segunda-feira, 25 de março de 2019

Ariano Suassuna (A Morte do Touro Mão de Pau)


"Ariano Suassuna escreveu esse poema em memória de seu pai, assassinado em 1930"

Corre a Serra Joana Gomes
galope desesperado:
um touro se defendendo,
homens querendo humilhá-lo,
um touro com sua vida,
os homens em seus cavalos.

Cortava o gume das pedras
um bramido angustiado,
se quebrava nas catingas
um galope surdo e pardo
e os cascos pretos soavam
nas pedras de fogo alado,
enquanto o clarim da morte,
ao vento seco e queimado,
na poeira avermelhada
envolvia os velhos cardos.

Rasgavam a serra bruta
aboios mal arquejados
e, nas trilhas já cobertas
pelo pó quente e dourado,
um gemido de desgraça,
um gemido angustiado:

- "Adeus, Lagoa dos Velhos!
adeus, vazante do gado!
adeus, Serra Joana Gomes
e cacimba do Salgado!
O touro só tem a vida:
os homens têm seus cavalos"!

O galopar recrescia:
brilhavam ferrões farpados
e algemas de baraúna
para o touro preparados.
Seu Sabino tinha dito:
- "Ele há de vir amarrado"!

Miguel e Antônio Rodrigues,
de guarda-peito e encourados,
na frente do grupo vinham,
montados em seus cavalos
de pernas finas, ligeiras,
ambos de prata arreados.
E, logo à frente, corria
o grande touro marcado,
manquejando sangue limpo
nos caminhos mal rasgados,
cortadas as bravas ancas
por ferrões ensanguentados.

A Serra se despenhava
nas asas de seus penhascos
e a respiração fogosa
dos dois fogosos cavalos
já requeimava, de perto,
as ancas do manco macho
quando ele, vendo a desonra,
tentando subjugá-lo,
mancando da mão preada
subiu num rochedo pardo:

Num grito, todos pararam,
pelo horror paralisados,
pois sempre, ao rebanho, espanta
que um touro do nosso gado
às teias da fama-negra
prefira o gume do fado.
E mal seus perseguidores
esbarravam seus cavalos,
viram o manco selvagem
saltar do rochedo pardo:

-"Adeus, Lagoa dos Velhos!
Adeus, vazante do gado!
Adeus, Serra Joana Gomes
e cacimba do Salgado!
Assim vai-se o touro manco,
morto mas não desonrado"!

Silêncio. A Serra calou-se
no poente ensanguentado.
Calou-se a voz dos aboios,
cessou o troar dos cascos.
E agora, só, no silêncio
deste sertão assombrado,
o touro sem sua vida,
os homens em seus cavalos.

Arthur de Azevedo (A Ritinha)


 Naquela noite o Flores entrou em casa oprimido por um sentimento penoso, que não podia definir.

Tinham-lhe dito que estava no Rio de Janeiro a Ritinha, aquela interessante menina que há trinta anos, lá na província, fora o seu primeiro amor e a sua primeira mágoa.

Andou morto por vê-la, não que lhe restasse no coração nem no espírito outra coisa senão a saudade que todos nós sentimos da infância e da adolescência, - queria vê-la por mera curiosidade.

Satisfizera o seu desejo naquela noite, quando menos o esperava, num teatro. Ela ocupava quase um camarote inteiro com a sua corpulência descomunal.

Mostrou-lha um comprovinciano e amigo:

- Não querias ver a Ritinha? Olha! Ali a tens!

- Onde?

- Naquele camarote.

- Quê! aquela velha gorda?...

- É a Ritinha!

- Virgem Nossa Senhora! - E aquele homem de óculos azuis, que está de pé, no fundo do camarote? É o marido!

- Qual marido! É o genro, casado com a filha, aquela outra senhora muito magra que está ao lado dela. O marido é o velhote que está quase escondido por trás do enorme corpanzil da tua ex-namorada.

O Flores, estupefato, contemplou e analisou longamente aquela mulher, que fora o seu primeiro amor e a sua primeira mágoa.

Não podia haver dúvida: era ela. O olhar tinha ainda coisa do olhar de outrora. Com aqueles destroços ele foi reconstituindo mentalmente, peça por peça, a estátua antiga. Tinha a visão exata do passado.

Representava-se uma comédia. Ritinha ria-se de tudo, de todas as frases, de todos os gestos, de todas as jogralices dos atores com uma complacência, de espectadora mal-educada e por isso mesmo pouco exigente.

Aquelas banhas flácidas, agitadas pelo riso, tremiam convulsivamente dentro da seda do vestido, manchado pelo suor dos sovacos.

O genro, que se conservava sério e imperturbável, lançava-lhe uns olhos repreensivos e inquietos através dos óculos azuis. Ela não dava por isso.

- Que diabo vieram eles fazer ao Rio de Janeiro? perguntou o Flores.

- Nada... apenas passear.. . estão de passagem para a Europa.

E aí está por que o Flores entrou em casa oprimido por um sentimento que não sabia definir.

Quando ele se espichou na cama estreita de solteirão, e abriu o livro que o esperava todas as noites sobre o velador, não conseguiu ler uma página. Todo o seu passado lhe afluía à memória.

Ele e Ritinha foram companheiros de infância. Eram vizinhos, - brincaram juntos e juntos cresceram. Tinham a mesma idade.

Depois de dezessete anos, aquela afeição tomou, nele, nela não, um caráter mais grave: transformou-se em amor.

Mas Ritinha era já uma senhora e Flores ainda um fedelho.

Como o desenvolvimento fisiológico da mulher é mais precoce que o do homem, raro é o moço que ao desabrochar da vida não teve amores malogrados.

Foi o que sucedeu ao nosso Flores. Ritinha não esperou que ele crescesse e aparecesse: tendo-se-lhe apresentado um magnífico partido, fez-se noiva aos dezoito anos.

O desespero do rapaz foi violento e sincero. Ele era ainda um criançola, mas tinha a idade de Romeu, a idade em que já se ama.

Um pensamento horroroso lhe atravessou o cérebro: assassinar Ritinha e em seguida suicidar-se.

Premeditou e preparou a cena: comprou um revólver, carregou-o com seis balas, e marcou para o dia seguinte a perpetração do atentado.

Deitou-se, e naturalmente passou toda a noite em claro.

Ergueu-se pela manhã, vestiu-se, apalpou a algibeira e não encontrou a arma.

- Oh!

Procurou-a no chão, atrás do baú, por baixo da cômoda: nada!

 - Para que precisas tu de um revólver, meu filho? perguntou a mãe do rapaz, entrando no quarto.

- Está com a senhora?

- Está.

- Mas como soube...?

- As mães adivinham.

Flores não disse mais nada: caiu nos braços da boa senhora, e chorou copiosamente. -

Ela, que conhecia os amores do filho, deixou-o chorar a vontade; depois, enxugou-lhe os olhos com os seus beijos sagrados, e perguntou-lhe:

- Que ias tu fazer, meu filho? Matar-te?

- Sim, mas primeiro mata-la-ia também!

- E não te lembraste de mim?... não te lembraste de tua mãe?...

- Perdoe.

E nova torrente de lágrimas lhe inundou a face.

- Ouve meu filho: na tua idade feliz um amor cura-se com. outro. O que neste momento se te afigura uma desgraça irremediável, mais tarde se converterá numa recordação risonha e aprazível. Se todos os moços da tua idade se matassem por causa disso, e matassem também as suas ingratas, há muito tempo que o mundo teria acabado. Raros são os que se casam Com a sua primeira namorada. O que te sucedeu não é a exceção, é a regra. O mal de muitos consolo é.

