quinta-feira, 17 de outubro de 2019

J. G. de Araújo Jorge (Inspirações de Amor) XXVII


PRELÚDIO DA GOTA D' ÁGUA

Cheio da tua ausência me angustio
a cada hora que passa... a cada instante...
- pelo meu pensamento, como um fio,
és uma gota d'água, tremulante...

 Uma gota suspensa e cintilante,
 límpida e imóvel como um desafio...
 Tua ausência, - é a presença triunfante
 daquela gota que ficou no fio. . .

 As outras todas, céleres, pingaram,
 e caíram na terra onde secaram,
 só tu ficaste, última gota, assim

 como uma estrela sem ter firmamento,
 suspensa ao fio do meu pensamento
 e a brilhar, sem cair... dentro de mim...

PROCURA

Vou seguindo meu caminho
a procurar-me.

Estarei na estrela?  Na vaga do mar? 
Atrás da montanha?  Na água que corre
estarei?

Na rua, no avião, no pássaro livre
no gesto do galho, na gota de chuva,
na rosa vermelha, no canto da criança
estarei?

Difícil é achar-me
disperso me encontro
na face das coisas
que chegam, que passam

Um olho no rio, um pé no caminho,
o sangue na aurora, as mãos pelo mar,
quem sabe onde estou?

Talvez passe junto a mim mesmo, quem sabe? 
Me olho nos olhos, me toco nas mãos,
me falo e respondo
não me reconheço.

Vou seguindo meu caminho
a procurar-me.

PROFECIA

Enamorada de ti mesma,
- no espelho das águas que refletem tua beleza,-
enamorada da vida,
tu te ofereces ousadamente e te debruças distraída
sobre a correnteza...

Um dia, tuas ramagens ferirão o espelho das águas
e tudo se nublará,
teu corpo sem firmeza tombará finalmente,
e a correnteza há de te arrebatar
indiferente
e má...

Só então, quando te fores arrastada, em desvario,
vendo a terra fugir, sem poderes voltar,
sentirás como é fria a água turva do rio
e inquietante a ameaça, o mistério do mar!

QUE IMPORTA SE CHOVE?

Que importa se chove?  Eu não vejo a tristeza do céu
eu vejo é a alegria da terra.

Que importa se a chuva nos espia curiosa
com seus olhos nublados, nas janelas. . .

Eu não vejo a tristeza do céu, eu sinto é a alegria da terra
que exulta no teu corpo,
eu vejo é o Sol que brilha nesta noite de chuva
em teu olhar ...

Eu não ouço a música da chuva na noite
nem o vento a bater nas arestas das casas
- ouço é a alegria das folhagens inquietas
batendo as asas ...

Que importa se chove, e se há vento, e se há frio,
- se aqui no nosso leito há carinho e calor?

Minha alma não quer sentir a chuva,
nem olhar com tristeza os que passam na rua
ao relento,
porque minha alma se comove.

Neste momento
minha alma quer ficar é juntinho da tua...
- e ... que importa se chove?

RAZÕES
    
Pensarás que é mentira e é no entanto verdade
- mas me afasto de ti, propositadamente,
pelo estranho prazer de sentir que a saudade
ainda torna maior o coração da gente...

Parto! Bem sei que parto sem necessidade!
Quero ver os teus olhos turvos, de repente,
embora não compreenda essa felicidade
que assim te faz sofrer comigo inutilmente!

Quero ouvir-te na hora da despedida
que eu volte bem depressa para a tua vida,
- quero no último beijo um soluço interior...

Que enquanto ficas só, e enquanto vou sozinho,
sabemos que a saudade vai tecendo o ninho
que há de aquecer na volta o nosso eterno amor!

RECEIO
    
Receio  de que o anos passem, - e eu sozinho
me deixe para trás, e reconheça então
que fiquei sem ninguém a meio do caminho
e meu sonho de glória esboroou-se no chão

Receio de ser tarde,  e quando erguer a mão
a flor cair... cair a flor... ficar o espinho...
Receio de que seja apenas ilusão
a ilusão que ideei a afago com carinho...

Receio de que tudo afinal seja nada,
- e a noite, a grande noite inesperada e escura
me atropele o percurso em meio da jornada...

Receio de que um grito estrangule o meu hino,
- e eu tenha que parar, na infinita amargura
de não ter completado o meu próprio destino!

ROSA DE VIDRO

Rosa de Vidro
límpida rosa
mistério puro
imagem só.
Quem te plantou?
Quem te regou?
Na luz flutuas
na sombra és luz!
Rosa de vidro
do pensamento.

Tão transparentes
são tuas pétalas
como o ar de ouro
na alta montanha.
Súbita imagem
de escuro abismo,
no alto da rocha
cheia de sol
toca-te o vento
oscilas, cantas.

