terça-feira, 19 de março de 2013

Aluísio Azevedo (O Esqueleto) Parte XII – Ferido!

... Branca apareceu à porta, com os olhos desmedidamente abertos, os cabelos soltos sobre o vestido malcuidado e roto. Muito pálida, de olheiras roxas, aparecendo de súbito na moldura da porta, a filha de Pallingrini parecia um fantasma.

Por detrás dela, percebia-se a fisionomia de d. Bias, com a pêra trêmula, oscilando no queixo, e os bigodes arrepiados por um calafrio de medo.

Assim que terminara, dissolvida pelo príncipe, a sessão do Apostolado, d. Bias fora um dos primeiros a sair. Pusera-se a caminho para o Carmo, onde Branca continuava prisioneira. E, ruas afora, d. Bias pensava nela, monologando:

- Amo-a! (levantava um braço), idolatro-a (e levantava o braço), idolatro-a! (e levantava uma perna), venero-a (e agachava-se todo).

De espaço a espaço, um lampião de azeite projetava na rua uma larga toalha de luz. E a sombra de d. Bias estendia-se fantástica, desconjuntada, sacudida de gestos frenéticos, numa pantomima macabra.

- O flor mimosa! pérola divina! (punha os dedos na boca, enviando através da noite um longe beijo apaixonado) o meu peito é uma frágua! (dava um murro no peito). Ah! como é que eu, que tenho vencido tantos homens (segurava a durindana), não te consigo vencer! (abria os braços desoladamente).

Um homem que passava gargalhou, vendo a gesticulação de d. Bias:

- O borracho! vai cozinhar a bebedeira!

O fidalgo espanhol tornou a si: estava diante da tasca do Trancoso. Por hábito, as suas pernas tinham-no trazido até ali, ao Piolho, quando o seu destino era o Carmo. D. Bias, porém, não quis perder a viagem. Parou de pernas abertas, passou três vezes a mão pela testa, suspirou:

No bay como una libación,
A un aflito corazon.

E entrou na bodega, onde ficou duas horas afogando os suspiros no pichel.

Quando saiu, fraqueavam-se-lhe as pernas. Andava tudo à roda.

- Caramba! que há um terremoto! Mas não tremas, terra, que não te faço nada!

E, ao luar, cai aqui, levanta acolá, caminhou para as bandas do Carmo, mandando ás estrelas a sua voz avinhada:

Si de tu hermosura quieres
Una copia con mil gracias,
Escucha, porque pretendo
Yo pintarla!
Amor labró de tus cejas
Dos arcos para su alaja,
Y debajo ba descubierto
Quien lo mata!
Eres dueña...

- Em guarda! berrou ele, interrompendo a cantiga, e recuando, ao ver um vulto negro postado na rua, à sua espera.

Sacou da bainha a durindana. Mas o vulto continuava imóvel. D. Bias tremeu:

- Nobre fidalgo! eu não faço mal a ninguém... deixe-me passar em paz!

Como o vulto não se mexesse, d. Bias animou-se a caminhar um pouco. O vulto era um poste de lampião. D. Bias gingou, destemido e bravo:

- Caramba! que se fuera un hombre...

E seguiu.

Eres duena del lugar,
Vandolera de las almas,
Iman de los alvedrios,
Linda albaja...
Abo! abo! abo!
Un rasgo de tu hemosura,
Quisiera yo retratarla,
Que es estrella, es cielo, es sol;
No, es sino el alva...
Abo! Abo! abo!

Ao chegar ao Carmo, d. Bias enveredou às cambalhotas pelos corredores. De repente, estacou. Uma voz triste cantava, no vasto silêncio do convento adormecido. Era a voz de Branca:

E nas asas de um suspiro,

Que te vai meu coração...

D. Bias ficou quieto, na treva, muito furioso consigo mesmo por estar se comovendo.

Mandei cercar de saudades...
Uma lágrima caiu no bigode de d. Bias.
Mandei cercar de saudades
As bordas do teu caixão...

Um soluço irrompeu do peito de d. Bias.
Fica em tua sepultura
Velando minha paixão...

E d. Bias, chorando como um cabrito desmamado, abriu a porta e entrou na prisão de Branca, murmurando:

- Pela senhora de Valladolid! nunca mais bebo, caramba! Que eu, quando bebo, é isto: fico um bolas!

Branca, assim que viu d. Bias entrar, correu para ele, de braços abertos:

- Paulo! Paulo! Paulo!

D. Bias abriu também os braços, com um grande derretimento amoroso na face. Ela abraçou-o: ele deixou-se abraçar. Ela beijou-o: ele deixou-se beijar.

- Amo-te! amo-te!... murmurou a louca.

D. Bias não pôde mais. Atirou-se de joelhos, mas embaraçou a espada nas pernas, e estirou-se no chão a fio comprido.

- Eu também te amo, donzela!

Levantou-se, agarrando-se às saias da moça, pôs-se de joelhos, e com a voz embargada pelos soluços:

- Donzela! vamos procurar teu pai! Que ou meu tetravô não foi lugar-tenente do Cid ou tu te hás de chamar d. Branca de Bias! Vamos, donzela, vamos procurar teu pai!

E, sem refletir, bêbado de amor e de Cartaxo, arrastou a moça para fora do quarto.

Sim! ele não era homem para essas bandalheiras. Ora, já se tinha visto? um fidalgo das Espanhas fazer sofrer uma donzela que amava! nada! ia ao pai! ia ao pai! O Satanás devia estar no Paço, com o príncipe. Chegava lá, entregava-lhe a filha, desmanchava toda aquela pouca vergonha, atirava-se aos pés do príncipe e bradava-lhe. - Perdão! O príncipe perdoava-lhe, ele pedia ao Satanás a mão da filha, o Satanás concedia-lha, casavam, seriam felizes, amar-se-iam, teriam muitos filhos... Oh! muitos filhos! muitos filhos! e a sua família não morreria com ele, e aquele nome de Bias, tão célebre na história da Espanha e nas bodegas dos Mansanares, continuaria a sua marcha triunfal, através dos séculos, boquiabrindo as gerações faturas!

Era este o sonho que bailava, entre os vapores do vinho, na cabeça de d. Bias, enquanto arrastava Branca pelos corredores do Carmo.

Na rua, quis dar-lhe o braço: ela desatou a correr pela rua do Carmo.

D. Bias voava:

- Oh! não me fujas, sonho de poeta!

Era uma cousa fantástica, pela rua deserta aquela corrida vertiginosa de uma mulher de cabelos soltos e de um fantasma negro, que berrava como um possesso:

- Donzela! virgem! menina!

Branca tropeçou e caiu. D. Bias tomou-a nos braços, e seguiu para o Paço. Agora, Branca continuava a abraçá-lo, a chamá-lo de Paulo.

D. Bias encontrou aberta a pequena porta lateral, muito sua conhecida, por onde o príncipe costumava entrar a desoras. Dessa porta partia um corredor que ia ter a uma sala do rés-do-chão. Havia luz nessa sala. E, mesmo de longe, d. Bias ouviu um retinir de armas.

À porta, pararam. Muito pálida, de olheiras roxas, com os olhos desmedidamente abertos e os cabelos soltos sobre o vestido malcuidado e roto, a filha de Pallingrini parecia um fantasma: e, por detrás dela, percebia-se e fisionomia apavorada de d. Bias, com a pêra trêmula, oscilando no queixo, e os bigodes arrepiados por calafrio.

D. Pedro e Satanás não tiveram tempo de suspender o combate. Branca atirara-se para eles. Mas, d. Bias muito cansado e muito excitado, atirara-se também, agarrando-a. E a espada de d. Pedro cravou-se no ombro direito do fidalgo espanhol, que se deixou cair, urrando:

- Estou morto!

O Satanás, reconhecendo a filha, tomou-a nos braços, de um salto, e fugiu com ela. E só ficaram na sala o príncipe de pé, imóvel, sem saber o que devia fazer, e d. Bias estendido no chão, sem dar acordo de si.

Não foi longa a hesitação do príncipe. Fez vibrar uma campainha. Um criado fiel apareceu.

- Vai já buscar curativos.

E, ficando só, d. Pedro abaixou-se, levantou d. Bias, estendeu-o no sofá.

O descendente do lugar-tenente de Cid voltou a si, jurando que tinha morrido. O criado curou-o. A ferida não era muito grave: a lâmina tinha encontrado a omoplata e não pudera penetrar muito. Mas d. Bias afirmava que tinha morrido, e enchia a sala de lamentações.

- Ouve, servidor fiel: ficas agora autorizado a dizer a todo o mundo que viste d. Bias às portas da morte e que não o viste tremer. Somos todos assim na família: morremos todos por amor e sem chorar. Meu tetravô, lugar-tenente de Cid, morreu na batalha de Bácaras. Viu-se cercado por quatro bárbaros, que lhe vibraram quatro estocadas, que se lhe meteram todas quatro no coração; pois o herói não caiu. Mandou chamar o tabelião, fez testamento, confessou-se, e só morreu quando achou que já podia morrer.

- Bem! mas durma, sossegue!

- Ouve! digo-te eu que me ouças!

- Foi esse o único meu avô que não morreu por causa do amor: minto - morreu por causa do amor da pátria. Meu pai, por exemplo, morreu mártir do amor: amava minha mãe, queria casar com ela, não pôde casar, e morreram os dois virgens um do outro!... Oh! o amor! o amor! o amor!

E, já quase adormecido, prostrado de fadiga, d. Bias tartamudeou ainda com uma voz chorosa:

- Homem não há nada por aí que se coma?
––––––––-
continua

domingo, 17 de março de 2013

Amadeu Amaral (Memorial de Um Passageiro de Bonde) 22. Delicadeza

Testemunhei uma cena desagradável, que infelizmente não teve piores conseqüências.

Ia perto de mim um cidadão muito gordo. Luxuosamente gordo. Parecia carregar as banhas com a recolhida empáfia de um grão-sacerdote afogado em deslumbrantes vestes talares. Refestelava-se no banco, firmado nas enxúndrias das nádegas, como uma pesada bóia flutuante indiferente ao balanço das ondas. Exibia o ventre, que lembrava o hemisfério de um grande globo, como se de propósito desejasse que toda a gente lhe pudesse admirar aquela prenda. Aquilo era o seu precioso berloque de novo rico.

A certo ponto da viagem, surgiu do outro lado do hemisfério um moço magro e sutil, que procurava passar pela frente do obeso, mas hesitava ante a impassibilidade ou distração deste. Afinal, tocando no chapéu, perguntou-lhe, alto, com verrumante delicadeza: -"Cavalheiro, não lhe seria muito incômodo ceder-me um corredorzinho para eu passar?" O gordo zangou-se. Encolheu como pôde o fardo abdominal e, sacudindo a papada, os olhos arregalados: "Passe!"

O moço magro, atônito por um momento, depois inclinado a reagir, sorriu-se afinal, e disse entre dentes, relanceando um olho escarninho pela venerável barriga: -"Bolas! não estou disposto a brigar com meio mundo." E o gordo a resmungar: "O calcinhas! Esta sucia..."

