quarta-feira, 24 de abril de 2013

Flávio Roberto Stefani (Caderno de Trovas)

Abaixo a guerra entre irmãos!
 Plantemos a paz somente.
 - Quem tem sementes nas mãos
 não tem granadas na mente.

Brancos, negros e amarelos,
se a causa é justa e loquaz,
juntam braços, que são elos
forjando as cores da Paz!

Brinquedos bons eu não tinha,
mas sabia achar maneira,
e com latas de sardinha
eu tinha uma frota inteira.

Brinquedos de guerra, não,
pois quem brinca de matar,
amanhã – de arma na mão -,
vai matar para brincar!

Chuta o balde a Dona Mima
porque o marido, Vavá,
em vez de partir pra cima,
vai pra baixo do sofá...

Com malícia, a lua cheia
vestiu de luz nosso leito
ao te ver desnuda, alheia,
aconchegada em meu peito.

Destino cruel se encerra
neste turismo obsoleto:
quando o frango sobe a serra,
não desce - vira galeto!...

De surpresa, muitas vezes,
 vinha o noivo da vizinha...
 e depois de nove meses,
 nasceu uma surpresinha...
 
È mais feliz a criança
que recebe amor profundo,
pondo luzes de esperança
no quarto escuro do mundo.

Embora rudes e escassos
os bons atos, em geral,
o Natal recria laços
num simples “Feliz Natal!”

Em ternura plena e extrema,
 nossos sonhos se cruzaram.
 E a noite se fez poema...
 E os versos também se amaram!

Entre os licores mais puros
que a vida me fez provar,
estão os lábios escuros
que me deixaste beijar.

É tão nojenta a franguinha,
tão cheia de blablablá,
que se um dia for galinha,
nem raposa a comerá…

Eu, boêmio sem comando,
 nos dias mais enfadonhos,
 passo os dias chimarreando
 na varanda dos meus sonhos!

Ganha contornos de festa,
de festa vira euforia,
quando Deus se manifesta,
abrindo os olhos do dia!

Garibaldi, esses vinhedos
dão vinhos com tal sabor,
que o licor dos teus segredos
está no próprio licor.
 
Gerador de paz e calma,
 que dispensa cerimônia,
 o livro é o jantar da alma
 nas noites claras de insônia.

Já velhinho, o marinheiro,
que foi das ‘gatas’ xodó,
hoje só e sem dinheiro,
levanta a âncora... e só!...

Não tem cura, é de matar,
bebe tanto o Zebedeu,
que outro dia foi trocar
seu nome pra “Zebebeu”...

Na pescaria, de fato,
notei teu jeito chinfrim,
mas o olhar era de gato:
um no peixe e outro em mim...

Nascedouro de certezas
 e ninho de inspiração,
 a lua afasta as tristezas,
 pondo paz no coração.

No abandono das marquises,
meninos dormem de mão,
fingindo que são felizes
nos braços da solidão.

Quando a euforia me invade,
nas luzes do amanhecer,
puxo a corda da saudade
para esticar meu viver.

Queres falar de bem perto
 à mãe da sabedoria?
 Procura o balcão aberto
 de uma boa livraria.
 
Se a violência é demais,
num mar que não se detém,
pega o rumo de outro cais,
onde o amor ancore o bem.

Sendo forte, sendo inquieta,
com requintes de magia,
a trova é o cais do poeta,
onde se amarra a poesia!

Sendo mal utilizada,
 a liberdade, no fundo,
 não dá tiros, não dá nada,
 mas fura os olhos do mundo!...

Vendo a franga em sério apuro,
grita o guri, na janela:
- Mamãe, o galo, eu lhe juro,
vem vindo a cavalo nela...

Anônimo (Contos do Tio Emmett: Bella de Neve)

Era quarta-feira à noite. Podia ser quinta também, eu nunca fui muito bom com dias da semana. Estava chovendo e o cachorro não podia entrar em casa. Às vezes eu gostava da presença dele aqui, mesmo com aquele fedor que ele exalava, mas era divertido ver a luta travada entre ele e Rose para conseguir a atenção de Nessie. Sério. Rose, por incrível que pareça, podia ser bem agressiva quando queria, mas na maioria do tempo ela é a criatura mais doce da face da Terra… (Na verdade estou com medo que ela me desmembre igual à última vez. Edward também, então ele me comprou um caderninho para escrever todas as minhas historinhas.) Mas, voltando, era uma noite de Sábado… Eu tinha dito Sábado antes? Bom, era noite e não havia ninguém em casa com exceção de uma criança meio humana, meio vampira que estava assistindo desenhos comigo. Branca de Neve tinha acabado. Cara, eu adoro aquele desenho. Sério, aquelas coisinhas pequenininhas me lembram a Alice. Principalmente aquele Feliz. Alice era bem empolgada quando queria. Ela comprou os preparativos de Natal e acabamos de celebrar o 4 de Julho…

Aparentemente, minha sobrinha não pareceu muito feliz com a história da Branca de Neve.

- Que coisa chata, tio Emmett. – ela disse.- O príncipe veio, deu um beijo e ela acordou. Esperava mais desse final.

Sabia que era a deixa. Quando Renesmee começava com “que coisa chata, tio”, é porque ela queria um toque especial na história.

- Olha a hora, hora de dormir. – Eu disse a ela, olhando para o relógio.

Seus olhinhos brilharam quando eu disse isso. Sabia que com seu pai, sua hora de dormir era baseada em melodias de ninar. É CLAAAARO que uma criança vai dormir com aquilo. Sonífero não funcionaria melhor. Se eu pudesse dormir, com certeza dormiria toda vez que Edward decide tocar a música de Bella. Esse negócio de piano é muito chato. Eu prefiro bateria… Mas Carlisle me proibiu de tocar… Só porque eu quis destruir aquela cruz de madeira pra fazer baquetas… Pra que ele quer lembrar do pai? O velho nem gostava de vampiros… Se soubesse que o filho tinha virado um teria expulsado ele de casa. Ou caçado até a morte… Mas isso não vem ao caso agora. Eu a coloquei na cama e sentei-me na cadeira de costume.

- E se eu contasse a verdadeira história da Branca de Neve? – eu perguntei.

- Desculpe tio, não entendi. A verdadeira história de quem? – ela rebateu. – … Da Bella de Neve?

- Bem melhor. – Ela sorriu.

- Então está bem. Era uma vez, num reino distante chamado Forks, uma humana desengonçada chamada Bella. Sua pele era quase tão branca,mas tão branca e os hematomas de suas quedas apareciam tão claramente que os demais a apelidaram de Bella de Neve. Bella de Neve ia num castelo chamado Forks High, controlado por uma rainha má. A rainha Jéssica. – Aí Renesmee fez uma careta. – O que foi?

- Não gosto desse nome… Não gosto dessa menina.

- Você não gosta dela, de Tanya, de Mike Newton. Alguém mais que você não goste na cidade ou nos arredores?

- Hum… Não que eu lembre…

- Bem… Acho que só.

- Tem certeza? Eu não quero ficar parando minha história o tempo inteiro para você ficar dando nomes aos personagens.

- Está bem. Mas a rainha se chamará Jéssica e ponto. – eu disse. Minha história não teria sentido sem uma rainha do mal e ninguém melhor para ser uma rainha do mal dentro de Forks que a própria “gossip girl”. Ela concordou e eu prossegui. – Bom, como eu dizia, a rainha controlava tudo e todos, então quando seu espelho mágico, loiro frustrado de cabelos espetados-que-tentavam-imitar-os-de-um-certo-vampiro revelou que Bella de Neve era a menina mais linda do reino, ela se enfureceu e chamou seu capataz Eric para que desse um sumiço na coitada. Então, ele chegou para Bella de Neve e perguntou. “Vamos para La Push, Baby? La Push.”

- Quer parar de falar assim? – Renesmee me perguntou.

- Eu tenho que entrar no personagem, dá licença? – eu respondi. E Eric estava certo, falar La Push era bem legal! – Então, Bella de Neve, ingênua como só, saiu atrás do capataz nipônico pelo bosque de La Push. Ao chegar ao bosque, antes dos limites de La Push eles…

- Viram um lobo? – ela me perguntou.

- Nessie, quantas vezes eu tenho que te explicar que não existem contos de fadas com lobos?

- Mas tia Alice me contou Os Três Porquinhos e…

- Sua tia Alice só sabe de roupas, de reinos longínquos e como destruir O Anel. – eu disse. – Ela não entende de contos de fadas. Posso continuar?

- Pode. – ela disse fechando um beicinho.

- Então, ta. QUANDO ELES CHEGARAM AO BOSQUEEE… – eu falei mais forte para ver se ela iria me interromper mais uma vez. – Bella de Neve caiu uma centena de vezes. O Capataz, ciente que a menina acabaria morrendo sozinha a qualquer hora, poupou-se de qualquer esforço físico e resolveu ir embora, deixando-a na floresta. “Vai ser como se eu nunca tivesse existido”…

- Tio Emmett?

- Ah, sim, história errada, desculpe. Dessa vez Bella só foi deixada na floresta, sem choros, sem policiais a procura dela… Ela caminhou por um bom tempo e achou estranho não ter encontrado animais silvestres ao decorrer do caminho. Foi aí que ela avistou uma grande casa branca. Ela tocou a campainha e ninguém atendeu. A porta estava aberta e curiosa como ela só, Bella de Neve resolveu entrar. Aparentemente estava vazia. Foi o que ela pensou. De repente surgiram sete figuras e uma disse: Quem é você?

- Sete figuras? Os Sete anões?

- Não, puff, claro que não. Sete vampiros vegetarianos.

- Ah. – ela disse.

- O mais velho deles se chamava Carlisle e era o líder do grupo.

- Isso. A mais tímida e carinhosa se chamava Esme. A mais ranzinza se chamava Rose. O mais feliz chamava-se Alice. O dorminhoco e imprestável que não fazia nada de útil além de dormir se chamava Jasper.

- Ei, não fale assim… – ela cruzou os bracinhos e me olhou feio.

- Hum… Tá. O mais quieto e na dele chamava-se Jasper. Melhorou? – ganhei um sinal de aprovação. – O praticamente mudo porque ninguém deixava falar absolutamente nada chamava-se Emmett.

- E o papai? – ela perguntou.

- Seu pai é o que espirra sempre que chega perto da Bella de Neve.

- Por quê?

- Pois ele tem alergia ao sangue dela. Satisfeita?

- Mais ou menos… Mas continue.

- Ok. Bella de Neve ficou encantada com a beleza dos sete vampiros, principalmente com a força do vampiro Emmett.

- Mentira. Ela ficou encantada por Edward. – Renesmee falou.

- Você se apega muito aos detalhes…

- É para isso que estou aqui. – Ela sorriu.

- Se quiser, eu paro de contar… – Eu ameacei…

- Não, por favor continua…

- Sem interrupções… Pois bem, Rose perguntou mais uma vez: “Não se faça de sonsa, menina, responde logo o que Carlisle perguntou. Quem é você?” “Eu sou Bella de Neve. Eu estava tropeçando pela floresta quando eu vim parar aqui”. Alice, a menor deles implorou para Carlisle para que Bella de Neve vivessem com eles. Ele concordou, apesar de Rose e Edward discordarem. A vida com ela não se tornou mais fácil, na verdade. Mas com certeza se tornou mais divertida. Principalmente pra Emmett, que ria sempre que Bella de Neve tropeçava em suas próprias pernas.

- Não vejo muita graça em alguém ficar tropeçando por aí.

- É porque você não viu sua mãe humana caindo por aí. Era divertido. Eu deixava as coisas de propósito no caminho. Certa vez eu joguei cera no corredor da escola. Alice estava caçando mais Edward nesse dia, então ninguém pra ler meus pensamentos ou impedir que eu fizesse isso.

- E qual foi o propósito? – ela me olhou, cruzando os bracinhos.

- Filmar, é claro. – eu disse, lembrando da cena de Bella caindo pelo corredor da Forks High. Renesmee não aprovou. – Você vai tocar no rosto de seu pai amanhã e mostrar nossa conversa, não é mesmo?