- Eu quisera que Ritinha não pertencesse a nenhum outro homem!

- Matá-la? Para quê? Ela desaparecerá sem morrer... nunca mais terá dezoito anos... A idade transforma-nos tal qual a morte. Não imaginas como tua mãe foi bela!

O velho Flores, pai do rapaz, informado por sua mulher do que se passara, e receoso de que o filho, impulsivo por natureza, praticasse algum desatino, resolveu mandá-lo para o Rio de Janeiro, onde ele chegou meses antes do casamento de Ritinha.

Naquela noite o Flores, quase quinquagenário, chefe de repartição, lembrava-se das palavras maternas e reconhecia quanta verdade continham.

Ainda naquele momento sua mãe, que há tantos anos estava morta, parecia falar-lhe, parecia dizer-lhe:

- Não te dizia eu?

- E que impressão receberia Ritinha se me visse? pensou ele. Também eu sou uma ruína...

O Flores apagou a vela, adormeceu e sonhou com ambas as Ritinhas, a do passado e a do presente.

Dali por diante, todas as vezes que encontrava esta última, dizia consigo:

- Olhem se eu a tivesse matado!

J. G. de Araújo Jorge (Inspirações de Amor) II



A VIDA QUE EU SONHEI... 

Eu sonhei para mim, uma vida discreta
num lugar bem distante, a sós, tendo-te ao lado
- num castelo que fiz lá num reino encantado,
nesse reino que eu chamo o coração de um poeta…

Sonhei... Vi-me feliz na solidão de  asceta,
bem longe deste mundo, a rir, despreocupado…
- acordando a escutar no arvoredo o trinado
das aves, e a dormir fitando a lua inquieta…

Vivia na ilusão daquele que ainda crê,
na vida, e o meu amor, eu o tinha idealizado
no romance de um lar coberto de sapê…

- Mentiras que eu sonhei!... No entanto hoje me ponho
muita vez a pensar no tal reino encantado
e sinto uma saudade imensa do meu sonho!…

A VOZ DA CONSCIÊNCIA

Não pares, caminheiro!... É longa esta jornada!...
Avante! Avante sempre! - e hás de vencer um dia.
A estrada onde hoje vais é a estrada da agonia
da vida, e vai findar na imensidão do nada...

Que importa, porém, morrer... (Já me esquecia
de que devo exortar-te apenas à avançar...)
Anda! Segue a cantar! Não deixes que, cansada,
tua alma, da descrença, habite a moradia...

Avante!... Hás de trazer no peito a flor da glória,
flor de espinhos, talvez, do teu Calvário
cujo ponto final vai terminar na história...

Conquista teu viver... embora de um segundo!...
O segundo que tens, é o direito usuário
que o destino te deu de visitar o mundo!.…

ADIVINHA-SE
Quando tu passas, sob o teu vestido
na ousadia das formas
adivinha-se
- o desejo incontido,
- essa vontade,       
da carne que se sente prisioneira
e que arrogantemente se rebela
em ânsias de liberdade....

Adivinha-se o desejo
da carne que não tarda a ser mulher...
- da semente que quer romper o chão...
- da flor que abre a corola ao sol          
a esperança  
do louro pólen da fecundação!…

ADORAÇÃO SUPREMA

Quando cerro os meus olhos, na minha grande noite
eternamente vejo a tua imagem,
tua doce figura
como uma silhueta de luz a recordas a sombra...

Se eu cerrasse os meus olhos neste instante a derradeira vez,
na última tarde da vida
e mandassem revelar depois minhas retinas,
veriam tua imagem refletida...

Por que eu hei de levar comigo essa imagem de luz
que ilumina a minha alma triste e enche o meu pensamento
quando cerro os meus olhos e medito...

Hei de levar-te dentro dos meus olhos tristes
quando a morte os vidrar,
e eles serão talvez para a tua imagem adorada e querida
o caixão de vidro da Branca de Neve morta, entre os anões da lenda,
que moram muito longe, muito alto,
num longínquo planalto,
num bosque encantado e feliz sobre uma rocha imensa de granito...

Hei de levar-te comigo, para que possas guiar meus passos
por entre as sombras que despencarão sobre as nossas cabeças
para além do infinito!

AMARGURA

Só podes me ofertar o silêncio  e a amargura,
- meu pobre amor de ti só espera a indiferença...
Perdoa o meu amor... perdoa-me a loucura
que quem tem, como eu tenho, um coração, não pensa...

Há muito pela vida eu seguia à procura
de alguém que viesse encher de luz minha descrença...
Foi então que te vi... e julguei que a ventura
pudesse ainda encontrar nesta jornada imensa...

E foi assim que um dia eu fui sentimental...
Acreditei no amor... E, talvez por castigo
fizeste-me sofrer - mas não te quero mal...

Quem amou, fui eu só... Eu nunca fui amado!...
Mereço a minha dor, e este sofrer bendigo
na amargura cruel de me julgar culpado!

AMEAÇA…

Os teus olhos estão cheios de umidade
meus olhos sentem frio quando encontram os teus...

Se aperto tua mão, sinto-a muda, distraída
como se estivesse sozinha,
-ah! Nunca pudeste compreender
a íntima razão por que os meus dedos trêmulos
procuram demorá-la um pouco mais na minha!

Os teus lábios me falam de amor
como se tratassem
de algum tema banal sem emoção, nem cor...
Por isso, não compreendes que os meus lábios tratem
de um tema banal qualquer
te falando de amor!

As vezes, receio
que a tua indiferença mate o meu orgulho
e a paixão que domino a custo, se liberte
louca!
-e eu te tome em meus braços como alucinado
e deixando o amor-próprio ferido de lado
numa febre cruel machuque a tua boca!

Não importa, depois, que te revoltes
e até me esbofeteies!
Prefiro esse ódio, sim, eu quero que me odeies!
Quero que ao me encontrares, os teus olhos brilhem
mais, ardendo contra mim
de indignação!

Quero tudo de ti! Não quero indiferença
que me castiga assim, e é martírio
e é doença
e faz da minha angústia uma alucinação

E guarda o que te digo
neste instante:
– eu nasci para ser teu inimigo
ou teu amante
mas nunca um teu amigo
ou teu irmão!

Está, pois, como vês, nas tuas mãos
escolher
o que queres que eu seja
ou o que terei de ser!

AMO!

     Amo a terra! Amo o sol! Amo o céu! Amo o mar!
Amo a vida! Amo a luz! Amo as árvores! Amo
a poesia que escrevo e entusiasta declamo
aos que sentem como eu a alegria de amar!

Amo a noite! Amo a antiga palidez do luar!
A flor presa aos cabelos soltos de algum ramo!
Uma folha que cai! Um perfume no ar
onde um desejo extinto sem querer inflamo!

Amo os rios! E a estranha solidão em festa,
dessa alma que possuo multiforme e inquieta
como a alma multiforme e inquieta da floresta!

Amo a cor que há nos sons! Amo os sons que há na cor!
E em mim mesmo - amo a glória de sentir-me um Poeta
e amar imensamente o meu imenso amor!.

AQUARELA

  Pelo jardim ( será o jardim dos poetas ?)
andam sombras aos pares enlaçadas,
- no alto, trançam-se todas as ramadas
cheias de flores, de botões repletas...

