenas o começo. Porque seu olhar apanhou, como fruta na árvore, uma bola no canto da sala. Havia mais surpresas ali. Ouviu um som familiar: os pirilins do videogame. E, em seguida, uma voz que gargalhava. Reconhecia o momento da jogada emocionante. Vinha lá do fundo da casa, o convite.

O gato continuava afofando-se nas suas pernas. Mas elas queriam o corredor. E, na leveza de um pássaro, o menino se desprendeu da mãe. Ela não percebeu, nem a dona da casa. Só ele sabia que avançava, tanta a sua lentidão: assim é o imperceptível dos milagres.

Enfiou-se pelo corredor silencioso, farejando a descoberta. Deteve-se um instante. O ruído lúdico novamente o atraiu. A voz o chamava sem saber seu nome.

Então chegou à porta do quarto — e lá estava o outro menino, que logo se virou ao dar pela sua presença. Miraram-se, os olhos secos da diferença. Mas já se molhando por dentro, se amolecendo. O outro não lhe perguntou quem era, nem de onde vinha. Disse apenas: Quer brincar? Queria. O sol renasceu nele. Há tanto tempo precisava desse novo amigo.

Fonte:
Revista Nova Escola

Coelho Neto (Mano) Parte 10,final

TEMPESTADE

Noite lúgubre.

Estortegam-se agoniadamente as árvores ao vento. Bátegas rufam nas telhas. Por entre as frinchas das janelas afuzilam clarões.

Rápido esfria em regelo. À rajada mais forte o arvorado rumoreja estabanadamente. A enxurrada chofra, gorgoleja torrencial, rasgada, de quando em quando, por automóveis que passam.

Troam, estrepitam, ribombam trovões.

No bater das portas e das janelas tem-se a impressão de que andam a forçar a casa.

Acendem-se luzes. São as crianças que despertaram sobressaltadas com os fragores.

A estampido mais rijo ei-las de pé, espavoridas. Correm a refugiar-se junto a nós.

E o estridor aumenta.

Deflagram explosões seguindo-se-lhes silêncio pávido.

De repente a chuva jorra cheia e grossa estalando na rua.

O vento uiva rondando o espaço; distancia-se, torna, envolve a casa como matilha que se encarniça furiosamente em presa.

Luzem relâmpagos mais freqüentes. A própria luz das lâmpadas vasqueja, freme em crispações de espamo e, a súbitas, apaga-se.

E a escuridão, que amedronta, laiva-se de livores convulsos.

Penso nos que se acham lá fora, à intempérie. Quantos!

Penso em ti!

Sentirás no teu túmulo o rigor da tormenta? Não creio.

Se tal se desse com mais razão terias sentido a que se desencadeou em nossos corações quando, com a respiração já flébil, nos arquejos dos últimos anélitos, tinhas em nós os olhos fitos e marejados de água.

Nada sentias - nem os soluços, nem as deprecações, nem as vozes desesperadas com que, através de lágrimas, bradávamos para que não partisses.

Se não sentiste naquele angustioso instante, quando ainda te não arrancaras de todo a nossa esperança. preso à vida pelo olhar, que poderás sentir agora, silêncio cm que jazes, nessa profundidade, a maior de todas as profundidades, onde, se riso chega o nosso amor, não chegará, decerto, a raiva das tempestades!

RAJADA

Como explicar tais surtos?

A mim mesmo, surpreso, lanço esta pergunta.

Que ele venha, invocado pela saudade, quando o coração, que se não resigna, o chama, é natural. Não há túmulo que resista a tal reclamo, pesem-lhe, embora, em cima, mármores e granito, metais e terra fúnera: o prestígio do amor tudo consegue.

Se a gota de água perene abre sulcos e atravessa penhascos, que não farão as lágrimas, muito mais poderosas, por virem de fonte divina?

Assim, compreende-se que a invocação do amor consiga trazer da morte, em espírito, aqueles que desaparecem, mas que, de improviso, espontaneamente, eles nos surjam, entrem-nos pelo coração... só se neles também perdura o amor, se a saudade insiste em os prender à vida para que, por ela, tornem, como a andorinha regressa do exílio ao ninho antigo, mal se dissolve a neve que a repeliu para outro clima.

Ainda que o não esqueça instantes há, porém, em que o não sinto, tanto ele se aquieta como adormecido no fundo da memória. Basta, porém, um rumor leve de lembrança, uma subtil reminiscência para que ele desperte.

Assim, porém, como na vida quando os trabalhos nos solicitam e saímos por eles, deixando em casa os filhos, cada qual naquilo que lhe consente a idade - um, no estudo; outro, brincando e o pequenino no berço ou no aconchego do colo maternal, sem que deles nos esqueçamos, posto que os não tenhamos presentes, assim, também horas há em que nos abstraímos dos mortos e se isso importasse em esquecimento da mesma ingratidão se poderiam igualmente queixar os vivos.

Em tais momentos quem nos encontra no giro do trabalho, falando a um e outro, rindo com eles, não dirá que toda essa aparência de alegria ou indiferença assenta em melancolia.

Profundezas, quem as sonda? Penetrais, quem os alcança?

