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segunda-feira, 4 de novembro de 2024
José Feldman (Poetizando) * 6 *
Jorge Ribeiro Marques (A Aurora que não veio)
Ninguém notou quando ele chegou com a mesma roupa surrada e seu saco de aniagem inseparável que lhe servia de travesseiro, sofá e armário.
Esgueirou-se por baixo da mesma marquise, recolheu-se num canto, colocou a muleta ao longo da soleira da loja, ajeitou o que lhe sobrara da perna direita e da garrafa pet de sempre e sorveu o último gole da branquinha.
Noite de Natal. Num frenesi eufórico, que beirava à histeria, pessoas vestidas em papel de presentes circulavam como se estivessem atrasadas, Inexplicável para um mês de dezembro fazer o frio que fazia, mesmo sendo São Paulo, e ainda não eram vinte e uma horas, como acusava o relógio da praça. Vez por outra uma lufada de vento mais forte renovava as folhas e os papéis espalhados de maneira disforme pelas ruas,
Num dos andares do prédio em frente, o pisca-pisca colorido, que parecia marcar o som alto, adornava simetricamente o pinheiro imperial num canto da sala. A todo esse minueto, Chico assistia com olhos de filmadora em câmera lenta, pneumonia mal curada, cíclica, coração débil, que a mendicância itinerante o tornava a cada dia mais fraco, com uma sensação esquisita de impotência. Tinha perdido a guerra contra a cidade grande.
Tateou os bolsos rotos de sua farda diuturna, procurando uma guimba, sem encontrar. Com o frio aumentando, esgueirou-se melhor em si mesmo.
Invejou três rapazes, um pouco mais à direita, que fumavam um cigarro até aos dedos, de forma e cheiro estranho e de maneira sutil, parcimoniosa, apartando-se depois em meio à escuridão, companheira de suas noites.
Fechou os olhos e transportou-se até São José de Mipibu, viu Maria Rosa ao seu lado, curtindo as cores matizadas da aurora às margens do Rio Itaporanga, seu cachorro Fumaça e mais ninguém.
A tosse de sempre e uma forte fisgada nas costas cancelaram a sua viagem, fizeram-no se encolher ainda mais e ficar inerte. O silêncio tinha preenchido os seus pensamentos.
O Bar da esquina tinha acabado de fechar para os clientes e Francisco de Assis Ferreira dos Santos, 61 anos, para a vida: Aurora-14 de setembro de 1958 - Ocaso- 24 de Dezembro de 2019.
(Este conto obteve o 2. lugar no Concurso de Contos, adulto nacional, do III Concurso Literário “Foed Castro Chamma”, 2020 – Tema: Aurora)
Fonte: Luiza Fillus/ Bruno Pedro Bitencourt/ Flávio José Dalazona (org.). III Concurso Literário “Foed Castro Chamma 2020”. Ponta Grossa/PR: Texto e Contexto, 2021. Livro enviado por Luiza Fillus.
Vereda da Poesia = 149 =
RELVA DO EGYPTO RESENDE SILVEIRA
Belo Horizonte/MG
No jogo da sedução,
não nos importa o depois.
– Na sequência da emoção,
conta é o presente: nós dois!
= = = = = =
Soneto de
CARMO VASCONCELLOS
Lisboa/Portugal
Meu primeiro amor
Ah! Meu primeiro amor, quanta cegueira,
tornou, depois de ti, meu rumo incerto…
Outros banais amores, só canseira
trouxeram ao meu peito a descoberto.
Fugazes devaneios, inconsistentes,
fogos-fátuos, inábeis pra aquecer
minhas veias, ora gélidas, dormentes,
ausente o teu calor que as fez ferver.
Neles sempre busquei tua ideal imagem,
sequestrada no tempo pla voragem
que me arrastou por ventos de ilusão…
Guarda este meu poema onde estiveres
pra que lembres, amor, sempre que o leres,
que cativo é de ti meu coração!
= = = = = =
Trova de
VANDA ALVES DA SILVA
Curitiba/PR
O valor da roça encerra
o beijo do sol ardente
que, fertilizando a terra,
sacia a fome da gente.
= = = = = =
Soneto de
JOÃO BATISTA XAVIER OLIVEIRA
Bauru/SP
Liberdade
À pequenina flor pedem passagem
as liras das libertas redondilhas
que fazem amplidões das suas ilhas
e os versos se esvoaçam na miragem.
E quantos que desejam maravilhas
largando as mãos que prendem a coragem
nas ilusões que agitam mas não agem,
levando os sonhos às tribos das trilhas...
Desejam ares nos mares sem costas,
os abandonos das peias supostas,
para os grilhões dos fugazes delírios.
Neste meu mundo deveras pequeno
ao horizonte dos olhos aceno
voo nas asas das vestes dos lírios!
= = = = = =
Trova Premiada de
SÔNIA REGINA ROCHA RODRIGUES
Santos/SP
Chegas assim que anoitece
a sussurrar de mansinho,
como quem diz uma prece,
uma trova com carinho.