- Com certeza.

- Se eu continuar a história você pode amenizar minha situação?

- Vamos ver…

- Então… Tudo bem. Onde paramos?

- Você dizia que Bella de Neve tinha ido morar na dos sete vampiros vegetarianos.

- Pois é. Só que aí a Rainha Jéssica descobriu…

- Como?

- Ela tinha um perfil falso no Twitter e viu quando o Emmett twittou “Bella de Neve está morando conosco agora. Acho que a Rose devia pintar seu cabelo igual ao dela, ficaria mais bonito…” Mas como Alice tinha esta coisa chata de ver o futuro, eles decidiram irem embora antes que a bruxa viesse.

- E o que eles fizeram?

- Entraram no Guarda-Roupa, é claro.

- No Guarda-Roupa?

- É… E foram parar em Nárnia.

- Onde fica isso? – ela me perguntou.

- Não sei. – Eu respondi. Ela não sabia como era frustrante. Quantas vezes eu já entrei no guarda-roupa pra poder ir a Nárnia? Eu sempre quis um amigo igual ao Sr. Tumnus. – Só sei que eles foram parar lá. Aí eles encontraram um grande coelho branco e Alice saiu correndo atrás dele.

- E por que ela fez isso? – Renesmee me perguntou.

- Aff… E precisa justificar os acessos de loucura de Alice? Ela saiu correndo atrás do coelho branco e todos os vampiros (e Bella de Neve um pouco mais atrás, tropeçando) foram atrás dela. O coelho entrou em uma toca e eles caíram… caíram…caíram…caíram…caíram…caíram…(meia hora depois)…caíram…

- A intenção era me fazer dormir? Estou quase dormindo.

- É pra dar mais ênfase ao tamanho do poço dentro da toca…

- Sim, mas não bastava falar “caíram por meia hora?” – ela me perguntou.

- Hum…lembrarei disso na próxima vez. Então, eles chegaram ao fundo do poço… Literalmente, sabe, não como sua mãe ficou quando seu pai a abandonou e…

- Vamos esquecer essa história? – ela me lembrou, erguendo sua mãozinha… Sabia que era chantagem, era seu jeito de falar: “Não fale sobre coisas que meus pais fizeram ou eu mostro a eles e você vai passar um mês sem os dedos das mãos”.

- Então eles chegaram ao fundo do poço. “Como sair daqui?!” Esme perguntou. “Não tema senhora, eu sei por onde sair”, Disse o coelho.

- Coelho fala? – ela colocou as mãozinhas na cintura.

- … Você vive numa casa com vampiros, seu melhor amigo é um lobo e você vem me questionar UM COELHO QUE FALA? Por favor, hein? “Que bom, o coelho vai nos ajudar e…” BUUUUURP.

- Que som foi esse? – ela perguntou.

- Sonoplastia…

- Sim, mas parecia um arroto.

- Mas foi a sonoplastia de um arroto.

- E quem arrotou? – ela perguntou.

- … Emmett…

- Ele comeu o coelho, não foi?

- …

- Não fooooi?

- … Foi! Mas em sua defesa, era um coelho muito gordinho e apetitoso e ele estava com sede. “Oh não, e agora, o que vamos fazer?” Bella de Neve perguntou, enquanto os outros seguravam Rose que se enfureceu com o pobre “mudinho”. Nesta hora apareceu um gato sorridente e disse que sabia o caminho de volta para sua casa. “Mantenham Emmett afastado do gato!” Carlisle gritou. “Vocês devem seguir a trilha de rosas até o palácio da rainha.” O Gato disse, sumindo no ar. “Como ele fez…” Emmett perguntou. “Cala a boca, Emmett, vamos!” Rose saiu na frente. À medida que o caminho ia se estreitando, eles viram uma plantação imensa de rosas até o castelo. Mas algo ruim aconteceu: Rose teve uma crise.

- Por quê?

- Havia uma placa na entrada dizendo “*these roses belong to the queen and the king.”

- E o que aconteceu?

- Rose começou a espumar pela boca… “King… Rosas… King…Rosas… King… King… ROSE…? EU VOU MATAR TOOOOOODAS!”E saiu arrancando uma por uma, destruindo, despetalando, pisando, massacrando, triturando… Uma verdadeira “roseficina”.

- Hum… Isso não deve ter terminado bem.

- Puff, e como… A rainha era louca por suas flores. Quando ela viu o que Rose fez com suas flores começou a gritar “Corrrrrrrtem a cabeça”. Jasper se meteu: “Corta a minha também? Primeiro os pulsos, depois a cabeça”, ele pediu, mas foi impedido por Alice. “A looooira, cortem a cabeça delaaaaaa”. A rainha gritou. “Eu vou cortar a sua, seu inseto insignificante”, Rose disse, indo para cima da rainha. Quando a rainha viu o olhar enfurecido de Rose, ela ficou com medo… Escondeu-se atrás de um dos seus guardas e disse… “Ah, meu bem, o que são umas florzinhas… Né? Não precisamos nos exaltar… Na verdade, hoje é o dia do ‘Cortem a cabeça’… Preciso de uma cabeça para ser cortada.” Rose pensou e logo em seguida disse “Por mim, usa da humana aí”. Bella de Neve, que estava distraída olhando para Edward, nem se deu conta que sua vida estava em risco. Um dos guardas a puxou para longe do seu amado e só aí ela se deu conta deque algo estava acontecendo. “Han, o quê, estão me levando para longe de Edward? Não, Edwaaaard, Edward?!” “Não tema Bella de Neve, sol da minha existência, luz da minha vida, cometa da minha galáxia, água da minha lagoa, amora da minha árvore… Eu vou te salv… opa, um piano! Irei te salvar depois de compor esta sinfonia em sua homenagem.” Bella de Neve parou, olhou incrédula para o vampiro de cabelos bronze sentado ao grande piano branco da rainha tocando uma melodia. “O quê? EEEEEEEEEdward”. Então, ela acordou e descobriu que tudo era um pesadelo e que na verdade estava na casa do seu pai, Chefe Swan, abraçada a Edward que estava cantando sua canção de ninar para afastar seus pesadelos. E fim!

Olhei a criaturinha deitada na cama, dormindo igual a um anjinho. Caramba, de novo? Eu aqui me matando para poder inventar esta história e Renesmee dorme? Fui procurar o que fazer. Não estava passando nada de legal na TV, aí me lembrei do vídeo que tinha feito de Bella ainda humana. Caí na besteira de assistir na televisão da sala. Estava tão entretido, vendo Bella escorregando e descendo corredor abaixo de bunda que nem senti a presença de Edward atrás de mim.

- Divertido isso, Emmett? – ele perguntou.

- Você não tem noção, precisa ver o que eu fiz do último aniversário dela quando Jasper pulou em ciii… Ops.

- Emmett…

- Calma, cara, foi só brincadeira.

- Emmett… – ele disse um pouco mais firme.

- Calma, mano, Não precisa ficar tão nervoso comigo.

- EMMETT!!!!!!!!!!!!!!!

A última coisa que eu lembro foi do vulto de Edward pulando em cima de mim. Bella estava logo atrás e Alice, com uma câmera de vídeo na mão. Já é a sexta vez que eles assistem à fita de como Edward arrancou meus braços… Ele disse que só vai devolvê-los quando eu estiver realmente arrependido. Porém Renesmee acordou. E isso piorou um pouco minha situação. Em casa nós temos dois assuntos proibidos: Royce King e o dia em que Edward deixou Bella. Então incluir isso na historinha de dormir da filha deles não foi aceitável. Agora estou eu, aqui, uma cabeça flutuante no meio da sala… Ainda bem que eu aprendi a escrever com a boca! Mas esta não será a última vez que vou colocar Renesmee para dormir. Mas para isso vou precisar ler mais… Rose trouxe alguns livros para eu ler… Tem um estranho, com a capa preta, uma maçã nas mãos de uma pessoa… Deve ser chato, não vou ler… Então, meus queridos monstrinhos, vejo vocês na próxima hora de dormir.

Com amor,
Tio Emmett!
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Quem se lembra, o noivo de Rose (Rosa) se chamava Royce KING… e lhe enviava rosas todos os dias… entendeu a implicância?

Machado de Assis (Dom Casmurro) Parte 11

CAPÍTULO LXXVI / EXPLICAÇÃO

Ao fim de algum tempo, estava sossegado, mas abatido. Como me achasse estirado na cama, com os olhos no tecto, lembrou-me a recomendação que minha mãe fazia de me não deitar depois do jantar para evitar alguma congestão. Ergui-me de golpe, mas não saí do quarto. Capitu ria agora menos e falava mais baixo; estaria aflita E com a minha reclusão, mas nem por isso me abalou.

Não ceei e dormi mal. Na manhã seguinte não estava melhor, estava diferente. A minha dor agora complicava-se do receio de haver ido além do que convinha, deixando de examinar o negócio. Posto que a cabeça me doesse um pouco, simulei maior incômodo, com o fim de não ir ao seminário e falar a Capitu. Podia estar zangada comigo, podia não querer-me agora e preferir o cavaleiro. Quis resolver tudo, ouvi-la e julgá-la; podia ser que tivesse defesa e explicação.

Tinha ambas as cousas. Quando soube a causa da minha reclusão da véspera, disse-me que era grande injúria que lhe fazia; não podia crer que depois da nossa troca de juramentos, tão leviana a julgasse que pudesse crer... E aqui romperam-lhe lágrimas, e fez um gesto de separação; mas eu acudi de pronto, peguei-lhe das mãos e beijei as com tanta alma e calor que as senti estremecer. Enxugou os olhos com os dedos, eu os beijei de novo, por eles e pelas lágrimas; depois suspirou, depois abanou a cabeça. Confessou-me que não conhecia o rapaz, senão como os outros que ali passavam às tardes, a cavalo ou a pé. Se olhara para ele, era prova exatamente de não haver nada entre ambos; se houvesse, era natural dissimular.

--E que poderia haver, se ele vai casar? concluiu.

--Vai casar?

Ia casar, disse-me com quem, com uma moça da Rua dos Barbonos. Esta razão quadrou-me mais que tudo, e ela o sentiu no meu gesto; nem por isso deixou de dizer que, para evitar nova equivocação, deixaria de ir mais à janela.

--Não! não! não! não lhe peço isto!

Consentiu em retirar a promessa, mas fez outra, e foi que, à primeira suspeita da minha parte, tudo estaria dissolvido entre nós Aceitei a ameaça, e jurei que nunca a haveria de cumprir; era a primeira suspeita e a última.

CAPÍTULO LXXVII / PRAZER DAS DORES VELHAS

Contando aquela crise do meu amor adolescente, sinto uma cousa que não sei se explico bem, e é que as dores daquela quadra, a tal ponto se espiritualizaram com o tempo que chegam a diluir-se no prazer. Não é claro isto, mas nem tudo é claro na vida ou nos livros A verdade é que sinto um gosto particular em referir tal aborrecimento, quando é certo que ele me lembra outros que não quisera lembrar por nada.

CAPÍTULO LXXVIII / SEGREDO POR SEGREDO

De resto, naquele mesmo tempo senti tal ou qual necessidade de contar a alguém o que se passava entre mim e Capitu. Não referi tudo, mas só uma parte, e foi Escobar que a recebeu. Quando voltei ao seminário, na quarta-feira, achei-o inquieto; disse-me que era sua intenção ir ver-me, se eu me demorasse mais um dia em casa. Perguntava-me com interesse o que é que tivera, e se estava bom de todo.

--Estou.

Ouvia, espetando-me os olhos. Três dias depois disse que me estavam achando muito distraído; era bom disfarçar o mais que pudesse. Ele, à sua parte, tinha razões para andar distraído também, mas buscava ficar atento.

--Então parece-lhe?...

--Sim, você às vezes está que não ouve nada. olhando para ontem; disfarce, Santiago.

--Tenho motivos...

--Creio; ninguém se distrai à toa.

--Escobar...

Hesitei; ele esperou.

--Que é?