Julgue-se o oceano pela superfície que rebrilha ao sol em frisos ondulantes, riso efêmero das águas que se desfaz em espumas.

Julgue-se a brenha pelo que dela se avista, verdura matizada pela florescência dos ramos.

Julgue-se o infinito pelo azul que o olhar abrange. Quem sabe lá o segredo do abismo, o mistério da selva, o arcano da altura.

O coração é a profundeza em que jazem os sentimentos, em que se ocultam as paixões: amor e ódios, saudades e remorsos, todo o bem e todo o mal.

A noite é bem a imagem da morte.

Vai-se o sol e as sombras parciais desaparecem, fundindo-se na escuridão universal, que é a Treva. Vai-se a alma, que é luz, e o corpo, sombra da terra, torna ao de que veio: a Terra.

E, assim como o sol, e retorno, refaz o dia, assim a alma, depois do tramonto e da depuração, regressa à vida e ilumina outro ser, efêmero como o dia.

Mas essa luz instantânea, luz que brilha e extingue-se, relâmpago que apenas serve para mostrar-me o deserto, claridade que fulgura tão só para que eu veja toda a imensa extensão da minha desventura, quem a acende, e por que?

Como explicar tais surtos, esse ressurgimento do morto dentro da minha saudade? Quem o invoca e que chamado atende? Será Deus que o mutila para consolo da minha alma ou será ele próprio que se desprende da Eternidade e, a súbitas como para certificar-se de que não morreu no meu amor, desce em visita ao coração, que era o seu ninho? Não sei.

Na maior serenidade, tudo em calma: o céu azul! com o sol em pleno, as árvores imóveis nos ramos as aves alacres cantando. De repente, sem nuvem que a anuncie, sopra de longe, das montanhas, frias, ríspida rajada.

Curvam-se as frondes, sobe a poeira em torvelins, abrumam-se os ares, negros bulcões empastam, escurecem o céu em cariz de borrasca.

Mas o sol esgueira um raio, abre, por fim, a larga alara de ouro. Reacende-se a claridade, limpa-se de todo o azul, tornam os pássaros ao vôo e a vida serenamente continua.

Assim, por vezes, no meu coração.

Trabalho na quiete do meu gabinete ou cruzo a multidão nas ruas: movimento ou placidez, rumor de vida ou silêncio. Atento em dar forma a uma idéia, torturando, polindo e repolindo a frase eu sigo distraído do turbilhão tumultuário, tanto como folha morta levada ao léu da correnteza. Nele não penso. Acha-se onde o amor o recolheu quando a morte o prostrou, no mais recôndito do coração, onde a saudade conserva carinhosamente o seu tesouro.

De repente o coração me estremece, como abalroado e, no alvoroço que o agita, transbordam os seus veios sentimentais e logo se me marejam de lágrimas os olhos.

Que encontro tê-lo-á abalado assim, ao pobre coração tão quieto, para que dele tanto se ressinta? Que rajada passou por ele toldando-lhe a alegria, perturbando-lhe a tranqüilidade, como esses improvisos ventos das montanhas frias que, inopinadamente, se levantam, sopram ríspidos carreando nuvens que escurentam o sol, retorcem angustiadamente as árvores e tomam um céu claro acumulado bulcão de cúmulos tempestuosos?

Rajada de saudade, vinda não se sabe de onde nem por que. De onde? senão da morte; por que, senão por ciúme, desconfiança, talvez, de que haja sido esquecido para surpreender a alma, apanhá-la distraída e ver se nela o lugar que era, outrora, seu foi ocupado ou esquecido, enchendo-se de nova alegria ou deixando em indiferença como os terrenos que, por abandono, desaparecem em maninho agreste.

Como te enganas, espírito amoroso!

Vem! E sempre que apareças, baixando de onde assistes, acharás o teu lugar florido de saudades, flores que não morrem nunca porque, para regá-las, há no coração uma fonte que não cessa de correr e cada vez em maior cópia.

Vem na vigília ou no sono, vem! e acharás o teu lugar tal como o deixaste, e verificarás que és nele dono e único senhor; que nada do que te pertencia, e te pertence, foi ali tocado que continuas a ser nele quem dantes foste e agora és mais que nunca e vives e sobre o que de ti ficou não tem poder a morte, porque é a mesma Vida, que não perece, Vida como a da Eternidade, por ter a sua origem em Deus: a alma.

Vem ou como quando atendes carinhosamente ao apelo da minha a saudade ou surgindo, em meio da minha alegria ou do afã do trabalho, como costumas aparecer inesperadamente, sempre bem-vindo, para consolo e martírio da minha saudade.

MEMENTO

Como se há de esquecer toda uma vida, que se prendia a nossa, se o operado, a quem amputam um membro, durante muito tempo guarda a impressão de ainda o possuir?

Se as dores ficam assim vivas, como se alguma das suas raízes não houvesse sido extirpada, se o sofrimento persiste em reminiscências, ainda depois de curado, como se não há de perpetuar, mesmo que a morte a leve?

Geme o enfermo dores que o não pungem só pelo hábito, em que estava, de as sofrer; e não há de chorar o que não se conforma com a desdita de haver perdido um ser amado?

FIM