Ainda se ouvem das aves atrasadas
um ruflar de asas trêmulas e inquietas,
- andam faunos e ninfas nas estradas
à procura das sombras mais discretas...

Vivem beijos pelo ar: morrem suspiros !
e a criança, pés descalços, corre o vento
na quietude amorosa dos retiros...

Todos se amam, meu Deus ! E eu só, sozinho !
Quem me dera afinal neste momento
vê-la cruzar adiante em meu caminho !

Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou. vol. 1. SP: Ed. Theor, 1965.

domingo, 24 de março de 2019

Daniel Maurício (Poemas Avulsos) II


Acreditei quando dissestes
Que o teu coração era meu
Mas que pena
Pois o coração era apenas
Uma tatuagem de henna
Que o tempo apagou.
______________________________

Ainda ecoam na memória
Os cânticos, preces e sermões
Vindos da singela igrejinha
Que já há muito não existe mais.
Ardem as lembranças
Sangra o peito com os ais...
Entre o sono e os sonhos
Aconchega-se a criança
Cheia de esperança
Nos braços que pareciam eternos
Da agora saudosa mãe.
___________________________

A linha do tempo
Filtra os sonhos
Longínquas
As imagens borradas da aquarela
Na visão míope
De quem olha pela janela
Finalmente ganham contorno.
____________________________

Depois que ganhei teu beijo
Mora em mim
Um gostinho de quero mais.
___________________________

Enquanto tu não vens
Guardo minhas vontades
Em pequenas caixas de veludo
E não me iludo
Pois na hora certa
Uma a uma vou poder te dar.
Dentro dos olhos
Trago a face oculta da lua
No abre e fecha
Das janelas da rua
Tento descobrir em qual delas estás.
Nas costas das mãos
Ensaio mil beijos
Olhando o jardim
Disfarço meus desejos
Repetindo os mantras
Dos velhos irmãos.
Se o sol se cansa
Desmaiando atrás dos montes
Tiro luz de outras fontes
E em vigília sonha meu coração.
________________________________

Entre as árvores
O sol transpassa
Deixando na calçada da praça
Flores e folhas
Tecidas em renda.
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Nas folhas do outono
A aranha tece o seu sonho
Viajar para Paris
Foi sempre tudo
O que ela mais quis.
______________________________

No bailar das ondas
Meus pensamentos
Vem e vão,
Mas não em vão.
Nas reticências do teu olhar
Saboreio devagar
O doce encontro
Dos nossos corpos.
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O teu abraço
Desatou minhas asas
Tão feliz,
Como quem volta pra casa
No azul,
Minh'alma envolvi.
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Quanto mais
Em mim mergulho
Mais descubro
Você em mim.
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Rimam nossos lábios
Em estalados beijos
Bebo da tua água
Sem me cansar
Comes do meu pão
Há tanto tempo
E o tempo só tempera
O nosso amar.
_______________________

Sonhando com o paraíso
Na paineira florida
Descanso o meu olhar.

Contos e Lendas do Mundo (África: Os Pequenos Acrobatas do Rio)


Na aldeia de Sakata, os meninos brincam à  volta da árvore. Mas isso não os impede de estarem atentos a qualquer pequeno ruído que venha do Congo, o grande rio que corre perto dali. Estão à  espera de que o barco passe.

- Ei! Olha o barco! Já lá vem o barco-correio! 

Para Kembo é um dia importante. Quando o barco que transporta tantas mercadorias maravilhosas abrandar a velocidade, ele vai aproximar-se e pôr as mãos no casco. Até há de subir a bordo. A manobra é arriscada, mas Kembo está decidido.

- Mido, Eloni, vamos! Temos de ser os primeiros a acostar! 

Enquanto Mido e Eloni pegam nos remos do pangaio, Kembo grita:

- Cuidado! A piroga vai meter água! Vejam que tem um buraco à frente!

Kembo tapa o buraco com um pouco de barro.

- Agora podemos ir. A minha mãe quer que lhe traga sabão e uma camiseta.

As folhas dos nenúfares agitam-se à passagem deles. Escondido debaixo da copa de um cogumelo, um sapo está quase a apanhar um inseto. Que sossego! Mas, de repente, o sapo esconde-se, e os pássaros levantam voo com grande alarido. O que terá causado toda aquela agitação, pregando um susto de morte às crianças? A serpente negra que assombra o rio. Ela acaba de escapulir por entre as ervas altas. Kembo começa então a entoar a canção de Sakata, a Nossa Aldeia, uma canção que dá coragem.

No rio agitado, eh! eh!
É preciso remar com força eh!
No rio agitado
É preciso remar com força.

Ao longe, outras crianças pescadoras retomam o refrão. Kembo e os amigos voltam a subir a corrente com mais vigor. Em breve, a piroga sai das águas calmas da floresta e entra nas do rio. No sítio em que os dois braços de água se encontram, as ondas fervilham, formam um turbilhão. Mido e Eloni gritam:

- Temos medo! Kembo, voltamos para trás!

- Nem pensar - diz Kembo. - Não vamos desistir!

Um vento forte arrasta a piroga. O pânico apodera-se dos amigos de Kembo. Mas Kembo sabe desviar-se dos perigos, ultrapassar as armadilhas da água, e diz:

- Quietos! Nada de fazer força. Temos de nos deixar levar pela corrente. 

A piroga é sacudida por todos os lados. E depois, de repente, ei-la que sai do turbilhão. Kembo e os amigos esperam com impaciência a aproximação do barco, que abranda mas não pára.

Os passageiros olham para as crianças, admirados. Alguns gritam:

- Afastai-vos! Os redemoinhos são perigosos

Á primeira onda, a piroga sobe até a crista. Os passageiros do barco ficam embasbacados perante a destreza de Kembo e dos amigos, que, certos do sucesso da sua proeza, cantam com toda a força.

Da margem, os pais seguem o espetáculo.

- Oh! Que habilidade! Que acrobatas corajosos! Será que vão conseguir encostar o barco? Eu nem me atrevo a olhar!

Alguns pais gritam, manifestando o seu medo.

- Os nossos filhos trazem os amuletos, consigo ver daqui as fitas vermelhas!

Os rapazes não conseguiram a acostagem. O choque contra o flanco do barco foi duro e a emoção forte quando as crianças ouviram rebentar o pedaço de barro que tapava o buraco da piroga. Mas Kembo e os amigos mantiveram o sangue-frio.

- Depressa, a outra piroga - grita Kembo.

A outra piroga pertence, seguramente, a um pescador que já entrou no barco-correio. Kembo salta para dentro, pega numa amarra e atira-a para as mãos que se agitam acima dele. De repente, a corda estica.

- Consegui! - grita Kembo, que já está a bordo.

Mas Eloni e Mido têm menos sorte, a piroga volta-se e ei-los na água. Falharam.

A bordo do barco-correio era um autêntico mercado. Vendia-se lá de tudo. Vê-se uma coisa amarela e preta a brilhar na penumbra. Será um brinquedo? Kembo aproxima-se. O produto à  venda é uma jiboia.

- Nioka! Nioka! (Serpente!Serpente!) - grita Kembo, cheio de medo. E foge a correr.

Cheira muito bem debaixo do telhadilho de madeira. Os passageiros saboreiam mandioca que as mulheres acabam de fritar em óleo de palma. Fazem-se trocas e conversa-se. Os habitantes ribeirinhos acabam de acostar, trazem peixe e banana para fritar. Mas Kembo não pode atrasar-se, tem compras a fazer. 