= = = = = =
Poema de
CASTRO ALVES
Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA
Adormecida
Uma noite, eu me lembro... Ela dormia
Numa rede encostada molemente...
Quase aberto o roupão... solto o cabelo
E o pé descalço do tapete rente.
'Stava aberta a janela. Um cheiro agreste
Exalavam as silvas da campina...
E ao longe, num pedaço do horizonte,
Via-se a noite plácida e divina.
De um jasmineiro os galhos encurvados,
Indiscretos entravam pela sala,
E de leve oscilando ao tom das auras,
Iam na face trêmulos — beijá-la.
Era um quadro celeste!... A cada afago
Mesmo em sonhos a moça estremecia...
Quando ela serenava... a flor beijava-a...
Quando ela ia beijar-lhe... a flor fugia...
Dir-se-ia que naquele doce instante
Brincavam duas cândidas crianças...
A brisa, que agitava as folhas verdes,
Fazia-lhe ondear as negras tranças!
E o ramo ora chegava ora afastava-se...
Mas quando a via despeitada a meio,
Pra não zangá-la... sacudia alegre
Uma chuva de pétalas no seio...
Eu, fitando esta cena, repetia
Naquela noite lânguida e sentida:
"Ó flor! - tu és a virgem das campinas!
"Virgem! - tu és a flor de minha vida!..."
= = = = = =
Trova Popular
Com pena pego na pena,
com pena quero escrever;
caiu-me a pena no chão
com pena de te não ver.
= = = = = =
Soneto Inglês de
JERSON BRITO
Porto Velho/RO
Indomável paixão
O coração, teu belo rastro, anjo, conserva
Essa lembrança tão gostosa, me inebria.
Fazer amor rompendo rédeas, sem reserva
É meu desejo recorrente, há nostalgia´.
Olhares sôfregos, nas mãos inquietude
Blandiciosa a me tomar completamente,
Entre sussurros e arrepios, plenitude,
Paixão indômita exalada... Como é quente!
Na pele, eflúvio de delírio, olores nobres,
Satisfação no riso largo é estampada,
Envergo o manto do prazer com que me cobres,
Verto langor nos braços teus, oh, minha amada!
Preso em teu laço, vejo a vida ter mais cor,
Dia após dia, sorvo em sonho esse sabor.
= = = = = =
Trova de
CATULO DA PAIXÃO CEARENSE
São Luís/MA (1863 – 1946) Rio de Janeiro/RJ
Qualquer frase acerba e dura
que ela me atira, eu sorrio;
pois encerra tal doçura,
que parece um elogio!
= = = = = =
Poema de
APARECIDO RAIMUNDO DE SOUZA
Vila Velha/ES
Céu nublado
A chuva infindável caiu,
e molhou
a minha alma
quando você partiu...
e eu fiquei aqui, abandonado...
Por assim, “nos depois” em que
penso em você, as horas param
o tempo estanca, e tudo me leva
a acreditar, e a perceber,
que a vida cruel me sufoca até morrer
= = = = = =
Trova de
GILSON FAUSTINO MAIA
Petrópolis/RJ
E fica triste a paisagem,
se a rede não mais balança.
É que alguém fez a “viagem”
e agora a rede descansa.
= = = = = =
Soneto de
ALFREDO SANTOS MENDES
Lisboa/Portugal
Igualdade
Indiferente ao credo à própria raça,
O ser humano nasce, modo igual.
A sua formação conceptual,
É dádiva de Deus, divina graça!
Não traz no nascimento uma mordaça.
Um sórdido ferrete, ou um sinal!
É apenas um ser, e tal e qual,
Igual a qualquer ser que nos enlaça!
O seu direito à vida, ao mundo, enfim!
Ao colo maternal, ao frenesim,
É ganho mal acaba de nascer!
E toda a dignidade adquirida,
Só deverá um dia ser perdida…
No dia em que seu corpo fenecer!
= = = = = =
Trova de
ADEMAR MACEDO
Santana do Matos/RN (1951 – 2013) Natal/RN
Deus a nada nos obriga,
são livres os passos meus;
porque Deus jamais castiga,
se castigasse... Meu Deus!!!
= = = = = =
Soneto de
HUMBERTO RODRIGUES NETO
São Paulo/SP
Teatro da vida
Assim como acontece no teatro,
a vida também guarda a mesma média,
pois mescla ao riso da alegria nédia
os dissabores de um momento atro.
Da vida somos, pois, o anfiteatro
de co-partícipes de uma comédia,
ou dos distúrbios de uma vil tragédia
que às vezes nos atinge a três por quatro.
Mas o destino, em condição expressa,
execra aquele ator que age à pressa,
toldando o brilho das encenações.
Não transige com falhas ou senões,
pois Deus, que é o próprio Diretor da peça
não quer saber de artistas canastrões!
= = = = = =
Trova Funerária Cigana
Tristonha morada, guarda
de meu bem sua figura,
que os meus suspiros rodeiam
sua triste sepultura.