A princípio não compreendi por que seria que o pançudo tanto se irritara. É que sou por
natureza tardo de compreensão. Nada mais fácil de ver que o homem sentira espicaçado justamente por aquele excesso de delicadeza. Se o moço, passando, lhe tivesse empurrado de leve os joelhos, dizendo um seco e rápido "com licença!", e fosse tocando para diante, nada teria acontecido. O gordo levaria isso à conta de uma pequenina e desculpável grosseria sem endereço especial. Não já, assim a frase e o gesto do mancebo, que lhe bateram no toutiço como farpazinha particularmente preparada para sua pessoa. Ninguém gosta de se ver assim pessoalmente visado e distinguido nos seus pequenos tortos, que são mais ou menos os de toda a gente e devem passar sem exame e sem reparo.

Há uma causa mais geral, e é que o excesso de delicadeza leva uma dose de ironia, e a ironia ofende e revolta mais do que a rudeza. Não, como geralmente se julga, por penetrar mais fundo na derme do alvejado, mas pela desigualdade de armas. O homem desprevenido e "natural" não tem, nos seus encontros e lidas cotidianas, mais do que as armas de ataque e defesa que a natureza lhe deu, e delas se socorre como pode. O irônico é um mal intencionado, que carrega armas artificiais no meio de uma população policiada e pacífica. Viola a convenção em que a generalidade repousa. Quebra a regra consuetudinária do jogo da convivência. Onde outros se limitariam a usar das mãos e dos cotovelos, ele saca de um pequenino punhal e põe-se a esgrimi-lo com a destreza de um especialista de má-fé e de maus bofes. O adversário sente-se apanhado à traição, exaspera-se e, às vezes explode.

O sujeito extremamente delicado é, no fundo, um indivíduo que faz o pior juízo acerca dos seus dissemelhantes, e os trata com infinitos cuidados, como se lidasse com cavalos passarinheiros ou cachorros agressivos. Ou isso, ou então é que gosta de lançar engodos às almas incautas, para que se lhes abram e se lhes ofereçam em espetáculo. Todos os seus gestos estão impregnados de ironia, de uma ironia que nada tem com a dos homens compreensivos e sensíveis que já viveram muito, mas uma ironia feita de vaidade, de caborteirice e de secura de coração. Ele é o "homem de escol", "a criatura de exceção", fina, distinta, lixada, repolida, cheia de bicos e rendas, desgraçadamente obrigada a viver no meio de uma canalha tosca e molesta!

A antipatia instintiva que provoca é uma reação da vis medicatie social.

O que mostra mais uma vez como os movimentos instintivos podem eqüivaler a longas reflexões, e como a mentalidade coletiva pode chegar, sem raciocínio, aos mesmos resultados das lentas análises do psicólogo e do moralista., -De onde, também, o erro dos paradoxófilos, quando partem do pressuposto de que, para bem pensar, é preciso pensar contra os sentimentos do maior número.

Fonte:
Domínio Público

Rocha Pita (Poesias Escolhidas)

SONETO

O desvelo maior tem aplicado
Fílis para esquecer um bem perdido,
Mas como pode o bem ser esquecido,
Quando o próprio desvelo o faz lembrado?

Como pode o discurso desvelado
Ver-se do que imagina dissuadido?
Lembrar-se de esquecer traz no sentido,
E vem o esquecimento a ser cuidado.

Se da perda o descuido não tomasse
Por empresa, essa mágoa que padece
Fora possível, que lhe não lembrasse.

Mas a memória em Fílis permanece,
Pois se o descuido de cuidado nasce,
Do que quer esquecer se não esquece.

SONETO JOCOSO

Pondero a emudecida formosura
De Fília, sem temer que impertinente
Possa, no meu soneto, meter dente,
Pois carece de toda a dentadura.

Se, por cobrir a falta, esta escultura
Tão muda está que não parece gente,
Estátua de jardim será somente,
Se de pano de raz não for figura.

O Senhor Secretário quer que a creia
Bela sem dentes; eu lho não concedo:
Desdentada é pior do que ser feia,

E em silêncio só pode causar medo,
Ser relógio do sol para uma aldeia,
Para um povo estafermo do segredo.

SONETO

A ver do Sol o novo nascimento,
a nova Lua veio prontamente
um e outro Planeta no Ocidente
trazendo o seu efeito, e movimento,

o Sol em raios grande luzimento,
a Lua em águas copiosa enchente
assistindo a Academia mais ciente,
e concorrendo a dar-lhe o fundamento.

Para encher ao Congresso de favores
mais se expende um Planeta, outro mais arde,
o dia repartindo em seus primores.

Ambos fazem do seu obséquio Alarde
um em cristais, e outro em resplendores,
a Lua de manhã, e o Sol de tarde.

SONETO

Quando Fílis as lágrimas bebia,
em um fio de pérolas brilhante
da matutina luz, bela, e flamante
precursora do sol, e mãe do dia,

uns dentes se lhe partem à porfia
para a união das pérolas amante,
que sendo a qualidade semelhante
os quis conglutinar a simpatia.

Bem que ao beber as pérolas luzentes
se lhe quebrem os dentes, julga e toca
não serem as matérias diferentes,

pois sem se conhecer mudança, ou troca
enfiados por pérolas os dentes
têm por dentes as pérolas na boca. 

SONETO

 Mudou o Sol o Berço refulgente,
ou fez Berço do Túmulo arrogante
galhardo onde se punha agonizante
com luz no Ocaso, e sombras no Oriente.

Não morre agora o Sol, quer diferente
no Aspecto, se na vida semelhante
no Oriente nascer menos flamante,
e renascer mais belo no Ocidente.

Fênix de raios a uma, e outra parte
O  comunica os incêndios, e fulgores,
porém com diferença hoje os reparte.

Nasce lá no Oriente só em ardores,
no Ocidente a ilustrar Ciência, e Arte
renasce em luzes, vive em resplendores.

Rocha Pita (1660 – 1738)

Nascido no ano de 1660 na Bahia, hoje cidade de Salvador, Sebastião da Rocha Pita foi um importante historiador e poeta do século XVII.

É autor de, dentre outras, uma importante obra intitulada História da América Portuguesa (1730), produzida em um período em que a capacidade de contar a História de Portugal e do império luso-brasileiro compunham um quadro de preocupações centrais de um reino atribulado em legitimar-se frente a outras nações - onde o domínio da história e sua forma de escrita como iniciativa institucional congregaria em si essa função.

Como um historiador de prestígio, compunha a ordem de letrados na Academia Real de História Portuguesa (1720-1736), ocupando o cargo de acadêmico supranumerário.

No cenário brasileiro, foi membro e um dos fundadores da Academia Brasílica dos Esquecidos (1724) participando ativamente como poeta e historiador nas atividades realizadas nessa congregação, que pode ser concebida como um local privilegiado para se pensar e formular a história da América Portuguesa, em um período no qual “ o movimento academicista ajudou a desencadear uma nova percepção sobre o estatuto político do território colonial, estimulando assim, a reflexão sobre a natureza dos laços que prendiam a América ao Reino: amarras simultaneamente jurídicas, familiares, lingüísticas, econômicas e culturais. Formado na Escola de Jesuítas da Bahia e mestre em Artes, o nome de Rocha Pita figura na lista de nomes de brasileiros formados na Universidade de Coimbra elaborada por Francisco Morais, tendo ido aos 16 anos.

A formação em Portugal era um costume daqueles que tinham um prestígio social na colônia e que compunham assim, o quadro de letrados brasileiros.

Ostentou ainda o título de coronel do regimento privilegiado de ordenanças, foi fidalgo da casa real, cavaleiro da ordem de Cristo e vereador em Salvador.

Pai de três filhos, com Ana Cavalcanti, morre em 1738, na cidade de Cachoeira, onde desde o casamento fixou residência.

Francisco Miguel de Moura (A Nova Literatura Brasileira)

Libreria Fogola Pisa
É preciso considerar que muitos autores estão surgindo dentro dos Estados do Nordeste e até nos do Centro-Sul e que não são divulgados. E merecem as honras de nomes nacionais, suas obras são realmente excelentes. Ninguém sabe por que motivo a imprensa e a mídia os trocam por “valores” duvidosos, sem leitores e sem crítica que os suportem, que ficam encalhando as livrarias, os supermercados e até as bancas de jornal. Ou será que os leitores e os críticos que não moram nos grandes centros não têm competência? Isto é o que eu chamo julgar uma obra pelo simples fato de o endereço do Autor não estar numa grande capital como Rio e principalmente São Paulo. Verdadeiro absurdo, verdadeiro contra-senso! É inversão de valores.

Aliás, sabemos de muitas coisas que não são ditas. Uns ficam calados com medo da concorrência, outros, muitas vezes, nem conhecem nem estudam os pormenores. Mas, como diz o público sábio: “Quanto mais cabras, mais cabritos”. Ninguém deve ter medo de concorrência nem calar as boas causas como a proclamação dos grandes nomes da literatura brasileira atual. Desse mal da inveja não padece o poeta e jornalista Luiz Fernandes da Silva. Ao contrário, no seu jornal mimeografado, “Correio da Poesia”, feito com imenso sacrifício pessoal, vem divulgando a grande poesia e prosa da atualidade. E sua divulgação não se resume nisto: ele o distribui incansavelmente e está em todos os eventos que pode, no “trabalho de formiguinha” de divulgação, não apenas de si mesmo, que, aliás, tem até deixado de lado. No mundo literário de hoje há poucas pessoas com a sua generosidade. Outro nome que não posso deixar de citar, do mesmo nível de Luiz Fernandes, é do poeta Edson Guedes de Morais, em Recife. Já publicou uma antologia de poemas de poetas brasileiros do passado e do presente, em sua gráfica manual, em Guararapes – Recife (PE) e vários livros de autores como Anderson Braga Horta, Hardi Filho, Francisco Miguel de Moura, entre muitos outros. Esses valores ficarão, quer a grande mídia do Sul queira ou não. Disse-me, certa vez, o amigo e fino contista Caio Porfírio Carneiro, cearense: “Eles vão ter que me engolir como contista”. Eu quero repetir sua frase, adaptando-a à poesia: “Eles vão ter que me engolir como poeta”.

Aproveitando um escrito do Luiz Fernandes da Silva, cito os nomes que ele lembrou, sejam do Norte, Nordeste, Sul, Sudeste, Centro-Oeste. Ele começa com meu nome, a quem acaba de me conceder o título de “Embaixador da Poesia no Brasil” (2012) e passa a outros de talento como Ary Lins Pedrosa, paraibano radicado em Maceió-AL (breve lançando mais um livro), a grande crítica literária e professora universitária Elizabeth Marinheiro, poetas e contistas Silvério Ramos da Costa, Chapecó (SC), Anderson Braga Horta, mineiro já citado acima, Humberto Del’ Maestro, de Vitória (ES), e Djanira Pio, de São Paulo, além de outros que seria cansativo citar.