Kembo escapa-se por entre as mercadorias. Chega diante da exposição de conservas, de vestidos e de tangas, onde, finalmente encontra o que procurava. Enquanto espera que o sabão e a tee-shirt sejam embrulhados, Kembo vê, ao fundo do barco, um carro carregado de caixotes. São medicamentos para um hospital da Cruz-Vermelha, explica o comerciante.

- Pega! Aqui estão as compras para a tua mãe!

A sirene apitou. Rápido, rápido! Temos de sair depressa, que o barco vai ganhar velocidade! Kembo esconde o embrulhinho com segurança dentro do calção e, splash!, mergulha. Nada como um peixe até chegar junto de Eloni e Mido, que estão na água.

O barco afasta-se. Balançado pelo turbilhão dos redemoinhos, as crianças disputam entre si a agilidade para saltarem para a piroga virada. Mido e Eloni estão desiludidos. Mas não passa de uma oportunidade perdida. Da próxima vez que o barco-mercado passar, subirão a bordo com o Kembo. Dessa vez, é certo que vão conseguir.

Fonte: 

sexta-feira, 22 de março de 2019

Sarau Literário em Belo Horizonte/MG, em 29 de Março


Dia 29/03/18, às 17 Horas

- Honre-nos com sua presença e participação!

A Exposição no Mural acontece de 08 a 29/03/19. Visite-nos! Divulgue.

Aguardamos todos.

Paulo José - Pajo
Presidente do Clube Literário Marconi Montoli - CLMM
Coordenador do COLECULT Atelier das Artes e das Ongs
Coordenador da Central Movimentos Populares de Formiga - CMP/Fga.
Diretor Presidente da Academia Formiguense de Letras - AFL
Diretor Secretário da Federação das Academias de Letras e Entidades Culturais de Minas Gerais - FALEMG
Membro da Federação Brasileira de Alternativos Culturais - FEBAC e outras.
Formiga – MG – Brasil

Fonte: Pajo

Yehuda Amichai (Poemas Escolhidos)


DEUS CHEIO DE MISERICÓRDIA

Deus cheio de misericórdia
Se não fosse por Deus ser cheio de misericórdia 
Haveria misericórdia no mundo,
não só nele.
Eu, que colhi flores nas montanhas contemplando os vales. 
Eu, que carreguei corpos morro abaixo, 
Posso lhes dizer que o mundo não é vazio de misericórdia.

ESTATÍSTICAS

Por cada homem enfurecido 
há sempre dois ou três que o acalmam com palmadinhas nas costas,
por cada chorão, muitos mais limpadores de lágrimas,
por cada homem feliz, uma profusão de infelizes
a querer aquecer-se no calor da sua alegria.

E todas as noites pelo menos um homem
não consegue encontrar o caminho de casa
ou a sua casa mudou-se para outro lugar
e ele vagueia pelas ruas,
supérfluo.

Uma vez estava com o meu filho pequeno na estação
e um autocarro vazio passou por nós. 
O meu filho disse:
“Olha, um autocarro cheio de gente vazia.”

EU, QUE EU POSSA DESCANSAR EM PAZ

Eu, que eu possa descansar em paz 
- Eu, que ainda estou vivo, digo,
Que eu possa ter paz no que tenho de vida.
Eu quero paz agora mesmo, enquanto ainda estou vivo.
Não quero esperar como aquele piedoso que almejava uma perna
do trono de ouro do Paraíso, 
quero uma cadeira de quatro pernas aqui mesmo,
uma cadeira simples de madeira. 
Quero o resto da minha paz agora.
Vivi minha vida em guerras de toda espécie: 
batalhas dentro e fora,
combate cara a cara, a cara sempre a minha mesmo,
minha cara de amante, minha cara de inimigo.
Guerras com velhas armas, paus e pedras, 
machado enferrujado, palavras,
rasgão de faca cega, amor e ódio,
e guerra com armas de último forno metralham, 
míssil, palavras, minas terrestres explodindo, amor e ódio.
Não quero cumprir a profecia de meus pais de que vida é guerra.
Eu quero paz com todo meu corpo e em toda minha alma.
Descansem-me em paz.

HOMEM COM MOCHILA

Homem com mochila no mercado, Irmão,
Como você, sou homem burro, homem camelo,
Homem anjo. Sou como você.
Nossos braços são livres como asas.
Comparados conosco, todos os que carregam cestas
São escravos de escravos, sujeitos e humilhados.

Nós trocamos moedas por verduras frescas,
E para o esquecimento de nossas vidas compramos
Frutas e suas memórias, memória de campo e jardim,
Memória de cheiro da terra e do zumbir de abelhas em dia de calor.

Nós vimos uma mulher num vestido leve de verão
Antes de um amor longo e intenso,
Que determinará a sua vida. Ela não sabe ainda.
Nós sabemos. Em nossas costas
Carregamos o fruto da árvore da sabedoria.

Homem com mochila, você vive onde?
Eu sou como você, vivemos nas distâncias
Entre o prêmio e a punição.
E como nós vivemos? E quando à noite nós dormimos,
Em que sonhamos? Os que você ama,
Ainda vivem nos mesmos lugares?

Nossas mochilas, como para-quedas fechados
Em nossas costas, abrem de noite
pra podermos saltar, e pairar
Sobre a fragrância de lembrar e de esquecer.

NOSSA HISTÓRIA

Na história de nosso amor, um foi sempre
Uma tribo nômade, outro uma nação em seu próprio solo.
Quando trocamos de lugar, tudo tinha acabado.
O tempo passará por nós, como paisagens
Passam por trás de atores parados em suas marcas
Quando se roda um filme.
As palavras
Passarão por nossos lábios, até as lágrimas
Passarão por nossos olhos.
O tempo passará
Por cada um em seu lugar.
E na geografia do resto de nossas vidas,
Quem será uma ilha e quem uma península.
Ficará claro pra cada um de nós no resto de nossas vidas
Em noites de amor com outros

O LUGAR EM QUE TEMOS RAZÃO

Do lugar em que temos razão
jamais crescerão
flores na primavera.

O lugar em que temos razão
está pisoteado e duro
como um pátio.

Mas dúvidas e amores
escavam o mundo
como uma toupeira, como a lavratura.
E um sussurro será ouvido no lugar
onde houve uma casa
que foi destruída.

O QUE APRENDI NAS GUERRAS

O que eu aprendi nas guerras
A marchar no ritmo de braços e pernas
Como bombas bombeando um poço vazio.

A marchar numa fila e sozinho no meio,
A enterrar em travesseiros,
Colchões de penas,
O corpo de uma mulher amada.
E a gritar “mamãe”
Quando ela não pode ouvir,
E a gritar por “deus”
Quando eu não creio nele,
E mesmo que acreditasse nele,
Eu não lhe falaria sobre a guerra,
Como a uma criança não se fala
Dos horrores adultos.

Que mais eu aprendi…
Aprendi
A reservar um caminho para a retirada.
Em terras estrangeiras,
Alugar um quarto em hotel
Perto do aeroporto ou da estação de trem.
E mesmo em cerimônias nupciais
Ficar sempre de olho na pequena porta
Com o sinal “exit” em letras vermelhas.

Uma batalha começa
Como tambores rítmicos para dança e termina
Com uma “retirada ao amanhecer”.
Amor proibido
Algumas vezes também começa e acaba assim.

