domingo, 6 de abril de 2008

Sabedoria Indígena

A sabedoria que se "perdeu" com a matança indiscriminada dos Índios norte-americanos é incalculável. Podemos ver em suas tradições um amálgama do Hermetismo, Hinduísmo, Taoísmo, Budismo e Cristianismo:

Tudo está ligado, como o sangue que une uma família. Todas as coisas estão ligadas. O que acontece a Terra recai sobre os filhos da Terra. Não foi o homem que teceu a trama da vida. Ele é só um fio dentro dela. Tudo o que ele fizer à teia estará fazendo a si mesmo.

Ted Perry, inspirado por discurso do Chefe Seattle (1856)

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O saber sagrado das tradições nativas foram passado de geração em geração, através da tradição oral. Talvez seja por isso que esses povos respeitam tanto o dom da palavra ao reunirem-se em conselho em torno da grande fogueira para compartilhar seus ensinamentos e suas histórias.

No nosso modo de ver, a palavra é um dom que vem direto do Grande Espírito. Por meio dela, nos temos o dom de criar. É através da palavra que nos manifestamos tudo. Independente da língua que falamos, nosso intento se manifesta por intermédio da palavra. Tudo que sonhamos, sentimos e o que somos é manifestado mediante a palavra.

Ela não é simplesmente um som ou um símbolo escrito. A palavra é o poder que todos nós temos para comunicarmos, expressarmos e pensarmos, criando assim os eventos de nossa vida diária. A palavra é a mais poderosa de todas as ferramentas que nós possuímos. Através dela pode ser realizada a guerra ou selada a paz. Devemos ficar alerta para conhecer essa dualidade que existe no dom da palavra, dependendo de como ela é usada, ela pode nos libertar ou nos acorrentar. Não adianta termos esse conhecimento e não sabermos usa-lo com sabedoria. Devemos dizer apenas aquilo em que acreditamos, procurando usar este poder de nossa palavra na direção da verdade e do amor, como os grandes guerreiros dos povos-vermelhos sempre o fizeram.
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Vocês devem ter notado que tudo o que o índio faz movimenta-se em círculo ou tem forma de círculo. O Poder do Mundo trabalha sempre de forma circular e tudo tende a ter a perfeição do círculo. O céu é redondo e a terra também, bem como as estrelas. O vento rodopia e os pássaros constroem seus ninhos de forma circular; as leis deles são semelhantes às nossas. Até mesmos as estações seguem uma grande roda nas suas mudanças, voltando sempre ao ponto de partida. A vida do homem é um círculo: de uma infância à outra. E assim é em tudo onde o poder se movimenta.
Alce Negro (1863-1950) Xamã Oglala Sioux

Os pensamentos são como flechas, uma vez lançadas alcançam o seu alvo. Seja cauteloso ou poderá um dia ser sua própria vítima.
Provérbio Navajo

No princípio de todas as coisas, Tirawa, o Criador, deu a sabedoria e conhecimento aos animais. Ele enviou certos animais para contar aos homens os mistérios das estrelas, do sol e da lua. Para Tirawa todas as coisas no mundo são duais. Em nossas mentes nós somos dois, bom e mal. Com nossos olhos nós vemos duas coisas, coisas que são bonitas e coisas que são feias... Nós temos a mão direita que golpeia e traz mal, e nós temos a mão esquerda cheio de generosidade, e que sempre está mais próxima ao coração. Um pé pode nos conduzir a pelo mau caminho, o outro pé pode nos conduzir ao bom. Assim são todas as coisas.
Letakos Lesa (Águia Noturna) Chefe Pawnne

Não basta falar sobre a paz, é preciso pensar, sentir, agir e viver em paz.
Provérbio Shenandoah

Eu sou o vento que viaja de uma direção para outra, carregando e distribuindo as sementes da vida. Feito a neve, as minhas sementes desaparecem na terra reaparecendo sob uma nova forma. Eu sou o grito do recém nascido que sente a primeira dor da separação. Eu sou o grito de toda a vida que alcança o mistério da verdadeira consciência. Eu sou o eterno. Agora da criação, eu Sou o Espaço através do qual viaja o tempo. Através de mim você experimenta os dons da reflexão, esperança, sabedoria e assim você poderá conhecer a si mesmo. Conhecer-se como Criador e criatura, menor que um grão de poeira e tão grande quanto o Deus que você louva.
Chefe Archie Fire Lame Deer

Não ande atrás de mim, talvez eu não saiba liderar. Não ande na minha frente, talvez eu não queira seguí-lo. Ande ao meu lado, para podermos caminhar juntos.
Provérbio Ute

O que importa se uma vasilha é preta e outra é branca se o desenho delas é perfeito e servem para a mesma finalidade?
Provérbio Hopi

Todos os pássaros, até mesmo os da mesma espécie, não são semelhantes, e o mesmo ocorre com outros animais e com os seres humanos. A razão que o Grande Espírito não fez dois pássaros, ou animais, ou seres humanos idênticos é porque cada um foi colocado aqui por Wakan Tanka para ter uma individualidade independente e confiar em si mesmo.
Atirador, dos Sioux Teton

...tudo na terra tem um propósito, cada doença uma erva para curar , cada pessoa uma missão a cumprir. Esta é a concepção dos índios sobre a existência...
Christine Quintasket (índia Salish) 1888-1936

Você deve viver sua vida do início até o fim, pois ninguém mais pode fazer isto por você.
Provérbio Hopi

Lembre-se que seus filhos não são sua propriedade, eles foram apenas confiados à sua guarda pelo Grande Espírito.
Provérbio Mohawk

Não julgue seu vizinho até andar duas luas nos mocassins dele.
Provérbio Cheyenne

As leis dos homens mudam de acordo com o seu conhecimento e compreensão. Apenas as leis do Espírito permanecem sempre as mesmas.
Provérbio Crow

Quanto mais esperto o homem se julga, mais precisa de proteção divina para defender-se de si mesmo.
Provérbio Seneca

A Terra é a Mãe de todos e todos os homens deveriam ter direitos iguais para se nutrir d'Ela. Esperar que um homem nascido em liberdade possa aceitar ser confinado ou proibido de ir aonde quiser é tão impossível quanto esperar que os rios corram ao contrário.
Joseph (1830-1904) Chefe da tribo Nez Percé

Nós não queremos riquezas, só queremos criar direito nossas crianças. Riquezas não nos fariam bem nenhum bem. Nós não podemos leva-la conosco para o outro mundo. Nós não queremos riquezas. Nós queremos paz e amor.
Mahpiua Luta (Nuvem Vermelha), Chefe dos Sioux Oglalas Teton

Soube que pretendem colocar-nos numa reserva perto das montanhas. Não quero ficar nela. Gosto de vagar pelas pradarias. Nelas me sinto livre e feliz; quando nos estabelecemos, ficamos pálidos e morremos. Pus de lado minha lança, o arco e o escudo, mas me sinto seguro na sua presença. Disse-lhes a verdade. Não tenho pequenas mentiras ocultas em mim, mas não sei como são os comissários. São francos quanto eu? Há muito tempo, esta terra pertencia aos nossos antepassados; mas quando subo o rio, vejo acampamentos de soldados em suas margens. Esses soldados cortam nossa madeira, matam nosso búfalo e, quando vejo isso, meu coração parece partir; fico triste... Será que o homem branco se tornou uma criança que mata sem se importar e não come o que matou? Quando os homens vermelhos matam a caça, é para que possam viver e não morrer de fome.
Satanta, chefe dos Kiowas

Quando povos entram em choque, é melhor para ambos os lados reunirem-se sem armas e conversar sobre isso, e encontrar algum modo pacífico de resolver.
Sinte-Galeshka (Cauda Pintada), dos Sioux Brulés

Essa guerra não surgiu aqui em nossa terra; esta guerra foi trazida até nos pelos trilhos do Pai Grande que vieram tomar nossa terra sem pedir preço e que, em nossa terra, fizeram muitas coisas más. O Pai Grande e seus filhos culpam-nos por estes problemas... Nossa vontade era viver aqui, em nossa terra, pacificamente, e fazer o possível pelo bem-estar e prosperidade do nosso povo, mas o Pai Grande encheu-a de soldados que só pensavam na nossa morte. Alguns do nosso povo que saíram daqui de maneira a poder mudar alguma coisa, e outros que foram para o norte caçar, foram atacados por soldados do outro lado, e agora quando desejam voltar, os soldados se interpõem para impedi-los de voltar ao lar. Parece-me que há um caminho melhor que esse. Quando povos entram em choque, é melhor para ambos os lados reunirem-se sem armas e conversar sobre isso, e encontrar algum modo pacífico de resolver."
Sinte-Galeshka (Cauda Pintada), dos Sioux Brulés

De Wakan Tanka, o Grande Mistério, vem todo o poder. Por causa de Wakan Tanka é que o homem sagrado tem sabedoria e poder para curar e fazer feitiços sagrados. O homem sabe que todas as plantas que curam são dadas por Wakan Tanka; por isso elas são sagradas. Assim também o búfalo é sagrado, porque é um presente de Wakan Tanka. O Grande Mistério deu aos homens todas as coisas para comer, vestir e o bem-estar. E ao homem ele deu o conhecimento de como usar essas dádivas, como encontrar as plantas sagradas que curam, como caçar e cercar o búfalo, como conhecer a sabedoria. Pois tudo provém de Wakan Tanka, tudo. Ao Homem Sagrado é dado na juventude o conhecimento de que ele será sagrado. O Grande Mistério o faz saber disso. Por vezes, são os Espíritos que lhes falam. Os Espíritos não aparecem apenas em sonhos, mas também quando o homem está desperto. Quando um Espírito chega, pareceria como se um homem estivesse lá, mas quando este "homem" acabou de falar e se põe a andar de novo, ninguém pode ver onde ele vai. Assim são os Espíritos. Com os Espíritos, o Homem Sagrado pode dialogar intimamente e lhe ensinar coisas sagradas. O Homem Sagrado vai para uma tenda solitária e jejua e ora. Ou vai para a solidão das montanhas. Quando retorna aos homens, ele lhes conta e ensina o que o Grande Mistério lhe mandou falar. Ele aconselha, cura e faz feitiços sagrados para proteger as pessoas de todo mal. Grande é o seu poder e muito ele é reverenciado; seu lugar na tenda é de honra.
Maza Blaska (Pedaço de Ferro Liso), Chefe Oglala Sioux