= = = = = =
Spina de
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo / SP
As Ondas do Mar
Refluxo dançante flui
na calmaria agitada,
reflete leves miragens
em um oásis com imagens
reais. A voz gentil, maviosa,
embala o balé de folhagens
na noite quente. Na melodia
chuvosa é luz em tatuagens.
= = = = = =
Trova de
ABÍLIO DE ALVARENGA LESSA FILHO
Belo Horizonte/MG
Tu não falaste. O piano
é que me conta os segredos
que te traem, por engano,
pelas pontas de teus dedos…
= = = = = =
Soneto de
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP
Saudade
Saudade é o amor que fica e nos conforta
depois que a gente perde, com pesar,
o nosso ser amado e não suporta
a ausência triste que nos quer matar!
E para mim é a luz que entra na porta
e não permite o escuro me cegar;
mas se o amargor me vem, é ela que o exorta,
e põe consolo amigo em seu lugar!
Assim, acho até bom sentir saudade
e a deixo me envolver bem à vontade,
só para amenizar alguma dor...
Pois o seu gosto é meio adocicado
e nunca me deixou nem agitado...
Saudade para mim é afim do amor!
= = = = = =
Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR
Anoitece. Bela e nua,
começa a rosa a orvalhar-se...
– Um raiozinho de lua
virá com ela deitar-se.
= = = = = =
Gabinete de
OTACÍLIO BATISTA
São José do Egito/PE (1923 – 2003)
O povo deseja ouvir
Um Gabinete bonito;
Poeta, só acredito
Se você não me mentir.
Trate de se prevenir
Para poder cantar bem
Eu comprei um cartão
Para viajar no trem:
Sem cartão ninguém vai,
Sem cartão ninguém vem!
Vai e vem, vem e vai,
Vem e vai, vai e vem.
Quem não tem o que eu tenho,
Morre danado e não tem!
Quem estiver com inveja,
Se esforce e faça também ...
Cavalo bom é ginete;
Quem não canta Gabinete,
Não é cantor pra ninguém!
= = = = = =
Aldravia de
MARÍLIA SIQUEIRA LACERDA
Ipatinga/MG
chuva
cai
música
embala
sono
= = = = = =
Soneto de
JOSÉ XAVIER BORGES JUNIOR
São Paulo/SP
Divina peça
És todas as lembranças de alegrias,
És todos os sorrisos que sorri,
És todos os ocasos dos meus dias,
És todos os carinhos que acolhi.
És todo esse mistério que vivi,
És luz, escuridão, és harmonias,
És fel que pela vida assim sorvi,
Buquê das minhas taças tão vazias...
És doce salvação que me condena,
A aurora que precede o triste ocaso,
Perdão que hoje me obriga a cumprir pena,
Botão que não vingou neste meu vaso,
O pano que desceu na última cena,
Da peça que encenamos ao acaso…
= = = = = =
Trova de
LARISSA LORETTI
Rio de Janeiro/RJ
É tão presente o passado
em que te amei, de verdade,
que não aceito o recado
escrito pela saudade.
= = = = = =
Poema de
CECÍLIA MEIRELES
Rio de Janeiro/RJ, 1901 – 1964
Mar em redor
Meus ouvidos estão como as conchas sonoras:
música perdida no meu pensamento,
na espuma da vida, na areia das horas...
Esqueceste a sombra no vento.
Por isso, ficaste e partiste,
e há finos deltas de felicidade
abrindo os braços num oceano triste.
Soltei meus anéis nos aléns da saudade.
Entre algas e peixes vou flutuando a noite inteira.
Almas de todos os afogados
chamam para diversos lados
esta singular companheira.
= = = = = =
Trova Humorística de
ZAÉ JÚNIOR
Botucatu/SP, 1929 – 2020, São Paulo/SP
Ó musa, se eu te perdi
por caminhos tão dispersos,
junto os pedaços de ti
espalhados nos meus versos!
= = = = = =
Hino de
Crato/CE
Flor da terra do sol
Ó berço esplêndido
Dos guerreiros da "Tribo Cariri"
Sou teu filho e ao teu calor
Cresci, amei, sonhei, vivi
Ao sopé da serra, entre canaviais
Quem já te viu, ó não te esquece mais!
Para te exaltar, ó flor do Brasil
Hei de te cantar, meu Crato gentil
Ó coração do Ceará
Comigo a nação te cantará!
No teu céu lindo brilha estrela fúlgida
Que há cem anos norteia o teu porvir
Crato amado, idolatrado
Teu destino hás de seguir
Grande e forte como nosso verde mar
Bendita sejas, ó terra de Alencar!
= = = = = =
Trova de
DÁGUIMA VERÔNICA
Santa Juliana/MG
Tuas cartas eu rasguei,
recortei em mil pedaços,
cada bilhete eu colei
desenhando os teus abraços.
= = = = = =
Soneto de
ALPHONSUS DE GUIMARAENS FILHO
Ouro Preto/MG, 1870 – 1921, Mariana/MG
Soneto da morte
Entre pilares podres e pilastras
fendidas, te revi subitamente;
eras a mesma sombra em que te alastras,
feita carícias de uma face ausente.
Eras, e me afligias. Tormentosa,
vi-te crescer nos muros desabados.