Mas acima de tudo,
Aprendi a sabedoria da camuflagem,
Não ficar visível, não ser reconhecido,
Não me distinguir daquilo que me cerca,
Nem mesmo de quem amo.
Que pensem que sou uma moita
Ou um carneiro,
Uma árvore, a sombra de uma árvore,
Uma cerca viva, uma pedra morta,
Uma casa, o canto de uma casa.

Se eu fosse um profeta
Teria diminuído o brilho da visão
Escurecido minha fé com papel negro

E quando chegar meu tempo,
Endossarei a camuflagem de gala do meu fim:
Com branco de nuvens, bastante azul de céu
E estrelas infinitas.

Yehuda Amichai (1924 - 2000)


Vindo de uma família ortodoxa, Ludwig Pfeufer nasceu em Wurzburg, na Alemanha, em 1924. Abandonou o país em 1936, em meio à ascensão do nazismo e emigrou com a sua família para a Palestina e mais tarde, naturalizou-se como cidadão israelita residindo em Jerusalém. Mais tarde, mudou o seu nome para Yehuda Amichai, sobrenome cujo significado é “Meu povo vive”. Participou na II Guerra Mundial, como soldado das brigadas semitas do exército britânico e lutou na guerra israelo-árabe de 1948. Depois da guerra estudou literatura hebraica e textos bíblicos. Foi professor do ensino secundário. 

Amichai publicou o seu primeiro livro de poesia “Now and in Other Days”, em 1955. Escreveu onze volumes de poesia em hebraico, duas novelas e um livro de contos. A forma inovadora como utiliza a língua hebraica, influenciou a linguagem moderna em Israel. A sua obra foi traduzida para mais de trinta línguas. Morreu em Jerusalém no dia 27 de Setembro de 2000.

Érico Veríssimo (Rosa Maria no Castelo Encantado)

Eu sou um mágico. Moro num castelo encantado. Os homens grandes não sabem de nada. Só as crianças é que conhecem o meu segredo...

Quando um homem passa pela minha casa, o que vê é uma casa como as outras: com portas, janelas, telhado vermelho, sacada de ferro...

Só as crianças é que enxergam o meu castelo encantado. Com torres de açúcar e chocolate. Pontes que sobem e descem, puxadas ou empurradas por anõezinhos barrigudos, vestidos de verde. Os trincos das portas, vocês pensam que são de metal? Nada disso. São de marmelada, de goiabada, de cocada.

Quando um homem grande entra na minha casa, tem de subir toda a escada, degrau por degrau. Quando uma criança entra no meu castelo, é a escada que sobe com ela.

Mas não adianta a gente ficar conversando assim à toa. O melhor é eu contar logo a visita que Rosa Maria fez ao meu castelo maravilhoso.

Foi assim:

Não. Primeiro quero apresentar a vocês a menina Rosa Maria. Apertem a mão gorducha e rosada da minha amiguinha. E digam:

— Dona Rosa Maria, temos muito prazer em conhecer a senhorita.

Viram que mão macia? Parece um pãozinho de tostão. Recém-saído do forno. Ainda está quentinho.

Pois agora que apertaram a mão, vejam a carinha dela. Olhem...

Não é bonita mesmo? Parece um nenê de brinquedo. Ainda não tem um ano bem completo. Aprendeu a caminhar a semana passada.

Mas examinem bem o rostinho da senhorita Rosa Maria. Vocês conhecem aquelas bolitas de vidro com que os meninos jogam? Como é mesmo o nome delas? Alguns rapazes brasileiros dizem assim: "bolinha de gude". Outros dão um nome diferente: "bolita de inhaque". Oh! Este nosso Brasil é tão grande, tão comprido que os meninos do Norte e os meninos do Sul chegam a dar nomes diferentes a coisas tão pequeninas e simples como essas bolinhas de vidro. Mas não faz mal. O principal é que vocês saibam o que eu quero dizer. Já vi que sabem. Pois bem. Os olhinhos de Rosa Maria parecem duas enormes bolinhas de vidro preto, muito redondas, muito brilhantes.

E o nariz? Ah! O nariz é assinzinho...

Se o rosto dela fosse um campo, o nariz nem chegava a ser um monte, de tão baixinho que é.

A boca? Nem sei... O anãozinho verde e barrigudo que está aqui agora ao meu lado, enquanto escrevo esta história, me diz baixinho ao ouvido: "Boca de pitanga!".

Anão bobo! Nunca que as pitangas tiveram um jeito tão engraçado e uma cor tão bonita como a boquinha de Rosa Maria!

Os dedinhos das mãos dela são como dez soldadinhos que sempre andam juntos. Só que não são do mesmo tamanho... Marcham e cantam. O dedo minguinho sempre anda na frente, porque é desinquieto como um mico. O polegar se atrasa nas marchas porque é gordo como um porquinho.

Bom. Agora que já mostrei a vocês quem é Rosa Maria, vou contar a visita que ela fez ao meu castelo encantado.

Ela chegou, parou, olhou e bateu na porta. Mal encostou o dedinho... Mas o anão azul, que sempre está de guarda à entrada do castelo, tem um ouvido tão fino que chega a perceber o cochicho dum mosquito a muitas léguas de distância. Pois o anão azul ouviu a batida e abriu a porta.

— Dona Rosa Maria, a senhorita pode entrar.

O anão azul fez um cumprimento muito respeitoso para o nenê. Quase encostou o nariz no chão.

Rosa Maria botou o dedinho na boca e ficou sem saber o que ia fazer.

O anão azul bateu palmas. Apareceu um anão amarelo. O anão amarelo tinha uma corneta. O anão azul fez um sinal. O corneteiro tocou: to-to-ro-ró... to-ro-róóó!

Começaram a aparecer anõezinhos verdes de todos os cantos. Eu já disse de que tamanho eles eram? Pois mal chegavam aos joelhos de Rosa Maria...

Os anões verdes formaram uma fila, como soldados, e ficaram perfiladinhos.

Rosa Maria olhou para eles, muito admirada. Viu uma banda de música completa. Soltou gritinhos de contentamento.

O anão azul fez um sinal.

A banda começou a tocar uma marchinha muito engraçada. E os anões verdes desandaram a cantar uma cantiga mais engraçada ainda.

Rosa Maria entrou. Quis erguer o pé direito para subir o primeiro degrau. Mas perdeu o equilíbrio e já ia caindo de costas no chão quando o corrimão da escada estendeu a mão e a segurou.

Rosa Maria olhou muito admirada para o corrimão e disse:

— Ungu! Ungu!

O corrimão, que sabia a língua dos nenês, compreendeu o que ela tinha dito. Era isto:

— Muito obrigada, seu Corrimão.

Então, como a senhorita Rosa Maria não alcançava o degrau, o anão azul disse uma coisa ao ouvido da escada e o primeiro degrau se abaixou, se abaixou até ficar quase rente do chão, e assim o nenê pôde subir para cima dele.

Depois que subiu, parou. Porque não podia continuar... A escada era muito comprida. O anão deu um grito e a escada começou a subir, levando consigo o nenê. Em menos de um minuto, Rosa Maria estava lá em cima.

Eu abri a porta e disse:

— Pode entrar, senhorita Rosa Maria. Eu sou o mágico e o meu castelo é todo seu!

— Ungu! Ungu! — disse ela.

Eu também compreendo a língua dos nenês. Queria dizer isto:

"Homem, eu gosto de ti. Quero ficar na tua casa. "

Rosa Maria entrou.