As tradições de nossas pessoas são passadas de pai para filho. Para ser Chefe é considerado que ele seja o mais instruído, o líder da tribo. Porém, o Xamã tem mais inspiração. É ele que está em comunhão com espíritos... Ele cura o doente com as suas mãos, preces, encantamentos e cantos divinos. Ele infunde vida nova no paciente, ao executar a sua prática mágica com o seu coração puro e imaculado...
Sarah Winnemucca (índia Paiute) 1844-1891

A preparação para a cura requer um período especial de jejum, oração, renúncia, agradecimentos, sacrifício, exercícios devocionais. O propósito é vencer as paixões da carne e fortalecer o espírito. A abstinência e o rigor físico limpam o corpo e a concentração mental purifica a mente, alinhando assim a matéria e o espírito. Desta forma a mente individual pode entrar em contato com o poder de cura do Grande Espírito.
Wooden Leg (séc. 19) Xamã Cheyenne

Quando compreendermos profundamente a verdade dos nossos corações saberemos louvar, amar e agradecer ao Grande Espírito.
Provérbio Oglala Sioux

Você consegue experimentar o poder e não se perder no processo? Dizem que poucos completam sua jornada de iniciação... Muitos param ao longo do caminho e ficam satisfeitos em ser curandeiros. Tornam-se donos de si mesmos. E há os que caem na armadilha do poder. Perdem-se ao longo do caminho.
Don Antonio Morales Baca (Paq'o Kero) 1902-1985

Fontes
http://www.saindodamatrix.com.br/archives/2006/05/sabedoria_indig.html
http://www.xamanismo.com/palavra.asp
http://www.xamanismo.com/lobocards.asp?dir=PovoVermelho&folha=24 (figura)

Lendas Indígenas (Serpente Emplumada)

Quetzalcoatl, Deus Serpente, entrou no México à frente de um grupo de estranhos, os Toltecas, vestidos com longas túnicas de linho negro. O povo deu-lhes boas-vindas, e ele tornou-se o rei da Cidade dos Deuses, Tollan. Neste tempo, as maçarocas de milho eram tão grandes que um homem não conseguia transportar mais do que uma cana de vez, o algodão com tantas cores, que não necessitava ser tingido. Uma grande variedade de pássaros de penas coloridas invadiam os ares com suas canções, e abundavam o ouro, a prata e as pedras preciosas. Quetzalcoat introduziu uma religião que apregoava paz para todos os homens. Ele era totalmente puro, inocente e bom. Nenhuma tarefa era humilde para ele. Ele até varria os caminhos para os deuses da chuva, para que eles pudessem chegar e fazer chover.

Com o tempo, seu irmão esperto , Tezcatlipoca, invejoso da sua felicidade, juntamente com mais dois feiticeiros Huitzilopochtli e Tlacahuepán viraram-se contra Quetzalcoat e seu povo. Tezcatlipoca, ficava furioso com tanta bondade e perfeição. Juntamente com os dois feiticeiros, ele decidiu lançar um feitiço negro em Quetzalcoatl e transforma-lo em um ancião preocupado apenas com seu prazer. -Vamos dar a ele um corpo e cabeça humanos, disse. E mostraram a Quetzalcoatl seus novos traços em um espelho de fumaça. Quando Quetzalcoatl olhou no espelho e viu sua face, foi possuído por todos os desejos terrenos que afligiam a humanidade. Gritou de horror. "Já não posso mais ser rei. Não posso aparecer assim diante do meu povo". Ele chamou o coiote Xolotl, que era tão próximo dele quanto sua própria sombra. O coiote fez para ele um manto de plumas verdes, vermelhas e brancas, do pássaro Quetzal. Também fez uma máscara turquesa, uma peruca e uma barba de penas azuis e vermelhas. Pintou de vermelho os lábios do rei, de amarelo sua testa e pintou seus dentes para que parecessem os de uma serpente. E assim Quetzalcoatl ficou disfarçado de Serpente Emplumada.

Mas Tezcatlipoca tinha pensado em uma nova peça para pregar no irmão. Disfarçado de velho, visitou o irmão, e preparou um remédio que, como assegurou a Quetzalcoat, o embriagaria, apaziquaria o seu coração e iria curar seu problema. Com um pouco de boa vontade, Quetzalcoatl, bebeu o remédio e assim que o saboreou, bebeu cada vez mais até ficar embriagado e choramingando. O que ele havia bebido era o vinho feito de pita, chamado a "Bebida dos Deuses". Quando ele estava em esturpor, Tezcatlipoca persuadiu-o a fazer amor com sua própria irmã, Quetzalpetatl.

Quando Quetzalcoatl acordou, ficou amargamente envergonhado com o que tinha feito. "Este é um mau dia", disse e resolveu morrer. Quetzalcoat ordenou a seus servos que fizessem uma caixa de pedra, e ficou dentro dela quatro dias. Depois se levantou e pediu aos servos para encher a caixa com todos os seus maiores tesouros e depois selá-la. Foi até o mar e lá colocou seu manto de plumas de Quetzal e sua máscara de turquesa. E então pôs fogo em si mesmo e queimou até que só restassem cinzas na praia. Dessas cinzas, aves raras se levantaram e voaram para o céu.

Quando Quetzalcoat morreu, a aurora não se levantou por quatro dias, porque Quetzalcoat tinha descido para a terra dos mortos com seu duplo, Xolotl, para ver seu pai, Mictlantecuhtli. Ele disse a seu pai, o Senhor dos Mortos, "Vim buscar os preciosos ossos que o senhor tem aqui para povoar a Terra."

E o Senhor dos Mortos respondeu: "Está bem". Quetzalcoat e Xolotl pegaram os ossos preciosos e voltaram à terra dos vivos. Quando a aurora se levantou outra vez, Quetzalcoat borrifou seu sangue sobre os ossos e deu-lhes vida. Os ossos se transformaram nas primeiras pessoas. Quetzalcoat ensinou à humanidade, muitas coisas importantes. Ele encontrou o milho, que as formigas tinham escondido, e roubou um grão para dar ao povo que tinha criado para que eles pudessem cultivar seu próprio alimento. Ensinou-lhes a polir o jade, a tecer e a fazer mosaicos. O melhor de tudo, ensinou-lhes a medir o tempo e a entender as estrelas, e distribuiu o curso do ano e das estações.

Finalmente chegou o tempo de Quetzalcoat deixar os humanos cuidarem-se de si mesmos. Quando a aurora surgiu, no céu apareceu a estrela Quetzalcoat, que conhecemos como Vênus. Por essa razão, Quetzalcoat é conhecido como Senhor da Aurora. Alguns dizem que Quetzalcoat partiu para o leste em uma jangada de serpentes, na qual se sentou como numa canoa, viajando em direção a Tlapallán, o país misterioso de onde tinha vindo e um dia retornará.

Fontes:
http://www.xamanismo.com/lendas.asp?c=7
http://kulkukan.blogspot.com/ (figura)

Lendas dos ìndios Sioux (O Falcão e A Águia)

Conta uma velha lenda dos índios Sioux, que uma vez, Touro Bravo, o mais valente e honrado de todos os jovens guerreiros, e Nuvem Azul, a filha do cacique, uma das mais formosas mulheres da tribo, chegaram de mãos dadas, até a tenda do velho feiticeiro da tribo:

- Nós nos amamos, e vamos nos casar - disse o jovem. E nos amamos tanto que queremos um feitiço, um conselho, ou um talismã, alguma coisa que nos garanta que poderemos ficar sempre juntos, que nos assegure que estaremos um ao lado do outro até encontrarmos a morte. Há algo que possamos fazer?

E o velho, emocionado ao vê-los tão jovens, tão apaixonados e tão ansiosos por uma palavra, disse:

- Tem uma coisa a ser feita, mas é uma tarefa muito difícil e sacrificada... Tu, Nuvem Azul, deves escalar o monte ao norte dessa aldeia, e apenas com uma rede e tuas mãos, deves caçar o falcão mais vigoroso do monte e trazê-lo aqui com vida, até o terceiro dia depois da lua cheia. E tu, Touro Bravo - continuou o feiticeiro - deves escalar a montanha do trono, e lá em cima, encontrarás a mais brava de todas as águias, e somente com as tuas mãos e uma rede, deverás apanhá-la trazendo-a para mim, viva!

Os jovens abraçaram-se com ternura, e logo partiram para cumprir a missão recomendada. No dia estabelecido, à frente da tenda do feiticeiro, os dois esperavam com as aves dentro de um saco. O velho pediu, que com cuidado as tirassem dos sacos, e viu eram verdadeiramente formosos exemplares...

- Agora - disse o feiticeiro, apanhem as aves, e amarrem-nas entre si pelas patas com essas fitas de couro; quando as tiverem amarradas, soltem-nas, para que voem livres.

O guerreiro e a jovem fizeram o que lhes foi ordenado, e soltaram os pássaros. A águia e o falcão tentaram voar, mas apenas conseguiram saltar pelo terreno. Minutos depois, irritadas pela incapacidade do vôo, as aves arremessavam-se entre si, bicando-se até se machucar.