Cruel, cruel; contudo, mais saudosa,
mais sensível que os céus e os descampados.
Bolor, pátina espessa, calmaria,
vi-te a sofrer no fundo da cidade
como um grande soluço percutindo
sobre os olhos, as mãos e a boca fria.
E de repente um grito de saudade.
Depois a chuva, sem cessar, caindo.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
Trova Premiada de
RITA MARCIANO MOURÃO
Ribeirão Preto/SP
Por mais que o orgulho insista
peço a Deus a quem me entrego
que nas horas da conquista
eu saiba despir meu ego.
= = = = = =
Recordando Velhas Canções
NINGUÉM CHORA POR MIM
(bolero, 1961)
Mas se um dia eu tiver que chorar
Ninguém chora por mim
Hoje a notícia correu
Vieram logo me dizer
Mas a verdade é que eu
Já estava farto de saber.
Um comentário é fatal
A um grande amor que chega ao fim
E quem sou eu afinal
Para mudar coisas assim.
Os meus problemas são meus
Deixem comigo a solução
Os meus fracassos a Deus
É que eu revelo quantos são.
Um conselho é tão fácil de dar
Qualquer um cita exemplos no fim
Mas se um dia eu tiver que chorar
Ninguém chora por mim.
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José Feldman (Visitas ao Médico)
Visitar o médico é uma daquelas experiências que pode ser tanto um drama quanto uma comédia, dependendo da sua perspectiva. A sala de espera, por exemplo, é um espaço que parece estar fora do tempo e do espaço, onde a normalidade dá lugar a um espetáculo de peculiaridades humanas.
Logo ao entrar, você é recebido por um cheiro familiar de desinfetante misturado com um toque sutil de ansiedade. A primeira coisa que se vê é a recepcionista, que tem a habilidade mágica de fazer a fila de espera parecer uma maratona. Ela é a guardiã da porta do conhecimento médico e, ao mesmo tempo, a porta-voz da boa e velha burocracia. Com um olhar que poderia congelar o mais corajoso dos pacientes, ela diz a frase que já virou um clássico: “O médico já vai atender”.
E ali está você, sentado em uma cadeira que parece ter sido projetada para torturar, cercado por uma variedade de personagens que poderiam facilmente ser protagonistas de um filme.
À sua esquerda, uma senhora idosa que, com certeza, já passou por mais consultas do que você pode imaginar. Ela está equipada com um caderno e uma caneta, anotando tudo o que o médico diz, como se estivesse escrevendo um best-seller sobre “Como Sobreviver a Consultas Médicas”. A cada espirro e tosse, ela lança olhares severos, como se estivesse julgando a saúde de todos ao redor.
À sua direita, um jovem que parece recém-saído de uma festa “rave” tenta esconder o fato de que está ali por pura pressão social. Ele está com a cara de quem acabou de descobrir que o “mal-estar” que sentiu na noite passada não era apenas uma ressaca. Enquanto isso, ele observa nervosamente os outros pacientes, como se estivesse em um episódio de “Survivor”. A cada chamada do médico, ele dá um pequeno pulo, como se temesse que seu nome fosse o próximo.
E então, a conversa na sala de espera começa. O “Hipocondríaco” é o verdadeiro protagonista. Ele olha para o seu celular e faz uma pesquisa sobre os sintomas que não tem, mas que, se você perguntar, ele descreverá com detalhes que fariam qualquer médico levantar uma sobrancelha.
“Você já sentiu essa dor estranha aqui?” ele pergunta, apontando para a parte mais improvável do corpo. Os outros pacientes, em sua maioria, tentam ignorá-lo, mas é impossível não se deixar levar pela espiral de paranoia que ele cria.
Quando o médico finalmente o chama, você tem a impressão de que a sala de espera inteira respira aliviada, como se um resgate tivesse ocorrido.
Ao entrar no consultório, você se depara com o “médico zen”, que parece mais um guru do que um profissional de saúde. Ele está cercado por plantas, livros de autoajuda e um difusor de óleos essenciais que exala um aroma que poderia facilmente ser confundido com um spa.
“Como você se sente hoje?” ele pergunta, enquanto você tenta encontrar as palavras entre a serenidade da sala e a ansiedade que lhe acompanha.
Enquanto você fala sobre seus sintomas, ele escuta com um olhar que mistura interesse genuíno e uma leve confusão, como se estivesse tentando resolver um quebra-cabeça.
Quando você menciona que a dor é “como uma picada de abelha”, ele acena, como se tivesse acabado de descobrir a resposta para a última charada do jogo.
“Vamos fazer alguns exames”, ele diz, e você se pergunta se isso significa que ele vai te transformar em um experimento de laboratório.
Após a consulta, você volta à sala de espera, onde o “Hipocondríaco” agora está em uma fase de autodiagnóstico avançado. Ele discute com a senhora idosa, que, para sua surpresa, parece estar concordando com suas teorias mirabolantes. É como assistir a um documentário sobre fauna e flora, mas com muito mais drama. A cada espirro, ele se inclina mais perto dela, em busca de uma validação que nunca chega.