Mas não vou deixar de citar o poeta e editor Waldir Ribeiro do Val – que publicou recentemente “50 poemas escolhidos pelo autor” –, pelos seus méritos poéticos, que são grandes, com uma poesia fina, onde partilha os sentimentos humanos e interpreta os da natureza, sem precisar bem o social que carrega na própria alma. Ninguém esquece versos como: “Escrita nos muros, a palavra é súplica” e outras que evocam “as esperanças dos homens”, especialmente dos poetas (vide poema “Paz”, pg. 43). Nessa coleção de editados por ele com o título de “50 poemas escolhidos pelo autor”, que já vai a mais de 60 títulos, constam nomes famosos como Gilberto Mendonça Teles, Ledo Ivo, Carlos Nejar, Antônio Olinto e Pedro Lyra, mas também muitos outros menos conhecidos e já famosos, e outros nem tanto, porém que já apresentam uma poesia de fazer inveja pelo domínio da palavra. Há entre eles, dois piauienses -: Álvaro Pacheco e Diego Mendes Sousa, um já praticamente com sua obra pronta e encerrada, o outro começando agora, com dois ou três livros já publicados, além do da coleção “50 poemas...” Esses nomes não podem ser ignorados. Além do mais temos sites de poesia como o do Antônio Miranda e o do Soares Feitosa, que são verdadeiras antologias contemporâneas de prosa e verso.

A nova literatura brasileira está aí, mostrando sua importância e superioridade em estilo, profundidade e valor. Não comparável, jamais, com a literatura de “massa” de “falsos escritores” que nunca conseguiram fazer um soneto, quando fazem uma trova é de “pés e mãos quebradas”, não sabem o que é medida, ritmo, imagens, metáforas, metonímias, símbolos, intertextos e intratextos, além de outras “cositas mas” que são as descobertas e os segredos do verdadeiro poeta. Não sabem o que é um conto, uma crônica bem feita. Sabem mal da “literatura de auto-ajuda” e dessa massa de “bestas-de-sela” que são vendidos como romances – os mais vendidos. A quem?

Parte II

No artigo anterior, aproveitei sugestões do poeta Luiz Fernandes da Silva, que me apontou nomes de peso surgidos recentemente para a Literatura Brasileira, especialmente aqueles que moram na província. Hoje, eu mesmo aponto outros valores reconhecidos pelos atuais leitores e algumas pequenas editoras. Têm, esses novos, características distintas e impressionantes: estilos e formas de escrever e criar surpreendentes.

Aqui, um adendo: devo declarar que as “Histórias da Literatura Brasileira”, escritas no passado, não servem mais pra nada, a não ser para alguma pesquisa sobre figuras que ficaram na sombra. Sílvio Romero e José Veríssimo, os dois mais conhecidos, estão fora de qualquer cogitação séria sobre autores “nacionais” ou “provincianos” em que, por eles foram divididos os autores. Já não existem províncias, ainda existem Estados Federados (mas, apenas na letra da Constituição). Na verdade, somos um Brasil único com muitas “ilhas literárias” como especificou Viana Moog. A proposição de Moog valeu por algum tempo, mas, graças a Deus e a nós escritores novos, está sendo revista para hospitalização e sepultamento. O que acontece é que o formalista José Veríssimo e o sociólogo Sílvio Romero abriram feridas no corpo da Literatura Brasileira, pespegando-nos a antítese: – A obra ou é sociológica (daí o romance e os demais gêneros regionalistas); ou clássico-formalista (daí a literatura urbana, para José Veríssimo, a “legítima literatura brasileira”) feita por escritores que moram no Rio ou São Paulo, e os demais eram a escória. Na malfadada classificação, hoje derrubada, até o clássico Machado de Assis seria (e, no fundo, é também) um regionalista; e Graciliano Ramos, o regionalista, seria (e é de fato) um escritor nacional. Não sei que coisa mais sem lógica, mais ridícula do que essa invenção “boba”.

Quem nasceu e viveu no Brasil, sabe escrever bem, cria e produz obras de ficção de valor (poesia também é ficção), faz-se editado por si ou por alguém que se considere editor – desde que o livro seja divulgado, não importa se em Portugal, na França, na China, no Piauí ou no Rio – todos esses são escritores brasileiros. E pronto.

Poderíamos quase dizer que morreram os críticos e historiadores literários, com o falecimento de Afrânio Coutinho e Wilson Martins. Mas, Afrânio Coutinho reuniu, antes, uma equipe invejável de intelectuais, entre eles, nosso piauiense Assis Brasil, e preencheu bem a falta da História Literária, do fim do século passado até hoje.  Foi feita sob a orientação de Afrânio Coutinho, com a colaboração de Wilson Martins, Antônio Cândido, Luís Costa Lima, Eugênio Gomes, Aderaldo Castelo, entre dezenas de outros grandes nomes da crítica e do magistério. Mas essa “A Literatura no Brasil” (assim o nome) já está precisando de atualização. Diga-se, a bem da verdade, que foi Afrânio Coutinho quem veio acabar com a discriminação de “regionalismo”, trazendo, de seus estudos no exterior, “a nova crítica”. Se os professores de universidades a desconhecem, pior pra eles. Porque uma nova geração está surgindo em todos os cantos do Brasil, de fazer inveja aos do passado. Quantos poderíamos citar? Muitos. Começo pelo Ceará, com Nilto Maciel e seu grupo da “Literatura – Revista do Escritor Brasileiro”, fundada em Brasília e depois transportada, com a mesma gana, para Fortaleza. Somente no nº 26, o que tenho em mão, quantos nomes, quantos bons autores? Começa com o próprio Nilto Maciel, romancista premiadíssimo, que faz uma entrevista a Francisco Miguel de Moura, onde eu falo dos novos daqui: O. G. Rego, Fontes Ibiapina, H. Dobal, Rubervan du Nascimento, entre outros. Demais colaboradores selecionados na revista “Literatura...”, nº 26, mencionada: Nicodemos Sena, Moema de Castro Silva Olival, Batista de Lima, Adelaide Petters Lessa, Caio Porfírio Carneiro, Wilson Pereira, Manoel Lobato, Maria Socorro Cardoso Xavier, Manoel Hygino dos Santos, José Luiz Dutra de Toledo, Berredo de Menezes, Nelson Hoffmann, Eduardo Campos, Enéas Athanázio, Aricy Curvelo, Jorge Tufic, Aníbal Beça, José Helder de Sousa, Ângelo d’Ávila, Glauco Matoso, Artêmio Zanon, Sânzio de Azevedo, Anderson Braga Horta, Luciano Bonfim, Almir Gomes de Castro e mais alguns, porque o espaço que uso é pequeno.

Este rol de escritores cobre o Brasil de norte a sul, de leste a oeste, sem distinção. Entre eles há mais de uma dezena dos maiores escritores modernos da nossa época, aos quais faltam somente editores de vergonha, professores e universidades que direcionem bem seus alunos, críticos e jornalista. É assim que os leitores vão aparecendo. E nada disto existe no Brasil atual, o que é uma lástima. Cada vez mais nos tornamos o quintal (pra não dizer chiqueiro) dos americanos.
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Francisco Miguel de Moura – Escritor, membro da Academia Piauiense de Letras

Fontes:
http://literaturasemfronteiras.blogspot.com.br/2013/02/a-nova-literatura-brasileira-1.html
http://literaturasemfronteiras.blogspot.com.br/2013/03/a-nova-literatura-brasileira-2.html

Carlos Leite Ribeiro (Dois Amigos)

Depois de aposentado, o Ricardo vagueava pelas ruas da Baixa de Lisboa, para passar o tempo e recordar antigos episódios da sua vida. Nesse dia, por casualidade, passou pelo café onde seu amigo Alberto passava as tardes a ler o jornal. Entrou no café e dirigiu-se logo para a mesa onde seu amigo estava.

- Olá, Alberto, como vai essa saúde? Passas o tempo aqui sentado e daqui a pouco nem andar consegues!

- Tinha o pressentimento que algo desagradável me ia acontecer hoje. Não sabia o que era, mas com certeza que eras tu que me ias aparecer! Já me vai correr a tarde mal. Tu que andas sempre a vaguear pela Baixa, hoje deu-te para entrares aqui neste café posso perguntar porquê?

- Porque? Porque tinha saudades tuas e queria cumprimentar o meu querido amigo, Alberto.

- Querido amigo? Por favor não me ofendas com esse termo tão nobre, quando é verdadeiro!

- É o que eu sou: nobre e verdadeiro. E vim cá dizer-te que ontem vi a tua querida Lena ainda te recordas dela?

- És um verdadeiro finório (cara de pau). E o que eu tenho com isso?

- Como foi a tua amada pensei que ficasses feliz por eu a ter encontrado.

- És mesmo impossível. És sempre o mesmo amigo da onça!

- Não sei porquê, pois até na altura tive a gentileza de te apresentar a ela, o que ficaste (na altura) muito contente. Pois uma avião (moça linda e apetecível não aparecia todos os dias)!

- Já conheço essa conversa tua há muito, grande (nem te quero classificar). Mas em que falaram. De mim?

- De ti não! Falámos das nossas anteriores passagens pela vida. Mas vou contar-te tudo tim-tim por tim-tim?

Ontem fui dar um passeio até ao Terreiro do Paço e junto à muralha que separa o rio Tejo, vi ao longe um vulto de mulher que não me era desconhecida. Aproximei-me dela e qual o meu espanto que reconheci a Madalena. A nossa conhecida Lena!

- Olha quem encontro aqui, a minha querida e inesquecível amiga Lena!

- O que é que fazes aqui? Já pensava que tivesses morrido (o que não seria nenhuma pena?).

- Passei casualmente por aqui e mesmo de costas reconheci-te. Ainda hoje és uma avião, embora diferente do que conheci há anos, é certo respondeu-lhe ele.

- Para ti é tudo casualmente, grande finório (cara de pau). Deves estar a recordar as malandrices que fizeste na outra Banda (margem esquerda do Tejo), principalmente em Cacilhas e em Almada?

- Recordo-me daquela vez em que me convidaste a jantar no Ginjal (Cacilhas); não me recordo bem em que restaurante. Seria no Floresta?

- Nesse não foi de certeza, pois era muito caro para a minha bolsa. Foi no restaurante Elias.

- Recordo-me. Até notei que tu eras freguês habitual daquele restaurante, pois o garçon piscou-te o olhos e levou-nos para a tua mesa preferida, junto de uma janela que se via o Tejo e grande parte de Lisboa.

- Lena, tu tens boa memória! Claro que tinha ido algumas vezes a esse restaurante ? com os meus pais.

- Deixa-me rir ahahah. Que ingénua eu era nessa altura. Depois do jantar, quiseste que eu fosse a uma pequena praia que ficava mais adiante do Gihjal, onde tu dizias que tinhas pescado muito, com uma armação de dois varões de ferro; fazias um triângulo com a linha e colocavas um sinizinho; depois lançavas a linha ao mar e quando o peixe picava, o sininho tocava? Cara de Pau.

- Lena, a minha intenção era ensinar-te a arte de pescar, nada mais?