Saímos a caminhar. Seguimos por um corredor muito comprido. Estava escuro. Então um camundongo saiu da sua casa, com uma vela na mão, e foi à frente, alumiando o caminho. E começaram a aparecer mais dois, mais três, mais quatro, mais oito, mais vinte camundongos, todos com velas acesas na mão. O corredor ficou claro como o dia.

Chegamos a uma sala muito grande. O chão era liso. Muitas formiguinhas estavam patinando nele.

Rosa Maria ficou admirada e então eu expliquei que ali era a praça de recreio de todas as formigas do castelo. Ela se ajoelhou e começou a olhar muito alegre.

Bem debaixo da mesa estava uma orquestra de formigas tocando uma valsa.

Entramos na sala de refeições. A mesa tinha uma fruteira em cima. Uma laranja muito intrometida deu um pulo da fruteira, tirou o chapéu e disse:

— Bom dia, senhorita Rosa Maria! Em nome de todas as frutas do mundo, eu cumprimento a senhorita.

Rosa Maria apertou a mão dela. Depois quatro bananas, todas irmãs, de braços dados começaram a dançar. De repente, pararam, coçaram o queixo e disseram: "Falta música".

Um gato branco apareceu. Estava de cartola e fraque. Tinha uma medalha no peito. Pois o gato tirou o seu piano do bolso e começou a tocar uma música puladinha.

As bananas agradeceram e continuaram a dançar, muito contentes da vida.

Rosa Maria batia palmas e ria.

Chegamos depois a um quarto de paredes cor-de-rosa.

Rosa Maria me disse:

— Não gosto dessa cor. Perguntei:

— Então qual é a cor que o nenê quer? Ela ergueu o dedinho e disse:

— Quero a cor que pintaram o céu.

Bati palmas e dei uma ordem. Apareceram cinquenta baratas vestidas como pintores. Cada uma tinha na mão um pincel e na outra um balde de tinta azul. Saíram a correr pelas paredes, esfregando nelas o pincel de tinta azul. Num minuto a parede mudou de cor.

Olhei para Rosa Maria e disse:

— Pronto, minha amiga. O nenê queria um quarto da cor do céu? Aqui está.

Rosa Maria estava satisfeita. Mas de repente sentiu fome.

— Quero leite!

Soltei um assobio. Apareceram cinco vaquinhas do tamanho dum camundongo. Depois vieram cinco formiguinhas de avental, com baldes nos braços. Sentaram-se em caixinhas de fósforos e começaram a tirar leite. Botaram o leite num pires grande e o puseram na frente de Rosa Maria.

O nenê bebeu e ficou com a cara lambuzada.

Depois pediu:

— Banana.

Mal ela acabou de falar, ouvi um barulho na fruteira. Uma das bananas levantou-se, despediu-se chorando das suas irmãs, beijou-as, disse adeus para a comadre Laranja, para o compadre Pêssego e para o vizinho Abacate e desceu da fruteira.

Aproximou-se de Rosa Maria e disse com a sua voz mole e doce:

— Senhorita Rosa Maria, pode me comer.

Então a banana, com as suas próprias mãos, se descascou. As cascas caíram para o chão. E a banana ficou branquinha, descascada, parada, esperando...

Rosa Maria sentiu muita pena da banana e desatou o choro.

— Não quero mais banana! — disse ela, soluçando. — Estou com pena da banana! Não quero banana!

Mandei chamar um doutor. Veio um cachorrinho peludo. De cartola, óculos e bengala, com uma maleta na mão.

— Doutor! — disse Rosa Maria com voz tremida.

— Cure essa banana. Eu não quero que ela fique assim, a coitadinha! Foi por minha causa!

E chorava, chorava e mais chorava...

O doutor tirou os seus instrumentos da mala e botou de novo a casca na pobre banana. Depois chamou o automóvel do pronto-socorro. Levaram a doente para um hospital de bananas.

Para consolar Rosa Maria, eu disse uma palavra mágica e apareceu na frente dela uma mesa cheia dos doces mais bonitos e mais gostosos do mundo.

Ela se sentou na sua cadeirinha e começou a comer, dando gritinhos de alegria. Enchia muito a boca. Mal terminava de comer um doce, enxergava outro e avançava... Às vezes nem chegava à metade de um bom-bocado e já estava com os dedinhos em cima dum papo-de-anjo.

Por fim ficou sem vontade de comer mais doces. E disse:

— Agora não como mais doce o resto de minha vida. Sentiu então vontade de dormir.

Levei a minha amiguinha para uma cama muito macia. E, enquanto ela dormia, todos os anõezinhos do castelo ficaram de guarda. As formigas pararam de patinar, para não fazer barulho.

Rosa Maria dormiu. Decerto sonhou sonhos muito bonitos, porque estava rindo enquanto dormia.

Acordou alegre e disse:

— Quero cinco bonecas. Uma para cada dedo da mão.

— Sim, senhorita — respondi.

— Mas quero boneca que se mexa, que fale. Boneca bonita!

Então eu botei em cima duma mesa cinco paus de fósforos. Um era verde; outro, azul; o terceiro, encarnado; o quarto, amarelo; e o último, branco.

Gritei:

— Abracadabra!

Era uma palavra mágica. Os cinco paus de fósforo se levantaram. Soprei bem de levezinho neles. E os paus foram crescendo, crescendo e ao mesmo tempo se transformando em bonecas.

     Rosa Maria estava tão alegre que nem podia falar.

     Quando ela quis dizer: "Que lindo!", não teve força, porque bem na frente dela se viam cinco bonecas. Uma estava vestida de verde; a outra, de azul; a terceira, de encarnado; a quarta, de amarelo; e a quinta, de branco. As cinco eram do mesmo tamanho. Ficaram perfiladinhas. Depois seguraram as pontinhas dos vestidos, fizeram um cumprimento para Rosa Maria e cada uma cantou uma musiquinha:

     Rosa Maria gostou muito. Voltou-se para mim e disse:

     — Oh! Mágico! Eu queria que essas bonequinhas fossem bem do meu tamanho.

     Soprei mais nas bonequinhas e elas ficaram do tamanho de Rosa Maria.

     Pularam de cima da mesa, vieram para o chão. Deram-se as mãos, fecharam a roda e começaram a dançar ao redor de Rosa Maria.

     As bonequinhas cantavam assim:

Ó, Rosa Maria!
Ó, Rosa Maria!
Entrarás na roda
E ficarás sozinha!

A princípio Rosa Maria ficou meio tonta e encabulada. Mas depois respondeu cantando:

Eu sozinha não fico,
Nem hei de ficar,
Vou escolher a Bá
Para ser meu par!

E escolheu a Bá, que era a bonequinha de vestido verde. A Bá foi para dentro da roda e escolheu a Bé, de vestidinho azul. A Bé escolheu a Bi. A Bi escolheu a Bó e por fim a Bó escolheu a Bu. Brincaram muito tempo. Depois cansaram.

     Ora, eu, como mágico, tinha a obrigação de não deixar a minha visita ficar aborrecida dentro do meu castelo. Comecei a pensar num brinquedo...

     De repente Rosa Maria olhou para uma mesa e viu um livro com figuras coloridas na capa. Perguntou:

     — Que é aquilo?

     — Um livro — respondi.

     — Mas que é um livro? — tornou a perguntar o nenê. A bobinha não sabia o que era um livro! Tive de explicar. Foi muito difícil. Mas, no fim, Rosa Maria entendeu. Entendeu e disse:

     — Quero ver esse livro.