Finalmente, chega a sua vez de sair do consultório. Você percebe que a sala de espera tem sua própria linguagem. Os olhares trocados entre os pacientes são como um código secreto que apenas eles entendem. Há um entendimento tácito de que todos ali estão enfrentando um mesmo desafio. E, enquanto você se despede do “Médico Zen” e sai do consultório, não consegue deixar de pensar que, apesar do estresse, a visita ao médico é uma verdadeira comédia humana.
Ao se encaminhar para a saída do consultório, você se depara com a recepcionista mais uma vez. Ela sorri, mas, ao mesmo tempo, parece estar esperando que você diga algo extraordinário.
“E aí, tudo certo?” pergunta, como se a resposta pudesse mudar o curso da medicina. E você, em um momento de reflexões profundas, responde: “Sim, tudo ótimo, exceto por ter que voltar aqui na próxima consulta”.
E assim, você deixa o consultório, levando consigo não apenas receitas e conselhos médicos, mas também uma coleção de histórias.
Visitas ao médico são, no fundo, uma mistura de comédia e drama, onde cada paciente é uma peça única no grande quebra-cabeça da saúde.
Fonte: José Feldman. Peripécias de um jornalista de fofocas & outros contos. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul, 2024.
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domingo, 3 de novembro de 2024
José Feldman (Reflexões sobre a Solidão Coletiva)
Houve um tempo em que a solidariedade existia nas pequenas ações do cotidiano. Lembro-me de histórias contadas por meus pais sobre como as comunidades se uniam durante momentos difíceis. Os vizinhos se ajudavam, as portas estavam sempre abertas, e a empatia era uma norma não escrita. As desgraças alheias eram sentidas como se fossem próprias, e a coletividade era um valor inegociável.
Hoje, no entanto, vivemos em uma era marcada pela insensibilidade. A compaixão parece ter se esvaído, dando lugar a um egoísmo crescente. As desgraças que antes nos uniam agora são frequentemente ignoradas. Vemos imagens de catástrofes naturais, guerras, e crises humanitárias deslizando nas redes sociais, como se fossem apenas mais um item na lista interminável de conteúdos a serem consumidos. O coração, antes pulsante de solidariedade, parece ter se petrificado.
A falta de ação diante do sofrimento alheio é alarmante. O que poderia ser um chamado à empatia se transforma em um mero espetáculo. As tragédias se tornam cifras em estatísticas, e as pessoas, rostos anônimos em uma multidão. O “like” nas redes sociais substitui a verdadeira ação; compartilhar uma postagem é considerado um ato de solidariedade, quando, na verdade, é apenas um gesto vazio.
Enquanto a empatia se esvai, o que vemos na televisão e nos meios de comunicação é um festival de desavenças e baixarias. Programas que promovem a discórdia, que elevam o conflito ao status de entretenimento, se tornaram comuns. A audiência ri e se diverte com as provocações, enquanto a verdadeira conexão humana se perde em meio a gritos e insultos. O respeito ao próximo foi substituído pelo espetáculo da desgraça alheia, e a cultura da crítica feroz tomou conta.
Esses programas não apenas alimentam a insensibilidade, mas também moldam comportamentos. A banalização da hostilidade se infiltra no cotidiano das pessoas, que começam a ver a desavença como norma. As discussões se tornam debates acalorados, onde a razão dá lugar à ofensa. O diálogo, antes um espaço de construção, se transforma em um campo de batalha.
E, como se não bastasse, o som alto dos carros ecoa pelas ruas como um símbolo da falta de respeito. A música, que poderia ser uma forma de expressão e celebração, se transforma em uma arma de desrespeito. O barulho ensurdecedor invade o espaço público, desconsiderando aqueles que buscam paz e tranquilidade. Os motoristas, absortos em seu próprio prazer, ignoram os olhares de reprovação e os pedidos silenciosos por um pouco de silêncio.
Essa cultura do “eu primeiro” se reflete em todas as esferas da vida. As pessoas se tornam ilhas em meio a um mar de indiferença, cada uma preocupada apenas com seu próprio bem-estar. O respeito ao próximo, que outrora era um pilar fundamental das interações sociais, se torna uma relíquia do passado.
Vejo muitos poetas, trovadores e outros literatos que escrevem sobre fraternidade, sobre humanidade, sobre solidariedade, mas são palavras vazias por quem, ao contrário delas, só pensam em si mesmas, não movem um dedo em favor da empatia. Ficam simplesmente em cima do muro. Falam de respeito, mas não respeitam os outros. Lembro que meus pais sempre diziam, se você quer mudar o mundo deve primeiro mudar a si mesmo, seus pensamentos, suas atitudes, senão serão ações vãs. Ou como se diz: “O inferno está cheio de boas intenções”.
Entretanto, mesmo em meio a essa escuridão, há pequenas chamas de esperança. Existem aqueles que ainda lutam pela solidariedade, que se mobilizam para ajudar os necessitados, que se importam com o bem-estar do outro. Grupos comunitários, ONGs, e iniciativas locais são exemplos de que a empatia ainda vive em algumas partes do mundo. Essas ações, embora muitas vezes ofuscadas pelo barulho da indiferença, são fundamentais para reacender o espírito solidário que parece ter se perdido.