- Ricardo, quase que estou a acreditar (só quase) é que depois desse ensinamento, passaste à pesca em alto mar, e longe do razoável:

- Parece que me estou a recordar, sim. Sabes que esta memória já não é a que foi!

- Cara de Pau! Perdemos com a conversa o último barco para Lisboa, pois quando chegámos ao cais de embarque, já o ferryboat tinha partida há mais de uma hora. E ficámos no teu decrépito e furado Volkswagem, a quem tu chamavas carochinha (no Brasil fusca).

- Querida amiga, e ficámos muito bem, até às 6.30 horas quando do primeiro ferry para Lisboa.

- Tinha ido ao cabeleireiro fazer uns caracolinhos e quando abri a janela do meu quarto para minha mãe não saber a que horas tinha regressado, assustei-me a ver-me ao espelho, com o cabelo todo desgrenhado (em desalinho), além das nódoas de óleo que manchavam o meu vestido novo, apanhadas na tua praia, onde prometeste dar-me uma lição de pesca.

- Felizmente, tinhas deixado a janela de teu quarto só encostada. Eras previdente?

- Só deixava a janela encostada quando saía contigo.

- E com os outros?

- Não comento. Mais tarde, houve outro dia que me convidaste a ir a um baile, não em Cacilhas mas em Almada. Não me recordo o nome da localidade que dizias haver um grande baile.

- Parece-me que estou a recordar-me. Jantámos no restaurante Gonçalves.

- Onde também eras conhecido?

- Nesse dia não fomos para a praia que tinha óleo na areia. Subimos até ao castelo de Almada e depois descemos uma descida muito íngreme até quase ao Olho de Boi, onde descarregavam os barcos de pesca e onde me tinha dito haver um grande baile (mentiram-me).

- Ricardo, não sei porquê não acredito, nem na altura acreditei. Mas continua?

- Deve estar recordada que a estrada estava em reparação do lado do mar (direito) e tivemos que fazer inversão de marcha, e subir o que tínhamos descido. Quando chegámos junto das muralhas do castelo?

- Num recanto que devias conhecer muito bem? Continua.

- O carochinha avariou e tivemos que passar lá a noite. Dessa vez não te ensinei a pescar lembraste?

- Se me lembro, dessa tão estranha avaria, pois às 6 horas da manhã, o carro estava bom para apanharmos o ferry às 6.30 horas. Há avarias assim e tu eras mestre em inventá-las!

- Pelo menos, nessa manhã não chegaste a casa com o vestido com nódoas de óleo.

- De óleo vegetal, não, mas com nódoas negras (hematoma) nas pernas, principalmente nos joelhos.

- Nesse dia também tive problemas com minha mãe por causa das calças?

- Ricardo, por falar em tua mãe, ela era uma formidável cúmplice tua. Atendia muito bem os meus telefonemas, mas tu nunca estavas em casa; ou tinhas saído em serviço da empresa, ou tinhas saída não sabia para onde e por fim disse-me que tinhas ido fim-de-semana com a tua noiva. Perguntei-lhe quem era tua noiva o que ela me respondeu com grande descontração: não sei, são tantas!. Cara de Pau, da pior espécie!

- Mas tu gostavas do cá cara de pau!!! rssss

- Na nossa última saída te fintei e muito bem recordaste?

- Não. São fatos passados há tanto tempo?

- Vou-te recordar: Combinámos ir a um baile no Estoril. Desta vez não fomos para a outra margem, que ainda não havia a ponte 25 de abril (estava em começo de construção). Jantámos em Oeiras e depois seguimos para o Estoril. No regresso e como habitualmente, o teu carochinha avariou perto da Parede. Enquanto tu fingias que estavas a consertar o carro, eu sorrateiramente, procurei a casa de uma amiga, enfermeira no Sanatório da Parede. Faço ideia da rua cara depois de teres esperado horas e eu não ter aparecido! kakakaka

- Estou a recordar, estou. Esperei uma hora ou hora e meia antes de regressar a casa de meus pais. Imagina quão furioso eu estava, sua cara de pau, cafajeste, pilantra, etc... Confesso que não achei graça nenhuma com a tua atitude.

- Estás muito abrasilado, deves ter visto já muitas telenovelas!

- Pois é, minha amiga, hoje a juventude tem mais liberdade, mas no nosso tempo fazíamos tudo que eles fazem, mas tínhamos que ser mais engenhocas.

- E nesse aspeto, Ricardo, tu eras um grande engenheiro: Até talvez merecesses o Prémio Nobel.

- Estamos aqui parados e podíamos ir a qualquer lado?

- Eu vou ao Barreiro.

- Então podemos ir ao Barreiro?

- Tu é que sabes, mas na gare meu filho e meu neto estão à minha espera?

- Certo. Podíamos marcar um encontro para outro dia?

- Talvez para o próximo século! Passa bem e se possível, com mais juízo nessa cabeça oca!

- Então, inté?

- E foi assim amigo Alberto a minha conversa com a nossa Lena! Na próxima vez que nos encontrarmos, pago eu os cafés.

- Não disse que te pagava o café!

- Até à próxima, amigo!

FIM
(este texto é pura ficção, qualquer situação, lugar ou pessoas é pura coincidência)

Fonte:

Carlos Leite Ribeiro - Marinha Grande - Portugal

Fernando Namora (O Homem Disfarçado)

O personagem principal é João Eduardo, médico de prestígio profissional. João Eduardo é casado com Luísa, tem dois filhos Carlitos e Teresinha em idade escolar.

A narrativa começa demonstrando uma das características da personalidade de João Eduardo, sua impassibilidade e seu receio diante das coisas. As primeiras palavras do livro são “Acudam! Acudam!”. O médico está esperando seu carro ser lavado, quando um rapaz lhe informa que uma mulher pede por socorro uma vez que seu filho ficou entalado no elevador. Indeciso entre prestar ajuda e esconder-se, opta pela segunda alternativa uma vez que acredita que pouco poderá fazer ou o que poderá fazer talvez não valha a pena. Logo chega uma ambulância e leva a mãe e o garoto ao hospital.

Em casa, sua relação com a mulher tem esfriado. Luísa vai se tornando mais distante e mais impessoal. Compara-a com Silvina, sua amante, uma dançarina de casas noturnas que está a caminho da prostituição. Com Silvina sente-se seguro para contar suas impaciências, dúvidas e frustrações, o que não ocorre com a companhia de Luísa.

Sua vida profissional, embora de sucesso, estava lhe causando enfado. D. Emília uma vizinha e uma das primeiras clientes que tivera na cidade, era uma velha que vivia a bisbilhotar a vida alheia. Ela era casada com um velho doente que João Eduardo tratava também. Durante a narrativa, por vezes, João Eduardo busca saber o destino do garoto que ficara ferido no elevador, pergunta no hospital se algum garoto naquelas condições dera entrada, chega a ir à porta do apartamento da mãe perguntar pela sua saúde, mas a mãe não responde por estranhar-lhe os modos tensos e fecha a porta.

Há um amigo de infância, doente, tuberculoso, chama-se Jaime. Atualmente João Eduardo não só acompanha o tratamento de Jaime como o ajuda emprestando dinheiro que sabe dificilmente será pago. Rita, a mulher de Jaime, compreende a gravidade da situação e vê em João o único apoio para suportar o fim trágico que se anuncia para seu marido.

Na sua vida profissional, embora seja admirado pelo seu sucesso, João relembra que começou como médico de vilarejo no interior de Portugal, que lá podia atender os pobres e ajudá-los, mas a necessidade progredir na profissão e de ter uma clientela mais apta a gastos maiores o fez seguir na direção de trabalhar na capital, Lisboa. Jaime, o amigo, por outro lado, sempre fora dado a aventuras, chegara a ser guia de viagens num barco apenas pelo prazer e se sentir livre, além do que adorava beberagens, daí contraíra a tuberculose. O casamento com Rita se dera quase na mesma época em que se diagnosticara sua doença.

Um outro amigo do interior de Portugal e do início dos estudos era o Magalhães. Este continuava um modesto médico do interior e ansiava trabalhar na capital para melhorar de vida. Por pressão de Luísa que tinha simpatia por Magalhães e por sua esposa, João Eduardo chega a pensar em tentar arrumar alguma colocação para o amigo, embora lá no fundo, não nutrisse muita admiração por Magalhães, ao contrário da admiração que tinha pela ousadia de Jaime.

Fica sabendo que um médico morrera no Banco das Índias e que um cargo se abria. Foi até diretor financeiro averiguar a possibilidade de se dar esse cargo ao amigo provinciano, mas para sua surpresa o cargo estava sendo oferecido a ele, João Eduardo. Logo quis recusar mas acabou sendo convencido, até com relativa facilidade a aceitar o cargo. Isso criaria uma animosidade com a mulher e com o amigo provinciano, mesmo porque ele, João Eduardo, não precisava de mais um cargo.

O diretor do hospital, professor Cunha Ferreira é uma pessoa importante de suas relações profissionais. No entanto, o professor Cunha Ferreira sustentara o seu poder numa série de negociatas e conchavos. Dava parte dos honorários recebidos nas operações para os médicos que lhes encaminhassem doentes, fazia coincidir o dia das operações com o dia em que estava no hospital, entre outras coisas, e por vezes, João Eduardo participara desses arranjos.

Por outro lado, existia a figura de Medeiros. Medeiros era um médico respeitado por sua carreira pautada a honestidade e nos valores éticos. João Eduardo oscilava entre esses dois modelos de comportamento, mas via de regra tendia a seguir o professor Cunha Ferreira.

No hospital, o professor Cunha Ferreira convida João Eduardo e sua esposa para um jantar em que estará presente também o Medeiros. João Eduardo começa a desconfiar das intenções do professor nesse jantar. Se ele pretendesse arregimentar o Medeiros para o seu lado dificilmente conseguiria. Soube João Eduardo que Medeiros já reprovara algumas chapas médicas que fundamentavam algumas das operações feitas por Cunha Ferreira.

No jantar que contou com a presença de um certo rico vinhateiro, senhor Trigueiros, João Eduardo teme por um conflito entre as duas personalidades médicas. Mas com o apoio da habilidade de Luísa, o Medeiros vai se esquivando das inferências do professor Cunha Ferreira e consegue terminar o jantar sem abrir diretamente uma discussão.

Já altas horas da noite, sob a desculpa de atender um paciente, João Eduardo vai visitar Silvina num teatro de cabaré de terceira categoria. Para sua surpresa, Silvina está tensa e confidencia-lhe que tem uma filha, coisa que sempre escondera de João Eduardo e de todos os seus amantes. João descobre que Silvina tentava dar à filha uma educação decente e que escondera da filha sua profissão. Porém a filha descobrira por meio de outras pessoas e agora recusava em vê-la. João e Silvina bebem até ficarem bêbados.

João Eduardo tivera outras amantes, uma de que se lembra o nome era Clara, saíra com ela uma única vez, mas sua personalidade lhe impressionara, nunca mais a vira. Tinha um apartamento em que marcava os seus encontros e Silvina tinha acesso irrestrito àquele lugar.