E o velho disse:

- Jamais esqueçam o que estão vendo; este é o meu conselho: Vocês são como a águia e o falcão; se estiverem amarrados um ao outro, ainda que por amor, não só viverão arrastando-se, como também, cedo ou tarde, começarão a machucar-se um ao outro.

Se quiserem que o amor entre vocês perdure, voem juntos, mas jamais amarrados.

Fonte: Autor Desconhecido
http://www.saindodamatrix.com.br/archives/2002/06/o_falcao_e_a_ag.html

Erskine Caldwell (1903 - 1987)

Erskine Preston Caldwell (White Oak, Geórgia, 17 de dezembro de 1903 - Paradise Valley, Arizona, 11 de abril de 1987) foi um escritor estadunidense, autor de romances e contos geralmente ambientados no sul dos Estados Unidos. Foi também ensaísta e correspondente de guerra.

Biografia

Caldwell passou os primeiros anos de sua vida mudando-se de um estado para outro, porque a isso o obrigava a profissão de seu pai, que era pastor presbiteriano. Foi operário, criado, trabalhador rural, cozinheiro, maquinista de teatro e jogador de basebol. Freqüentou a Universidade da Virgínia por três anos; não se formou, mas foi incentivado a tornar-se escritor. Foi ali que viu nascer, em 1926, seu primeiro trabalho impresso, o ensaio "The Georgia Cracker", onde já se encontram vários dos temas que mais tarde abordaria em sua carreira literária: injustica racial, demagogia, religião, irresponsabilidade social.

Seu primeiro livro importante foi a coletânea de contos American Earth (Frenesi de Verão, Brasil), de 1931. Nos dois anos seguintes, publicou suas obras mais conhecidas: Tobacco Road (A Estrada do Tabaco, Brasil e Portugal) e God's Little Acre (Pequeno Rincão de Deus, Brasil ou A Jeira de Deus, Portugal). A crueza da linguagem, a ousadia dos temas e o tratamento dado aos personagens chocaram os leitores. Acusados de obscenidade, ambos os livros foram perseguidos e banidos de várias bibliotecas. Caldwell chegou a ser preso quando foi a Nova Iorque para uma noite de autógrafos quando do lançamento de God's Little Acre. No entanto, a crítica mais progressista elogiou fartamente essas obras, sendo que Tobbaco Road foi adaptado para o teatro, tendo permanecido em cartaz por quase dez anos. Em 1941, foi transformado em filme, sob a direção de John Ford.

Nos anos 1930, Caldwell e Helen Lannigan, sua primeira esposa, mantiveram uma livraria no estado do Maine, para onde haviam se mudado na década anterior. Até o início dos anos 1940, Caldwell já havia escrito mais dois romances, além de três livros de contos e um ensaio fotográfico junto com sua nova esposa, Margaret Bourke-White. Durante a Segunda Guerra Mundial, foi correspondente de guerra na União Soviética, mais precisamente na Ucrânia. De volta, fixou-se em São Francisco (Califórnia), já divorciado. Entre 1942 e 1955, foi editor da American Folkways, uma série de livros regionais. Pelos próximos anos, além de continuar a escrever, Caldwell dedicou-se a viajar pelo mundo, sempre tomando anotações que podem ser consultadas no The Erskine Caldwell Birthplace and Museum, na cidade de Moreland, Geórgia, um museu dentro da casa onde nasceu. Publicou romances e contos até a década de 1970, mas já sem o aval da crítica e do público. Ainda assim, calcula-se que tenha vendido 40.000.000 de exemplares de suas obras, principalmente aquelas de sua fase mais produtiva artisticamente.

Fumante inveterado, Erskine Caldwell faleceu devido a um enfisema e um câncer no pulmão.

Obra

Caldwell sofreu grande influência de seu pai, um reformador social conservador. Seus primeiros livros tratam de uma outra América, a América dos vencidos, dos desgraçados e sem esperança, daqueles que ficaram de fora do Sonho Americano. Daí sua escrita ser crua e direta, às vezes mesclada com um humor sombrio e patético; seus personagens, a quem faltam consciência social, tendem ao animalesco e à degenerescência moral. As obras são impregnadas de lascívia, crueldade, volúpia, violência física ou mental, racismo e soturna resignação. Assim como William Faulkner, John Steinbeck e outros escritores do período, Caldwell procurou retratar a vida desses miseráveis de um Sul arcaico, segregacionista e reacionário. Apesar de contar com o reconhecimento da crítica menos acomodada e de vender milhões de exemplares, os temas desses livros desagradaram a maioria silenciosa, o que fez com que Caldwell nunca conseguisse livrar-se da pecha de obsceno, comunista e pornográfico. Por isso vários de seus livros foram proibidos, apreendidos ou sofreram todo tipo de perseguição.

No entanto, com a morte do pai em 1944, seu grande leitor e encorajador, a obra de Caldwell entrou em declínio lento e irreversível. Seus personagens já não eram retratados com a mesma força de antigamente e seus temas passaram a sofrer influência de outros campos do conhecimento, como no romance Gretta (Gretta, Brasil), de 1955, em que a psicanálise é convocada para explicar o estranho vício da personagem-título.

Tanto no Brasil como em Portugal, foram publicados diversos livros do autor, principalmente entre as décadas de 1940 e 1960.
Bastard, 1929 - contos
Poor Fool, 1930 - contos
American Earth, 1931 - contos (Frenesi de Verão, Brasil)
Tobacco Road, 1932 - romance (A Estrada do Tabaco, Brasil e Portugal)
We Are the Living, 1933 - contos
God's Little Acre, 1933 - romance (Pequeno Rincão de Deus, Brasil ou A Jeira de Deus, Portugal)
Tenant Farmers, 1935 - ensaios
Some American People, 1935 - ensaios
Journeyman, 1935 - romance (O Pregador, Portugal)
Kneel to the Rising Sun, 1935 - contos
The Sacrilege of Alan Kent, 1936 - poema em prosa
You Have Seen Their Faces, 1937 - ensaio fotográfico (com Margaret Bourke-White)
Southways, 1938 - contos
North of the Danube, 1939 - ensaio fotográfico (com Margaret Bourke-White)
Trouble in July, 1940 - romance
Say Is This the USA, 1941 - ensaio fotográfico (com Margaret Bourke-White)
Moscow Under Fire, 1942 - reportagens do front germano-russo
Russia at War, 1942 - reportagens do front germano-russo
All-Out on the Road to Smolensk, 1942 - reportagens do front germano-russo
All Night Long, 1942 - romance (Guerrilheiros Russos, Portugal))
Georgia Boy, 1943 - romance (Um Rapaz da Geórgia, Portugal)
Tragic Ground, 1944 - romance (Chão Trágico, Brasil)
A House in the Uplands, 1946 - romance (Uma Casa no Planalto, Portugal)
The Sure Hand of God, 1947 - romance
This Very Earth, 1948 - romance (Três Destinos, Brasil)
A Place Called Estherville, 1949 - romance (A Cidade do Ódio, Brasil)
Episode in Palmetto, 1950 - romance (Episódio em Palmetto, Portugal)
Call It Experience, 1951 - autobiografia
The Courting of Susie Brown, 1952 - contos
A Lamp for Nightfall, 1952 - romance (Os Donos da Terra, Brasil)
Love and Money, 1954 - romance
Gretta, 1955 - romance (Gretta, Brasil)
Gulf Coast Stories, 1956 - contos
Certain Women, 1957 - contos
Claudelle Inglish, 1958 - romance
Molly Cottontail, 1958 - infantil
When You Think of Me, 1959 - contos
Jenny by Nature, 1961 - romance
Men and Women, 1961 - contos
Close to Home. 1962 - romance
The Last Night of Summer, 1963 - romance
In Search of Bisco, 1965 - viagens
The Deer at Our House,1966 - infantil
Writing in America, 1967 - ensaios Miss Mamma Aimee, 1967 - romance
Summertime Island, 1968 - romance
Deep South, 1968 - viagens
The Weather Shelter, 1969 - romance
The Earnshaw Neighborhood, 1971 - romance Annette, 1973 - romance
Afternoons in Mid America, 1976 - ensaios
With All My Might, 1987 - autobiografia

Em 1946, a editora portuguesa Atlântida, Livraria Editora, Lim., dentro de sua coleção "Antologia do Conto Moderno", publicou o volume intitulado "Erskine Caldwell", com as seguintes histórias:
Ajoelhai Ante o Sol Nascente (Kneel to the Rising Sun)
Raquel (Rachel)
Ladrão de Cavalos (Horse Thief)
A Rapariga Amarela (Yellow Girl)
O Burro Turbulento (Meddlesome Jack)
O Rio Quente (Warm River)
O Meu Velhote (My Old Man)

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Erskine_Caldwell
http://id.mind.net (foto)

Erskine Caldwell (Rio Quente)

O cocheiro parou próximo da ponte suspensa e apontou-me a casa que ficava do outro lado do rio. Três quilômetros de distância da estação até ali... Paguei-lhe a importância do frete e saí do carro. O homem partiu deixando-me só com a noite escura. As luzes do vale brilhavam como as estrelas, e o rio, largo e verde, e quente, corria a meus pés. Na escuridão da noite, à minha volta, as montanhas, erguiam-se como nuvens negras; só pregando os olhos no céu me era possível ver uns restos do brilho quase apagado do pôr do sol.

A cada passo que dava a ponte rangia e o ímpeto do seu balouçar depressa excedeu o do meu andamento. Com aquele oscilar de pêndulo a descrever arcos de grande amplitude sobre o rio, para me manter em equilíbrio, era preciso andar depressa, cada vez mais depressa. Quando, finalmente, avistei na outra margem o ponto onde a montanha descia abruptamente e mergulhava na água tépida do rio, segurei com mais firmeza o saco e deitei a correr com quanta força tinha.