--Escobar, você é meu amigo, eu sou seu amigo também; aqui ao seminário você é a pessoa que mais me tem entrado no coração, e lá fora, a não ser a gente da família, não tenho propriamente um amigo.

--Se eu disser a mesma cousa, retorquiu ele sorrindo, perde a graça; parece que estou repetindo. Mas a verdade é que não tenho aqui relações com ninguém, você é o primeiro e creio que já notaram, mas eu não me importo com isso.

Comovido, senti que a voz se me precipitava da garganta.

--Escobar, você é capaz de guardar um segredo?

--Você que pergunta é porque duvida, e nesse caso. ..

--Desculpe, é um modo de falar. Eu sei que é moço sério, e faço de conta que me confesso a um padre.

--Se precisa de absolvição, está absolvido.

--Escobar, eu não posso ser padre. Estou aqui, os meus acreditam, e esperam; mas eu não posso ser padre.

--Nem eu, Santiago.

--Nem você?

--Segredo por segredo; também eu tenho o propósito de não acabar o curso; meu desejo é o comércio, mas não diga nada, absolutamente nada- fica só entre nós. E não é que eu não seja religioso; sou religioso, mas o comércio é a minha paixão.

--Só isso?

--Que mais há de ser?

Dei duas voltas e sussurrei a primeira palavra da minha confidência, tão escassa e surda, que não a ouvi eu mesmo; sei porém que disse "uma pessoa..." com reticência. Uma pessoa?... Não foi preciso mais para que ele entendesse. Uma pessoa devia ser uma moça. Nem cuides que pasmou de me ver namorado; achou até natural e espetou-me outra vez os olhos. Então contei-lhe por alto o que podia, mas demoradamente para ter o gosto de repisar o assunto Escobar escutava com interesse; no fim da nossa conversação declarou-me que era segredo enterrado em cemitério. Deu-me de conselhos que não me fizesse padre. Não podia levar para a igreja um coração que não era do céu, mas da terra; seria um mau padre, nem seria padre. Ao contrário, Deus protegia os sinceros; uma vez que eu só podia servi-lo no mundo, aí me cumpria ficar.

Não calculas o prazer que me deu a confidência que lhe fiz. Era como que uma felicidade mais. Aquele coração moço que me ouvia e me dava razão, trazia a este mundo um aspecto extraordinário. Era um grande e belo mundo, a vida uma carreira excelente, e eu nem mais nem menos um mimoso do céu; eis a minha sensação. Nota que eu não lhe disse tudo, nem o melhor; não lhe referi o Capítulo do penteado, por exemplo, nem outros assim; mas o contado era multo.

Que voltamos ao assunto, não é preciso dizê-lo. Voltamos uma e muitas vezes: eu louvava as qualidades morais de Capitu, matéria adequada à admiração de um seminarista, a simpleza, a modéstia. O amor do trabalho e os costumes religiosos. Não lhe tocava nas graças físicas, nem ele me perguntava por elas; apenas insinuei a conveniência de a conhecer de vista.

--Agora não é possível, disse-lhe na primeira semana, ao voltar de casa; Capitu vai passar uns dias com uma amiga da Rua dos Inválidos. Quando ela vier, você irá lá; mas pode ir antes, pode ir sempre; por que não foi ontem jantar comigo?

--Você não me convidou.

-- Pois precisa convidar? Lá em casa todos ficaram gostando muito de você.

--Também eu fiquei gostando de todos, mas é possível fazer distinção, confesso-lhe que sua mãe é uma senhora adorável.

--Não é verdade? retorqui cheio de alvoroço.

CAPÍTULO LXXIX / VAMOS AO CAPÍTULO

Com efeito, gostei de ouvi-lo falar assim. Sabes a opinião que eu tinha de minha mãe. Ainda agora, depois de interromper esta linha para mirar-lhe o retrato que pende da parede, acho que trazia no rosto impressa aquela qualidade. Nem de outro modo se explica a opinião de Escobar, que apenas trocara com ela quatro palavras Uma só bastava a penetrar-lhe a essência íntima; sim, sim, minha mãe era adorável. Por mais que me estivesse então obrigando a uma carreira que eu não queria, não podia deixar de sentir que era adorável, como uma santa.

E porventura era certo que me obrigava à carreira eclesiástica? Aqui chego a um ponto, que esperei viesse depois tanto que já pesquisava em que altura lhe daria um Capítulo. Realmente, não cabia dizer agora o que só mais tarde presumi descobrir, mas, uma vez que toquei no ponto, melhor é acabar com ele. É grave e complexo, delicado e sutil, um destes em que o autor tem de atender ao filho, e o filho há de ouvir o autor, para que um e outro digam a verdade, só a verdade, mas toda a verdade. Cabe ainda notar que esse ponto é que torna justamente a santa mais adorável, sem prejuízo (ao contrário!) da parte humana e terrestre que havia nela. Basta de prefácio ao Capítulo; vamos ao Capítulo.

CAPÍTULO LXXX / VENHAMOS AO CAPÍTULO

Venhamos ao Capítulo. Minha mãe era temente a Deus; sabes disto, das suas práticas religiosas, e da fé pura que as animava. Nem ignoras que a minha carreira eclesiástica era objeto de promessa feita quando fui concebido. Tudo está contado oportunamente. Outorgam, sabes que para o fim de apertar o vínculo moral da obrigação, confiou os seus projetos e motivos a parentes e familiares. A promessa, feita com fervor, aceita com misericórdia, foi guardada por ela, com alegria, no mais íntimo do coração. Penso que lhe senti o sabor da felicidade no leite que me deu a mamar. Meu pai, se vivesse, é possível que alterasse os planos, e, como tinha a vocação da política, é provável que me encaminhasse somente à política, embora os dous ofícios não fossem nem sejam inconciliáveis, e mais de um padre entre na luta dos partidos e no governo dos homens. Mas meu pai morrera sem saber nada, e ela ficou diante do contrato, como única devedora.

Um dos aforismos de Franklin é que, para quem tem de pagar na páscoa, a quaresma é curta. A nossa quaresma não foi mais longa que as outras, e minha mãe, posto me mandasse ensinar latim e doutrina, começou a adiar a minha entrada no seminário. É o que se chama, comercialmente falando, reformar uma letra. O credor era arquimilionário, não dependia daquela quantia para comer, e consentiu nas transferências de pagamento, sem sequer agravar a taxa do juro. Um dia. porém, um dos familiares que serviam de endossantes da letra, falou da necessidade de entregar o preço ajustado; está num dos Capítulos primeiros. Minha mãe concordou e recolhi-me a S. José.

Ora, nesse mesmo Capítulo, verteu ela umas lágrimas, que enxugou sem explicar, e que nenhum dos presentes nem tio Cosme, nem prima Justina, nem o agregado José Dias entendeu absolutamente: eu, que estava atrás da porta, não as entendi mais que eles. Bem examinadas, apesar da distancia, vê-se que eram saudades prévias, a mágoa da separação, -- e pode ser também (é o princípio do ponto), pode ser que arrependimento da promessa. Católica e devota, sentia muito bem que as promessas se cumprem; a questão é se é oportuno e adequado fazê-las todas, e naturalmente inclinava-se à negativa. Por que é que Deus a puniria, negando-lhe um segundo filho? A vontade divina podia ser a minha vida, sem necessidade de lhe dedicar ab ovo. Era um raciocínio tardio: devia ter sido feito no dia em que fui gerado. Em todo caso, era uma conclusão primeira; mas, não bastando concluir para destruir, tudo se manteve, e eu fui para o seminário.

Um cochilo da fé teria resolvido a questão a meu favor, mas a fé velava com os seus grandes olhos ingênuos. Minha mãe faria, st pudesse, uma troca de promessa, dando parte dos seus anos para conservar-me consigo, fora do clero, casado e pai: é o que presumo, assim como suponho que rejeitou tal idéia, por lhe parecer uma deslealdade. Assim a senti sempre na corrente da vida ordinária.

Sucedeu que a minha ausência foi logo temperada pela assiduidade de Capitu. Esta começou a fazer-se-lhe necessária. Pouco a pouco veio-lhe a persuasão de que a pequena me faria feliz. Então (é o final do ponto anunciá-lo), a esperança de que o nosso amor, tornando-me absolutamente incompatível com o seminário, me levasse a não ficar lá nem por Deus nem pelo Diabo, esta esperança íntima e secreta entrou a invadir o coração de minha mãe. Neste caso, eu romperia o contrato sem que ela tivesse culpa. Ela ficava comigo sem ato propriamente seu. Era como se, tendo confiado a alguém a importância de uma dívida para levá-la ao credor o portador guardasse o dinheiro consigo e não levasse nada. Na vida comum, o ato de terceiro não desobriga o contratante; mas a vantagem de contratar com o céu é que intenção vale dinheiro.

Hás de ter tido conflitos parecidos com esse, e, se és religioso, haverás buscado alguma vez conciliar o céu e a terra, por modo idêntico ou análogo. O céu e a terra acabam conciliando-se; eles são quase irmãos gêmeos, tendo o céu sido feito no segundo dia e a terra no terceiro. Como Abraão, minha mãe levou o filho ao monte da Visão, e mais a lenha para o holocausto, o fogo e o cutelo. E atou Isaac em cima do feixe de lenha, pegou do cutelo e levantou-o ao alto. No momento de fazê-lo cair, ouve a voz do anjo que lhe ordena da parte do Senhor: "Não faças mal algum a teu filho; conheci que temes a Deus". Tal seria a esperança secreta de minha mãe.

Capitu era naturalmente o anjo da Escritura. A verdade é que minha mãe não podia tê-la agora longe de si. A afeição crescente era manifesta por atos extraordinários. Capitu passou a ser a flor da casa, o sol das manhãs, o frescor das tardes, a lua das noites; lá vivia horas e horas, ouvindo, falando e cantando. Minha mãe apalpava-lhe o coração, revolvia-lhe os olhos, e o meu nome era entre ambas como a senha da vida futura.

CAPÍTULO LXXXI / UMA PALAVRA

Assim contado o que descobri mais tarde, posso trasladar para aqui uma palavra de minha mãe. Agora se entenderá que ela me dissesse, no primeiro sábado, quando eu cheguei a casa, e soube que Capitu estava na Rua dos Inválidos, com sinhazinha Gurgel:

--Por que não vais vê-la? Não me disseste que o pai de Sancha te ofereceu a casa?

--Ofereceu.

--Pois então? Mas é se queres. Capitu devia ter voltado hoje para acabar um trabalho comigo; certamente a amiga pediu-lhe que dormisse lá.

--Talvez ficassem namorando, insinuou prima Justina.

Não a matei por não ter à mão ferro nem corda, pistola nem punhal- mas os olhos que lhe deitei, se pudessem matar, teriam suprido tudo. Um dos erros da Providência foi deixar ao homem unicamente os braços e os dentes, como armas de ataque, e as pernas como armas de fuga ou de defesa. Os olhos bastavam ao primeiro efeito. Um mover deles faria parar ou cair um inimigo ou um rival, exerceriam vingança pronta, com este acréscimo que, para desnortear a justiça, os mesmos olhos matadores seriam olhos piedosos, e correriam a chorar a vítima. Prima Justina escapou aos meus; eu e que não escapei ao efeito da insinuação, e no domingo, às onze horas, corri à Rua dos Inválidos.

O pai de Sancha recebeu-me em desalinho e triste. A filha estava enferma- caíra na véspera com uma febre, que se ia agravando. Como ele queria muito à filha, pensava já vê-la morta, e anunciou-me que se mataria também. Eis aqui um Capítulo fúnebre como um cemitério, mortes, suicídios e assassinatos. Eu ansiava por um raio de luz clara e céu azul. Foi Capitu que os trouxe à porta da sala, vindo dizer ao pai de Sancha que a filha o mandara chamar.

--Está pior? perguntou Gurgel assustado.

--Não, senhor, mas quer falar-lhe.

--Fique aqui um bocadinho, disse-lhe ele; e voltando-se para mim: E a enfermeira de Sancha, que não quer outra; eu já volto.