A reflexão sobre a falta de solidariedade do ser humano nos tempos atuais nos convida a repensar nossas próprias atitudes. Como podemos ser agentes de mudança em um mundo que parece se desumanizar? A resposta pode estar nas pequenas ações do dia a dia: um gesto de gentileza, um ouvido atento, um momento de silêncio respeitoso.
A solidariedade não é uma característica inata; ela deve ser cultivada. Cada um de nós tem o poder de transformar o ambiente ao nosso redor, de ser a mudança que desejamos ver. Ao olharmos para o próximo com olhos de compaixão, podemos começar a restaurar a conexão que foi perdida.
Assim, enquanto caminhamos por um mundo que muitas vezes parece indiferente, é essencial lembrar que a verdadeira força reside na solidariedade. O eco do egoísmo pode ser ensurdecedor, mas a voz da empatia, quando unida, pode criar um coro poderoso. Que possamos, juntos, redescobrir o valor da compaixão e do respeito, e que nossas ações sejam um lembrete de que a humanidade ainda tem um longo caminho a percorrer, mas que o primeiro passo começa dentro de cada um de nós.
Fonte: José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
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Vereda da Poesia = 148 =
BORGES DA CRUZ
Lisboa/Portugal
Coração, não tenhas pressa...
Bate mais devagarinho...
Quem muito corre, tropeça
ou pode errar o caminho.
= = = = = =
Soneto de
ANTERO DE QUENTAL
Ponta Delgada/Portugal. 1842 – 1891
Transcedentalismo
Já sossega, depois de tanta luta,
Já me descansa em paz o coração.
Caí na conta, enfim, de quanto é vão
O bem que ao Mundo e à Sorte se disputa.
Penetrando, com fronte não enxuta,
No sacrário do templo da Ilusão,
Só encontrei, com dor e confusão,
Trevas e pó, uma matéria bruta...
Não é no vasto Mundo - por imenso
Que ele pareça à nossa mocidade -
Que a alma sacia o seu desejo intenso...
Na esfera do invisível, do intangível,
Sobre desertos, vácuo, soledade,
Voa e paira o espírito impassível!
= = = = = =
Trova de
NOEL DE ARRIAGA
Porto/Portugal
Casar? Casarmos os dois?
Não vejo qual o proveito.
Só faríamos depois
o mesmo que temos feito...
= = = = = =
Soneto de
JOÃO BATISTA XAVIER OLIVEIRA
Bauru/SP
Joio
Por que nós complicamos singelezas
pelo simples sabor de afirmação;
por que não escutar o coração
que pulsa as vibrações das incertezas...
se temos ao alcance o corrimão;
degraus que facilitam mãos coesas;
o dom de emocionarmos às belezas...
Por que só ver a luz na escuridão?
Estamos de passagem simplesmente.
Abrindo com desvelo nossa mente
o mundo é bem maior em nosso espaço.
Por que nós complicamos as passagens
seguindo a realidade das miragens?
A vida é bela e o tempo é bem escasso!
= = = = = =
Trova Premiada de
ÉLBEA PRISCILA DE SOUSA E SILVA
Piquete/SP, 1942 – 2023, Caçapava/SP
Bem escrito… mas sem chance
de sucesso, é voz geral:
ao nosso morno romance
falta a página final!
= = = = = =
Poema de
ANTERO JERÓNIMO
Lisboa/Portugal
Dom
Que vontade te impele
a ausentares-te dos demais
no ermo desse horizonte infinito.
A escutares o silêncio onde esculpes
apurada arte de aprofundares o mundo
dom de sussurrares palavras sentidas ao vento
impregnadas de acentuadas essências multicores.
Sementes engravidando a imponência da montanha
numa tocante melodia, elevada ao céu da eternidade.
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Fábula em Versos
adaptada dos Contos e Lendas do Brasil
JOSÉ FELDMAN
Campo Mourão/PR
O Saci e a Natureza
No verde profundo, o saci se esconde
entre as folhas… ele observa e guia
com seu olhar sagaz… a vida responde,
e a natureza pulsa em harmonia.
As pessoas sentem a força do vento
com o saci, a terra ganha voz
e em cada lenda, um novo intento
de respeitar o mundo… somos todos nós.
Ele traz a sabedoria do chão,
e ensina a ouvir o canto das flores,
a arte da vida em plena união,
Celebra as cores e os nossos amores.
Assim, no ciclo eterno de toda ação,
o saci é a ponte entre o céu e a criação.
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Trova Popular
Chamaste-me tua vida,
eu tua alma quero ser:
a vida acaba com a morte,
a alma não pode morrer.