Então, e mesmo depois de pisado o carreiro de cascalho, confesso que tive medo. Sei que se fosse dia poderia atravessar a ponte sem qualquer espécie de receio; mas à noite, numa região desconhecida, com montanhas sombrias fechando-se à minha volta e um rio largo e verde correndo a meus pés, não conseguia evitar que as mãos me tremessem e o coração me batesse com mais força no peito.

Encontrei a casa com facilidade e ri de mim próprio por ter fugido do rio. Era a primeira casa com que se dava depois de deixar a ponte e mesmo que não a tivesse reconhecido Gretchen ter-me-ia chamado. Lá estava nos degraus da porta à minha espera. Ao ouvir a sua voz tão familiar chamar pelo meu nome envergonhei-me pelo medo que tive das montanhas altas e do rio que deslizava lá ao fundo.

Gretchen desceu o carreiro e veio ao meu encontro.

- A ponte meteu-te medo, Ricardo? - perguntou, emocionada, segurando-me o braço com as duas mãos e guiando-me pela vereda na direção da casa.

- Acho que sim, Gretchen; mas suponho que dominei o seu balanço, correndo.

- Toda a gente procede assim a princípio mas, depois de tê-la atravessado uma vez, é como se andássemos sobre uma corda esticada. Quando era pequena costumava andar sobre cordas tensas... E tu, Ricardo, não andaste também?
Tínhamos uma corda esticada dum lado ao outro do celeiro, para praticar.

- Também eu o fiz; mas foi há tanto tempo... Agora não sou capaz...

Chegamos e subimos os degraus que davam para a entrada da casa. Gretchen guiou-me até à porta. Do interior da casa alguém se aproximava do átrio; o candeeiro que trazia na mão iluminou a entrada da casa. Então vi as duas irmãs de Gretchen, de pé, junto da porta.

- Esta é a minha irmãzinha Ana - disse Gretchen. - E esta é a Marta.

Mesmo ali, quase às escuras, lhes dirigi algumas palavras; depois entramos no átrio. O pai de Gretchen que, junto de uma mesa, segurava o candeeiro desviou-o um pouco para o lado para melhor me ver a cara. Não o conhecia.

- O meu pai - apresentou Gretchen. - Ele receava que, com este escuro, não fosses capaz de dar com a casa.

- Quis ir lá abaixo, à ponte, esperá-lo com uma luz mas Gretchen disse-me que chegaria cá sem dificuldade. Perdeu-se? Não me custaria nada levar-lhe uma lanterna.

Apertei-lhe a mão e contei-lhe da facilidade com que tinha encontrado a casa.

- O cocheiro do carro que me trouxe apontou-ma do outro lado do rio, e nunca mais desviei os olhos da luz. Se a tivesse perdido de vista andaria a estas horas por aí às escuras, aos tropeções, sujeito a cair à água.

O homem riu-se de mim por causa de ter medo do rio.

- Não seria grande o mal. O rio é quente. Até no Inverno, quando gela, quando cai neve, o rio está tão morno como um quarto confortável. Aqui todos gostamos daquela água.

- Não, Ricardo, não terias caído - disse Gretchen juntando a sua mão à minha. - Vi-te na altura em que desceste do carro, e se tivesses dado um passo fora do caminho teria corrido imediatamente para junto de ti.

Quis agradecer-lhe estas palavras mas ela já subia as escadas que davam para o andar de cima, e chamava-me. Segui-a, levando o saco à minha frente. Ao fundo do átrio do andar de cima, em cima de uma mesa, havia um candeeiro com quebra-luz. Estava aceso, mas a luz era fraca. Gretchen levou-o e entrou num dos quartos que ficavam em frente. Estivemos, por momentos a olhar um para o outro, em silêncio.

- A bilha tem água fresca, Ricardo. Se precisares mais alguma coisa faze o favor de me chamar. Não sei se o consegui, mas procurei não esquecer nada.

- Não te incomodes, Gretchen. Que mais podia desejar? Basta-me estar contigo, nada mais me interessa.

Olhou-me mas depressa pôs os olhos no chão. Durante alguns minutos nem um nem o outro encontramos que dizer e ficamos calados. Quis mostrar-lhe a minha alegria por me encontrar junto dela, embora fosse apenas por uma noite; depois pensei que podia falar nisso mais tarde. Gretchen sabia a razão porque eu tinha vindo.

- Fica aqui o candeeiro, Ricardo, e espero lá em baixo, à entrada, por ti. Vem logo que estejas pronto.
Deixou-me antes que fosse possível oferecer-me para lhe levar a luz à escada e iluminar-lhe o caminho. Quando peguei no candeeiro, já ela tinha desaparecido.

Voltei para o quarto, fechei a porta, lavei o rosto e as mãos e livrei-me da poeira do comboio, esfregando-me com uma escova e sabão. No toalheiro havia algumas toalhas bordadas à mão. Peguei numa e enxuguei as mãos e a cara.
A seguir penteei-me e tirei do saco de viagem um lenço lavado. Por fim abri a porta e desci a escada para ir ao encontro de Gretchen.

O pai estava com ela à porta. Quando me aproximei levantou-se e ofereceu-me uma cadeira que estava entre ambos. Gretchen puxou a sua mais para o pé da minha, tocando-me no braço com a mão.

- É a primeira vez que vem aqui, aos montes, Ricardo? - perguntou o pai voltando-se para mim.

- Sim, senhor, nunca estive a menos de cem quilômetros deste sítio. Acho a região diferente daquelas que conheço mas estou convencido de que o senhor pensaria o mesmo a respeito da costa. Não é verdade?

- Oh, mas o pai viveu em Norfolk - disse Gretchen. - Não viveu, pai?

- Sim, vivi lá perto de três anos.

Pareceu-nos que queria dizer mais alguma coisa e ambos esperamos que continuasse.

- O pai é chefe de mecânicos - disse-me Gretchen em voz baixa. - Trabalha nas oficinas do caminho de ferro.

- Sim - afirmou ele, seguidamente. - Tenho vivido em muitos lugares, mas é aqui que desejo ficar.

O meu primeiro desejo foi o de perguntar-lhe porque motivo preferia as montanhas às outras regiões, mas de súbito reparei que tanto ele como Gretchen se tinham fechado num silêncio opressivo. Sentado entre ambos, pus-me a cismar no caso.

Pouco depois voltou a falar mas não o fazia nem para mim, nem para Gretchen; falava para qualquer outra pessoa que estivesse junto da entrada da porta, uma quarta pessoa que, no escuro da noite, eu não podia ver. Esperei atento e cheio de emoção, que continuasse.

Gretchen aproximou a sua cadeira da minha algumas polegadas, e fê-lo com leveza, sem fazer barulho. O bafo quente do rio subia no espaço e vinha até nós cobrindo-nos, na noite frígida, como se tratasse dum cobertor.
- Quando Gretchen e as outras duas irmãs perderam a mãe - disse ele, falando muito baixo, curvando-se sobre os joelhos e olhando as águas verdes do rio - quando perdemos a mãe dela, voltei para as montanhas. Não me foi possível continuar em Norfolk e Baltimore tornara-se insuportável. Este era o único lugar da terra onde podia encontrar a paz. Gretchen lembra-se, certamente, da mãe mas nenhum de vocês é capaz de compreender o que se passa comigo. A mãe, tal como eu, tinha nascido aqui nas montanhas e aqui estivemos durante quase vinte anos.

Depois de ela ter partido mudei de casa; acreditava estupidamente que podia esquecer. Mas enganei-me. Enganei-me certamente. Um homem não pode esquecer a mãe de seus filhos ainda que saiba que nunca mais voltará a vê-la.
Gretchen chegou-se mais para mim; fiquei preso, não podia desviar os olhos do seu perfil que, a meu lado, se emoldurava no escuro. Do rio, nem sequer um murmúrio chegava até nós; só o seu bafo quente me bastava para pensar que ele corria quase a nossos pés.

O pai inclinou-se na cadeira até os braços lhe pousarem sobre os joelhos e olhava para o outro lado do rio, para o cimo da montanha, como se esperasse que aí aparecesse alguém. Os olhos estavam fixos num ponto e o feixe de luz que se coava através da porta enchia-os dum brilho estranho. E brilhavam também, como fragmentos de estrelas, as lágrimas que lhe rolavam pela cara abaixo e que, antes de se desfazerem, lhe escaldavam as mãos tremulas e expressivas.

A seguir, sempre em silêncio, ergueu-se e entrou em casa. Parou à porta por momentos e a sua sombra enorme caiu sobre Gretchen e sobre mim. Continuou a andar. Voltei-me e olhei na direção em que ele seguia e embora a sua imagem se fosse esbatendo o que é certo é que não conseguia fitá-la.

Gretchen inclinava-se mais para mim. Apertava nervosamente a minha mão e esfregou o rosto no meu ombro, como se procurasse limpar qualquer coisa. Os passos do pai foram-se apagando, até que, por fim, deixamos de ouvi-los.
Lá em baixo, ao longo da margem do rio, um comboio correu pelo vale fora, esfarpando com silvos o silêncio da noite. As suas luzes, através das janelas, faiscaram por momentos no escuro, dançando no rio verde como luzes polares; e um eco nostálgico rolou contra as altas encostas da montanha.

Gretchen apertou, com força, a minha mão nas suas, tremendo até às pontas dos dedos.

- Ricardo, porque vieste ver-me?

A sua voz misturava-se com o ruído do apito metálico do comboio, que parecia perder-se na distância.

Esperava ver os seus olhos cravados no meu rosto, mas, quando me voltei para ela, vi que olhava para o fundo do vale, como se quisesse revolver as águas quentes do rio. Sabia a razão da minha visita e queria ouvi-la da minha boca.