Capitu trazia sinais de fadiga e comoção, mas tão depressa me viu, ficou toda outra, a mocinha de sempre, fresca e lepida, não menos que espantada. Custou-lhe a crer que fosse eu. Falou-me, quis que lhe falasse, e efetivamente conversamos por alguns minutos, mas são tão baixo e abafado que nem as paredes ouviram, elas que têm ouvidos. De resto, se elas ouviram algo, nada entenderam, nem elas nem os móveis, que estavam tão tristes como o dono.

CAPÍTULO LXXXII / O CANAPÉ

Deles, só o canapé pareceu haver compreendido a nossa situação moral, visto que nos ofereceu os serviços da sua palhinha, com tal insistência que os aceitamos e nos sentamos. Data daí a opinião particular que tenho do canapé. Ele faz aliar a intimidade e o decoro, e mostra a casa toda sem sair da sala. Dous homens sentados nele podem debater o destino de um império, e duas mulheres a graça de um vestido- mas, um homem e uma mulher só por aberração das leis naturais dirão outra cousa que não seja de si mesmos. Foi o que fizemos, Capitu e eu. Vagamente lembra-me que lhe perguntei se a demora ali seria grande...

--Não sei- a febre parece que cede... mas...

Também me lembra, vagamente, que lhe expliquei a minha visita à Rua dos inválidos, com a pura verdade, isto é, a conselho de minha mãe.

--Conselho dela? murmurou Capitu.

E acrescentou com os olhos, que brilhavam extraordinariamente -- Seremos felizes!

Repeti estas palavras, com os simples dedos, apertando os dela. O canapé, quer visse ou não, continuou a prestar os seus serviço às nossas mãos presas e às nossas cabeças juntas ou quase juntas.

CAPÍTULO LXXXIII / O RETRATO

Gurgel tornou à sala e disse a Capitu que a filha chamava por ela. Eu levantei-me depressa e não achei compostura; metia os olhos pelas cadeiras. Ao contrário, Capitu ergueu-se naturalmente e perguntou-lhe se a febre aumentará.

--Não, disse ele.

Nem sobressalto nem nada, nenhum ar de mistério da parte de Capitu; voltou-se para mim, e disse-me que levasse lembranças a minha mãe e a prima Justina, e que até breve, estendeu-me a mão e enfiou pelo corredor. Todas as minhas invejas foram com ela. Como era possível que Capitu se governasse tão facilmente e eu não?

--Está uma moça, observou Gurgel olhando também para ela.

Murmurei que sim. Na verdade, Capitu ia crescendo às carreiras as formas arredondavam-se e avigoravam-se com grande intensidade moralmente a mesma cousa. Era mulher por dentro e por fora, mulher à direita e à esquerda, mulher por todos os lados, e desde os pés até à cabeça. Esse arvorecer era mais apressado, agora que eu a via de dias a dias; de cada vez que vinha a casa achava-a mais alta e mais cheia; os olhos pareciam ter outra reflexão, e a boca outro império. Gurgel, voltando-se para a parede da sala, onde pendia um retrato de moça, perguntou-me se Capitu era parecida com o retrato.

Um dos costumes da minha vida foi sempre concordar com a opinião provável do meu interlocutor, desde que a matéria não me agrava, aborrece ou impõe. Antes de examinar se efetivamente Capitu era parecida com o retrato, fui respondendo que sim. Então ele disse que era o retrato da mulher dele, e que as pessoas que a conheceram diziam a mesma cousa. Também achava que as feições eram semelhantes, a testa principalmente e os olhos. Quanto ao gênio, era um, pareciam irmãs.

-- Finalmente, até a amizade que ela tem a Sanchinha- a mãe não era mais amiga dela... Na vida há dessas semelhanças assim esquisitas.

CAPÍTULO LXXXIV / CHAMADO

No saguão e na rua, examinei ainda comigo se efetivamente ele teria desconfiado alguma cousa, mas achei que não e pus-me a andar. Ia satisfeito com a visita, com a alegria de Capitu, com os louvores de Gurgel, a tal ponto que não acudi logo a uma voz que me chamava:

--Sr. Bentinho! Sr. Bentinho!

Só depois que a voz cresceu e o dono dela chegou à porta é que eu parei e vi o que era e onde estava. Estava já na Rua de Matacavalos. A casa era uma loja de louça, escassa e pobre: tinha as portas meio cerradas, e a pessoa que me chamava era um pobre homem grisalho e mal vestido.

--Sr. Bentinho, disse-me ele chorando; sabe que meu filho Manduca morreu?

--Morreu?

--Morreu há meia hora, enterra-se amanhã. Mandei recado a sua mãe agora mesmo, e ela fez-me a caridade de mandar algumas flores para botar no caixão. Meu pobre filho! Tinha de morrer, e foi bom que morresse, coitado, mas apesar de tudo sempre dói. Que vida que ele teve!... Um dia destes ainda se lembrou do senhor, e perguntou se estava no seminário... Quer vê-lo? Entre, ande vê-lo...

Custa-me dizer isto, mas antes peque por excessivo que por diminuto. Quis responder que não, que não queria ver o Manduca, e fiz até um gesto para fugir. Não era medo; noutra ocasião pode ser até que entrasse com facilidade e curiosidade, mas agora ia tão contente! Ver um defunto ao voltar de uma namorada... Há cousas que se não ajustam nem combinam. A simples notícia era já uma turvação grande. As minhas idéias de ouro perderam toda a cor e o metal para se trocarem em cinza escura e feia, e não distingui mais nada. Penso que cheguei a dizer que tinha pressa, mas provavelmente não falei por palavras claras, nem sequer humanas, porque ele, encostado ao portal, abria-me espaço com o gesto, e eu, sem alma para entrar nem fugir, deixei ao corpo fazer o que pudesse, e o corpo acabou entrando.

Não culpo ao homem; para ele, a cousa mais importante do momento era o filho. Mas também não me culpem a mim; para mim, a cousa mais importante era Capitu. O mal foi que os dous casos se conjugassem na mesma tarde, e que a morte de um viesse meter o nariz na vida do outro. Eis o mal todo. Se eu passasse antes ou depois, ou se o Manduca esperasse algumas horas para morrer, nenhuma nota aborrecida viria interromper as melodias da minha alma. Por que morrer exatamente há meia hora? Toda hora é apropriada ao óbito; morre-se muito bem às seis ou sete horas da tarde.

CAPÍTULO LXXXV / O DEFUNTO

Tal foi o sentimento confuso com que entrei na loja de louça. A loja era escura, e o interior da casa menos luz tinha, agora que as janelas da área estavam cerradas. A um canto da sala de jantar vi a mãe chorando; à porta da alcova duas crianças olhavam espantadas para dentro, com o dedo na boca. O cadáver jazia na cama; a cama...

Suspendamos a pena e vamos à janela espairecer a memória. Realmente, o quadro era feio, já pela morte, já pelo defunto, que era horrível... Isto aqui, sim, é outra cousa. Tudo o que vejo lá fora respira vida, a cabra que rumina ao pé de uma carroça, a galinha que marisca no chão da rua, o trem da Estrada Central que bufa, assobia, fumega e passa, a palmeira que investe para o céu, e finalmente aquela torre de igreja, apesar de não ter músculos nem folhagem. Um rapaz, que ali no beco empina um papagaio de papel, não morreu nem morre, posto também se chame Manduca.

Verdade é que o outro Manduca era mais velho. Teria dezoito ou dezenove anos, mas tanto lhe darias quinze como vinte e dous, a cara não permitia trazer a idade à vista antes a escondia nas dobras da... Vá, diga-se tudo; é morto, os seus parentes são mortos, se existe algum não é em tal evidência que se vexe ou doa. Diga-se tudo, Manduca padecia de uma cruel enfermidade, nada menos que a lepra. Vivo era feio- morto pareceu-me horrível. Quando eu vi, estendido na cama, o triste corpo daquele meu vizinho, fiquei apavorado e desviei os olhos. Não sei que mão oculta me compeliu a olhar outra vez, ainda que de fugida; cedi, olhei, tornei a olhar, até que recuei de todo e saí do quarto.

--Padeceu muito! suspirou o pai.

--Coitado de Manduca! soluçava a mãe.

Eu cuidei de sair, disse que era esperado em casa, e despedi-me O pai perguntou-me se lhe faria o favor de ir ao enterro; respondi com a verdade, que não sabia, faria o que minha mãe quisesse. E rápido saí, atravessei a loja, e saltei à rua.

CAPÍTULO LXXXVI / AMAI, RAPAZES!

Era tão perto, que antes de três minutos me achei em casa. Parei no corredor, a tomar fôlego- buscava esquecer o defunto, pálido e disforme, e o mais que não disse para não dar a estas páginas um aspecto repugnante, mas podes imaginá-lo. Tudo arredei da vista, em poucos segundos; bastou-me pensar na outra casa, e mais na vida e na cara fresca e lépida de Capitu... Amai, rapazes! e, principalmente, amai moças lindas e graciosas; elas dão remédio ao mal, aroma ao infecto, trocam a morte pela vida... Amai, rapazes!
––––––
continua…

terça-feira, 23 de abril de 2013

Machado de Assis (Dom Casmurro) Parte 10

CAPÍTULO LXVI / INTIMIDADE

Capitu ia agora entrando na alma de minha mãe. Viviam o mais do tempo juntas, falando de mim, a propósito do sol e da chuva, ou de nada; Capitu ia lá coser, às manhãs; alguma vez ficava para jantar.

Prima Justina não acompanhava a parenta naquelas finezas, mas não tratava de todo mal a minha amiga. Era assaz sincera para dizer o mal que sentia de alguém, e não sentia bem de pessoa alguma Talvez do marido, mas o marido era morto; em todo caso, não existiria homem capaz de competir com ele na afeição, no trabalho e na honestidade, nas maneiras e na agudeza de espírito. Esta opinião, segundo tio Cosme, era póstuma, pois em vida andavam às brigas, e os últimos seis meses acabaram separados. Tanto melhor para a justiça dela; o louvor dos mortos é um modo de orar por eles. Também gostaria de minha mãe, ou se algum mal pensou dela foi entre si e o travesseiro. Compreende-se que, de aparência, lhe desse a estima devida. Não penso que ela aspirasse a algum legado- as pessoas assim dispostas excedem os serviços naturais, fazem-se mais risonhas, mais assíduas, multiplicam os cuidados, precedem os fâmulos. Tudo isso era contrário à natureza de prima Justina, feita de azedume e de implicância. Como vivesse de favor na casa, explica-se que não desestimasse a dona e calasse os seus ressentimentos, ou só dissesse mal dela a Deus e ao Diabo.

Caso tivesse ressentimentos de minha mãe, não era uma razão mais para detestar Capitu, nem ela precisava de razões suplementares. Contudo, a intimidade de Capitu fê-la mais aborrecível à minha parenta Se a princípio não a tratava mal, com o tempo trocou de maneiras e acabou fugindo-lhe. Capitu, atenta, desde que a não via, indagava dela e ia procurá-la. Prima Justina tolerava esses cuidados. A vida é cheia de obrigações que a gente cumpre, por mais vontade que tenha de as infringir deslavadamente. Demais, Capitu usava certa magia que cativa, prima Justina acabava sorrindo, inda que azedo mas a sós com minha mãe achava alguma palavra ruim que dizer da menina.

Como minha mãe adoecesse de uma febre, que a pôs às portas da morte, quis que Capitu lhe servisse de enfermeira. Prima Justina, posto que isto a aliviasse de cuidados penosos, não perdoou à minha amiga a intervenção. Um dia. perguntou-lhe se não tinha que fazer em casa, outro dia. rindo, soltou-lhe este epigrama: "Não precisa correr tanto; o que tiver de ser seu às mãos lhe há de ir".

CAPÍTULO LXVII / UM PECADO

Já agora não tiro a doente da cama sem contar o que se deu comigo. Ao cabo de cinco dias, minha mãe amanheceu tão transtornada que ordenou me mandassem buscar ao seminário. Em vão tio Cosme:

--Mana Glória, você assusta-se sem motivo, a febre passa...