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Soneto de
JERSON BRITO
Porto Velho/RO
Meiga flor
Esse encanto sem par me extasia
E conduz aos portais do pecado
Plenamente envolvido, abismado
Sou refém duma rara euforia
Provocante, tu és a culpada
Das torrentes de amor, desvario
Tua ausência produz um vazio
Meiga flor, em meu ser tatuada
Aspirando o frescor desse aroma
Enclausuro-me em doce redoma
Onde encontro um prazer colossal
Quando imerso nas cores da bruma
Que meus passos domina e perfuma
Provo, enfim, d'alegria integral
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Trova de
DELCY CANALLES
Porto Alegre/RS
Tinha portas de poesia
e janelas de luar
essa morada que um dia
deixou meu amor entrar.
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Poema de
PABLO NERUDA
Parral/Chile (1904 – 1973) Santiago/Chile
Se eu morrer…
Se eu morrer, sobrevive a mim com tamanha força
que acordarás as fúrias do pálido e do frio,
de sul a sul, ergue teus olhos indeléveis,
de sol a sol sonha através de tua boca cantante.
Não quero que tua risada ou teus passos hesitem.
Não quero que minha herança de alegria morra.
Não me chames. Estou ausente.
Vive em minha ausência como em uma casa.
A ausência é uma casa tão rápida
que dentro passarás pelas paredes
e pendurarás quadros no ar.
A ausência é uma casa tão transparente
que eu, morto, te verei, vivendo,
e se sofreres, meu amor, eu morrerei novamente.
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Trova de
JESSÉ NASCIMENTO
Angra dos Reis/RJ
Nossos puros sentimentos
são comparados, na vida,
a afinados instrumentos
numa orquestra bem regida.
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Soneto de
ALFREDO SANTOS MENDES
Lisboa/Portugal
Heresia
Talvez minha garganta revoltada.
Espinhosa ficasse, e enrouquecesse.
Ou para meu castigo enlouquecesse,
Por a manter tão muda, tão calada!
Quero falar, a voz sai embargada,
Como se algum mal eu lhe fizesse.
Eu juro que não fiz, e isso acontece.
Minhas cordas vocais fiquem paradas!
Eu preciso gritar minha revolta,
Engolir todo o mal que não tem volta,
E na glote se encontra aprisionado!
Eu quero ler a minha poesia.
Limpar do meu passado, a heresia,
Engolir as tristezas do meu fado!
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Trova de
ADEMAR MACEDO
Santana do Matos/RN (1951 – 2013) Natal/RN
O Carnaval irradia
prazeres aos foliões,
mas o melhor da folia
está em nossos corações!
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Sonetilho de
FLORBELA ESPANCA
Vila Viçosa, 1894 – 1930, Matosinhos
Só
Eu tenho pena da Lua!
Tanta pena, coitadinha,
Quando tão branca , na rua
A vejo chorar sozinha!...
As rosas nas alamedas,
E os lilases cor da neve
Confidenciam de leve
E lembram arfar de sedas...
Só a triste, coitadinha....
Tão triste na minha rua
Lá anda a chorar sozinha....
Eu chego então à janela:
E fico a olhar pra lua...
E fico a chorar com ela!…
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Trova Funerária Cigana
Sobre a tua sepultura
um frouxo raio da lua
parece a gota do pranto
celeste, na terra tua.
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Spina de
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo / SP
Um Certo Tom Lilás
Gratidão ao abençoado
dia reina mansamente,
confabulando a poesia
em entrelinhas do meu verso
com o universo. Em sorrisos
amanheço no ar da calmaria
das rimas. No horizonte azul
o crepúsculo voa na sintonia.
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Trova de
JOSÉ CORRÊA FRANCISCO
Ponta Grossa/PR
O tempo, veloz, avança,
consumindo nossos anos.
Vamos perdendo esperança
e colhendo desenganos…
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Soneto de
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP
Oração
Senhor me ajuda a ser o sal da terra
e luz do mundo, tal qual nos ordenas.
Sou um alguém que sempre muito erra,
querendo agir com meu conceito apenas...
Em ânsia de acertar, já fiz novenas...,
porém meu bom intento sempre emperra
nas fraquezas humanas, que às centenas,
meu peito tão incrivelmente encerra!
Aumenta, pois, em mim o dom do amor,
a grande graça que se pode opor
a toda insana e egoísta cupidez!
Que eu possa dar sabor e claridade
aos que deles precisam... E, talvez,
eu corresponda, assim, Tua bondade!
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Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR
Até como terapia,
crer em Deus faz muito bem:
– banha a gente na alegria
que da eterna luz provém!
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Escada de Trovas de
FILEMON MARTINS
São Paulo/SP
TOPO:
Saudade, de quando em quando,
provoca mágoas e dores,
pois vai de amores matando
quem vive lembrando amores.
Mário Barreto França
(In memoriam)
SUBINDO:
Quem vive lembrando amores
vai perdendo a emoção,
porque viver velhas dores
não faz bem ao coração.
Pois vai de amores matando
momentos bons, sem iguais,
que a vida vai cultivando
ao longo dos ideais.
Provoca mágoas e dores
quem vai e fica também,
pois todos os dissabores
são as saudades de alguém.
Saudade, de quando em quando
sem ser plantada, floresce,
no peito já vai brotando
como se fosse uma prece.