Agora, nem eu próprio sabia, porque viera vê-la. Tinha gostado de Gretchen e tinha-a desejado mais do que a nenhuma outra rapariga das que conheci mas, depois de ouvir o pai falar de amor, não podia afirmar que a amava. Sim, lamentava ter vindo, depois de ouvi-lo falar da mãe de Gretchen como falou. Sabia que Gretchen se empolgaria, por que me tinha amor; eu é que nada tinha para lhe dar em troca. Era bela, sim, era muito bela e eu tinha-a desejado. Mas isso estava esquecido. Agora me restava a certeza de que nunca mais voltaria a pensar nela da mesma forma e com as mesmas razões.

- Diz-me porque vieste, Ricardo.

- Por quê?

- Sim, Ricardo, por quê?

Fecharam-se-me os olhos e o que senti foi a lembrança das luzes cintilando e correndo, lá em baixo, no vale, a tepidez das águas do rio deslizando e as carícias dos dedos de Gretchen ao tocarem-me no braço.

- Ricardo, diz-me porque vieste.

- Nem eu sei porque vim, Gretchen

- Se me quisesses como eu te quero, Ricardo, saberias.

A sua mão tremia na minha. Amava-me, sabia que me amava. Nem uma dúvida no meu espírito, desde o princípio... Gretchen gostava de mim.

- Parece-me que não devia ter vindo. Enganei-me Gretchen. Sim, não devia ter vindo.

- Mas ficas só esta noite, Ricardo. Vais-te embora amanhã de manhã. Não tens pena de ter vindo por tão pouco tempo? Não tens pena, Ricardo?

- Não lamento estar aqui, mas não devia ter vindo. Não sabia o que fazia. Agora sei que não devia ter vindo. Só as pessoas que se amam mutuamente...

- Mas tu amas-me, embora pouco, não é assim Ricardo? Não era possível quereres-me tanto como eu te quero. Mas não podes dizer que me queres, mesmo que pouco seja? Assim sentir-me-ei mais feliz quando te fores embora.

- Não sei - respondi a tremer.

- Ricardo, por favor...

Prendi-a firmemente, enleadas as suas mãos nas minhas; de súbito senti-me invadido por qualquer coisa que não sei explicar, qualquer coisa que me sacudiu. Era como se as palavras que ouvira ao pai se fossem tornando claras, cada vez mais claras, e fizessem luz no meu espírito. Até então não podia acreditar que existisse um amor como o de que ele falara. Sempre julguei que os homens nunca amavam as mulheres da mesma forma que uma mulher ama um homem; agora, porém, verificava que não podia haver diferença.

Permanecemos silenciosos, de mãos dadas, durante algum tempo. Passava muito da meia-noite, pois as luzes do vale começavam a apagar-se.

Gretchen junto de mim procurava ler-me no rosto os pensamentos e pousava a cabeça no meu ombro. Era tanto minha como é possível uma mulher pertencer a um homem mas, nesta altura, tinha a certeza que nada me levaria a tirar partido do seu amor e a abandoná-la, sabendo que não gostava dela como Gretchen gostava de mim. Não, não acreditava em tal quando cheguei. Percorrera a enorme distância que nos separava, unicamente para tê-la nos braços durante algumas horas, e depois esquecê-la para sempre.

Quando achamos que eram horas de recolher, levantei-me e ergui-a nos braços. Gretchen tremia quando lhe toquei. Prendeu-se a mim com a mesma violência com que a prendi e senti no bater do seu coração, pancada por pancada, a paixão que lhe transbordava do peito.

- Ricardo, beija-me antes de te ires embora.

Correu para a porta, mantendo-a aberta para que eu entrasse. Pegou no candeeiro que estava sobre a mesa, subiu as escadas que davam para o andar de cima, adiante de mim.

Á porta do meu quarto esperou que eu acendesse o seu candeeiro e a seguir entregou-me o meu.

- Boa noite, Gretchen.

- Boa noite, Ricardo.

Baixei-lhe a torcida do candeeiro para evitar que deitasse fumo, e ela, depois, atravessou o átrio dirigindo-se ao seu quarto.

- Amanhã chamar-te-ei a tempo de tomares o comboio.

- Está bem, Gretchen. Não me deixes dormir de mais. O comboio sai da estação às sete e trinta.

- Chamar-te-ei muito a tempo, Ricardo.

A porta fechou-se atrás de Gretchen. Entrei para o meu quarto, fechei também a porta e comecei a despir-me vagarosamente. Deitei-me, apaguei o candeeiro mas, na agitação em que estava, não adormeci. Sabendo que era impossível dormir sentei-me na cama, fumando cigarro atrás de cigarro e deitando o fumo, através da cortina, para a janela. Mais de uma vez julguei ouvir sons abafados, que vinham do outro lado do átrio, que vinham do quarto de Gretchen. Sim, julguei; contudo não tinha a certeza.

Não posso precisar quanto tempo estive sentado na beira da cama, rígido, sem um movimento, direito, a pensar em Gretchen. De súbito levantei-me de um salto. Abri a porta e atravessei o átrio rapidamente. A porta do quarto de Gretchen estava fechada. Contudo sabia que ela não a tinha fechado à chave e dei volta ao puxador sem fazer ruído. Rompeu, através da abertura, um feixe tênue de luz. Não era preciso empurrar mais a porta porque via Gretchen, apenas a alguns passos de distância, quase ao alcance da mão. Fechei os olhos com esforço e, naquele momento, pensei nela com uma intenção igual à que me ditara a viagem que nesse dia fizera, da costa até ali.
Gretchen não tinha ouvido abrir a porta, nem sabia que eu me encontrava ali. Sobre a mesa, o seu candeeiro ardia com uma luz viva.

Não esperava vê-la acordada, tinha quase a certeza de que a encontraria deitada. Estava ajoelhada no tapete, ao lado da cama, com a cabeça apoiada nos braços. Os soluços sacudiam-lhe o corpo.

O cabelo, preso por uma fita pálida no alto da cabeça, espalhava-se-lhe depois pelos ombros. Vestia uma camisa de seda branca, franjada de rendas vaporosas, e a gola, aberta, descobria-lhe o seio.

Só então vi quanto ela era bela, embora sempre a tivesse considerado bonita. Nunca, até ali, vira uma rapariga tão bela como Gretchen.

Como não ouviu abrir a porta continuava a ignorar a minha presença. De joelhos, ao lado da cama, chorava e tinha as mãos crispadas.

Quando entrei não sabia o que iria fazer mas agora, que a via ajoelhada em oração junto do leito, ignorando que a olhava e ouvia as suas queixas e soluços, tive a certeza de que nunca mais amaria alguém como lhe queria a ela. Sim, ignorava-o até àquele momento, mas bastaram uns poucos segundos para sentir quanto a amava.
Fechei a porta devagar e voltei para o meu quarto. Peguei numa cadeira e sentei-me próximo da janela à espera do dia. E ali fiquei olhando o fundo do vale. Á medida que os olhos se habituavam à escuridão parecia-me que me aproximava cada vez mais do rio e tão próximo dele me sentia que, estendendo o braço, poderia mergulhar as mãos nas suas águas quentes.

De madrugada julguei ouvir alguém no quarto de Gretchen a andar cuidadosamente, a caminhar de janela para janela e, em certa altura, tive a certeza de ouvir passos lá fora, junto da porta do meu quarto.

Quando o sol despontou no alto da montanha levantei-me e vesti-me. Depois ouvi os passos de Gretchen, ouvi Gretchen descer a escada. Certamente preparava o meu almoço, à pressa, para que eu não perdesse o comboio. Esperei e, um quarto de hora depois, ela subia novamente a escada. Bateu devagar e chamou várias vezes por mim.
Abri a porta de par em par e apareci-lhe. Ficou surpreendida por me ver já pronto; esperava encontrar-me a dormir e, por momentos, não pôde articular uma palavra.

- Gretchen - disse eu, tomando-lhe as mãos - não tenhas pressa por causa do comboio... não parto... não sei o que tinha ontem... Agora sinto que te amo.

- Mas, Ricardo, disseste a noite passada...

- Disse a noite passada que partia de manhã cedo, Gretchen; mas, acredita, não sabia o que estava dizendo. Agora só parto quando fores comigo. Dir-te-ei o que penso, depois do almoço. Mas, antes de mais nada, quero que me digas por onde se desce até ao rio. Preciso de lá ir imediatamente, quero mergulhar as mãos nas suas águas.

Fonte:
http://homepage.oninet.pt/670mzj/lit109.htm

Agenir Leonardo Victor (Entrevista com A. A. de Assis)

A trova é apaixonante

Antonio Augusto de Assis, mais conhecido como A. A. de Assis, 71, nasceu em São Fidélis-RJ. Veio para Maringá em 1955, retornou ao estado do Rio em 1959 e novamente transferiu residência para Maringá em 1963, aqui permanecendo até hoje. Aposentou-se em 1997 como professor do Departamento de Letras da Universidade Estadual de Maringá. Desde a juventude tem-se dedicado à poesia. Em 1960, residiu em Nova Friburgo-RJ, berço da trova moderna no Brasil. Nesse período, conviveu com os mais importantes trovadores da época, tais como Aparício Fernandes, Delmar Barrão, Luiz Otávio, J.G. de Araújo Jorge e outros, daí surgindo seu entusiasmo pela quadra setissilábica. Assis é autor de vários livros e também da Missa em trovas, que tem sido celebrada em quase todo o país em festas de poesia. Tem uma estante cheia de troféus ganhos em concursos literários realizados Brasil afora e em Portugal. Para a entrevista que transcrevemos a seguir, o poeta maringaense nos recebeu em sua residência, onde conversamos durante cerca de uma hora.

AGENIR – Qual a diferença entre poeta e trovador?