Depois da deixar Silvina, após beberem juntos chega em casa já quase amanhecendo e a mulher, Luísa ainda acordada lhe informa que o amigo Jaime morrera, essa, aliás, é a última frase do romance.

 Fonte:
http://literatura-edir.blogspot.com.br/

Projeto de Leitura (Escolas públicas Podem se Inscrever até 31 de março de 2013)

O projeto de incentivo à leitura “Ler é Bom, Experimente!", está com inscrições abertas para escolas da rede pública de ensino de todo o Brasil até o final de março de 2013.

O programa
Dirigido ao público infantil, juvenil e adulto, que beneficiará cerca de 50 mil alunos de 500 escolas, o trabalho consiste na doação de livros e desenvolvimento de atividades, a partir da leitura, por estudantes do 2º ano do ensino fundamental até o ensino médio. A escola se responsabilizará pelo pagamento do transporte dos materiais, cujo valor será calculado no momento da inscrição, que deverá ser efetuada pelo professor, no site www.projetosdeleitura.com.br.

As escolas inscritas receberão de 38 a 114 livros de autoria de Laé de Souza, além de material de apoio como folhas pautadas para redação, questionários e, ainda, uma cartilha pedagógica para auxiliar o professor a executar as atividades dentro da sala de aula. As atividades nas escolas são monitoradas pelos professores com auxílio de um manual e apoio da equipe do Grupo Projetos de Leitura

Após a execução das atividades sugeridas pelo projeto como adaptação dos textos para teatro, encenação e discussão dos temas, os alunos respondem a um questionário sobre os livros e desenvolvem textos baseados nas crônicas ou nas personagens. Os autores dos três melhores trabalhos recebem como prêmio outro livro de Laé de Souza.

Outra grande oportunidade do projeto, é que os alunos participantes, a partir do 6º ano, concorrem a ter o seu texto incluído no livro "As melhores crônicas dos projetos de leitura – Volume 5", que será lançado até novembro de 2013.

Histórico
O projeto, aplicado anualmente em escolas públicas de todo o país, foi criado em 2000 pelo escritor Laé de Souza e já contou com a participação de mais de três mil escolas. Aprovado pelo Ministério da Cultura, tem o patrocínio pelo sexto ano consecutivo do GRUPO SEGURADOR BANCO DO BRASIL E MAPFRE
Livros do Projeto e atividades
Em 2013, o Projeto será desenvolvido com a utilização dos livros "Radar, o cãozinho", "Quinho e o seu cãozinho - Um cãozinho especial" e "Acontece..." A escola poderá participar com até três classes, recebendo, como doação, exemplares desses títulos para todos os alunos.

Sobre o Grupo Projetos de Leitura

O Grupo Projetos de Leitura iniciou seu trabalho em 1998 e tem seus projetos aprovados pelo Ministério da Cultura, além de contar com o apoio de patrocinadores, parceiros e com o envolvimento dos professores. Com sede em São Paulo, o grupo atua em todo o território nacional desenvolvendo projetos sem fins lucrativos, com o objetivo de vencer um dos maiores desafios encontrados pelos professores e amantes da literatura: desenvolver o hábito da leitura.

Sobre o autor
Laé de Souza é cronista, dramaturgo, produtor cultural, bacharel em Direito e Administração de Empresas, autor de vários projetos de incentivo à leitura e de livros infantis, juvenis e adultos, entre eles: “Acontece”, “Acredite se Quiser!”, a série “Quinho e o seu Cãozinho”, “Nos Bastidores do Cotidiano” , “Espiando o Mundo pela Fechadura”, “Coisas de Homem & Coisas de Mulher”.

Inscrições:

Educadores poderão se inscrever pelo site www.projetosdeleitura.com.br até 31 de março 2013

Mais informações: (11) 2743-9491 e 2743-8400.

Fonte:
Laé de Souza

Guimarães Passos (Poesias Avulsas)

Libreria Fogola Pisa
AOS FELIZES

a Henrique Silva
Pensais que invento penas por meu gosto,
Que em meus versos afeto sofrimento?
Néscios? Lede nas linhas do meu rosto,
E com verdade me dizei se invento.

Ride felizes, ride que o desgosto
Nunca deixou de vir; em breve o alento
Que hoje tendes tê-lo-eis como o sol posto:
Longe e brilhando apenas um momento.

"Mas, me direis, como te enganas! Ama,
Ama, que perderás essa tristeza,
Terás ventura, terás glória, fama..."

E eu, por vingar-me, sufocando o ai!
Do coração ferido, com firmeza,
Por meu turno respondo-vos - amai!

CONSELHO

Dulce, não busques a felicidade,
Basta sonha-la, não procures tê-la,
Que, há no seu brilho tanta falsidade
Que, todos, vendo-a não conseguem vê-la.

Esquece a mágoa que te gera o pranto;
Volve os olhos ao céu donde desceste,
E, assim, feliz te sentirás, enquanto
Não volveres de novo ao que esqueceste.

Para que um´hora nos julguemos cheios,
Da ventura que tanto ambicionamos,
Basta sonhar e desprezar os meios
De converter em real o que sonhamos.

Quantas vezes de um lago azul e quieto
A lua brilha no tranquilo fundo;
Vais apanha-la e logo o lodo infecto
Tolda a agua toda e deixa o lago imundo.

Toda a poesia ao teu olhar se turva,
Tens asco e horror d´essa realidade...
Dulce, é assim sob a grandiosa curva
Do céu o aspecto da felicidade.

Sonha que a tens no coração fremente,
Fecha os ouvidos ao que o mundo diz:
Para seres feliz, basta somente
Que tenhas a ilusão de que és feliz.

DILEMA
A José do Patrocínio

Se altivo - ouvirás contra ti mil rumores;
Humilde - qualquer um julgar-te-á seu vassalo;
Rico - servos terás como Sardanapalo;
Pobre - ai! de ti! ver-te-ás cercado de credores.

Se franco - eis a teu lado os vis caluniadores;
Ladino - ao teu encalço eis a lei, a cavalo;
Ama - serás tu só que sofrerás abalo;
Se amado - outro és e não terás amores.

Se só - tu maldirás a tua soledade;
Unido - chorarás a antiga liberdade...
Para seres, enfim, sem sofrer, que te ocorre?

Se alguém, sejas nada, inteligente ou rude;
Se dos que nada têm; se dos que gozam tudo,
Para teres razão, só tens um meio: morre!

ÉBRIO

Querem que eu ria, que o prazer alheio
Seja meu, que o partilhe e o acompanhe;
Que a ventura que banha aos outros, banhe
Meu negro peito de tristeza cheio.

Seja! Bradai; nenhum de vós estranhe
Mais nesta roda um rosto triste e feio;
Quero beber e rir, pois já não creio
Senão que existem males e champagne.

E uma taça após outra fui bebendo;
Sempre bebendo, vi dançar a mesa,
E os meus convivas fui desconhecendo.

Ébrio afinal, caí... mas não sozinho:
Comigo estavas, porque a natureza
Do meu amor embriaga mais que o vinho.

GUARDA E PASSA

... Non me destar, deh! parla basso
Michelangelo


Figuremos: tu vais (é curta a viagem),
Tu vais e, de repente, na tortuosa
Estrada vês, sob árvore frondosa,
Alguém dormindo à beira da passagem.

Alguém, cuja fadiga angustiosa
Cedeu ao sono, em meio da romagem,
E exausto dorme... Tinhas tu coragem
De acordá-lo? responde-me, formosa.

Quem dorme esquece... pode ser medonho
O pesadelo que entre o horror nos fecha;
Mas sofre menos o que sofre em sonho.

Oh! tu, que turvas o palor da neve,
Tu, que as estrelas escureces, deixa
Meu coração dormir... Pisa de leve.

LONGE

XXXIX

Longe de mim!... Só a amplidão vazia!
Sol, em que céu de bronze te escondeste?
Céu, porque assim tão baixo tu desceste
E esmagas-me se dó desta agonia?

Nem um adeus, ao menos me disseste;
Foste-te e eu, cego, já não tenho guia;
Meus olhos mais nem uma estrela fria
Verão, pois deles desapareceste.

Ah! nunca saibas meu pesar revendo
Tudo aquilo que vias estavas
Nos meus braços de medo e amor tremendo.

Longe de mim!... Por mais que chame e brade,
Apenas ouve as minhas vozes cavas
Esta saudade, esta imortal saudade!

MORTE

És negra, és negra, dizem-me os felizes,
Dizem que ao ver-te o vulto atro e sombrio,
Gelam-se os corações, tamanho frio,
Serena, espalhas onde quer que pises.

É que tu levas para um céu vazio,
Onde somente as dores tem raízes,
As esperança todas, e não dizes
Nada a quem fica, nem a quem partiu,

Anjo negro, terror da humanidade,
Morte, estilete que nos toca o fundo
D’alma, enchendo de mágoa e de saudade!

Morte, há no mundo tanta dor contida!
Que, tu, que findas todo o bem do mundo,
És a coisa melhor que há nesta vida.

PARADOXO

Se encontrares alguém no teu caminho,
Que do teu pranto menoscabe, rindo,
Que te ouvindo gemer, teus ais ouvindo,
Quebre na face o ritus do escarninho;

Se encontrares alguém que, descobrindo
No recesso da tua alma íntimo espinho,
Em vez de dar-te fraternal carinho,
Aprofunde-te a dor que estás sentido;

Não te zangues com ele, não te zangue
O desgraçado riso que lhe vires;
Toca-lhe o peito - poreja sangue;

Toca-o: verás que fementidos modos!
Sonda-o: verás, por tudo que lhe ouvires
Que ele é mais desgraçado que nós todos.

PRISIONEIRO

XL

Que era um pássaro apenas, me disseste,
Porém o nome dele tu ignoras,
Ouviste e ainda ouves vibrações sonoras,
Mas o doce cantor não conheceste.

Pensas em mim, e do tenor celeste
Escutas enlevada as sedutoras
Canções saudosas e comovedoras...
Que ave, perguntas, misteriosa é esta?

Que encantada harmonia, que doçura,
Que magoado cantar!... A todo o instante
Ouves esta garganta ardente e obscura.

Nunca a verás; não queiras vê-la, não!
Deixa que o meu amor oculto cante
N’áurea gaiola do teu coração.

SEMPRE

Se eu não te disse nunca que te amava,
Perdoa-me, mulher, sou inocente:
Eu vivia de amar-te unicamente,
Unicamente em teu amor pensava.

Se os meus labios calavam-se, falava
O meu olhar apaixonadamente,
Porque, se o labio oculta o que a alma sente,
Conta o olhar o que o labio não contava.

Meu rosto triste, meu cismar constante,
Meu gesto, meu sorrir, tudo exalava,
Tudo exprimia um coração amante.

Em tudo o meu amor se denunciava,
Via-me em toda a parte e o todo o instante,
Se estavas longe, se comigo estava.

TU, SÓ TU...

A Estrela d’Alva desaparecia
Quando eu parti naquela madrugada,
E a doce aurora, tímida e rosada.
Das nuvens de ouro levantava o dia.

Numa palmeira, que no espaço abria
O verde leque, para o céu voltada.
Da áurea garganta uma ave apaixonada
Cavatinas alegres despedia.