Rosa de Vidro
doce mistério
da fixa ideia,
estrela mágica
de cinco pétalas
que os cinco dedos
querem tocar.

Rosa de Vidro
Minha obsessão,
que no mistério
da criação
brotou, brotou.
Louco alpinista
quero alcançar-te,
raro Edelweíss
quem sabe, quando?

Quem sabe, a queda
antes de ver-te
e de tocar-te
Rosa de Vidro.

Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou. vol. 2. 
SP: Ed. Theor, 1965.

David Martins (O Alcaide do Castelo de Faria)


Convido-o, caro leitor, a empreender uma viagem no tempo. Assim, imagine-se transportado ao ano de 1373 da era cristã. A paisagem que o rodeia é aquela que ainda hoje é típica do Norte de Portugal, serranias atrás de serranias, ora áridas e pedregosas, ora vastidões de prados e florestas a perder de vista na lonjura do horizonte.

No cimo de um ermo monte, ergue-se uma fortaleza de grossas e altas muralhas de escuro granito encimadas de torres e ameias. Não lhe faltam alçapões, postigos, a ponte levadiça e o fosso circundante.

Você encontra-se diante do Castelo de Faria, uma construção fortificada muito antiga.  Às pedras dos seus robustos muros não faltam recordações de glórias passadas.

O Reino de Portugal é governado pelo rei Dom Fernando, um homem cujo caráter não prima nem pelo cumprimento das promessas feitas nem pelos compromissos assumidos. Foi, assim, que em vez de se casar com a filha do rei de Castela conforme tinha sido acordado entre os dois soberanos, Dom Fernando decidiu casar com Leonor Teles, uma mulher muito bela, mas casada, que se tornara sua amante.

Com o pretexto de vingar tão grave e ofensiva afronta pela quebra do contrato, o exército do rei de Castela invade o território de Portugal, atravessando a fronteira em locais distintos. Um desses batalhões castelhanos composto por muitos soldados, uns a pé, outros a cavalo, entra pela fronteira Norte. À sua passagem, os soldados vão incendiando, saqueando, violando e matando tudo e todos os que se deparam no seu caminho, deixando atrás de si um rasto de destruição e sofrimento nos aldeões e camponeses que não têm culpa das desavenças contratuais entre os dois reis vizinhos.

Os exércitos particulares comandados pelos senhores feudais daquelas terras, súditos do rei de Portugal, não são suficientes para fazerem frente aos espanhóis, a quem nada nem ninguém consegue deter o avanço por terras de Portugal. Num destes confrontos participou o alcaide-mor do castelo de Faria, Nuno Gonçalves, que caiu prisioneiro das tropas castelhanas.

Na ausência do alcaide, o castelo é governado pelo seu filho. O pai teme que, sabendo da sua desgraça, o filho ofereça o castelo ao inimigo para resgatar a liberdade do seu progenitor. Este receio fez com que o velho alcaide se lembrasse de montar um ardil para impedir que uma tal situação viesse a acontecer: Nuno Gonçalves pede ao comandante das tropas castelhanas que o conduza até às muralhas do seu castelo para que ele fale ao filho e, assim, possa convencê-lo a entregar a fortificação sem derramamento de sangue para nenhum dos lados.

Diante dos seus olhos, caro leitor, desfila agora um numeroso grupo de homens que acompanha o velho alcaide. Chegam às cercanias do castelo e formam como que um cordão humano que rodeia completamente a construção. O exército vitorioso prepara-se para tomar posse do castelo, conforme lhe prometeu o prisioneiro.

Agora você usa as roupas de lã, iguais às de todos os habitantes da aldeia de Faria. São vestimentas grosseiras de gente que apenas vive daquilo que a terra lhes dá. De facto, neste momento, você é um deles. Vê brilhar ao longe, tal como os seus vizinhos, o metal das armaduras dos soldados inimigos, refulgentes sob a luz intensa do Sol, e as suas coloridas bandeiras que esvoaçam ao vento. Você, juntamente com todos os seus companheiros, homens, mulheres e crianças, está assustado e juntamente com eles, todos abandonam os campos e as vossas casas e correm a refugiar-se dentro das muralhas, num terreiro onde toscas choupanas de teto de colmo se apoiam umas nas outras.  Todos pensam que aí vão encontram proteção contra a violência e a brutalidade que sempre acomete os homens quando lhes põem uma arma nas mãos e lhes dão impunidade para cometerem toda a espécie de atrocidades.

Sobre as muralhas, os sitiados desenvolvem intensa atividade. Os homens que estão de atalaia nas torres vigiam atentamente os movimentos do inimigo, enquanto outros correm ao longo das ameias, colocando-se em posições estratégicas de defesa.