ASSIS – A mesma que existe, por exemplo, se é que existe, entre médico e cardiologista. Todo cardiologista é médico mas nem todo médico é cardiologista. Assim também, todo trovador é poeta mas nem todo poeta é trovador. Digamos que a trova é uma especialidade dentro do gênero poesia.

AGENIR – Como se define a trova?

ASSIS – É um micropoema sem título, composto de quatro versos de sete sons (sete sílabas), rimando o primeiro com o terceiro e o segundo com o quarto.

AGENIR – Mais ou menos como o haicai?...

ASSIS – O haicai é menor ainda: compõe-se de três versos, sendo o primeiro e o terceiro com cinco sons e o do meio com sete sons. Uns dizem que a trova é o haicai ocidental; outros que o haicai é a trova japonesa. Tanto a trova quanto o haicai primam pela síntese.

AGENIR – A trova deve ser muito antiga...

ASSIS – Tem mais de mil anos, e no entanto continua cheia de vida. Suas origens remontam à Idade Média, a partir do sul da França, de onde se expandiu por toda a Europa, encontrando seu canteiro mais fértil na Espanha e em Portugal. A língua portuguesa nasceu cantando trovas, na voz dos antigos jograis e menestréis. Ao Brasil a trova chegou de carona nas caravelas de Cabral, sobreviveu às diversas escolas literárias que andaram na moda nestes últimos quinhentos anos, e permanece até hoje na boca e no coração do povo como a mais natural das modalidades poéticas.

AGENIR – Ainda existem jograis e menestréis?

ASSIS – De certo modo, sim. Os jograis e menestréis da Idade Média saíam de corte em corte cantando suas trovas, nas quais contavam novidades, espalhavam fofocas... eram os repórteres da época. A cantoria deles era um verdadeiro jornal em versos. São seus sucessores, hoje, os cantadores do Nordeste e do Sul do Brasil, com seus repentes e cordéis. O cordel é, em última análise, uma grande reportagem sobre algum assunto em evidência no momento.

AGENIR – E qual a diferença entre os cantadores populares e os trovadores literários?

ASSIS – Uma diferença importante está na maneira de compor a trova: os cantadores não seguem uma forma fixa, enquanto os trovadores conhecidos como "literários" seguem as normas da UBT (União Brasileira de Trovadores) e obedecem ao padrão culto da língua, utilizando vocabulário acessível mas valorizando a correção gramatical.

AGENIR – Pode-se então enquadrar a trova como um modo de comunicação...

ASSIS – Claro que sim. Comunicar é transmitir a alguém uma informação, um pensamento, um apelo, uma emoção, e isso se faz de muitas formas: mediante um gesto, um desenho, um sinal sonoro, um texto oral ou escrito, em prosa ou verso. A trova é um modo de comunicação em versos, tal como o haicai, o soneto, o poema livre, a letra de música etc.

AGENIR – Haveria lugar para a poesia, hoje, na mídia?

ASSIS – Parece que cada vez menos. Houve tempo em que todos os jornais e muitas revistas, bem como as emissoras de rádio e algumas de televisão abriam espaço para a literatura. Hoje, porém, os tempos são outros. Há uma tremenda disputa pelo leitor e pelo ouvinte, de modo que a matéria precisa interessar ao maior número possível de pessoas, sob pena de queda no ibope.

AGENIR – E literatura não dá ibope...

ASSIS – Pelo menos não tanto quanto futebol, polícia, política, economia, fofoca, humorismo... O romance, outrora tão popular, foi quase totalmente substituído pela telenovela...

AGENIR – Poesia, nem pensar... Seria um produto em extinção...

ASSIS – (risos) ...Não exageremos. Não tenho notícia de que a mídia em algum lugar se ocupe em divulgar, por exemplo, o futebol de botão. No entanto, há um sem-número de meninos (de todas as idades), a começar pelo Chico Buarque de Holanda, que são apaixonados por esse esporte. As pessoas jogam botão pelo prazer que isso lhes dá, independentemente da repercussão que possa ter na mídia o seu divertimento. Da mesma forma se comportam os que escrevem, lêem e até colecionam trovas.

AGENIR – Quantas pessoas gostariam de trovas no Brasil?

ASSIS – Não há uma estatística... Só de trovadores conhecidos, temos uns 5 mil. Mas não há como saber quantas pessoas, não-poetas, se deliciam lendo essas quadras. Ninguém sabe também quantos brasileiros apreciam palavras cruzadas, mas é difícil achar um jornal que não as ofereça aos seus leitores. O jornal Diário Gaúcho, de Porto Alegre, publica uma coluna com o título "A Trova do Dia", e o retorno em forma de correspondência é surpreendente. É difícil fazer uma boa trova, porém é muito fácil entendê-la; por isso tanta gente gosta dela. E depois que a pessoa "prova" algumas, acaba se apaixonando...

AGENIR – Livro de poemas vende nas livrarias?

ASSIS – No Brasil, muito pouco. O único que conseguiu ganhar dinheiro vendendo poesia foi J. G. de Araújo Jorge, cuja popularidade chegou a fazer dele um dos deputados federais mais votados no Rio de Janeiro. No romance, Jorge Amado foi um dos campeões. Mas o que mais se vende nas livrarias é livro didático, religioso, de receitas culinárias, de esoterismo e de auto-ajuda. Paulo Coelho, sozinho, vende mais que todos os outros escritores brasileiros juntos.

AGENIR – Como é que os trovadores se comunicam uns com os outros?

ASSIS – Pelo velho correio; pela Internet; por telefone; e por meio de uma grande rede de periódicos publicados mensalmente pelas muitas seções da UBT – União Brasileira de Trovadores. Aliás, uma das razões do sucesso da trova é o fato de ela ter mídia própria. Alguns desses informativos têm tiragem superior a dois mil exemplares, com assinantes em todo o Brasil e em Portugal. Ali saem, além de trovas, também notícias e comentários, e os editais e resultados de todos os concursos de trovas. A média tem sido de 60 concursos por ano.

AGENIR – Há prêmios em dinheiro?

ASSIS – A UBT não apóia nenhum concurso que ofereça prêmio em dinheiro ou que cobre taxa de inscrição. O amor à arte é levado muito a sério. Os vencedores recebem troféus, medalhas e diplomas, além de hospedagem e refeições na cidade-sede do concurso durante a festa de premiação.

AGENIR – Há trovadores profissionais?...

ASSIS – São trovadores profissionais muitos dos cantadores e repentistas do Nordeste e do Sul do país, dos quais já falamos, e que se apresentam como artistas em festas e shows. Os trovadores ditos "literários" são todos amadores: fazem trovas por diletantismo, sem nada receber em troca. Até quando publicam livros, distribuem-nos de graça aos amigos, ou por preço de custo.

AGENIR – Mas, afinal, quem são esses trovadores chamados "literários"?

ASSIS – São pessoas comuns, como todos nós, cada qual com sua profissão: professores, jornalistas, médicos, militares, advogados, engenheiros, bancários, operários, comerciários, empresários, agricultores etc., os quais, nas horas vagas, se divertem fazendo trovas. Nota-se entre eles, sobretudo, um grande número de aposentados.

AGENIR – Deve ser mesmo um bom divertimento para idosos.

ASSIS – Costumo dizer que a trova é um ótimo brinquedo de velho... É a "trovaterapia". Você faz uma bela ginástica cerebral na construção de cada quadra. Além disso, a trova faz amigos, por meio da correspondência mantida e dos freqüentes encontros da "tribo".

AGENIR – Há muitos trovadores no Paraná ? E em Maringá?

ASSIS – O Paraná tem longa tradição em trova. Atualmente, as principais praças trovistas paranaenses são Curitiba, Maringá, Bandeirantes, Ponta Grossa e Londrina, mas não sei dizer quantos trovadores existem hoje no estado. Em Maringá, estão filiados à seção local da UBT 32 trovadores, alguns simplesmente como "gostantes"...

AGENIR – Parece que vocês são mesmo bem-organizados...

ASSIS – Somos sim. O trovismo, embora não faça disso grande alarde, é o movimento literário mais amplo, mais animado e mais organizado que até hoje se conheceu no Brasil. É uma verdadeira confraria.

AGENIR – Além de concursos, o que mais vocês fazem?

ASSIS – Os concursos são apenas um dos itens da atividade trovista. Realizam-se também congressos, recitais, festas de musas, sessões de autógrafos, palestras e oficinas de trovas em escolas, exposições... Em Bauru, por exemplo, todos os anos, é feita uma exposição chamada "A Trova no Parque", com centenas de trovas escritas em cartazes que são colocados entre as árvores. Na abertura do evento, é costume fazer uma "chuva de trovas", com milhares delas lançadas de avião sobre a cidade. Em Pouso Alegre-MG, foram pintadas trovas educativas em todos os prédios públicos da cidade. Em Curitiba, durante a semana dos Jogos Florais/2003, todos os ônibus do transporte urbano circularam expondo cartazes com trovas. Em outras cidades têm sido realizados "comícios de trovas" (e Maringá foi pioneira nisso, em 1966), com os trovadores apresentando seus versos em praça pública.

AGENIR – E sonetos, ainda há quem os escreva?

ASSIS – Há sim, muita gente. Temos ótimos sonetistas, tão bons quanto os do tempo de Bilac, ou até melhores. A única diferença é que no tempo de Bilac as pessoas tinham mais tempo para ler: não havia cinema, nem televisão, nem shopping... Hoje talvez haja menos leitores, porém a qualidade dos versos é a cada dia melhor. A poesia não morrerá nunca. Aliás, toda arte é eterna. Se assim não fosse, ninguém mais ouviria Bach, Beethoven, Chopin, Mozart, Strauss...

AGENIR – Você se dedica exclusivamente à trova?

ASSIS – Preferencialmente, mas não exclusivamente. Gosto muito da trova e do haicai, porque sou fascinado pela síntese. Da trova mais ainda, por sua musicalidade e por ser um poema fácil de ser compreendido. Mas faço também soneto, verso livre, concreto...