Manhã tão linda: o prado um firmamento
Glauco e cheiroso, estrelas multicores,
O chão bordando num deslumbramento!

E eu vendo o campo, eu vendo o céu tranqüilo,
Pensava em ti, dona das minhas dores;
Morta: só tu darias vida àquilo.

Fonte:
http://www.avozdapoesia.com.br/obras.php?poeta_id=366&poeta=Guimar%E3es%20Passos

Guimarães Passos (1867 – 1909)

Sebastião Cícero dos Guimarães Passos
Nasceu: 22 de março de 1867, Maceió - AL
Faleceu: 9 de setembro de 1909, Paris - França

Aos 19 anos foi para o Rio de Janeiro, se juntou aos jovens boêmios da época, onde se alinhavam Paula Ney, Bilac, Coelho Neto, Luís Murat, José do Patrocínio e Artur Azevedo. Era a idade de ouro da boemia dos cafés, e não poderia haver melhor ambiente para o espírito do poeta.

Foi um dos parnasianos do grupo de Olavo Bilac e viveu no Rio de Janeiro à época da transição política da monarquia para a República. Com o advento desta perde seu emprego de funcionário público e torna-se adversário do regime, no que é perseguido pelo governo de Floriano Peixoto, exilando-se em Buenos Aires.

A par disto, Guimarães Passos teve uma vida agitada, dividida entre a boemia, os versos, e um casamento infeliz. No entanto, apesar das atribulações cotidianas, o poeta era um homem de humor fino, sempre fazendo blague com a própria desgraça - e a dos outros. É o que nos conta Laudímia Trotta, em sua biografia O Poeta Boêmio - Guimarães Passos.

Paulo Barreto, mais conhecido como João do Rio, conta, com a graça costumeira dos seus textos, como se deu a vinda desse alagoano para o Rio:
“(...) um jovem poeta de Maceió resolveu acompanhar a bordo três amigos, que de viagem se faziam para a Corte, capital do império. O poeta era belo mancebo tropical. Alto, elegante, bíceps gigantes, largo busto, com o desabrocho da cintura estreita, longas mãos, cabeleira crespa formavam-lhe a beleza máscula; e quando ria, um riso jovial, entre a ironia satisfeita e a ingenuidade irônica, (...) Era forte, era são, esse mancebo amável. Chamava-se Sebastião Cícero dos Guimarães Passos''.

O moço poeta entrou para o navio com as melhores disposições de voltar a terra uma hora após. Como sempre foi e ainda é costume, apenas nas viagens por mar, afogar as despedidas numa bebida, qualquer bebida em comum, o poeta e os três viajantes abancaram no convés em torno a uma pequena mesa. A conversa animou-se.

Quando ela ia mais animada, Sebastião dos Guimarães Passos ergueu-se, estreitou nos braços os três amigos e, com o seu passo solene - o passo heráldico, como vieram depois denominá-lo -, encaminhou-se para o portaló. Aí viram seus olhos mover-se à paisagem e no oceano. O navio singrava havia meia hora e dentro em pouco estaria em alto-mar. Sebastião sorriu e voltou aos amigos.

Esse poeta da boemia, da época áurea da boemia dos cafés, tem vida e morte divididas em quatro navios: esse que o levou de Maceió para o Rio; aquele que o deixou no exílio em Buenos Aires, para se livrar de Floriano Peixoto; o terceiro, que o conduziu à Ilha da Madeira em busca de curar a tuberculose, que o mataria em Paris, a 9 de setembro de 1909, aos 42 anos; o quarto, e último navio, que repatriou os seus restos mortais, em 1922, por iniciativa da Academia Brasileira de Letras.

FONTE:
Academia Brasileira de Letras

Laudímia Trotta (O Poeta Boêmio - Guimarães Passos)

Guimarães Passos teve uma vida agitada, dividida entre a boemia, os versos, e um casamento infeliz. No entanto, apesar das atribulações cotidianas, o poeta era um homem de humor fino, sempre fazendo blague com a própria desgraça - e a dos outros.

CERTA VEZ ENTROU na Confeitaria Colombo, na Rua do Ouvidor, ponto de encontro dos poetas parnasianos e demais literatos de então. Achegando-se de um colega sentado junto ao balcão do restaurante, entabulou conversa:

- Como vai? Me paga uma cerveja aí! - ao que o outro replicou:

- Oh, rapaz! Não estás vendo que estou de luto? Perdi meu pai há alguns dias...!

- Oh, desculpa, não havia percebido... Meus sentimentos...!

E arrematou:

- Então me paga uma cerveja preta!

COM O CASAMENTO se esfacelando, atolado em dívidas, Passos estava prestes a ser despejado do lugar onde morava.

Numa noite estava junto às grades do Passeio Público com alguns colegas, enquanto um deles declamava versos para os demais, algo como:

"...Se eu pudesse expulsar a saudade que em meu peito mora!"

Suspirando, "Guima" aparteou:

- Como eu a invejo...

- Inveja a quem? - perguntou o poeta que fora interrompido.

- A saudade... Por que pelo menos ela tem aonde morar...

MAS A HISTÓRIA mais bizarra foi a do leão no zoológico. Passos e um colega estavam no Centro da cidade, esfomeados e sem um níquel. Até que um deles teve uma idéia:

- Já sei! - Vamos comer da carne que dão às feras de sua Majestade! - ou seja, "vamos ao Zoológico".

Tomaram um bonde para São Cristóvão e, lá chegando, ficaram rondando a jaula do leão, que naquele momento era alimentado por um tratador. Este, um tipo mal encarado, não gostou do assédio dos dois e ameaçou abrir a jaula da fera - o que realmente fez.

"Guima" e o outro só pararam de correr um quilômetro depois…

Lêdo Ivo (A Passagem de uma Quimera: Sebastião Cícero dos Guimarães Passos)

Do livro de Lêdo Ivo, O Ajudante de Mentiroso. Educam, Editora Universitária Candido Mendes, 2009.
A fundação da Academia Brasileira de Letras, em 1897, foi iluminada pelo esplendor do Parnasianismo. Entre os seus fundadores figuram grandes artistas do verso, como Olavo Bilac, Alberto de Oliveira e Raimundo Correia, e grandes artistas da prosa, como é o caso de Machado de Assis (também excelso artista do verso, com a sua ardilosa competência formal e emoção contida), Joaquim Nabuco, Rui Barbosa e Coelho Neto. São todos eles integrantes de uma grande geração literária e política que, com a nitidez de seus talentos pessoais e o cunho específico de suas manifestações artísticas, se vinculava à doutrina vigente na época – uma doutrina em que a arte se convertia numa espécie de religião e impunha aos seus sequazes um compromisso com a durabilidade. Os sonetos marmóreos de Bilac, Alberto de Oliveira e Raimundo Correia e a prosa em que Machado de Assis se esconde de si mesmo, e a si mesmo, num esplêndido processo de emascaramento pessoal, hão de simbolizar, para sempre, esse tempo ditoso da literatura brasileira, em que esta, após as explosões e efusões do Romantismo, exprimia o seu amadurecimento, dentro dos preceitos de um Parnasianismo e um Realismo regados pelas águas de incontáveis riachos obscuros.

É nesse cenário magnífico que o leitor de agora deve acolher o poeta alagoano Sebastião Cícero dos Guimarães Passos, nascido em Maceió, a 22 de março de 1867.

Hoje, transcorrido um século de criação da Academia Brasileira de Letras, ele é apenas um nome – ou menos que um nome. De tudo quanto escreveu, em verso e em prosa, com acentos tristonhos ou jocosos, havia restado um soneto, o popular “Teu lenço”, parada obrigatória nas antologias, até que essses preciosos escrínios deixaram de ser adotados nos colégios. Mas o leitor que se aproximar do grave e reflexivo “Guarda e passa” obterá a medida exata do seu talento, de sua capacidade formal e espelho de todos os sonhos que ele sonhou.

No dia 28 de janeiro de 1897, Guimarães Passos está presente à sétima e última reunião preparatória destinada à instalação da Academia Brasileira de Letras. É, assim, um dos seus fundadores. As cores do contraste realçam o império de uma hierarquia literária que, pelo que tenha de incômodo ou refutável – ou mesmo de arbitrária, dada a sua eventual infixidez –, não deve ser desprezada. E, ao redor dela, de seu caprichoso jogo de luzes e sombras, a ronda dos passantes literários inscritos na lista negra da posteridade ratifica a existência da literatura como um sistema – uma escola de esboroamentos e olvidos.

O poeta alagoano, que morreu em Paris, a 10 de setembro de 1909, e desapareceu com a sua morte, não pode e não deve ser colocado ao lado de Olavo Bilac, Raimundo Correia e Alberto de Oliveira, a gloriosa tríade do nosso Parnasianismo. A sua estatura é bem mais modesta. O convívio acadêmico de que usufruiu tem a justificá-lo não só a aceitação e tolerância de que gozam os passageiros do mesmo barco da contemporaneidade, cercados de afetos e solidariedade geracional, como ainda a singularidade de sua condição.

Na escola que impunha aos seus senhores e vassalos a doutrina da impessoalidade e da durabilidade – e também de uma impassividade muita vez transgredida belamente – e exigia que eles fizessem poemas como quem esculpe e cinzela, conferindo-lhes a perduração das joias e estátuas, Guimarães Passos ficou a meio caminho. Os poemas e sonetos de Versos de um simples (1891) e Horas mortas (1901) quase nunca alcançam o páramo pétreo.

Decerto, quando menino, em Maceió, ele se lambuzou muito de açúcar e comeu muito doce de coco. A sua textura lírica aponta para as matérias moles e fofas, e, com o seu parnasianismo dulcificado, ele é quase um romântico retardado – um romântico que, sob a férula da nova escola triunfante, fosse obrigado a colocar os seus versos molengos e correntios, e até diáfanos, numa forma ou numa fôrma imponente ou hierática, assim como as dissimuladas ou austeras damas do Segundo Reinado colocavam os seios à Renoir na prisão dos espartilhos.

A esse propósito, vem a talho de foice a observação de Paulo Barreto ( João do Rio), seu sucessor na cadeira n° 26 da Academia. Em seu discurso de recepção, o grande prosador de Dentro da noite, que enriqueceu a nossa literatura com uma nota nova, assentada nos mistérios e errâncias das noites inconfessáveis, estabelece uma diferença entre a geração boêmia de Guimarães Passos e a sua própria geração. “Quem o substitui trocou sempre a quimera pela curiosidade, o entusiasmo pelo fato, o próprio sentimento pela sensualidade dos sentimentos alheios.” Para ele, Guimarães Passos, “o último romântico”, foi um ator, enquanto lhe cabia, a ele João do Rio, a condição de espectador – “o espectador incompleto dessa sociedade que se constitui”. E numa certeira identificação de si mesmo, considera-se “aquele que fixa tumultuariamente alguns aspectos do esplêndido espetáculo”.