Um grupo de castelhanos armados aproxima-se das muralhas levando consigo o velho alcaide. Os besteiros do castelo, escondidos por detrás das ameias, retesam as bestas e apontam-nas na direção da comitiva. Os homens que acionam as armas de arremesso e outros engenhos bélicos preparam-se para cumprir a sua tarefa. 

Do grupo de combatentes castelhanos, destacou-se um arauto que se aproximou das muralhas exteriores.  Nas ameias as bestas inclinaram-se para o chão e ouviu-se o ranger das máquinas de lançar projéteis. Fora isto, o silêncio é profundo.  Por fim, ouve-se, ao longe, a voz grossa e altissonante do arauto que chama o filho de Nuno Gonçalves, bradando-lhe que saia do castelo e vá até junto de seu pai que quer falar-lhe.

O filho do velho alcaide, de nome Gonçalo Nunes, aparece no alto da muralha exterior e responde-lhe:

- Diz a meu pai que eu o espero aqui e que Nossa Senhora o proteja.

O arauto regressa para junto dos seus superiores e, após alguma agitação entre eles, o grupo aproxima-se da muralha ladeando o alcaide-mor que fala ao filho:

- Sabes tu, meu filho, de quem é este castelo?

- Sei que é de El Rei de Portugal, que o confiou à vossa guarda.

- Então se sabes, com Judas o traidor sejas tu sepultado no inferno se os castelhanos entrarem nele sem passar primeiro por cima do teu cadáver.

Compreendendo o sentido do diálogo entre os dois, logo ali o comandante castelhano ordena que matem o velho alcaide, que caiu trespassado por muitas espadas.

- Defende-te, alcaide! - tem ainda forças para gritar ao filho o pai moribundo.

O novo alcaide corre como um louco ao longo das muralhas, gritando por vingança.

Do alto das muralhas chovem flechas sobre os soldados castelhanos, que atingem mortalmente muitos deles.

O batalhão castelhano reúne todas as suas forças e ataca o castelo. As casas de colmo onde os mais desprotegidos, você e os seus vizinhos da aldeia se abrigaram, começaram a arder, resultado das flechas incendiadas desferidas do exterior do castelo. A confusão é enorme. Por todo o lado se ouvem os gritos das mulheres, o choro das crianças, as imprecações dos velhos. Um homem em chamas sai a correr, desvairado, dos abrigos de colmo e rebola-se no chão a gritar por socorro. Despejam-lhe baldes de água em cima, mas tudo o que fica é um corpo enegrecido, a estrebuchar, agonizante. Os gritos de terror dos feridos elevam-se no ar juntamente com os rolos de fumo do incêndio e o forte e repugnante cheiro a carne carbonizada.

O jovem alcaide não consegue esquecer a terrível visão do seu pai, morto a golpes de sabre, nem as últimas palavras que ele lhe gritou antes de entregar a alma ao Criador: - “Defende-te, alcaide!”

O cerco dura vários dias. A carnificina de ambos os lados das muralhas foi atroz, o sofrimento é indizível. Tanta dor e destruição que razão alguma justifica. Você e todos dentro das muralhas deambulam exaustos, esfomeados e com sede, revoltados por terem sido os peões no tabuleiro de xadrez onde se jogaram questões que não vos dizem respeito. O orgulhoso comandante das tropas invasoras acaba por ver a sua soberba abater-se contra os muros do castelo de Faria, quando o desalento atinge os poucos homens que lhe restam. 

Você e os seus companheiros de infortúnio regressam à aldeia de Faria onde encontram as vossas casas assaltadas, o gado tresmalhado pelos campos ou roubado para alimentar os sitiantes. O desânimo é grande, mas a vida tem que continuar e está tudo para refazer quase a partir do nada.

Passados dias, o jovem alcaide recebe um mensageiro do rei que muito o louva pela sua tenacidade e feitos guerreiros na defesa do castelo. Sensível e impressionável, ele não consegue esquecer as imagens horrorosas, dignas do Inferno, que durante dias presenciou. Troca as vestes de cavaleiro pelas de monge, troca o mundo conturbado regido pelas leis dos homens pela paz do convento e da oração.

Terminou, caro leitor, a sua viagem no tempo. Você está de regresso ao presente. Do sofrimento e da glória deste acontecimento não ficou para a posteridade uma pedra que os testemunhe, apenas sobrevivem ainda na memória dos historiadores.

Fonte:
David Martins. Estórias e Lendas de Encantar

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

David Martins (O Sacristão e o Diabo)


Era uma vez um sacristão que, todas as noites, se dirigia ao altar da sua igreja e acendia velas diante das imagens dos santos para que as trevas não invadissem o local e as santas criaturas não deixassem de proteger o povo daquela vila.