     Botei o livro em cima do tapete. Rosa Maria se sentou perto dele. As bonequinhas gritaram todas ao mesmo tempo:

     — Nós também queremos ver! Sentaram-se igualmente ao redor do livro.

     Fui virando as folhas. Era um livro cheio de figuras coloridas. Tinha muitas histórias. A do Gato de Botas. A da Menina do Chapeuzinho Vermelho. A da Bela Adormecida do Bosque. A do Príncipe Encantado que virou sapo.

     Rosa Maria e as bonequinhas riram muito quando lhes contei essas histórias.

     Quando viram uma figura que representava um mato escuro com uma grande lua cheia por cima, no céu azul, todas perguntaram:

     — Que é isso?

     — É a floresta encantada — respondi eu.

     Tive de explicar o que queria dizer "floresta encantada". Era um mato onde moravam anõezinhos que se chamavam gnomos, onde vivem as fadas, os elfos, os gênios bons e maus, alguns gigantes bondosos ou malvados.

     E, quando acabei de explicar, vocês sabem que foi que Rosa Maria me disse? Pois me disse isto:

     — Nós queremos entrar nessa floresta encantada! Fiquei de boca aberta. Respondi:

     — Mas, senhorita, a floresta fica muito longe. Precisamos muitos dias para chegar lá.

     Rosa Maria e as bonequinhas desataram a rir.

     — Que homem bobo! — disseram. — A floresta encantada está tão pertinho...

     E apontaram para o livro. Fiquei muito encabulado. Eu era mágico e não tinha reparado naquilo! A floresta estava mesmo ali pertinho dos nossos narizes, no livro...

     — Então vocês querem mesmo entrar na floresta encantada? — perguntei.

     E todas elas responderam:

     — Queremos! Queremos! Retruquei:

     — Pois vão entrar. Esperem.

     — Mas... e o senhor? — perguntou Rosa Maria. Respondi:

     — Eu não posso. Sou grande demais. Ela ficou muito triste mas não disse nada. Pensou um pouco e depois falou:

     — Uma vez eu ouvi papai dizer que a gente não devia entrar num mato sem cachorro. Que é que o senhor acha?

     Cocei a cabeça, atrapalhado.

     — Está bem! — disse eu. — Vou arranjar um cachorro muito bom, muito inteligente e muito corajoso, que vai ser o companheiro de vocês.

     Olhei para os lados. Não vi cachorro nenhum. Fui até a cozinha, assobiando. Nada de cachorro. De repente enxerguei no armário da cozinha uma salsicha. Ela estava muito triste, com as duas mãos na cara, pensativa, assim com o ar de quem perdeu todos os amigos.

     Tive uma ideia. Agarrei a salsicha, disse uma palavra mágica e transformei-a num cachorro, num desses cachorros alemães muito engraçados, que parecem mesmo gordas salsichas.

     Quando voltei para a sala onde estavam Rosa Maria e as cinco bonequinhas, o cachorro veio atrás de mim. As meninas fizeram uma festa muito grande e perguntaram:

     — Como é o nome dele?

     O cachorro mesmo se encarregou de escolher o seu nome. Disse:

     — Eu me chamo Cachorro-Quente. Agarrei o livro e fiz que ele ficasse de pé. Mandei Rosa Maria parar na frente dele. Atrás de

     Rosa Maria se enfileiraram, uma a uma, as cinco bonequinhas. A Bu era mais alta do que a Bó; a Bó, mais alta do que a Bi; e assim por diante até a Bá, que era a menor de todas. Bem atrás da Bá estava o nosso valente Cachorro-Quente. Gritei:

     — Todos quietos!

     Fiz um gesto: risquei duas letras no ar. Depois segurei o livro e fui puxando... O livro cresceu, cresceu... Cresceu de tal modo que a floresta que estava pintada dentro dele ficou do tamanho duma floresta de verdade.

     — Batalhão! — gritei. — Ordinário, marche! Rosa Maria compreendeu tudo e começou a caminhar.

     Entrou no livro. As cinco bonequinhas e o cachorro seguiram atrás.

     Pouco tempo depois, os sete companheiros já estavam dentro da floresta encantada.

     Rosa Maria olhava com os olhos arregalados para as grandes árvores, para os troncos grossos, para as folhagens verdes. As bonequinhas caminhavam em silêncio, marchando direitinho como um batalhão.

     Cachorro-Quente latia de vez em quando. Latia por latir, só para não ficar em silêncio. Porque estava com muito medo de encontrar algum bicho feroz.

     De repente, Rosa Maria e os companheiros começaram a ouvir uma música muito bonita. Pararam para escutar. Rosa Maria botou um dedo na boca para pedir silêncio. Todos escutaram...

     Caminharam mais. De repente encontraram pregada numa árvore uma tabuleta com estas palavras:

AQUI COMEÇA O MUNDO DOS GNOMOS

O único do grupo que sabia ler era o Cachorro-Quente. Leu o que dizia a tabuleta e explicou tudo às companheiras.

     Continuaram a caminhar. Desceram por uma escadaria grande. Quando chegaram aos últimos degraus, avistaram uma cidade muito engraçada. Tinha casinhas de telhado vermelho. Eram todas pequeninas e feitas de barras de chocolate. Os telhados eram de caramelo. Os vidros, de açúcar. O chão era todo calçado de tijolinhos de goiabada.

     A música continuava a tocar. Vinha duma casa muito bonita, toda coberta de flores azuis.

     Os sete amigos chegaram perto da casa e espiaram pela janela.

     Viram lá dentro uma moça loura e linda deitada numa cama, dormindo, e sete anõezinhos barbudos, de carapuça verde, sentados ao redor duma mesa.

     Mas donde vinha a música? Rosa Maria apontou com o dedinho para um canto da sala. Ali estava um rádio. E a música saía do rádio. O rádio viu os sete amigos espiando na janela e piscou um olho para eles, assim como quem diz: "Não tenham medo, eu não conto aos barbudinhos que vocês estão espiando".

     Mas Rosa Maria estava muito curiosa por saber quem era aquela gente engraçada. Convidou os companheiros para entrarem. Bateu na porta. O anãozinho que veio abrir ficou muito admirado quando viu Rosa Maria e mais as cinco bonecas e o cachorro.

     — Entrem! Esta é a casa dos gnomos. Os gnomos são amigos de todas as crianças do mundo!

     Entraram. Os sete anõezinhos começaram a andar de um lado para o outro. Num instante botaram a mesa, trouxeram pratos, talheres e grandes travessas com doces, geleias, bolinhos e muitas outras comidas boas.

     Rosa Maria e as cinco bonequinhas sentaram ao redor da mesa e começaram a comer.

     Cachorro-Quente tocou o braço de um dos anões e perguntou:

     — Então, esqueceram-se de mim? O anão ficou encabulado.

     — O senhor me desculpe — disse. — Pode ir também para a mesa.

     O cachorro foi. E todos comeram muito e muito, até Rosa Maria, que se esqueceu de que tinha dito que nunca mais em sua vida comeria doces.

     Depois de estar já enjoada de tanto doce, perguntou:

     — Quem é aquela moça bonita ali na cama? Um dos anões respondeu:

     — É Branca de Neve. Uma rainha invejosa quis matar Branca de Neve. Agora ela está dormindo, esperando o Príncipe, que chega daqui a pouco para levá-la embora.

     As bonequinhas bateram palmas. Queriam ver um príncipe de verdade. Nunca tinham visto. Um dos anões disse:

     — Enquanto o Príncipe não vem, nós podíamos fazer um baile.