O esplêndido espetáculo era a fervilhação e a renovação urbana do Rio de Janeiro no começo do século, com as avenidas que se abriam, os dias considerados vertiginosos, o vício e a graça unidos no mesmo segredo. A observação de João do Rio é sustentada pelo conceito estético da modernidade. O espectador de Os dias passam, com a sua prosa poética e nervosa concentrada nas torpitudes humanas da grande cidade, e a sua nova e insólita maneira de ver e de olhar, avulta na história literária brasileira como o nosso primeiro e primoroso voyeur; e ainda como o incansável e misterioso flâneur que, no conto “O bebê de tarlantana rosa”, revelou a modernidade perversa do Rio Janeiro, com o seu dia tornado noite pelo cinematógrafo e a sua noite equívoca povoada de pederastas, prostitutas e drogados – uma noite que, mesmo em sua moldura tropical, se afeiçoa às longas noites de Restif de la Bretonne, Baudelaire e Gerard de Nerval.

No novo ambiente cosmopolitizado que fustigava a boêmia literária, e sublinhava outros valores e condutas, não é de admirar-se que Guimarães Passos tenha sumido completamente, como fantasma de castelo inglês.

O perfil boêmio de Guimarães Passos suscitou largo anedotário, que, iniciado em sua vinda para o Rio, quando tinha vinte anos (o navio aportado em Maceió em que se encontrava, para despedir-se de amigos, se fizera ao largo sem que ele notasse), grassou até a sua morte, em Paris. E essa foi uma morte romântica: de poeta tuberculoso; uma morte na solidão de um quarto de hotel, após tanto rumor e efusão, e o riso suscitado por tantas peripécias miúdas. Mas, com o fluir dos dias, a torrente anedótica cessou. E vieram o silêncio e o esquecimento, anulando as ocorrências e figuras daquele tempo admirável, em que Machado, Rui, Joaquim Nabuco, Coelho Neto, Bilac e Raul Pompeia não se limitavam a ser grandes artistas literários, e eram também homens de jornal e de revistas, ao alcance do público, numa presença matinal como a do pão.

A edição das poesias de Guimarães Passos, promovida pela Academia Brasileira de Letras e estabelecida pelo filólogo e pesquisador Adriano da Gama Kury – que, com o seu plácido saber e empenho em buscar e descobrir o mínimo e o despercebido, tem algo de um microbiologista –, destina-se a devolver ao sol e à noite de hoje um poeta que, vivo, usufruiu de uma popularidade convizinha da glória. Um poeta que foi companheiro de Machado de Assis e Olavo Bilac – e, em parceria com este, publicou um Tratado de versificação e um Dicionário de rimas. Um poeta menor e secundário, seja, pronto a espelhar a sua dor bem doída e suas lágrimas nem sempre evaporadas. Mas há em sua menoridade e secundaridade uma emoção continuada, uma astúcia formal e uma singeleza e melancolia que enxotam do nosso espírito a gorda exigência estética e a exclusão desdenhosa. Há um certo encanto.

Ó tu, que turvas o palor da neve,
Tu, que as estrelas escureces, deixa
Meu coração dormir. Pisa de leve.

Alberto Caeiro (Caravela da Poesia XVIII)

Alberto Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa)

AH! QUEREM UMA LUZ

Ah! querem uma luz melhor que a do Sol!
Querem prados mais verdes do que estes!
Querem flores mais belas do que estas que vejo!
A mim este Sol, estes prados, estas flores contentam-me.

Mas, se acaso me descontentam,
O que quero é um sol mais sol que o Sol,
O que quero é prados mais prados que estes prados,
O que quero é flores mais estas flores que estas flores —
Tudo mais ideal do que é do mesmo modo e da mesma maneira!

ASSIM COMO
Assim como falham as palavras quando querem exprimir qualquer  pensamento,
Assim falham os pensamentos quando querem exprimir qualquer realidade,
Mas, como a realidade pensada não é a dita mas a pensada.
Assim a mesma dita realidade existe, não o ser pensada.
Assim tudo o que existe, simplesmente existe.
O resto é uma espécie de sono que temos, infância da doença.
Uma velhice que nos acompanha desde a infância da doença.
                
CRIANÇA DESCONHECIDA

Criança desconhecida e suja brincando à minha porta,
Não te pergunto se me trazes um recado dos símbolos.
Acho-te graça por nunca te ter visto antes,
E naturalmente se pudesses estar limpa eras outra criança,
Nem aqui vinhas.
Brinca na poeira, brinca!
Aprecio a tua presença só com os olhos.
Vale mais a pena ver uma cousa sempre pela primeira vez que conhecê-la,
Porque conhecer é como nunca ter visto pela primeira vez,
E nunca ter visto pela primeira vez é só ter ouvido contar.

O modo como esta criança está suja é diferente do modo como as outras estão sujas.
Brinca! pegando numa pedra que te cabe na mão,
Sabes que te cabe na mão.
Qual é a filosofia que chega a uma certeza maior?
Nenhuma, e nenhuma pode vir brincar nunca à minha porta.
                
DIZES-ME
Dizes-me: tu és mais alguma cousa
Que uma pedra ou uma planta.
Dizes-me: sentes, pensas e sabes
Que pensas e sentes.
Então as pedras escrevem versos?
Então as plantas têm idéias sobre o mundo?

Sim: há diferença.
Mas não é a diferença que encontras;
Porque o ter consciência não me obriga a ter teorias sobre as cousas:
Só me obriga a ser consciente.

Se sou mais que uma pedra ou uma planta?  Não sei.
Sou diferente.  Não sei o que é mais ou menos.

Ter consciência é mais que ter cor?
Pode ser e pode não ser.
Sei que é diferente apenas.
Ninguém pode provar que é mais que só diferente.

Sei que a pedra é a real, e que a planta existe.
Sei isto porque elas existem.
Sei isto porque os meus sentidos mo mostram.
Sei que sou real também.
Sei isto porque os meus sentidos mo mostram,
Embora com menos clareza que me mostram a pedra e a planta.
Não sei mais nada.

Sim, escrevo versos, e a pedra não escreve versos.
Sim, faço idéias sobre o mundo, e a planta nenhumas.
Mas é que as pedras não são poetas, são pedras;
E as plantas são plantas só, e não pensadores.
Tanto posso dizer que sou superior a elas por isto,

Como que sou inferior.
Mas não digo isso: digo da pedra, "é uma pedra",
Digo da planta, "é uma planta",
Digo de mim, "sou eu".
E não digo mais nada.  Que mais há a dizer?

ENTRE O QUE VEJO

Entre o que vejo de um campo e o que vejo de outro campo
Passa um momento uma figura de homem.
Os seus passos vão com "ele" na mesma realidade,
Mas eu reparo para ele e para eles, e são duas cousas:
O "homem" vai andando com as suas idéias, falso e estrangeiro,
E os passos vão com o sistema antigo que faz pernas andar.
Olho-o de longe sem opinião nenhuma.
Que perfeito que é nele o que ele é — o seu corpo,
A sua verdadeira realidade que não tem desejos nem esperanças,
Mas músculos e a maneira certa e impessoal de os usar.

É NOITE

É noite. A noite é muito escura. Numa casa a uma grande distância
Brilha a luz duma janela.
Vejo-a, e sinto-me humano dos pés à cabeça.
É curioso que toda a vida do indivíduo que ali mora, e que não sei quem é,
Atrai-me só por essa luz vista de longe.
Sem dúvida que a vida dele é real e ele tem cara, gestos, família e profissão.

Mas agora só me importa a luz da janela dele.
Apesar de a luz estar ali por ele a ter acendido,
A luz é a realidade imediata para mim.
Eu nunca passo para além da realidade imediata.
Para além da realidade imediata não há nada.
Se eu, de onde estou, só veio aquela luz,
Em relação à distância onde estou há só aquela luz.
O homem e a família dele são reais do lado de lá da janela.
Eu estou do lado de cá, a uma grande distância.
A luz apagou-se.
Que me importa que o homem continue a existir?

ESTAS VERDADES

Estas verdades não são perfeitas porque são ditas.
E antes de ditas pensadas.
Mas no fundo o que está certo é elas negarem-se a si próprias.
Na negação oposta de afirmarem qualquer cousa.
A única afirmação é ser.
E ser o oposto é o que não queria de mim.

É TALVEZ O ÚLTIMO DIA DA MINHA VIDA

É talvez o último dia da minha vida.
Saudei o sol, levantando a mão direita,
Mas não o saudei, dizendo-lhe adeus,
Fiz sinal de gostar de o ver antes: mais nada.

Fonte:
Poemas Inconjuntos (http://www.cfh.ufsc.br/~magno/inconjuntos.htm)
Imagem formatada com sobreposição de figuras modificadas com imagens obtidas na internet, sem identificação do autor.

Paulo Vinheiro (Impedância)

Nosso dia é meio quente ou meio frio... às vezes nem sei o que é bom disso.

Irrelevante, irreal, translúcido, quebradiço
O dia se faz pasmo, letárgico, sombrio
Sob a luz do sol do meio-dia o amor passeia
Lágrima nos olhos e a calma conformada
A palidez se oculta no luto e no rubor solar
Espesso o ar nos faz um pouco mais lentos
E a marcha dobra e os joelhos doem

Quem fechará as portas dos sentimentos?
Quem cantará entre lágrimas tormentos?
Há quem conte estrelas nos céus do dia
Há que sonhe com que seu amor se levante
Assim antecipando o dia do juízo final
Mas é só amor demais que nos prende
Há que se deixar livre, solta, a ave que voa

Sob estrelas as lágrimas correm e só
O dia renasce e tinge o mundo de luz
Nada a fazer, mais nada a fazer...
O orgulho se quebra e conforme vamos
Nada a dizer... um sorriso talvez, talvez
Um tapa no orgulho e os olhos no chão
A resistência à elétrica descarga

E o choque esvai entre os olhares
As coisas no mundo retomam o seu lugar
E um lugar vazio se enche... tomara de luz
Nada morre, tudo se transforma
A inteligência, o sorriso, há de prevalecer
O mundo não abraça o luto com afeição
Não existem corvos, a não ser os que criamos

*Pelo passamento de Lídio Pinheiro

Ditados Populares do Brasil (Letra F)

Faça o que eu digo, não faça o que faço.
Falar o sujo, do mal lavado.
Falou do mau, prepare o pau.
Farinha pouca, meu pirão primeiro.
Fazer caridade com o pirão alheio.
Fazer castelos no ar.
Fazer corpo mole.
Fazer o bem sem olhar a quem,
Fazer ouvido de mercador.
Fazer tempestade em copo d’água.
Feijão e farinha, até com a mão se come.
Feliz foi Adão, que nunca teve sogra.
Ficar o dito por não dito.
Ficar para titia.
Filho criado, trabalho dobrado.
Filho de gato é gatinho.
Flagrado com a boca na botija.
Foi buscar lã, e saiu tosquiado.
Formiga quando quer se perder cria asas.
Fruta azeda e mulher feia só com cachaça.
Faça da sua vida uma canção de amor.
Falam de mim, mas não comem do meu pudirm.
Falam de mim por inveja.
Falam de ti por despeito.
Falar é fácil, fazer é que é difícil.
Fé em Deus e pé na taboa.
Feliz foi Adão que não teve sogra nem caminhão.
Feliz quem não tem sócio.
Fiado é com o diabo, aqui não é inferno.
Fracassar é triste, mais triste ainda é não tentar vencer.
Franguinha, eis aqui o teu poleiro.
Futucar o diabo com a vara curta.