Um dia, lembrando-se de ter ouvido dizer que o Diabo está sempre atrás da porta, pensou: “Se for verdade que o Diabo está atrás das portas e que ele, quando quer, não é tão mau rapaz como dizem, então deixa-me cá pôr-lhe também uma vela, que às vezes... ainda pode ser que algum dia me ajude”.

Alumiou uma vela e foi colocá-la atrás da porta da igreja.

Findo o seu trabalho, dirigiu-se à estalagem onde jantou ovos cozidos. Quando ia pagar, pediram-lhe seis mil réis. Voltou-se, então, para o estalajadeiro e disse-lhe:

- Olhe lá, seis moedas por três ovos cozidos não é muito dinheiro?

- Não é, não! - respondeu o outro.

- Não é? Então, como é isso? - perguntou o sacristão.

- É que você não está a pagar só o preço dos ovos que comeu. Você tem também que pagar os pintos que de lá haviam de sair, haviam de crescer e tornar-se galinhas que valeriam bom dinheiro. E agora, vossemecê já está a perceber quanto valiam os ovos que comeu?

- Esta agora, não querem lá ver! Mas se eu só comi os ovos, não comi nem pintos, quanto mais galinhas... E logo seis moedas... eu tenho lá seis moedas!

- Ah, não tem? Vocemessê não quer pagar? Então amanhã vamos ao juiz, que ele logo lhe diz quem é que tem razão.

O sacristão estava estupefato, tanto mais que o estalajadeiro era considerado um homem rico, que na igreja oferecia esmolas para os pobres com gestos largos para que todo o povo o visse. E agora, estava a exigir-lhe, a ele, um pobre sacristão, que pagasse por três ovos o preço de um lauto banquete. Como é que aquilo podia estar a acontecer-lhe?

O sacristão não tinha aquele dinheiro todo, foi-se embora muito aflito. Dirigindo-se para casa, saiu-lhe ao caminho um homem muito alto, envolto numa capa preta. O sacristão recuou, assustado, mas o outro disse-lhe:

- Nada receies, não estou aqui para te fazer mal. Sei o que se passou na estalagem e quero dizer-te que não precisas de te preocupar. Confia em mim. Eu posso muito, acredita que posso. Amanhã vou ao tribunal defender-te. Espera lá por mim, que à hora marcada eu apareço.

O pobre homem ficou todo contente por ter aparecido alguém que iria intervir a seu favor. 

No dia seguinte, quando chegou ao tribunal já lá se encontravam o juiz e o estalajadeiro. Só faltava o homem que lhe tinha prometido que iria defendê-lo. Esperaram, esperaram, mas o outro continuava sem aparecer. O juiz estava a ficar muito aborrecido com aquela demora. Era quase hora da janta, e ele não conseguia pensar noutra coisa que não fosse a paparoca que o esperava lá em casa, até já lhe estava a crescer água na boca, e que aborrecimento, a defesa tardava em chegar... se é que viria! O juiz começava a ficar de muito mau-humor, que isto de uma pessoa sentir o estômago vazio era o diabo.

Eis que entra na sala o embuçado da véspera, dando grandes passadas.  À luz do dia, o homem ainda parecia maior. As tábuas do chão do tribunal vibravam e rangiam sob as sua botas pesadas.

Dirigindo-lhe a palavra, o juiz perguntou:

- Olhe lá, então isto é que são horas de você aparecer? O que é que você esteve a fazer até agora para chegar tão tarde?

- Estive a cozer favas para os meus criados semearem - respondeu o homenzarrão, com a sua voz de timbre profundo.

- Ah, sim? E onde é que já se viu favas cozidas a germinarem? - perguntou o juiz.

- Então, e onde é que já se viu ovos cozidos darem pintos? - perguntou o outro à laia de resposta.

O juiz não sabia o que responder. Olhou para o estalajadeiro que estava boquiaberto.

O homem da capa preta deu meia volta sobre os tacões das pesadas botas e saiu majestosamente.

Na rua, riu-se para o sacristão, deu-lhe uma palmadinha no ombro e disse-lhe:

- Estás a ver? Eu quando quero também sou um rapaz simpático. E também ficaste a saber por mim que há gente que, embora pareça praticar o bem e querer ajudar os seus semelhantes, não perde uma oportunidade para os enganar e roubar. Neste mundo é preciso ter sempre os olhos bem abertos!

Fonte:
David Martins. Estórias e Lendas de Encantar

Lúcia Constantino (Poemas Avulsos) 2


ASILO OU EXÍLIO?

Os chinelos não produzem som.
Nem o rádio tocando baixinho.
Mas a respiração se ouve do lado de fora.
E o sonho de ainda poder tocar as estrelas
talvez chegue até Deus.

DIMENSÃO DA NOITE

Teu olhar mudo.
Uma sombra toma-me pelo pulso.
Réstias de luz são meus vultos,
meu país é o crepúsculo.