--Não! não! mandem buscá-lo! Posso morrer, e a minha alma não se salva, se Bentinho não estiver ao pé de mim.

--Vamos assustá-lo.

--Pois não lhe digam nada, mas vão buscá-lo, já, já, não se demorem.

Cuidaram fosse delírio- mas, não custando nada trazer-me, José Dias foi incumbido do recado. Entrou tão atordoado que me assustou. Contou particularmente ao reitor o que havia, e recebi licença para ir a casa. Na rua, íamos calados, ele não alterando o passo do costume,-- a premissa antes da conseqüência, a conseqüência antes da conclusão,--mas cabisbaixo e suspirando, eu temendo ler no rosto dele alguma notícia dura e definitiva. Só me falara na doença, como negócio simples; mas o chamado, o silêncio, os suspiros podiam dizer alguma cousa mais. O coração batia-me com força, as pernas bambeavam-me, mais de uma vez cuidei cair...

O anseio de escutar a verdade complicava-se em mim com o temor de a saber. Era a primeira vez que a morte me aparecia assim perto, me envolvia, me encarava com os olhos furados e escuros. Quanto mais andava aquela Rua dos Barbonos, mais me aterrava a idéia de chegar a casa, de entrar, de ouvir os prantos, de ver um corpo defunto... Oh! eu não poderia nunca expor aqui tudo o que senti naqueles terríveis minutos. A rua, por mais que José Dias andasse superlativamente devagar, parecia fugir-me debaixo dos pés, as casas voavam de um e outro lado, e uma corneta que nessa ocasião tocava no quartel dos Municipais Permanentes ressoava aos meus ouvidos como a trombeta do juízo final.

Fui, cheguei aos Arcos, entrei na Rua de Mata-cavalos. A casa não era logo ali, mas muito além da dos inválidos, perto da do Senado. Três ou quatro vezes, quisera interrogar o meu companheiro, sem ousar abrir a boca; mas agora, já nem tinha tal desejo. Ia só andando, aceitando o pior, como um gesto do destino, como uma necessidade da obra humana, e foi então que a Esperança, para combater o Terror, me segredou ao coração, não estas palavras, pois nada articulou parecido com palavras, mas uma idéia que poderia ser traduzida por elas: "Mamãe defunta, acaba o seminário".

Leitor, foi um relâmpago. Tão depressa alumiou a noite, como se esvaiu, e a escuridão fez-se mais cerrada, pelo efeito do remorso que me ficou. Foi uma sugestão da luxúria e do egoísmo. A piedade filial desmaiou um instante, com a perspectiva da liberdade certa, pelo desaparecimento da dívida e do devedor; foi um instante, menos que um instante, o centésimo de um instante, ainda assim o suficiente para complicar a minha aflição com um remorso.

José Dias suspirava. Uma vez olhou para mim tão cheio de pena que me pareceu haver-me adivinhado, e eu quis pedir-lhe que não dissesse nada a ninguém, que eu ia castigar-me, etc. Mas a pena trazia tanto amor, que não podia ser pesar do meu pecado; mas então era sempre a morte de minha mãe... Senti uma angústia grande, um nó na garganta, e não pude mais, chorei de uma vez.

--Que é, Bentinho?

--Mamãe...?

--Não! não! Que idéia é essa? O estado dela é gravíssimo, mas não é mal de morte, e Deus pode tudo. Enxugue os olhos, que é feio um mocinho da sua idade andar chorando na rua. Não há de ser nada, uma febre... As febres, assim como dão com força, assim também se vão embora... Com os dedos, não; onde está o lenço?

Enxuguei os olhos, posto que de todas as palavras de José Dias uma só me ficasse no coração; foi aquele gravíssimo. Vi depois que ele só queria dizer grave, mas o uso do superlativo faz a boca longa, e, por amor do período, José Dias fez crescer a minha tristeza se achares neste livro algum caso da mesma família, avisa-me, leitor para que o emende na segunda edição; nada há mais feio que dal pernas longuíssimas a idéias brevíssimas. Enxuguei os olhos, repito, e fui andando, ansioso agora por chegar a casa, e pedir perdão a minha mãe do ruim pensamento que tive. Enfim, chegamos, entramos, subi trêmulo os seis degraus da escada, e daí a pouco, debruçado sobre a cama, ouvia as palavras ternas de minha mãe que me apertava muito as mãos, chamando-me seu filho. Estava queimando os olhos ardiam nos meus, toda ela parecia consumida por um vulcão interno. Ajoelhei-me ao pé do leito, mas como este era alto, fiquei longe das suas carícias:

--Não, meu filho, levanta, levanta!

Capitu, que estava na alcova, gostou de ver a minha entrada, os meus gestos, palavras e lágrimas, segundo me disse depois; mas não suspeitou naturalmente todas as causas da minha aflição. Entrando no meu quarto, pensei em dizer tudo a minha mãe, logo que ela ficasse boa, mas esta idéia não me mordia, era uma veleidade pura, uma ação que eu não faria nunca, por mais que o pecado me doesse Então levado do remorso, usei ainda uma vez do meu velho meio das promessas espirituais, e pedi a Deus que me perdoasse e salvasse a vida de minha mãe, e eu lhe rezaria dous mil padre-nossos. Padre que me lês, perdoa este recurso; foi a última vez que o empreguei A crise em que me achava, não menos que o costume e a fé, explica tudo. Eram mais dous mil; onde iam os antigos? Não paguei uns nem outros, mas saindo de almas cândidas e verdadeiras tais promessas são como a moeda fiduciária,--ainda que o devedor as não pague, valem a soma que dizem.

CAPÍTULO LXVIII / ADIEMOS A VIRTUDE

Poucos teriam animo de confessar aquele meu pensamento da Rua de Mata-cavalos. Eu confessarei tudo o que importar à minha história. Montaigne escreveu de si: ce ne sont pas mes gestes que j'escris, c'est moi, c'est mon essence. Ora, há só um modo de escrever a própria essência, é contá-la toda, o bem e o mal. Tal faço eu, à medida que me vai lembrando e convidando à construção ou reconstrução de mim mesmo. Por exemplo, agora que contei um pecado, diria com muito gosto alguma bela ação contemporânea, se me lembrasse, mas não me lembra; fica transferida a melhor oportunidade.

Nem perderás em esperar, meu amigo; ao contrário, acode-me agora que... Não só as belas ações são belas em qualquer ocasião como são também possíveis e prováveis, pela teoria que tenho dos pecados e das virtudes, não menos simples que clara. Reduz-se a isto que cada pessoa nasce com certo número deles e delas, aliados por matrimônio para se compensarem na vida. Quando um de tais cônjuges é mais forte que o outro, ele só guia o indivíduo, sem que este, por não haver praticado tal virtude ou cometido tal pecado se possa dizer isento de um ou de outro; mas a regra é dar-se a prática simultânea dos dous, com vantagem do portador de ambos, e alguma vez com resplendor maior da terra e do céu. ç pena que eu não possa fundamentar isto com um ou mais casos estranhos; falta-me tempo.

Pelo que me toca, é certo que nasci com alguns daqueles casais, e naturalmente ainda os possuo. Já me sucedeu, aqui no Engenho Novo, por estar uma noite com muita dor de cabeça, desejar que o trem da Central estourasse longe dos meus ouvidos e interrompesse a linha por muitas horas, ainda que morresse alguém; e no dia seguinte perdi o trem da mesma estrada, por ter ido dar a minha bengala a um cego que não trazia bordão. Voilà mes gestes, voilà mon essence.

CAPÍTULO LXIX / A MISSA

Um dos gestos que melhor exprimem a minha essência foi a devoção com que corri no domingo próximo a ouvir missa em S. Antônio dos Pobres. O agregado quis ir comigo, e principiou a vestir-se, mas era tão lento nos suspensórios e nas presilhas, que não pude esperar por ele. Demais, eu queria estar só. Sentia necessidade de evitar qualquer conversação que me desviasse o pensamento do fim a que ia, e era reconciliar-me com Deus, depois do que se passou no Capítulo LXVII. Nem era só pedir-lhe perdão do pecado, era também agradecer o restabelecimento de minha mãe, e, visto que digo tudo, fazê-lo renunciar ao pagamento da minha promessa. Jeová, posto que divino, ou por isso mesmo, é um Rothschild muito mais humano, e não faz moratórias, perdoa as dívidas integralmente, uma vez que o devedor queira deveras emendar a vida e cortar nas despesas. Ora, eu não queria outra cousa; dali em diante não faria mais promessas que não pudesse pagar, e pagaria logo as que fizesse.

Ouvi missa; ao levantar a Deus, agradeci a vida e saúde de minha mãe; depois pedi perdão do pecado e revelação da dívida, e recebi a bênção final do oficiante como um ato solene de reconciliação. No fim, lembrou-me que a Igreja estabeleceu no confessionário um cartório seguro, e na confissão o mais autêntico dos instrumentos para o ajuste de contas morais entre o homem e Deus. Mas a minha incorrigível timidez me fechou essa porta certa; receei não achar palavras com que dizer ao confessor o meu segredo. Como o homem muda! Hoje chego a publicá-lo.

CAPÍTULO LXX / DEPOIS DA MISSA

Rezei anda, persignei-me, fechei o livro de missa e caminhei para a porta. A gente não era muita, mas a igreja também não é grande, e não pude sair logo, logo, mas devagar. Havia homens e mulheres, velhos e moços, sedas e chitas, e provavelmente olhos feios e belos, mas eu não vi uns nem outros. Ia na direção da porta, com a onda, ouvindo as saudações e os cochichos. No adro, onde se fez claro, parei e olhei para todos. Vi então uma moça e um homem, que saíam da igreja e pararam; e a moça olhava para mim falando ao homem, e o homem olhava para mim, ouvindo a moça. E chegaram-me estas palavras:

--Mas que queres?

--Queria saber dela; papai pergunte.

Era sinhazinha Sancha, a companheira de colégio de Capitu que queria notícias de minha mãe. O pai veio a mim; disse-lhe que estava restabelecida. Depois saímos, mostrou-me a casa dele, e, como eu vinha na mesma direção, viemos juntos. Gurgel era homem de quarenta anos ou pouco mais, com propensão a engrossar o ventre; era muito obsequioso; chegando à porta da casa, quis por força que eu fosse almoçar com ele.

-- Obrigado; mamãe espera-me. [

-- Manda-se lá um preto dizer que o senhor fica almoçando, e ira mais tarde.

--Venho outro dia.

Sinhazinha Sancha, voltada para o pai, ouvia e esperava. Não ela feia; só se lhe podia notar a semelhança do nariz, que também acabava grosso, mas há feições que tiram a graça de uns para dá-la a outros. Vestia simples. Gurgel era viúvo e morria pela filha. Como eu recusasse o almoço, quis que descansasse alguns minutos. Não pude recusar e subi. Quis saber a minha idade, os meus estudos, a minha fé, e dava-me conselhos para o caso de vir a ser padre; disse me o número do armazém, Rua da Quitanda. Enfim, despedi-me veio ao patamar da escada; a filha deu-me recomendações para Capitu e para minha mãe. Da rua olhei para cima; o pai estava à janela e fez-me um gesto largo de despedida.

CAPÍTULO LXXI / VISITA DE ESCOBAR

Em casa, tinham já mentido dizendo a minha mãe que eu voltara e estava mudando de roupa.

"A missa das oito já há de ter acabado... Bentinho devia está de volta... Teria acontecido alguma cousa, mano Cosme?... Mandem ver..." Assim falava ela, de minuto a minuto, mas eu entrei e comigo a tranqüilidade.

Era o dia das boas sensações. Escobar foi visitar-me e saber da saúde de minha mãe. Nunca me visitara até ali, nem as nossas relações estavam Já tão estreitas, como vieram a ser depois- mas sabendo a razão da minha saída, três dias antes, aproveitou o domingo para ir ter comigo e perguntar se continuava o perigo ou não. Quando lhe disse que não, respirou.

--Tive receio, disse ele.