Aluísio Azevedo (O Esqueleto) Parte XI – Às Claras

Quando o príncipe saiu de dissolver a Sociedade Tenebrosa do Apostolado, onde penetrara com a mesma audácia de Cromwell no parlamento inglês, o Satanás foi acompanhá-lo, já precavido de respostas contra as naturais recriminações que devia receber, desejoso de não se desligar nunca daquele cuja queda vivia preparando.

D. Pedro, sombrio e taciturno, caminhando para o Paço, apressadamente, não lhe dizia sequer uma palavra. E os dous seguiam, como nas noitadas de sempre, um ao lado do outro, muito amigos para os raros transeuntes que os viam e que deles respeitosamente se afastavam.

E, chegados que foram a régia habitação, penetraram, como sempre, por uma porta escusa, situada por baixo do passadiço que ligava o palácio ao velho convento do Carmo.

Nada, enfim, parecia indicar qualquer alteração na vida de ambos. A mesma ceia, que os esperava todas as noites, estava servida num aposento contíguo, térreo e um pouco úmido, espaçoso e cheio de armários.

Sentaram-se.

Depois da primeira libação, d. Pedro encheu novamente os copos, e, erguendo o seu, disse, maliciosamente, com um sorriso triste de homem que assistiu ao despedaçamento das próprias ilusões:

- A tua amizade! Satanás.

- A nossa!

- Sim. À nossa. Eu acredito na reciprocidade de sentimentos entre nós. Liga-nos um mesmo destino. E já a velha feiticeira do Valongo tinha profetizado que algum dos dous devia morrer pela mão do outro.

E acrescentou:

- Mas, dize-me cá uma cousa! Por que me odeias tu?

- Senhor!

- Não. Não negues. Nem é próprio de ti, nem eu acreditaria nas tuas afirmações e nos teus protestos.

O Satanás fez um gesto vago e incerto de significação.

- O teu ódio! continuou o príncipe, eu o tenho sentido de certo tempo a esta parte, pertinaz e insistente sobre mim. Eu o reconheci até no teu andar e na tua voz, por essas longas noites que temos vivido juntos derradeiramente.

- Qual, senhor! Eu sou novamente vítima de intrigas. O príncipe bem sabe que foi sempre invejada a confiança que me dispensava. E agora, como das outras vezes, seja-me permitido esperar que eu saia desta aventura reabilitado, como sempre me tem acontecido, na sua estima.

- Bem vontade tinha eu que assim fosse. Tu não sabes como é triste e amargo o brusco despedaçar das amizades longamente cimentadas. Tu não sabes como faz sofrer o espetáculo da ingratidão humana.

- Mas nesse caso, basta-lhe querer, basta-lhe examinar os fatos, para reconhecer que a minha dedicação nem por um momento deixou de acompanhá-lo. Eu estava, é certo, lá no Apostolado, mas lá estava para bem servi-lo.

- Não, Satanás! Tu lá não estavas para me servir... Mas também não é essa a grande acusação que te faço, não é por isso que venho falar-te do teu ódio.

- Então! por quê?

- Por quê? Mas não basta, por acaso, esse teu olhar; olhar que espeta, quando o olhar do amigo tem veludo e maciez para o repouso da nossa individualidade toda inteira?

- Senhor!

- Não, fez o príncipe. - Não protestes. Escuta-me.

E d. Pedro, nervoso, agitado, começou a passear pelo quarto o seu grande vulto esbelto de homem bem feito.

Depois, voltando a mesa, ele parou, um pé sobre a cadeira e o queixo repousando sobre a mão longa e fina de fidalgo. E pôs-se a olhar demoradamente para o Satanás.

Este nem se movia, impassível e quieto. Refluíra-lhe para o cérebro, numa pertinaz concentração de idéias, toda a força vital do seu querer. E estava meditando, estava procurando o desenlace desta cena que vinha perturbar-lhe a serenidade vingadora dos planos longamente projetados. Sentia por vezes ímpetos de atirar para longe a máscara da comédia, que a força das circunstâncias o obrigava a representar; desejos de ser ele mesmo nobre e altivo, como sempre fora.

Mas a imagem de Branca perpassava-lhe pela imaginação, destacando-se da treva absoluta do mistério como um pedido solene de vingança. E ele retesava os músculos na rigidez suprema da calma, porque a hipocrisia era a única arma que podia manejar contra aquele príncipe, desde o momento em que lhe não bastava a morte de um homem para fazer o sossego e a paz da sua vida, sempre condenada para a dor.

D. Pedro, porém, continuou:

- Escuta-me, Satanás! Eu primeiro quero dizer-te todo o sofrimento que me vai na alma com esse fúnebre desenlace infalível da nossa velha amizade. Porque eu muito te amei. Foste tu quem me ensinou o manejo das armas, quem acordou em mim esse velho instinto belicoso e aventureiro que fez a glória dos meus avós remotos, mas que os Braganças de agora iam esquecendo no espólio da sagrada herança de família. A ti eu devo enfim ser o que sou - esse rei cavaleiro da raça de Francisco de França, que muitos Pavias podem derrear mas que sai sempre incólume, abroquelado na sua valentia para salvar a sua honra.

E o príncipe fez uma pausa longa e demorada.

- Devo-te isso tudo, acrescentou depois. - Mas tudo isso te tenho pago em confiança e amizade. E tu, entretanto, só porque um dia eu fui roubar-te a amante, tu te fizeste mesquinho e vil, indigno da minha companhia, porque não tens coragem de lutar frente a frente contra mim, porque te embuças no anonimato covarde das conspirações.

E mais violento:

- Eu posso ser amigo do meu adversário. Mas desprezo o hipócrita que maquina nas trevas.

- Pois bem, senhor! cartas na mesa, disse o Satanás levantando-se.

- E assim que eu gosto de jogar as partidas.

- Então, diga-me primeiro: onde está minha filha?

- Tua filha! Quem é tua filha?

- Quem é minha filha! gargalhou Satanás na sua gargalhada louca de velhas armaduras que rangiam. - Quem é minha filha!

E resfolegou longamente, para continuar depois:

- Miserável sedutor! hipócrita tu mesmo! mentiroso e covarde!

D. Pedro avançou para o escultor.

Este deteve-o, porém, com um gesto forte de comando.

E prosseguiu:

- Eu vi-te, sem desonra para ninguém, penetrar na câmara nupcial destes fidalgos. Queriam ouro e brasões heráldicos, e tu levavas-lhe uma cornucópia toda inteira para lhes satisfazer a ganância e as aspirações. Eu vi-te descer ao mais baixo dos bordéis, onde a moeda de prata chega muitas vezes para saciar os apetites de um homem. Somente houve um lugar onde eu nunca te conduzi, cuja porta eu defenderia contra os teus pedidos e contra as tuas ameaças. Era o asilo da inocência e da candura. E foi lá que tu foste buscar minha filha!

- Tua filha! Tua filha! Mas fala! Eu não te entendo.

- Covarde! Tu me dizias ainda há pouco que eu me escondia para conspirar! E que fazes agora? E que fizeste tu?

O príncipe recuou dous passos, subjugado pelo olhar do Satanás.

E este continuou ainda, imprecativamente:

- Sim, eu te odiava e te acompanhava, colava-me a ti como a tua sombra, porque quero saber onde ocultas a minha filha, a pálida e meiga filha dos meus amores, que todos deviam adorar de joelhos, e que tu profanas com o teu hálito envenenado de crápula.

- Mas eu não sei de tua filha, e nem sabia que ela era tua...

- Tanto te rebaixaste que chegas a mentir! Amar Branca deveria ser entretanto a purificação das almas perdidas. Aquela criança tem tanta inocência e tanta candura, que o seu amor deve chegar para o perdão de Deus caindo sobre os infernos como bálsamo caindo sobre feridas. Mas tu, miserável que és, e miserável que nasceste! tu não pudeste te redimir nas asas brancas daquele anjo, que sempre e sempre parece remontar-se para os céus. E te acovardas, e tremes perante a voz vingadora do pai que se ergue contra ti, como a verdade possante da justiça.

- Cala-te, bradou d. Pedro. - Por Deus! Cala-te, Satanás!

- Ah! tens medo de me ouvir! Tens medo que eu te escarre ao rosto toda a tua infâmia!

- Cala-te, repetiu o príncipe desembainhando a espada e investindo contra o outro, cala-te!

O Satanás precaveu-se a tempo e aparou o bote com a sua arma de boa lâmina florentina.

E a luta começou então hercúlea e titânica. Mestres ambos e conhecedores dos segredos da esgrima, eles digladiavam-se silenciosamente, muito calmos, na grande exuberância vital das suas paixões.

Ouvia-se apenas o estuar das respirações arquejantes.

Mas, de repente...
––––––––––-
Continua…

III Concurso Literário “Literatura Da Natureza 2013” (Resultado Final)

1.   Menções Honrosas

Categoria “Poesia”

–  Douglas Mateus Mello (Fraiburgo-SC) – Cálido D’um Jamais Não!!!

–  Edílson Nascimento Leão (Urandi-BA) – O Mar

–  Emiliana Maria de Sousa Teixeira (Itapipoca-CE) – Ecos da Natureza

–  Helenice Maria Reis Rocha (?) – A Onda

–  Maria Doroteia Teixeira Santos Reis (Guanambi-BA) – Desafio e Esperança

–  Rozelene Furtado De Lima (Teresópolis-RJ) – Natureza Completa

–  Teresa C. C. M. Azevedo (Campinas-SP) – Acordai!

– Vinícius Pérrissé Maia Veras (Rio de Janeiro-RJ) – Não Te Verei Amanhã

Categoria “Prosa”

– Auta Leal Barbosa da Silva (Divinópolis-MG) – Borboletinha Azul

– Gilda Maria Martins Soares (Rio de Janeiro-RJ) – As Flores e o Homem


2.     Quadro de Medalhas

Categoria “Poesia”

Medalha de Ouro:
Lúcia Pérrissé Moreira Veras (Rio de Janeiro-RJ) - Chuva

Medalha de Prata:
Adriana Aparecida de Oliveira Pavani (Barra Bonita-SP) – Bendita Seja a Água

Medalha Bronze:
Terezinha Teixeira Santos (Guanambi-BA) – O Rio da Minha Infância

Categoria “Prosa”

Medalha de Ouro:
Aglaé Torres Cristófaro (São Paulo-SP) – Cortinas e Gritos de Água – A Viagem

Medalha de Prata:
Flávio René Kothe (Brasília-DF) – Ondas do Mar

Medalha de Bronze:
Maria Rita de Cássia Preto Miranda (São Sebastião do Paraíso-MG) – Vida a Vida

Fonte:
http://www.reinodosconcursos.com.br/index.php?pagina=1501479057_19