Derrubo os muros,
mendiga de sol e ventos
que tragam lá do futuro
fontes pro pensamento...

Cai a noite, noite inquieta...
suspeita de mil anjos adormecidos
Nenhum portal, nenhuma seta.
Só um silêncio vivo.

E a última estrela no céu
é acendedor dos esquecidos.

ESSA PAZ DOLOROSA

Essa paz dolorosa,
perfume que no vento
traz espinhos
e não a rosa.

Essa paz cansada
de escolher um novo caminho
e sempre e de novo
errar a estrada.

Essa paz que nos vãos da noite
procura estrelas nos abismos
onde elas brilham tão fortes.
Sentinelas do deus destino.

Paz dolorosa e imensurável
e por demais amiga:
minha mesa, meu vinho,
meu pão.

Deixarei que nela
minha alma  refaça caminhos,
vertendo saudade nos linhos
aonde um dia pousei
o teu coração.

ROSAS BRANCAS

Rosas brancas do santuário,
são como cristais em manhã de inverno.
Refletem o encanto dos campanários,
e têm um rosto de sonho eterno.

Dou-te um buquê de brancas rosas
para que te adornem por toda a vida.
No teu puro linho, em verso e prosa,
borde-as sempre, pela alma florescidas.

Que pelos mares da vida, em sábio norte
naveguem teus poemas a mágicos horizontes
encantando ondinas, estrelas...imensidão.

São rosas brancas que o universo doa
esses teus versos em cujas asas voam
os mais belos sonhos do coração.

SOBRE OS LÍRIOS

Esta Tua mão se abaixa
e toca o lírio do campo.
Me dás o fruto dos Teus gestos
ao tecer meu sorriso
ao determinar meu pranto.

Teus pés caminham firmes.
Cidadela em torno d'alma,
de minha alma que vestistes
sob o contorno de Tua palma.

Tu te abaixas e persistes
a acolher lírios dos campos.
Neste meu tão breve céu
sou lírio asilado sob Teu manto.

TEMPO DE EXISTIR

Ainda recordo meu tempo de fé:
O movimento das horas
cinzelando meus sonhos.
As palavras sem travas,
as ossadas das lembranças
mergulhadas nas sombras.
Um canteiro de cânfora
perfumando as mãos.

Meu tempo de esperança
não era essa caricatura de estrelas
que borram o céu dos sentidos.
Era um rosto organizando a vida.
Era um culto velando o sono,
um oráculo em vestes amarelas,
fomentando o divino,
nas pequeninas coisas.
Uma semente, um sorriso,
uma palavra dispersa que nutria.

Medito sobre estes restos de caminhos
que me chegam,
sobre esse tempo que se estende
diante da colina:
um tempo inanimado em seu degredo,
mas que, vez ou outra, acende uma luz
a serviço dessa minha noite
de vigília eterna.

UM DIA…

Um dia o mundo abriu-se em uma página,
despontando o sol do sonho no papel.
E num impulso ao mar azul soltei a lágrima
pra que fosse navegando até teu céu.

Deste, à noite escura o que importava:
mil estrelas que foram portas concebidas
pra passagem de minh’alma que andava
perdida em si mesma, procurando a vida.

Mas o destino traçou seu rumo ao léu
e quis que o tempo falasse como um deus
pra levar o coração a canto algum...

Meus olhos, de cansados, ferem lágrimas
pra um destino ignorado e em brancas páginas
escrevem para ti ou talvez pra céu nenhum!

Fonte:
http://asasonoras.blogspot.com

Lenda Guarani (Erva Mate)

Há muitos e muitos anos, uma grande tribo guarani, por se nômade precisavam encontrar um outro lugar para morar onde a caça fosse farta e a terra fértil. Lentamente os índios foram deixando a aldeia onde haviam vivido tantos anos.

O povo migrou, mas sem que ninguém soubesse um velho índio que dormira tapado por couros ao acordar se viu só, sem seus descendentes para cuida-lo.

É obrigado a levantar-se e agarrando-se as árvores se põem a caminhar, nisto surge uma bela e jovem índia que se coloca atrás dele.

Ela chamava-se Yari e era sua filha mais nova, que não teve coragem de abandonar seu velho pai, que sozinho iria morrer.

Numa triste tarde de inverno, o velho entretido colhendo algumas frutas, assustou-se quando viu mexer-se uma folhagem próxima. Pensou que fosse uma onça, mas eis que surge um homem branco muito forte, de olhos cor do céu e vestido com roupas coloridas.

Aproximou-se e disse-lhe:

- Venho de muito longe e há dias ando sem parar. Estou cansado e queria repousar um pouco. Poderia arranjar-me uma rede e algo para comer?

- Sim, respondeu o velho índio, mesmo sabendo que sua comida era muito escassa.