--Os outros souberam?

--Parece que sim: alguns souberam.

Tio Cosme e José Dias gostaram do moço; o agregado disse-lhe que vira uma vez o pai no Rio de Janeiro. Escobar era muito polido e, conquanto falasse mais do que veio a falar depois ainda assim não era tanto como os rapazes da nossa idade; naquele dia achei-o um pouco mais expansivo que de costume. Tio Cosme quis que jantasse conosco. Escobar refletiu um instante e acabou dizendo que o correspondente do pai esperava por ele. Eu, lembrando-me das palavras do Gurgel, repeti-as:

--Manda-se lá um preto dizer que o senhor janta aqui, e irá depois.

--Tanto incômodo!

--Incômodo nenhum, interveio tio Cosme.

Escobar aceitou e jantou. Notei que os movimentos rápidos que tinha e dominava na aula, também os dominava agora, na sala como na mesa. A hora que passou comigo foi de franca amizade. Mostrei-lhe os poucos livros que possuía. Gostou muito do retrato de meu pai; depois de alguns instantes de contemplação, virou-se e disse-me:

--Vê-se que era um coração puro!

Os olhos de Escobar, claros como já disse, eram dulcíssimos; assim os definiu José Dias, depois que ele saiu, e mantenho esta palavra, apesar dos quarenta anos que traz em cima de si. Nisto não houve exageração do agrado. A cara rapada mostrava uma pele alva e lisa. A testa é que era um pouso baixa, vindo a risca do cabelo quase em cima da sobrancelha esquerda- mas tinha sempre a altura necessária para não afrontar as outras feições, nem diminuir a graça delas. Realmente, era interessante de rosto, a boca fina e chocarreira, o nariz curvo e delgado. Tinha o sestro de sacudir o ombro direito, de quando em quando e veio a perdê-lo, desde que um de nós lhe notou um dia no seminário; primeiro exemplo que vi de que um homem pode corrigir-se muito bem dos defeitos miúdos.

Nunca deixei de sentir tal ou qual desvanecimento em que os meus amigos agradassem a todos. Em casa, ficaram querendo bem a Escobar; a mesma prima Justina achou que era um moço muito apreciável, apesar... Apesar de quê? perguntou-lhe José Dias, vendo que ela não acabava a frase. Não teve resposta, nem podia tê-la; prima Justina provavelmente não viu defeito claro ou importante no nosso hóspede; o apesar era uma espécie de ressalva para algum que lhe viesse a descobrir um dia.; ou então foi obra de uso velho, que levou a restringir, onde não achara restrição.

Escobar despediu-se logo depois de jantar; fui levá-lo à porta, onde esperamos a passagem de um ônibus. Disse-me que o armazém do correspondente era na Rua dos Pescadores, e ficava aberto até às nove horas: ele é que se não queria demorar fora. Separamo-nos com muito afeto: ele, de dentro do ônibus, ainda me disse adeus, com a mão. Conservei-me à porta, a ver se, ao longe, ainda olharia para trás, mas não olhou.

--Que amigo é esse tamanho? perguntou alguém de uma janela ao pé.

Não é preciso dizer que era Capitu. São cousas que se adivinham na vida, como nos livros, sejam romances, sejam histórias verdadeiras. Era Capitu, que nos espreitara desde algum tempo, por dentro da veneziana, e agora abrira inteiramente a janela, e aparecera. Viu as nossas despedidas tão rasgadas e afetuosas, e quis saber quem era que me merecia tanto.

--É o Escobar, disse eu indo pôr-me embaixo da janela, a olhar para cima.

CAPÍTULO LXXII / UMA REFORMA DRAMÁTICA

Nem eu, nem tu, nem ela, nem qualquer outra pessoa desta história poderia responder mais, tão certo é que o destino, como todos os dramaturgos, não anuncia as peripécias nem o desfecho. Eles chegam a seu tempo, até que o pano cai, apagam-se as luzes, e os espectadores vão dormir. Nesse gênero há porventura alguma cousa que reformar, e eu proporia, como ensaio, que as peças começassem pelo fim. Otelo mataria a si e a Desdêmona no primeiro ato, os três seguintes seriam dados à ação lenta e decrescente do ciúme, e o último ficaria só com as cenas iniciais da ameaça dos turcos, as explicações de Otelo e Desdêmona, e o bom conselho do fino lago: "Mete dinheiro na bolsa." Desta maneira, o espectador, por um lado, acharia no teatro a charada habitual que os periódicos lhe dão, por que os últimos atos explicam o desfecho do primeiro, espécie de: conceito, e, por outro lado, ia para a cama com uma boa impressão de ternura e de amor:

Ela amou o que me afligira,

Eu amei a piedade dela.

CAPÍTULO LXXIII / O CONTRA-REGRA

O destino não é só dramaturgo, é também o seu próprio contra-regra, isto é, designa a entrada dos personagens em cena, dá-lhes as cartas e outros objetos, e executa dentro os sinais correspondentes ao diálogo, uma trovoada, um carro, um tiro. Quando eu era moça representou-se aí, em não sei que teatro, um drama que acabar pelo juízo final. O principal personagem era Asaverus, que no último quadro concluía um monólogo por esta exclamação: "Ouço a trombeta do arcanjo!" Não se ouviu trombeta nenhuma. Asaverus, envergonhado, repetiu a palavra, agora mais alto, para advertir o contra-regra, mas ainda nada. Então caminhou para o fundo, disfarçadamente trágico, mas efetivamente com o fim de falar ao bastidor, e dizer em voz surda: "O pisão! o pisão! o pisão!" O público ouviu esta palavra e desatou a rir, até que, quando a trombeta soou deveras, e Asaverus bradou pela terceira vez que era a do arcanjo, um gaiato da platéia corrigiu cá de baixo: "Não, senhor, é o pistão do arcanjo"

Assim se explicam a minha estada debaixo da janela de Capitu e a passagem de um cavaleiro, um dandy, como então dizíamos. Montava um belo cavalo alazão, firme na sela, rédea na mão esquerda a direita à cinta, botas de verniz, figura e postura esbeltas: a cara não me era desconhecida. Tinham passado outros, e ainda outros viriam atrás; todos iam às suas namoradas. Era uso do tempo namorar a cavalo. Relê Alencar: "Porque um estudante (dizia um dos seus personagens de teatro de 1858) não pode estar sem estas duas cousas, um cavalo e uma namorada." Relê Alvares de Azevedo. Uma das suas poesias é destinada a contar (1851) que residia em Catumbi, e, para ver a namorada no Catete, alugara um cavalo por três mil-réis... Três mil-réis! tudo se perde na noite dos tempos!

Ora, o dandy do cavalo baio não passou como os outros; era a trombeta do juízo final e soou a tempo; assim faz o Destino. que é o seu próprio contra-regra. O cavaleiro não se contentou de ir andando, mas voltou a cabeça para o nosso lado, o lado de Capitu e olhou para Capitu, e Capitu para ele; o cavalo andava, a cabeça do homem deixava-se ir voltando para trás. Tal foi o segundo dente de ciúme que me mordeu. A rigor, era natural admirar as belas figuras; mas aquele sujeito costumava passar ali, às tardes; morava no antigo Campo da Aclamação, e depois... e depois... Vão lá raciocinar com um coração de brasa, como era o meu! Nem disse nada a Capitu; saí da rua à pressa, enfiei pelo meu corredor, e, quando dei por mim, estava na sala de visitas.

CAPÍTULO LXXIV / A PRESILHA

Na sala de visitas, tio Cosme e José Dias conversavam, um sentado, outro andando e parando. A vista de José Dias lembrou-me o que ele me dissera no seminário: "Aquilo enquanto não pegar algum peralta da vizinhança que case com ela..." Era certamente alusão ao cavaleiro. Tal recordação agravou a impressão que eu trazia da rua; mas não seria essa palavra, inconscientemente guardada, que me dispôs a crer na malícia dos seus olhares? A vontade que tive foi pegar em José Dias pela gola, levá-lo ao corredor e perguntar-lhe se falara de verdade ou por hipótese; mas José Dias, que parara ao ver-me entrar, continuou a andar e a falar. Eu, impaciente, queria ir à casa ao pé, imaginava que Capitu saísse da janela assustada e não tardasse a aparecer, para indagar e explicar... E os dous falavam, até que tio Cosme ergueu-se para ir ver a doente, e José Dias veio ter comigo, ao vão da outra janela.

Há um instante tinha eu desejo de lhe perguntar o que havia entre Capitu e os peraltas do bairro; agora, imaginando que vinha justamente dizer-mo, fiquei com medo de ouvi-lo. Quis tapar-lhe a boca. José Dias viu no meu rosto algum sinal diferente da expressão habitual, e perguntou-me com interesse:

--Que é, Bentinho?

Para não fitá-lo, deixei cair os olhos. Os olhos, caindo, viram que uma das presilhas das calças do agregado estava desabotoada, e, como ele insistisse em saber o que é que eu tinha, respondi apontando com o dedo:

--Olhe a presilha, abotoe a presilha.

José Dias inclinou-se, eu saí correndo.

CAPÍTULO LXXV / O DESESPERO

Escapei ao agregado, escapei a minha mãe não indo ao quarto dela, mas não escapei a mim mesmo. Corri ao meu quarto, e entrei atrás de mim. Eu falava-me, eu perseguia-me, eu atirava-me à cama, e rolava comigo, e chorava, e abafava os soluços com a ponta do lençol. Jurei não ir ver Capitu aquela tarde, nem nunca mais, e fazer-me padre de uma vez. Via-me já ordenado, diante dela, que choraria de arrependimento e me pediria perdão, mas eu, frio e sereno, não teria mais que desprezo, muito desprezo; voltava-lhe as costas. Chamava-lhe perversa. Duas vezes dei por mim mordendo os dentes, como se a tivesse entre eles.

Da cama ouvi a voz dela, que viera passar o resto da tarde com minha mãe, e naturalmente comigo, como das outras vezes; mas, por maior que fosse o abalo que me deu, não me fez sair do quarto e Capitu ria alto, falava alto, como se me avisasse; eu continuei surdo, a sós comigo e o meu desprezo. A vontade que me dava era cravar-lhe as unhas no pescoço, enterrá-las bem, até ver-lhe sair a vida com o sangue...
––––––––
continua…

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Anônimo (Hora de Dormir com o Tio Emmett)

Bella e Edward resolveram caçar este fim de semana. Ótimo! Poderia ter tempo o suficiente para fazer uma das coisas que eu mais gosto de fazer e que não envolve a Rose. Dedicar meu tempo à minha sobrinha, a monstrinha, Renesmee. Estava chovendo e o cachorro não podia entrar em casa por causa do cheiro. Então ele passaria o fim de semana em La Push. É tão fácil agradar uma criança. Nessie gosta de tudo o que eu gosto: Desenhos, músicas e brincadeiras. O dia estava proveitoso. Rose passou o dia no shopping mais o hobbit disfarçado de vampiro, Alice e Esme. Carlisle estava no hospital e Jasper tinha ido a Port Angeles pra comprar alguns livros de história dos Estados Unidos. Ele gostava de ler seu nome em alguns dos livros que citavam a guerra civil.

Cada um dos Cullen tinha sua diversão particular: Carlisle gostava de brincar de médico, especialmente com a Esme, hehe... Mas eu sabia que ele gostava mesmo de ser médico. Esme gostava de ser dona de casa. Todos os dias ela arrumava uma casa impecavelmente limpa... Ela deve ter TOC ou algo parecido... Talvez seja igual àquela louca daquele seriado que Alice e Rose assistem Friends, se não me engano. Sério, ela limpa a casa o dia todo, todos os dias... Acredito que esteja tentando se livrar do cheiro de cachorro... mas... Tudo bem. Rose gostava de cuidar de Renesmee, de ser bonita e que eu falasse isso pelo menos sessenta vezes ao dia. Edward e Bella gostavam de... Na verdade, de ficar grudados vinte e quatro horas, seja cuidando da filha ou sozinhos... Alice gostava de ser chata e mandona, essa era a diversão dela. Eu nunca estava à frente de nada... Porque ninguém confia uma decoração de Natal ou algo assim a mim? Deve ter sido por causa do último Halloween, quando Bella ainda era viva. Acho que vestir Rose com as roupas dela não foi muito legal. Nem ter me vestido de James e encenar a parte em que ele a mordia... Edward ficou sem falar comigo durante um mês... Jasper disse que eu tinha que agradecer, pois ele sentiu que Edward pretendia me matar... Só por uma brincadeirinha inocente?