     Todos gostaram da ideia. O anão mais velho chegou perto do rádio e pediu:

     — Nós queremos uma valsa bem bonita.

     O rádio sorriu e começou a tocar uma valsa bem bonita.

     — Eu danço com aquela! — disse um anão risonho, apontando para a bonequinha de vestido amarelo.

     E cada um dos anões escolheu seu par. Como os anões eram sete e as meninas seis, um dos barbudinhos ficou sem par e não teve outro remédio senão dançar com o Cachorro-Quente.

     Quando estavam no melhor da festa, ouviram um barulho muito forte, um ronco de motor.

     — É a feiticeira! — gritou um. — É a feiticeira que anda voando no seu cabo de vassoura.

     Foi à janela espiar. Felizmente não era a feiticeira. Era o Príncipe que chegava no seu avião amarelo. Os anõezinhos, muito satisfeitos, acordaram Branca de Neve. O Príncipe entrou na casa dos gnomos. Era um moço lindo. As bonequinhas pensavam que ele ia aparecer vestido com roupas coloridas... Mas o Príncipe trazia só um macacão de aviador. Veio, pegou Branca de Neve pelo pulso, atirou umas moedas de ouro para cima da mesa e voltou de novo para o avião, levando a noiva. Então Rosa Maria e as amigas agradeceram muito aos anõezinhos a bela festa e os gostosos doces e continuaram a caminhar pela floresta encantada.

     Anoitecia.

     Os sete companheiros sentaram-se debaixo duma grande árvore. Começou a ficar escuro. Cachorro-Quente estava todo encolhido, tremendo de medo. As bonequinhas fecharam os olhos, assustadas.

     Mas de repente chegou um vaga-lume e disse ao ouvido de Rosa Maria:

     — Se a senhorita quer, eu chamo os meus companheiros para servirem de luz elétrica.

     Rosa Maria disse que queria. Dali a pouco, as árvores estavam cheias de vaga-lumes. Tudo ficou claro como um dia de sol. Então Rosa Maria começou a contar histórias para distrair os vaga-lumes. Depois Cachorro-Quente cantou para fazer as bonequinhas dormirem. E, quando todos abriram os olhos, era dia de novo e os vaga-lumes tinham ido embora.

     Continuaram a caminhar. Encontraram uma abelha dentro de uma grande flor cor de ouro.

     — Dona Abelha — perguntou Rosa Maria —, que é que a senhora está fazendo?

     — Estou buscando material para minha fábrica — respondeu a abelha. — Querem visitar a minha fábrica?

     — Queremos! — respondeu Rosa Maria. Foram.

     Como a colmeia era muito pequena, tiveram de espiar de fora por um buraquinho. Lá dentro tudo era muito engraçado.

     As abelhinhas com avental branco estavam trabalhando perto duma mesa comprida, comprida...

     — Que é que elas estão fazendo? — perguntou o Cachorro-Quente.

     A abelha respondeu:

     — Estão enrolando as balas de mel... Aquelas balas que se vendem nas lojas, sabem?

     E os sete companheiros viram outras coisas muito interessantes. Quando batia a sineta da fábrica, todas as abelhas tiravam os aventais e iam almoçar.

     — Muito obrigada, Dona Abelha — disse Rosa Maria. E seguiu o seu caminho com as bonecas e o cachorro.

     Encontraram um sapo perto duma lagoa.

     — Quem é o senhor? — perguntou a bonequinha azul.

   O sapo respondeu:

     — Sou um príncipe muito bonito. Foi uma feiticeira que me transformou em sapo. Cachorro-Quente resmungou:

     — Isso deve ser mentira. Como é que um sapo pode ser príncipe?

     O sapo ouviu e ficou danado da vida. Avançou para o Cachorro-Quente, dizendo:

     — Cachorro-Quente bobo! Sou um príncipe! Eu te mostro!

     Saltou para cima do cachorro. O cachorro deu uma dentada nele e de repente o sapo cresceu e se transformou num príncipe muito bonito.

     — Agora eu apanho mesmo uma surra! — resmungou o cachorro.

     Mas o Príncipe agradeceu muito ao Cachorro-Quente, deu-lhe de presente um osso para chupar e foi embora.

     Os companheiros continuaram o caminho. Chegaram à cidade das borboletas. Havia borboletas de todas as cores. As pobres voavam como voam as borboletas.

     As ricas tinham hélices de avião. A cidade era muito linda. Rosa Maria e as bonecas gostaram muito de tudo que viram.

     Depois da cidade das borboletas, veio a cidade das flores. As flores cantavam, dançavam, tinham casas, teatros, automóveis.

     Quando saíram da cidade das flores, apareceu um gato no caminho dos sete companheiros. Cachorro-Quente começou a tremer.

     — Quem é o senhor? — perguntou Rosa Maria. O gato respondeu:

     — Eu sou o Gato de Botas!

     — Mas onde é que estão as suas botas?

     O gato explicou:

     — As coisas andam muito ruins. Tive de vender as botas para não morrer de fome. E, por falar em fome, estou sentindo um cheiro de salsicha...

     E, dizendo isso, pulou para cima do cachorro. O cachorro deitou a correr. As meninas continuaram a caminhar muito tristes, pensando que seu valente amigo tinha sido devorado pelo gato. Mas qual! Numa volta da estrada encontraram Cachorro-Quente, muito satisfeito, lambendo-se todo.

     — Onde está o gato? — perguntou Rosa Maria.

     — Eu comi — respondeu o cachorro.

     Seguiram os sete a caminhar. Encontraram o Pequeno Polegar. Gostaram muito dele. Ficaram amigos. Depois deram com a Menina do Chapeuzinho Vermelho, que disse que não podia entrar no bloco porque tinha de levar um cesto de merenda à sua vovó. Mais adiante encontraram a Bela Adormecida, debaixo duma árvore. Não era muito bela e nem estava adormecida. Levantou-se e seguiu com o grupo. Debaixo de outra árvore estavam Joãozinho e Maria, com os olhos arregalados, com medo da feiticeira. Os dois irmãos resolveram seguir com o grupo, que já estava ficando enorme.

     De repente ouviram um urro. Um urro de bicho muito grande.

     — É o gigante! — disse o Pequeno Polegar. Quando Rosa Maria e as bonequinhas se voltaram para os lados, todos os outros — o Pequeno Polegar, a Bela Adormecida, Joãozinho e Maria — tinham desaparecido.

     — E agora? — perguntou uma das bonequinhas.

        

     Rosa Maria olhou para o cachorro. E o cachorro disse depressa:

     — Agora vamos fugir.

     Quando ele acabou de dizer isso, apareceu o gigante, um homem enorme, de cara barbuda e feroz.

     Os sete companheiros correram, loucos de medo. E correram tanto, que foram sair do outro lado do livro e caíram de novo dentro da sala do meu castelo.

     Ficaram me olhando muito admirados.

     Fiz o livro ficar pequeno outra vez e disse para Rosa Maria que ela podia levar para casa as cinco bonequinhas e mais Cachorro-Quente.

     Na hora da despedida ela tornou a dizer:

     — Homem, eu gosto de ti.

     — Senhorita Rosa Maria, quando quiser, pode voltar.

     E ela se foi embora com o seu bando.

     E vocês, meninos e meninas, quando vierem à cidade onde eu moro, não deixem de visitar o meu castelo encantado.
     Eu sou um mágico.