Quando chegaram à sua cabana, ele apresentou ao visitante a sua filha.

Yari acendeu o fogo e preparou algo para o moço comer. O estranho comeu com muito apetite. O velho e a filha emprestaram a cabana e foram dormir em uma das outras abandonadas.

Ao amanhecer o velho índio encontrou o homem branco, pediu que ele descansasse um pouco mais. Porem, respondeu-lhe que tinha percebido a necessidade dos dois, ninguém o tinha ajudado e acolhido tanto então. 

Embrenhou-se em direção à floresta. Depois de algum tempo retornou com várias caças.

- Vocês merecem muito mais! explicou o homem – me darem o que não tinham e foram de grande bondade. Tupã está preocupado com a saúde de vocês e por isto me enviou. E em gratidão a tanta bondade lhe concedo um pedido.

O pobre velho queria um amigo que lhe fizesse companhia até o findar de seus dias, para que pudesse deixar de ser um fardo para sua doce e jovem filha. O estranho levou-lhe então até uma erva mais estranha ainda dizendo:

- Esta é a erva-mate. Plante-a e deixa que ela cresça e faça-a multiplicar-se. Deve arrancar-lhe as folhas, fervê-las e tomar como chá. Suas forças se renovarão e poderá voltar a caçar e fazer o que quiser. Sua filha poderá então retornar a sua tribo. 

Yari resolveu que de qualquer jeito jamais deixaria de fazer companhia ao pai. Pela sua dedicação e zelo, o enviado do tupã sorriu emocionado e disse:

- Por ser tão boa filha, a partir deste momento passará a ser conhecida como Caá-Yari, a deusa protetora dos ervais. Cuidará para que o mate jamais deixe de existir e fará com que os outros o conheçam e bebam a fim de serem fortes e felizes.

Logo depois o estranho partiu, mas deixou na cabeça de Yari uma grande dúvida: como poderia ela, vivendo afastada das demais tribos divulgar o uso da tal erva? E o tempo foi passando...

Em uma tribo não muito distante dali, os índios estavam contentes com a fartura das caçadas.  Organizaram uma grande festa para comemorar, não faltava comida e muita bebida. Mas a bebida demais levou dois jovens índios a começaram a discutir e brigar. Tratava-se de Piraúna e Jaguaretê.

No furor da briga Jaguaretê empunha um tacape e bate na cabeça de Piraúna, matando-o. Jaguaretê foi então detido e amarrado ao poste das torturas. Pelas leis da tribo, os parentes do morto deveriam executar o assassino. Trouxeram imediatamente o pai de Piraúna para que ordenasse a execução. Muito consciente que a tragédia só aconteceu por estarem os jovens sob o efeito da bebida, liberou o Jaguaretê, que foi então expulso da tribo e foi buscar sua sorte na floresta e quem sabe nos braços de Anhangá, espírito mau da mata. Conforme caminhava e o efeito do álcool era amenizado, mais se arrependia do mal que fizera.

Passadas muitas décadas, alguns índios daquela tribo, aventuravam-se na mata fechada em busca caça que já estava rara no local em que viviam. Entrando no sertão, no meio da floresta, encontraram uma cabana e foram aproximando-se com cuidado, mas mesmo assim foram pressentidos e saiu da cabana um homem muito forte e sorridente. Muito embora seus cabelos fossem totalmente brancos, sua fisionomia era de um jovem e ofereceu-lhes uma bebida desconhecida. Identificou-se então como sendo Jaguaretê, o índio expulso de sua tribo e que a bebida desconhecida era o mate.

Contou que quando foi abandonado a sua sorte, muito andou e quando estava apertado de cansaço e remorso, jogou-se ao chão e pediu para morrer. Acordou-se com a visão de uma índia de rara beleza que apiedando-se dele disse-lhe:

- Meu nome é Caá-Yari e sou a deusa dos ervais. Tenho pena de você, pois não matou por gosto e agora arrepende-se amargamente pelo que fez. Para suportar seu exílio, eis aqui uma bebida que o deixará forte e lhe esclarecerá as ideias. 

Levou-o até uma estranha planta e voltou a dizer:

- Esta é a erva-mate. Cultive-a e a faça multiplicar. Depois prepare uma infusão com suas folhas e beba o chá. Seu corpo permanecerá forte e sua mente clara por muitos anos. Não deixe de transmitir a quem encontrar o que aprendeu com o mate.

- Por tanto, jovens guerreiros, quero que leve alguns pés da erva-mate para a sua tribo e que nunca deixem de transmitir aos outros o que aprenderam.

Aqueles índios voltaram e contaram aos outros os que haviam ouvido. O mate foi plantado e multiplicou-se. Outras tribos apreenderam e foi desta forma que seu uso chegou até nós.