AGENIR – A trova tem trazido algum benefício especial para Maringá?

ASSIS – Não sei o que você chama de "benefício especial". Traz alegria para nós, que temos nisso o nosso recreio intelectual. Mas deve beneficiar também Maringá, pela divulgação que faz da cidade. Cada vez que aqui promovemos um concurso, um congresso ou uma festa de trovas, todos os trovadores do Brasil e de Portugal ficam sabendo. Os que aqui vêm participar pessoalmente do evento saem sempre dizendo maravilhas da cidade. E toda vez que um de nós é premiado lá fora, o nome de Maringá é publicado junto com o da gente. Aliás, há muitas cidades onde as festas de trovas fazem parte do calendário turístico oficial.
E são festas lindas.

Fonte:
VICTOR, Agenir Leonardo. A Trova: O Canto do Povo. Trabalho apresentado ao Curso de Comunicação Social das Faculdades Maringá, para habitlitação em Jornalismo. Maringá: Dezembro, 2003.

Curso de Redação em português

Este curso será postado em três partes para não ficar muito longo em um dia e possibilitar o acesso a outros artigos.

Introdução

Durante o tempo de escola, os professores pouco se interessaram por ensinar a pré-escrita para depois escrever o texto, o que dificulta muito o domínio sobre o texto.

Portanto, o que se pretende com este trabalho é não só melhorar a escrita dos alunos, mas também ajudar a outros que estejam enfrentando o mesmo problema.

Muitos alunos têm de escrever redações sobre temas absurdos, e conseqüentemente, na maioria dos casos não conseguem a chance real, na escola, de escrever o que gostariam e da forma como gostariam.

A maneira como a escola trata o escrever leva facilmente muitos alunos a detestar a escrita e em conseqüência a leitura, o que é realmente um irreparável desastre educacional.

Este trabalho propõe-se a refletir sobre como formar discentes para escrever na sala de aula, elaborando textos criativos com o propósito de que o próprio educando, junto com o educador, analisem as várias técnicas para aprender a desenvolver o texto, começando pelo tema.

Há vários modos na produção de texto que podem ajudar a fazer uma boa redação, como: clareza na coerência e coesão; leitura e escrita; pré-escrita.

Em princípio, é necessário colaborar com a turma para que a elaboração da redação se torne clara desde o início até o final. O professor deve orientá-los sobre o que não se pode fazer, bem como sobre o que fazer para chegar a um texto com sucesso. Porém, os alunos devem ter iniciativa para escrever.

Todo discente tem capacidade de pensar, sentir, expressar-se na hora de escrever. No entanto, para saber escrever precisa ler, ou seja, uma leitura atenta que o oriente sobre como o escritor formou as idéias para que eles (estudantes) comecem a redigir e ter a habilidade de compreender expressões ou a capacidade de ler nas entrelinhas.

Este trabalho é baseado na fundamentação teórica, referente ao tema proposto, em que, cada livro comprova os fatos com leitura sistemática, ressaltando os pontos abordados pelos autores pertinentes ao assunto em questão.

Pensar, ler e escrever

Quando se escreve ou quando se fala, é com o fim de comunicar algo; portanto na construção de textos na sala de aula é necessário primeiro que os alunos aprendam a pensar.

Para iniciar nossa pesquisa, apresentaremos as definições de: - texto, redação, contexto, coerência, coesão, estrutura e a importância de saber gramática. Para ensinar tudo isso, é bom incentivar o aluno começando com esta frase Escrever é como jogar xadrez. Por quê? A pessoa que sabe jogar visualiza o tabuleiro para ganhar o adversário. Ela pensará cada peça movida. Portanto, o jogo de xadrez pode ajudar os alunos a desenvolver a lógica, do raciocínio e do problema; habilidade de memória, da concentração e da visualização; a confiança; a paciência; a determinação; o equilíbrio; a expressão de si mesmo, a atenção; a criatividade; a capacidade para aprender as intenções do outro.

Porém, qual é a relação de xadrez com o ato de escrever? Para escrever, precisa-se muito treinamento da memória para organizar as idéias.

Para ordená-las, precisa-se pensar. Como disse Bernardo (2000, p, 20), "enfrentar inclui pensar. Pensar que escrever certamente não será uma questão de dom". No pensamento do autor, para pôr palavras no papel é necessário antes pensar, e depois transpirar. Na citação de Bernardo (2000, p, 54), "[...] Escrever para aprender significa descobrir relações entre idéias, selecionar e ordenar idéias e dados, ou ainda dar forma a experiências pelas quais passamos a fim de que possamos compreendê-las com mais clareza". Para saber escrever, é necessário ordenar os pensamentos e pôr as palavras certas. Se isso acontecer, o texto ficará claro e o aluno acompanhará a leitura do autor, portanto saberá as idéias principais dos parágrafos, ou seja, se tem unidade global é porque a pré-escrita está bem elaborada e o aluno não se perderá na seqüência de idéias.

Quando se pensa no tema, deve-se planejar o texto, pois surgirão muitas idéias desorganizadas que depois serão hierarquizadas e assim o escrito será compreensivo. As idéias e o pensamento são abstratos e só irão materializar-se com a linguagem escrita.

É importante que o aluno saiba o que é uma redação. Isso o ajudará o a ter consciência para desenvolver qualquer assunto. O professor deve estar consciente disso e colaborar com o educando até que ele consiga escrever qualquer tema. O educador deve incentivar o aluno a produzir sobre si mesmo antes de começar por outros escritos. Se não sabe como iniciar uma redação efetivamente não vai saber fazer o meio e o final. Como escreve Bernardo (2000, p, 20), "o ato de escrever é, primeiro e ante de tudo, a questão do desejo". Desejo de se expressar, de dizer algo sobre o que pensa a respeito dos mais diversos assuntos.

Para que esse desejo de escrever possa aflorar, o professor precisa incentivar o aluno a escrever todos os dias e organizar as idéias, ter uma seqüência do raciocínio lógico para não se perder do assunto. Dentro de tudo isso é importante escolher palavras-chave e idéias principais de cada parágrafo.

Enquanto o educando não sabe redigir, o professor tem a responsabilidade de motivá-lo para a produção das idéias e temas que o levem a querer escrever.

O educador dá primeiro o exemplo de como escrever ou ler. Nesse estágio, a motivação é importante. Portanto, não é adequado falar para o aluno que é difícil o ato de escrever. Para isso, o docente deve deixá-lo à vontade para eleger leituras que vai ser seu primeiro espelho para poder produzir. De acordo com Bernardo (2000, p, 28), "[...] a idéia de que uma pessoa que leia muito necessariamente escreve bem é falsa". Então quem lê muito não significa que vai redigir bem. Quando o aluno tem muita leitura, é importante analisar a leitura de como o autor planejou o texto. O educador precisa falar para turma qual é o objetivo de ler e escrever, pois ler e escrever são dois conceitos diferentes, visto que ler é vida e informação entendimento do significado das palavras escritas. A seguinte citação demonstra isso:

Pela leitura você ganha experiências, você observa como um escritor tratou habilmente uma situação difícil, como usou as palavras e as expressões, como descreveu, como gerou expectativa, como arrancou emoções. Leia e aprenda, leia observando, como quem observa a natureza. (BAÇAN, 1999, p.22)

Quem lê se informa do "mundo" e adquire experiências. Toda produção escrita deve ser analisada pelo aluno: por que o autor usou tais expressões? Por que escolheu essas palavras para dar emoção ao escrito? O educando tem que observar tudo sobre o texto para aprender cada vez mais.

É importante dar preferência a autores de qualidade. Então para escrever o aluno deve ter o hábito de ler constante. Segundo Baçan (1999, p. 23):
Comece lendo bons autores modernos, no gênero que você mais aprecia. Se gosta de histórias em quadrinhos, comece com elas. Leia os cronistas de jornal, os comentários e editoriais, que são pequenos e rápidos. Observe sempre como eles estruturam o texto, como usam as palavras e como constroem as imagens.

Ler um fragmento de um jornal por dia para analisar o conteúdo, uma revista por semana, um livro por mês. Isso ajudará a escrever melhor.

Quem escreve, tem a intenção de revelar-se para os outros e traçar um destino, ser lembrado como escritor, e colocar-se no campo de batalha de trabalho com outros escritores.

Cada escritor tem um estilo de produzir um texto, porque cada redator é único, e cada um quer conhecer outras maneiras de pensar. Quem escreve claro, expõe as idéias de tal modo a não permitir dúvidas quanto à interpretação.

Quando o discente aprende a escrever há duas alternativas: - uma de desejo e outra de medo - ou seja, aquela vontade de redigir ou aquele medo de errar. Quando o educando tem medo de pôr suas idéias no papel, por conseguinte o texto fica escuro. Para que não fique obscuro Bernardo orienta (2000, p, 37), "no ato da redação, acho que a luta se faz no rasgo". Ou seja, na imitação. Como fazer isso? Lendo e pondo as idéias do autor como estavam no texto; com o tempo, o aprendiz constrói seu próprio texto, sendo a paráfrase, seu exercício mais eficiente, até superar a escrita do outro e chegar na escrita pessoal.

Paráfrase é uma redação escrita pelo autor, a partir de pensamentos de outra redação, sem sair de seu conteúdo, mas usando outras palavras. Para conseguir uma paráfrase é preciso entender todas as idéias que o autor do texto original quis transmitir, em todos seus detalhes. Na visão de Bernardo (2000, p. 71.) "[...] antes de fazer com que alunos redijam paráfrases é necessário fazê-los perceber a diferença entre aqueles que plagiam o original, aquelas que o alternam e aquelas bem redigidas".