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Triverso de
TAMAIALE AKSENEN
Irati/PR
Férias de verão
Dormir até mais tarde
Ui! Galo chato.
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Soneto de
JOSÉ XAVIER BORGES JUNIOR
São Paulo/SP
Pêndulo
De tudo o que busquei, foram-se os anos,
De tudo o que sonhei sobram resquícios,
De tudo o que cantei - vãos desenganos –
Restaram só profundos precipícios...
Por tudo o que velei, tracei meus planos
E quando caminhei fiz meus auspícios,
E dos meus ferimentos, dos meus danos
Ergui os meus castelos fictícios...
Enfim, onde cheguei, nessas quimeras?
Um pêndulo oscilante, eis o que sou,
Bailando entre rosas e entre feras,
Sou títere que a vida utilizou,
E ao cabo de uma vida só de esperas,
Não sei exatamente nem quem sou…
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Trova Humorística de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/ SP
Num pagode eu fui dançar
diz o velho, e "aconteceu"
quando a moça eu fui tirar:
– "Quer dar-me a honra?" E ela deu!
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Poema de
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN
Porto (1919 – 2004) Lisboa
Navio naufragado
Vinha de um mundo
Sonoro, nítido e denso.
E agora o mar o guarda no seu fundo
Silencioso e suspenso.
É um esqueleto branco o capitão,
Branco como as areias,
Tem duas conchas na mão
Tem algas em vez de veias
E uma medusa em vez de coração.
Em seu redor as grutas de mil cores
Tomam formas incertas quase ausentes
E a cor das águas toma a cor das flores
E os animais são mudos, transparentes.
E os corpos espalhados nas areias
Tremem à passagem das sereias,
As sereias leves dos cabelos roxos
Que têm olhos vagos e ausentes
E verdes como os olhos de videntes.
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Trova Humorística de
ZAÉ JÚNIOR
Botucatu/SP, 1929 – 2020, São Paulo/SP
Velha viola, na orfandade,
calou-se, pois seus segredos
não suportam a saudade
nem o toque de outros dedos!
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Hino de
Bagre/PA
Salve, salve terra altaneira
Marcada por tristes lembranças
Que representa sua luta,
Sua história e esperança
Para ser independente
E triunfar com confiança.
"Oh! Bagre, sustenta teu valor"
No teu povo jamais vencido
E eleva teu nome em memória
De teus heróis destemidos.
No vasto leito de teus rios
Casco estreito a velejar
Dentro dele se esconde
O açaí e o jacundá
O sustento de teu povo
Que sempre te elevará.
Na imensa história da vida
Um currículo a se lembrar
Até os pássaros que aqui gorjeiam
Estão o teu nome a festejar
De um peixe sem destino
Que o mundo lembrar.
Tua juventude participa
Nas leis da nação, trabalho e estudo.
Preserva a tua beleza natural
Na arte, esporte em tudo
Abrindo horizonte de muita esperança
Para teu nome brilhar no futuro.
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Trova de
MAURÍCIO NORBERTO FRIEDRICH
Porto União/SC, 1945 – 2020, Curitiba/PR
Foram refúgio de sonhos
as tuas cartas de amor;
hoje, traços enfadonhos
que só causam muita dor.
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Soneto de
FRANCISCA JÚLIA
(Francisca Júlia da Silva Munster)
Eldorado/SP (antiga Xiririca) 1874 – 1920, São Paulo/SP
Musa impassível (II)
Ó Musa, cujo olhar de pedra, que não chora,
Gela o sorriso ao lábio e as lágrimas estanca!
Dá-me que eu vá contigo, em liberdade franca,
Por esse grande espaço onde o impassível mora.
Leva-me longe, ó Musa impassível e branca!
Longe, acima do mundo, imensidade em fora,
Onde, chamas lançando ao cortejo da aurora,
O áureo plaustro do sol nas nuvens solavanca.
Transporta-me de vez, numa ascensão ardente,
À deliciosa paz dos Olímpicos-Lares
Onde os deuses pagãos vivem eternamente,
E onde, num longo olhar, eu possa ver contigo
Passarem, através das brumas seculares,
Os Poetas e os Heróis do grande mundo antigo.
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Trova Premiada de
RITA MARCIANO MOURÃO
Ribeirão Preto/SP
O trovador finge tanto
que ao cantar a própria dor,
finge que a dor no entanto
é de um outro trovador.
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Recordando Velhas Canções
MATRIZ OU FILIAL
(samba-canção, 1964)
Quem sou eu
pra ter direitos exclusivos sobre ela
se eu não posso sustentar os sonhos dela
se nada tenho e cada um vale o que tem
Quem sou eu
pra sufocar a solidão da sua boca
que hoje diz que é matriz e quase louca
quando brigamos diz que é a filial
Afinal
se amar demais passou a ser o meu defeito
é bem possível que eu não tenha mais direito
de ser matriz por ter sòmente amor pra dar
Afinal
o que ela pensa em conseguir me desprezando
se sua sina sempre é voltar chorando
arrependida me pedindo pra ficar
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