Fonte:
Imagem = http://www.gazetainformativa.com.br 

Antonio Carlos de Barros (Chimarrão) Parte 2, final

( Nota: as palavras em itálico negritado possuem o seu significado no vocabulário no final a postagem)
____________________________

Engana-se quem pensa que o Chimarrão é popular apenas no Sul do Brasil. A bebida é muito consumida também em outros países, como Uruguai e Argentina. Originária das culturas indígenas caingangue, guarani, aimará e quíchua, o mate foi logo incorporado no dia-a-dia dos imigrantes europeus que vieram para o Sul do Brasil e de outros países da região dos Pampas, e se tornou um símbolo local.

Benefícios do consumo do Chimarrão para a saúde

Não, o chimarrão não é só uma água verde e quente que a gurizada do sul gosta de beber em grupo. A bebida é ótima para a saúde e rica em vitaminas. Quem bebe um mate amargo está consumindo importantes vitaminas, como o complexo B, vitamina C e vitamina D, além de sais minerais, como cálcio, manganês e potássio.

Dentre os benefícios para a saúde quando se consome o chimarrão, está o combate aos radicais livres, melhora na digestão e combate ao reumatismo. O Chimarrão deixa a  pele mais bonita, pois favorece a regeneração celular, e regula funções cardíacas e respiratórias. Também fortalece os ossos, ajudando a prevenir doenças como osteoporose.

O Chimarrão também é um excelente diurético e laxante, além de estimular a libido (Opa!), pois contém saponina, que é um dos componentes da testosterona.

Chimarrão é ótimo aliado na dieta, já que, por ser um estimulante natural, acelera o metabolismo.

E se você percebeu que, ao beber um chimarrão enquanto estava com fome, teve sensação de saciedade depois, você não está pirando não. O chimarrão realmente tem este poder, isso porque a erva-mate tem um valor nutricional absurdo. Segundo estudos científicos, o chimarrão oferece praticamente todas as vitaminas necessárias para sustentar a vida.

Acessórios para tomar chimarrão 

Para fazer um chimarrão, são necessários uma cuia (recipiente aonde vai o chimarrão), a bomba (Tacuapy) “canudo” em que se bebe o chimarrão, uma chaleira ou uma garrafa térmica para manter a água quente, erva-mate e água quente. Quanto à temperatura da água depende muito de cada pessoa. Aqui no Sul, no inverno costuma-se deixar a água com 70º centígrados, no verão um pouco menos. Não se deve jamais deixar a água ferver. 

Regras do Chimarrão - Estilo de beber o mate

O mate pode ser tomado de três maneiras, em relação à companhia: o mate solito (isoladamente); o mate de parceria (uma companheira ou companheiro) e, finalmente, em roda de mate (em grupo).

A MÃO DIREITA

Para se receber o mate ou entregar a cuia de mate, deverá ser feito com a mão direita. No caso da mão direita estar ocupada, a pessoa deverá dizer:

- Desculpe a mão!

Ao que o outro responde:

- É a do coração.

Fora dessa exceção, sempre com a mão direita.

SÓ O CEVADOR PODE MEXER NO MATE

A menos que se obtenha licença, só o cevador deve arrumar o mate, considerando-se falta de respeito alguém mexer sem permissão. O bom cevador, cada vez que recebe a cuia, antes de enchê-la, dá uma ajeitada na bomba, de modo que renove o fluxo de seiva, demonstrando, assim, seu conhecimento na intimidade com o mate.

O PRIMEIRO MATE

Como já falamos, todo aquele que fecha um mate (faz o mate) deve tomar o primeiro em presença do parceiro ou na roda de mate.

Este fato tornou-se tradicional devido a épocas remotas em que o mate serviu de veículo para envenenamentos. Por isso, o ato do mateador  tomar o primeiro indica que o mate está em condições de ser tomado.

Ainda no caso do primeiro mate, outro motivo que nos chega foi devido aos jesuítas, que atribuindo valores afrodisíacos ao mate, e para evitar que os índios passassem a maior parte do dia mateando, tentando afastá-los do hábito, criaram o mito entre os silvícolas cristianizados que Anhangá Pitã (diabo) estava dentro do mate.

Mas não foram bem sucedidos os jesuítas e o hábito salutar sobrepujou o temor que lhes fora impresso. Por isso, toda vez que o indígena ia tomar um mate em presença dos outros, tomava o primeiro mate como demonstração que Anhangá Pitã não se encontrava no mate.

RONCAR CUIA

Uma vez servido o mate, deve ser tomado todo, até esgotá-lo, fazendo roncar a cuia.

O grande poeta, músico e cantor Paulinho Pires ensina o legado em sua canção: CEVADOR DE MATE.

Eu já nasci prá cevador de mate,
Da madrugada ao anoitecer,
Cresci amando a natureza bugra
Sina bonita do meu bem querer.