A minha diversão? Simples... Divertir-me... O tempo todo. E agora estava me divertindo com Renesmee. Só percebi que ela tinha ficado cansada quando ela finalmente disse:

- Tio Emmett. Estou ficando com soninho. – ela disse, coçando os olhos. Droga... criança meio humana tem que dormir...

- Titio vai colocar você pra dormir, monstrinha. – Eu disse, pegando a criaturinha no colo e levando-a para o quarto do seu pai. Chegando ao quarto onde já havia uma cama para Nessie, eu a deitei e dei boa noite. Não esperava o que viria a seguir.

- Tio... Você pode me contar uma história? – ela me pediu.

Uma história? Nunca ninguém me pediu para contar uma história. Acho que eu senti meus olhos brilharem e um sorriso brotar em minha face. Eu sabia várias histórias... Pelo menos o começo delas... Lembro que a minha mãe humana me contava algumas, mas eu sempre pegava no sono antes delas terminarem.

- Tio Emmett contará historinhas pra você dormir. – eu me sentei na cadeira que ficava ao lado da sua cama. – Que tal a da chapeuzinho vermelho?

- Não a conheço... Como é?

- Era uma vez uma menininha chamada chapeuzinho vermelho.

- O nome dela era chapeuzinho?

- Não, era um apelido... O nome dela era... Bella. – eu falei, ganhando um sorriso de aprovação da minha sobrinha. - Ela tinha uma avozinha que morava no meio da floresta. Aí ela foi saltitando igual a uma gazela no meio da floresta e encontrou ... – ai meu Deus, o que foi que ela encontrou? Essa parte eu não lembrava... Vamos, Emmett, pense.- Um urso.

- Um urso? – ela me perguntou.

- É... um urso. – Eu disse.

- E ele tinha nome? – ela perguntou

- Você quer escolher? – eu perguntei.

- Hmmmm... ele vai se chamar... EMMETT. – ela disse, sorrindo. Quanta criatividade... E que irônico, um urso chamado Emmett.

- Está bem... Aí ela perguntou pro urso Emmett “como faço para chegar na casa da vovó”. Mas o urso...

- Ta errado, tio Emmett, você tem que fazer a voz da Bella Chapeuzinho e a voz do Urso. A voz da  Bella Chapeuzinho é fininha e a do Urso é grossa.

- Então tudo bem. – eu disse. – A Bella Chapeuzinho perguntou “como faço para chegar na casa da vovó” e o urso respondeu: “você vai seguir direto pela casa dos três porquinhos”. A Bella Chapeuzinho agradeceu, mal sabendo que o Urso na verdade era um marciano disfarçado.

- Um marciano disfarçado? Porque?

- Pois eles tinham um plano de... de... levar o máximo de criancinhas para fora do planeta para que pudessem pedir um resgate.

- De quanto era o resgate? – ela me perguntou.

- Figurinhas de jogadores de basquete. – eu respondi. – Posso continuar a minha história? – eu perguntei, impaciente. Ela respondeu que sim. – Aí Bella Chapeuzinho chegou à casa deles. “Tem alguém aí”? Mas ninguém respondeu. Ela abriu a porta e viu os três porquinhos caídos no chão e um vampiro bonzinho e vegetariano estava bebendo seu sangue.

- Qual o nome do Vampiro bonzinho, tio Emmett?

- Carlisle?

- Não... – ela discordou.

- Jasper?

- Não, não.

- Drácula? – eu perguntei.

- Não...

- Edward?

- Sim sim, Edward.  

- Claro... Aí o vampiro Edward viu a Bella Chapeuzinho e se encantou por ela. Aí fez uma música para ela e fim.

- Como assim, fim? Não, eu quero saber mais. – Ela me pediu. Quando estava prestes a dizer não, seus olhinhos se encheram de lágrimas... Eu não aguentava Nessie chorando... Dava vontade de chorar também...

- Está bem... Aí a Bella Chapeuzinho prometeu amor eterno a ele se eles chegassem até a casa da vovó da Bella Chapeuzinho. Então eles andaram até que chegaram a uma torre bem alta e tinha uma donzela de longos cabelos loiros chamada...?

- Rosalie!! – ela disse, sorrindo.

- Isso. E Rosalie tinha uma amiga hobbit que se chamava Alice.

- O que é um hobbit? – ela perguntou.

- Depois eu leio Senhor dos Anéis pra você... Bom, aí a linda princesa de longos cabelos tinha um defeito. Ela era mau humorada e não gostou quando seu espelho mágico falou que a Bella chapeuzinho era mais bela do que ela. Então ela mandou o hobbit ir atrás da Bella Chapeuzinho, mas o hobbit se encantou por ela e viraram grandes amigos. Então a princesa se rendeu à menina e acompanhou o vampiro, a guria e o anão...

- Hobbit... – ele me disse, séria.

- Hobbit, isso. Ela os acompanhou até uma colina bem alta onde havia um casebre de madeira. Lá morava um boneco de madeira chamado Pino e...

- Jasper... – ela olhou séria, com os bracinhos cruzados.

- É mais divertido com os membros da família? – eu perguntei. Ela abriu um sorriso e balançou a cabeça. – Que seja. Então o boneco Jasper estava sendo atacado por cupins e o hobbit foi lá e o salvou e então se arrependeu ao descobrir que na verdade ele um boneco chorão e depressivo. “Não temam, meus amigos.” disse Bella Chapeuzinho, “do lado da casa da vovó mora um mago, o mágico de CarlislOZ e ele vai ajudar a gente a transformar este boneco emo num menino emo de verdade”.

- Tio Emmett, o que é emo? – ela me perguntou. Será que esta criança não lê revistas, não vê jornal?

- Vista seu tio Jasper com roupas escuras e deixe-o escutando Simple Plan o dia todo, lamentando-se pela vida. Fim de papo. Deixa eu continuar a história? – eu perguntei impaciente. Depois da sua aprovação eu continuei a historia. – Então eles seguiram pela trilha de tijolos amarelos e encontraram uma fada de cabelos caramelos chamada Esme... Esme está bom pra você?

- Sim, está sim. Mas você pode colocar um lobo na história, não pode? – Lobos em chapeuzinho vermelho? Puff, que piada.

- Não, não posso...

- Porque não? – ela me perguntou.

- Porque é uma história de dormir... Não contos do Zé do caixão. Além do mais, você quer ver a princesa Rosalie se irritar? – eu tinha vencido, eu sabia. Ela não gosta de contrariar Rose. – Pois bem. Aí a fada Esme disse que os ajudaria a chegar com segurança na casa do Mágico de CarlislOZ e da avozinha de Bella Chapeuzinho. Eles continuaram descendo pela trilha e encontraram uma moça chamada Tanya...

- Tanya não. – ela cruzou os bracinhos, fechando um bico. – Ela é uma piriguete.

- Menina lave sua boca. Onde você aprendeu essa palavra?

- No diário de tia Rose. – ela disse. – E mamãe não gosta dela. – ela falou. Rose tinha um diário? E eu não sabia disso? Droga, vou ter que procurar...

- Está bem... Sem Denalis na história.

- E Volturis... Ou Newtons. – ela pediu.

- Você conhece os Newtons? – eu me surpreendi.

- Não, mas papai não gosta deles, pelo menos do filho mais novo, Mike. Vovô Charlie me contou.

- Então sem Denalis, Volturis, Newtons... Algo mais?

- Não sou muito fã de príncipes também... – ela disse. “Nem sua mãe” eu pensei. “Preferiu o vampiro do volvo prata ao príncipe no cavalo branco”.

- Está bem. Agora vou continuar e não me interrompa, está bem?

- Ok. – ela disse, se endireitando na cama.

- Certo. – tomei fôlego e contei a história toda de vez. – Todos eles seguiram até a casa do mágico de CarlislOZ. Encontraram o urso Emmett que era um urso bonito, forte e musculoso e este pediu para ir também pois cansou de procurar criancinhas e ele realmente queria as figurinhas dos jogadores de basquete. Então todos chegaram a uma grande casa na beira da floresta. Bella Chapeuzinho resolveu ir com eles e depois ela iria à casa de sua avó. O mágico atendeu-os e disse que cada um podia fazer um pedido. O boneco pediu para ser um garoto loiro e emo de verdade. A hobbit pediu um guarda-roupa ilimitado para ela e para toda a sua nova família. O vampiro Edward pediu o amor da Bella Chapeuzinho por toda sua vida, mas se arrependeu de ter feito o pedido antes dela, pois ela pediu pra se transformar em vampira. Rosalie pediu alguém que a admirasse por toda a vida e ganhou o urso Emmett. Este, por sua vez, pediu mais força do que todos os seus novos irmãos juntos. A fada pediu um companheiro para que ela pudesse cuidar por toda a vida e ganhou o mágico. Bella Chapeuzinho não pôde visitar sua avó por um tempo por causa de seus olhos vermelhos e todos eles viveram felizes, caçando e cuidando de uma criança meio humana meio vampira chamada Renesmee. Fim.

Olhei para a criança adormecida na grande cama de Edward. Droga. Ela não podia ter escutado até a história acabar? Demorou horrores pra eu pensar em alguma coisa legal e que envolvesse toda a nossa família e a guria dorme? Bom, melhor do que nada.

Desci as escadas procurando alguma coisa para fazer. Silêncio. Ninguém havia chegado... Que tédio. Fui assistir televisão... 276 canais e nada de bom passando... Fui olhar a geladeira, mas lembrei: eu não como. Fui ler um livro, mas já tinha lido a coleção completa de Dr. Seuss e não havia outro tipo de leitura que me interessasse... As outras não tinham rimas. Então tive a idéia...

Comecei a escrever... Meu próprio livro de histórias. Sabia todas as histórias da Disney, era só interligar. Consegui escrever minha história em menos de uma hora. Quando Rose chegou em casa, fui correndo mostrá-los a ela.

- Contos do Tio Emmett... – ela leu o título.

- Não é legal amor? – eu perguntei.

- Fala sobre o que? – ela quis saber.

- São crônicas, amor... Várias historinhas... Tem Capitão Gancho encontra o Bambi, A Pequena Sereia e o Pescador, A Bela, a Fera e Van Helsing, Ali baba e os 40 vampiros vegetarianos...

- Meu amor... Estou tão orgulhosa de você ter feito algo construtivo e não ter usado sua criatividade para destruir coisas...

- Bem... Não necessariamente.

- Como assim, Emmett... Você usou sua capacidade criativa pra fazer algo... Legal. – ela me cumprimentou pelo meu esforço com um beijinho. – Até a capa você fez bonitinha e... – então, ela abriu a primeira página. – Emmett, você escreveu seu livro em meu diário?

- É que ele era tão bonito e eu não achei nenhum caderno...

- Emmett, meu diário? – ela bufou.

- Rose, lembre-se... Você disse que eu estava sendo criativo e não estava destruindo nada.

- Você destruiu meu diário para escrever historinhas infantis que ninguém vai ler. – ela gritou.

- Assim você me magoa. – eu tentei parecer triste, mas ela não deu o braço a torcer.

- Quer ser criativo? Vou dar um quebra-cabeças pra você montar.
––––––––––-
Ouvi a voz de Edward e Bella chegando em casa de manhã cedinho.

- Pessoal, onde estão? – Edward perguntou.

- Estamos aqui. – Rose gritou da cozinha.

- E Emmett, onde está?

- Depende... – ela falou. – Os braços estão aqui comigo.

- Você... Você despedaçou Emmett? – Bella perguntou.

- Só os braços... O resto do corpo está inteiro, lá na sala. – Ela disse.