E na música CEVADOR com Letra de João Tadeu Soares da Silva e Salvador Lamberty e Melodia de Leonardo Sarturi.

A Cuia, em forma de taça, Cevador e Chimarrão 
Lembram o gesto de Cristo, dividindo vinho e pão. 
Trazem, no ritual do mate, a fraterna comunhão, 
Querendo mostrar ao mundo que somos todos irmãos. 
A Cuia foi a parceira dos Guaranis combatentes, 
Que elevaram corpo e alma, ao sorver da água quente. 
Em forma de coração - parece um seio moreno – 
Um mapa do meu Rio Grande, mesmo com porte pequeno. 
Cuia, cevador e mate na seiva da convivência, 
São relíquias que afagam e adoçam minha existência! 
Nas Rodas de Chimarrão os assuntos vêm à tona: 
Embates, Tropas, Aprontes, um cortejo pra Siá Dona. 
Sorvem-se reminiscências - tempos deixados pra trás: 
Quantos Heróis Comandantes, quantos Tratados de Paz! 
Cuia, cevador e mate - vertentes de telurismo, 
Que jujam, ao pé do fogo, sementes de um atavismo 
Quando eu parar deste mundo quero levar, no costado, 
Meus Avios de Chimarrão pra matear d'outro lado!

Outra regra importante é não agradecer após beber o chimarrão. Não é falta de educação, pelo contrário. É sinal que você ainda não terminou de beber chimarrão com estas pessoas, e quer continuar participando da roda.

Somente um ícone da cultura gauchesca, poeta, escritor, cantor e músico, o consagrado Telmo de Lima Freitas para nos brindar com a sua "Alma de Galpão"

Como faz bem um chimarrão feito a capricho
Quando cevado com o calor da própria mão
A madrugada negaceando mostra a cara
Cheiro de garras e pelegos pelo chão.

Como faz bem ouvir o relincho do potro
Lá na mangueira a espera do buçal,
Baio sebruno, cabos negros de respeito,
Que pelo jeito, não nasceu pra ser bagual.

Como faz bem tomar um banho na restinga
Vestir as pilchas domingueiras pra passear
Ouvir a gaita de oito baixos resmungando
Adivinhando o pensamento do seu par.

Como faz bem sentir o gosto da querência
Ouvir um grito explodindo no rincão
O venha, venha, do tropeiro nas estradas
Rezando a prece, de retorno ao velho chão.

Como faz bem lavar a fuça na gamela
Tirar o freio pra depois chimarronear
E o gado manso ruminando junto às casas,
E a terneirada num berreiro pra mamar.

Como faz bem sentir o cheiro do borralho
Respirar fundo o braseiro do tição
Rio Grande velho, que retrata diariamente,
Como se forja uma alma de galpão.

Bueno, após sorver o mate dos ervais de nossa convivência. Posso chama-lo de: “Mate da Esperança”. O sabor é o da comunhão, da partilha, do sonho coletivo e da fraternidade. Não deixe morrer a esperança que existe em seu coração. Haverá sempre uma luz para iluminar nosso caminho. E quando esse dia chegar, tomares um mate de Patrão. Um mate pra ti.
_________________________
VOCABULÁRIO
Atavismo – herança dos ancestrais.

Avios – objetos necessários para tomar mate.

Bagual – animal ainda não domado, selvagem.

Borralho – brasas cobertas de cinzas.

Cabos Negros – diz-se do cavalo de qualquer pelo que tem negras as quatro patas.

Chimarronear – tomar chimarrão, matear.

Fuça – rosto, face, cara.

Jujam / Jujo – erva medicinal, chá.

Mate de Patrão - o significado é comparativo à uma Estância ou Fazenda, onde existem o Patrão (dono da fazenda) Capataz, peões, etc. Então o Mate de ou do Patrão é sempre o melhor, mais bonito, mais vistoso, etc. O CTG - Centro de Tradições Gaúchas, foram pensados como se fossem uma grande Estância ou Fazenda, onde existem: Patrão, Capataz, Peões, Invernadas, Piquetes, etc. Na sociedade Urbana o Patrão representa o Presidente da entidade, o Capataz seria o Vice Presidente, a Invernada seria os Departamentos, os Piquetes seriam as seções, os Peões os demais funcionários.

Pilchas – adorno, joias, roupas, vestimenta típica do Gaúcho.

Querência – lugar onde nasceu, se criou ou viveu.

Restinga – mato constituído de árvores de pequeno porte, nas baixadas , à margem de rios.

Rincão – ponta de campo cercada de rios, matas.

Sebruno – animal cavalar de pelo escuro. 

Telurismo – influência do solo sobre os usos e costumes habitantes.

Fonte:
Artigo e vocabulário enviados pelo autor.