- Mas... porque...? – Bella perguntou, mas refletindo sobre o que eu poderia ter feito. – Quer saber... deixa pra lá. Renesmee já acordou? – ela subiu as escadas.

- Ursinha!!! – eu gritei. – Por favor, por favor, devolva meus braços. Prometo que eu não uso mais seu diário pra escrever meus livros.

- Espero que sim, Emmett. A próxima bobagem eu arranco sua cabeça pra que você não precise pensar em nada. Vou pro meu quarto.

- Puxa vida, cara... – Edward veio me ajudar com meus braços. – É melhor você não vacilar... Ela estava falando sério.

- É, é melhor eu não mexer com ela e... – eu parei e lembrei de um detalhe. – É melhor eu sair daqui.

- EMMETT!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! – Eu ouvi os gritos de Rose enquanto eu corria floresta adentro.

Droga... Será que ela ficaria muito zangada por eu ter pego um dos vestidos de noiva dela para me cobrir enquanto pintava a capa do livro? Melhor passar uns dias na floresta... Será que eu já sou bem vindo em La Push? Vou até a fronteira descobrir...
–––––––––––––––––

- Ei, vampirão. – Aquele Sam, amigo de Jacob, gritou. – Está fazendo o que aqui?

Aparentemente não. Então, é isso... Ficarei aqui na floresta... Sozinho... Igual a um garoto perdido... Abandonado... Órfão. Ei, tive uma idéia para uma nova história. Oliver Twist e o Gigante Golias na ilha de Lost. Será que vai dar certo?... É melhor eu começar a escrever.

“Emmett tirou do bolso o antigo diário de Rosalie e começou a escrever. Nem passou por sua grande cabeça oca que ali continham os segredos que a sua esposa nunca quis lhe contar... Estava ocupado demais tentando ser um famoso escritor de histórias infantis. Então assim ele passou alguns dias, escrevendo e esperando que, quando chegasse em casa, sua esposa estivesse mais calma e não quisesse desmembrá-lo”.

- É... acho que está bom assim. – Bella disse a Edward.

- Uma história contada por Emmett. Genial meu amor. – Edward disse, sorrindo.

- Espera, eu não sou assim. – Emmett se defendeu.

- Lógico que é... Eu sou mandona? – Alice quis saber.

Então os Cullens ficaram discutindo noite adentro sobre a história de Emmett. Esta seria a primeira das muitas outras histórias escritas pela família.

- E fim. – Disse Emmett.   

Pessoal, desculpe se a fic não ficou tão boa... fiz às pressas enquanto a outra não fica pronta... Beijinhos

Pedro Kilkerry (Poemas Avulsos)

Pintura de Richard S. Johnson
SOB OS RAMOS

É no Estio. A alma, aqui, vai-me sonora,
No meu cavalo — sob a loira poeira
Que chove o sol — e vai-me a vida inteira
No meu cavalo, pela estrada afora.

Ai! desta em que te escrevo alta mangueira
Sob a copada verde a gente mora.
E em vindo a noite, acende-se a fogueira
Que se fez cinza de fogueira agora.

Passa-me a vida pelo campo... E a vida
Levo-a cantando, pássaros no seio,
Qual se os levasse a minha mocidade...

Cada ilusão floresce renascida;
Flora, renasces ao primeiro anseio
Do teu amor... nas asas da Saudade!

“ESSA, QUE PAIRA EM MEUS SONHOS”
Essa, que paira em meus sonhos,
Em meus sonhos a brilhar,
E tem nos lábios risonhos
O nácar do Iônio — Mar —
Numa fantasia estranha,
Estranhamente a sonhei
E de beleza tamanha,
Enlouqueci. É o que sei.
Ela era, em plaustro dourado
Levado de urcos azuis,
De Paros nevirrosado,
Ombros nus, os seios nus...
E que de esteiras de estrelas,
De prásio, opala e rubim!
Na praia perto, por vê-las
Vi que saltava um delfim
Que longamente as fitando
Alçou a cauda, a tremer
E outros delfins, senão quando
Aparecer.

CETÁCEO

Fuma. É cobre o zenite. E, chagosos do flanco,
Fuga e pó, são corcéis de anca na atropelada.
E tesos no horizonte, a muda cavalgada.
Coalha bebendo o azul um largo vôo branco.

Quando e quando esbagoa ao longe uma enfiada
De barcos em betume indo as proas de arranco.
Perto uma janga embala um marujo no banco
Brunindo ao sol brunida a pele atijolada.

Tine em cobre o zenite e o vento arqueja e o oceano
Longo enfroca-se a vez e vez e arrufa,
Como se a asa que o roce ao côncavo de um pano.

E na verde ironia ondulosa de espelho
Úmida raiva iriando a pedraria. Bufa
O cetáceo a escorrer d'água ou do sol vermelho.

RITMO ETERNO

Abro as asas da Vida à Vida que há lá fora.
Olha... Um sorriso da alma! — Um sorriso da aurora!
E Deus — ou Bem! ou Mal — é Deus cantando em mim,
Que Deus és tu, sou eu — a Natureza assim.

Árvore! boa ou má, os frutos que darás
Sinto-os sabendo em nós, em mim, árvore, estás.
E o Sol, de cujo olhar meu pensamento inundo,
Casa multiplicando as asas deste mundo...

Oh, braços para a Vida! Oh, vida para amar!
Sendo uma onda do mar, dou-me ilusões de um mar...
Alvor, turquesa, ondula a matéria... É veludo,

É minh'alma, é teu seio, e um firmamento mudo.
Mas, aos ritmos da Terra, és um ritmo do Amor?
Homem! ouve a teus pés a Natureza em flor!

É O SILÊNCIO...

É o silêncio, é o cigarro e a vela acesa.
Olha-me a estante em cada livro que olha.
E a luz nalgum volume sobre a mesa...
Mas o sangue da luz em cada folha.

Não sei se é mesmo a minha mão que molha
A pena, ou mesmo o instinto que a tem presa.
Penso um presente, num passado. E enfolha
A natureza tua natureza.
Mas é um bulir das cousas... Comovido
Pego da pena, iludo-me que traço
A ilusão de um sentido e outro sentido.
Tão longe vai!
Tão longe se aveluda esse teu passo,
Asa que o ouvido anima...
E a câmara muda. E a sala muda, muda...
Afonamente rufa. A asa da rima
Paira-me no ar. Quedo-me como um Buda
Novo, um fantasma ao som que se aproxima.
Cresce-me a estante como quem sacuda
Um pesadelo de papéis acima...
..........................................

E abro a janela. Ainda a lua esfia
Últimas notas trêmulas... O dia
Tarde florescerá pela montanha.

E oh! minha amada, o sentimento é cego...
Vês? Colaboram na saudade a aranha,
Patas de um gato e as asas de um morcego.

 VINHO

Alma presa da Grécia, em prisão de turquesa!
Vibre a Vida a cantar nessas taças à Vida,
Como, dentro do Sangue, a Alma da Natureza
— Num seio nu, num ventre nu, — ferve incendida!

Vinho de Cós! e quente! a escorrer sobre a mesa
Como um rio de fogo, onde vela perdida,
Braço branco, embalada à flor da correnteza,
Floresce ao sol, floresce à luz, floresce à Vida!

Oh! benvinda; benvinda essa vela que chega!
Nau de rastro que traz a ilusão de uma grega
Descerrando à Volúpia a clâmida aquecida...

Vinho de Cós! vinho de Cós! e os nossos olhos
De Virgílios a errar entre vagas e escolhos,
Argonautas de Amor sobre os mares da Vida!

 EVOÉ

Primavera! — versos, vinhos...
Nós, primaveras em flor.
E ai! corações, cavaquinhos
Com quatro cordas de Amor!

Requebrem árvores — ufa! —
Como as mulheres, ligeiro!
Como um pandeiro que rufa
O Sol, no monte, é um pandeiro!

E o campo de ouro transborda...
Ó Primavera, um vintém!
Onde é que se compra a corda
Da desventura, também?

Agora, um rio, água esparsa...
Nas águas claras de um rio,
Lavem-se penas à garça
Do riso, branco e sadio!

E o dedo estale, na prima...
Que primaveras, e em flor!
Ai! corações, uma rima
Por quatro versos de Amor!

FLORESTA MORTA
Por que, à luz de um sol de primavera
Uma floresta morta? Um passarinho
Cruzou, fugindo-a, o seio que lhe dera
Abrigo e pouso e que lhe guarda o ninho.

Nem vale, agora, a mesma vida, que era
Como a doçura quente de um carinho,
E onde flores abriam, vai a fera
— Vidrado o olhar — lá vai pelo caminho.

Ah! quanto dói o vê-la, aqui, Setembro,
Inda banhada pela mesma vida!
Floresta morta a mesma coisa lembro;

Sob outro céu assim, que pouco importa,
Abrigo à fera, mas, da ave fugida,
Há no peito uma floresta morta.

O VERME E A ESTRELA
Agora sabes que sou verme.
Agora, sei da tua luz.
Se não notei minha epiderme...
É, nunca estrela eu te supus
Mas, se cantar pudesse um verme,
Eu cantaria a tua luz!

E eras assim... Por que não deste
Um raio, brando, ao teu viver?
Não te lembrava. Azul-celeste
O céu, talvez, não pôde ser...
Mas, ora! enfim, por que não deste
Somente um raio ao teu viver?

Olho, examino-me a epiderme,
Olho e não vejo a tua luz!
Vamos que sou, talvez, um verme...
Estrela nunca eu te supus!
Olho, examino-me a epiderme...
Ceguei! ceguei da tua luz?

 HORAS ÍGNEAS

I
Eu sorvo o haxixe do estio...
E evolve um cheiro, bestial,
Ao solo quente, como o cio
De um chacal.

Distensas, rebrilham sobre
Um verdor, flamâncias de asa...
Circula um vapor de cobre
Os montes — de cinza e brasa.

Sombras de voz hei no ouvido
— De amores ruivos, protervos —
E anda no céu, sacudido,
Um pó vibrante de nervos.

O mar faz medo... que espanca
A redondez sensual
Da praia, como uma anca
De animal.

II
O Sol, de bárbaro, estangue,
Olho, em volúpia de cisma,
Por uma cor só do prisma,
Veleiras, as naus — de sangue...

III
Tão longe levadas, pelas
Mãos de fluido ou braços de ar!
Cinge uma flora solar
— Grandes Rainhas — as velas.
Onda por onda ébria, erguida,
As ondas — povo do mar —
Tremem, nest'hora a sangrar,
Morrem — desejos da Vida!

IV
Nem ondas de sangue... e sangue
Nem de uma nau — Morre a cisma.
Doiram-me as faces do prisma
Mulheres — flores — num mangue...

Fonte:
Apostila 12 de Simbolismo - Literatura Brasileira

Pedro Kilkerry (1885 – 1917)

(Salvador BA, 1885 - 1917)

Formou-se bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais na Faculdade de Direito da Bahia, em 1913.

Na época, já atuava como colaborador das revistas Nova Cruzada, Os Anais, Via Láctea, A Voz do Povo e de vários jornais, entre os quais A Tarde, A Gazeta do Povo e Jornal Moderno, onde publicou a série de crônicas Quotidianas - Kodaks.

Foi advogado e escriturário da Repartição de Contabilidade do Tribunal de Contas de Salvador.

Poeta simbolista, Kilkerry não publicou livro em vida. Apenas em 1971 ocorreria a publicação póstuma de 36 de seus poemas, no livro ReVisão de Kilkerry, de Augusto de Campos.

Para Campos, “Kilkerry não só compreendeu mais conscientemente que outros simbolistas o papel desempenhado na criação pelo subconsciente - mais tarde supervalorizado pelo Surrealismo - como soube levar mais longe a liberdade de associação imagética.

Por outro lado, a capacidade de síntese, assim como a consciência das limitações da sintaxe ordinária, são mais agudas em Kilkerry do que em qualquer outro poeta do nosso Simbolismo”.

Fonte:
Apostila 12 de Simbolismo - Literatura Brasileira