O professor tem muita responsabilidade com seus discentes de explicar o que é uma paráfrase. E o que é uma paráfrase, se não pôr com outras palavras o que se leu? Assim é mais produtivo para o aluno aprender a redigir.

Quando o estudante começa a escrever sem pensar, sem ler, isso o leva a uma redação sem rumo e não chega a nada, a algo concreto. Escrever é um trabalho árduo, enquanto um texto em desordem é um sintoma de um pensamento confuso. Ou seja, quem não pensa bem, não escreve bem. Agora quem planeja as idéias com um propósito chegará a um pensamento organizado.

Todo texto a ser redigido passa por uma fase de planejamento. "Esse planejamento é pessoal: há pessoas que se dão um tempo, organizam o texto mentalmente e começam a redigi-lo; quem observa, acha que as idéias escorrem do cérebro pela ponta da caneta". ( BERNARDO, 2000, p.71).

O estudante que nunca escreveu ou que está tentando redigir pensa que o escritor fez sem planejar. Mas não é assim. Quem planeja vai construir um texto claro.

Planejamento do texto

Qualquer pessoa que quer chegar a uma meta deve planejar, pois Isso levará a resultados positivos. A pergunta é: por que é importante planejar? É importante para não se perder no trabalho a realizar, é preparar, um roteiro que nos ajude aprimorar nossas idéias. Essas não estão concretas, precisa-se plasmá-las no papel ou na mente, Pois para planejar um texto é preciso esquematizar o que você pretende dizer; essa é a base de todo o processo, aqui o estudante precisa maior colaboração; no entanto o professor de língua portuguesa deve dar ênfases à pré-escrita, porque é a fase que menos dá atenção para construir uma boa redação. O que é à pré-escrita? É o processo do autor para não se perder no caminho, antes de começar a redigir, isto traz segurança para o começo até o final do texto, porém cada autor age diferente. Como se expressa, Bernardo (2000, p, 64-65), "Se o escritor deixa claro logo no início do texto como ele está organizado, fica mais fácil para quem lê compreender qual a hipóteses a ser comprovada e como isto será feito". Isto comprova que para realizar uma produção de texto, o autor deve mencionar o tipo de raciocínio, ou seja, silogístico, dedutivo, indutivo; se o escritor não revela como está trabalhando, cabe o leitor realizá-lo.

No livro técnica de redação, há um exemplo de como o autor tem em mente alguns detalhes de planejar o texto:
• Quais os objetivos do texto;
• Qual é o assunto em linhas gerais;
• Qual o gênero mais adequado aos objetivos;
• Quem provavelmente vai ler;
• Que nível de linguagem deve ser utilizado;
• Que grau de subjetividade ou de impessoalidade deve ser atingido;
• Quais as condições práticas de produção: tempo, apresentação, formato. (GARCEZ, 2001, p.15)

Isso que dizer que para planejar se precisa uma lista de idéias. Pode ser em forma de perguntas ou chuvas de idéias e mapa de idéias. Se, faz-se o discente não tem como errar, porque levará a seqüência de pensamento até o final.

Em outras palavras:
• O tema responde à pergunta o que quero comunicar? É a identificação da idéia central ou teses que vai a condicionar o desenvolvimento do texto;
• O propósito responde à pergunta por que vou a comunicar isso? Para isso tem que saber se vou informar, persuadir, explicar, instruir, descrever;
• A audiência responde à pergunta a quem vou comunicar? Para quem escrevo? ; Para crianças, adolescentes, adultos, e assim por adiante.
• O tipo de texto a selecionar, obviamente depende das respostas às três perguntas anteriores;
• Obtenção da informação-livros, revistas, Internet, jornais... O estudante deve saber essa informação do professor que quando chegue a escrever não tenha nenhuma dificuldade para redigir qualquer texto. O discente se sentirá contente por haver conseguido redigir seu texto.

No livro técnica de redação, há algumas considerações sobre o ato de escrever. São elas:
• Fazer uma lista de palavras-chave;
• Anotar tudo o que vem à mente, desordenadamente, para depois cortar e ordenar;
• Escrever a idéia principal e as secundárias em frases isoladas para depois interligá-las;
• Construir um primeiro parágrafo para desbloquear e depois ir desenvolvendo as idéias ali expostas. (GARCEZ, 2001, p. 17)

Se o aluno souber o que é uma palavra-chave, uma idéia principal e secundária para depois colocá-las no primeiro parágrafo como um teste, ele conseguirá redigir.

Um exemplo:

Tema geral = assunto: Hotel
Delimitação do assunto: tema específico- Recebimento de turistas no hotel
1. Chegada de turistas;
2. Cumprimento do capitão ou mensageiro;
3. Mensageiro acompanha o turista e leva as malas ao balcão, e dirige-as na recepção;
4. Check-in e pagamento;
5. Mensageiro leva suas malas ao departamento;
6. Hóspede descansa;
7. Check-out.

Seguinte passo é ordenar as idéias, hierarquizando-as.
• Palavras-chave: mensageiro, hóspede, hotel, recepcionista, check-in, chek-out.
• Propósito: tratamento efetivo
• Audiência: pessoas que trabalham no hotel
• Tipo de texto: informativo

Idéias principais:
• Os turistas gostam do tratamento formal no hotel.
• Se receber bem, chegarão outros ao hotel.
• Dá-se calor, terá gorjeta para todos.

As idéias secundárias são conseqüências das idéias principais.

Escrever sem planejamento é ter um duplo trabalho.

Para redigir um parágrafo se precisa entender a definição.

Quando se fala de parágrafo, está-se interrelacionado de todas as partes de um tudo. Em outras palavras tem unidade com o tema e períodos, que desenvolve uma idéia de sentido completo e independente; para depois paragrafar.

Para fazer uma seqüência de palavras-chave, depois vem a hierarquização de idéias, ou seja, ordená-las e selecioná-las as melhores, e colocando-as em ordem de importância. A seguinte citação comprova isto:
[...] quando se trata de escrever um texto não-literário, há procedimentos comuns: geração, hierarquização e ordenação das idéias. Na seleção, escolhemos o que vamos dizer e o que não vamos dizer. Na hierarquização, decidimos a ênfase a ser dada a cada idéia e a submissão de uma idéia à outra. Na ordenação, estabelecemos como organizar a articulação entre as idéias. (GARCEZ, 2001, p.93)

Na hora de organizar essas informações, o redator terá em mente que pode mudar o plano de idéias, pois, quanto mais detalhado o plano, mais fácil a redação.

Coerência e coesão

Muitos estudantes se atormentam com essas duas palavras. Mas, para ser mais preciso é necessário defini-las, pois ajudaria na compreensão dos discentes para elaborar um bom texto. Quando se fala de texto, fala-se de unidade a qual tem relação com coerência e coesão.

Uma definição de coerência seria unidade de sentido; e coesão, "amarrar" as idéias. Já que a primeira depende da ordenação das idéias; ou seja, do plano do texto e o tema proposto; também dos argumentos, é dizer, da clareza. Clareza consiste em ler o texto, e compreender como está organizada a produção escrita. Quando ele vai redigir, deve planejar as idéias e a intenção comunicativa; portanto, ser claro é como ver o mar que está limpo e olhar os peixes. Então, ser claro é ser coerente com a ordem das palavras e vocábulos, e dizer, não se contradizer, não confundir o leitor; ou seja, não pôr enunciados desconexos. Segundo Massaud Moisés:

A lógica externa implica clareza unívoca das palavras, isto é, estas devem significar uma e uma só coisa; por sua vez, a clareza supõe o emprego da ordem direta: evitar-se-á a ordem indireta abstrusa, as violentas inversões (ou hipérbato) [...] (MOISÉS, 1961, p.145).

Isso que dizer que o raciocínio nós levará a significados claros com emprego de sujeito e predicado; portanto se for o contrário, predicado e sujeito essa ordem levaria a confundir o leitor.

Ser claro é pensar para que tipo de leitor está escrevendo; ou seja, para crianças, adolescentes, adultos, advogados, arquiteto, filósofo, etc. isso quer dizer, ser empático, perceber como eles sentem e entendem.

Então, para escrever sobre coerência, o discente deve estar atento que não haja duas interpretações, se ele, como leitor entende o que lê, pode continuar escrevendo. Mas, se as informações não harmonizam umas com as outras, o texto é incoerente.

A incoerência é devido que o estudante sai da idéia principal ou palavras-chave, da organização lógica das idéias; e do conhecimento da realidade.

Em outra citação:
[...] um texto resulta incoerente quando há falhas na continuidade de suas partes, quando as palavras aparecem de forma gratuita. Não é raro ouvirmos alguém dizer que determinada palavra está imprecisa, não diz com exatidão aquilo que pretendíamos dizer. A imprecisão resulta da falta de motivação entre as palavras que se sucedem numa cadeia em que um elo foi rompido. Para evitar isso, elas devem manter entre si um vínculo muito estreito. (VIANA et. al, 1998, p.18)

Quando não se organizam as idéias e as palavras adequadas para o texto, a redação fica confusa; para isso o discente tem que ler bastante para memorizar as palavras e assuntos de outros autores para motivar-se a si mesmo e escrever coerentemente. Para o texto ser coerente, é necessário que haja uma ligação significativa entre diversas partes; portanto, tudo tem que se escrever logicamente. Então, as classes de palavras, como os substantivos e os verbos devem unidos não apenas para somar idéias, mas também para ter base para que haja sentido no texto.

Há um processo de expansão da palavra chamado de associação. Nesta, a partir da palavra-chave se expande o texto através de verbos na terceira pessoa do singular, por exemplo:
chegou
o recebem
o atendem levam sua mala ficou bravo vai embora elogia a equipe
Hóspede chegou
O recebem
O atendem Levam sua mala Ficou bravo Vai embora Elogia a equipe

Esta idéia e baseada no livro: Roteiro de redação, de Carlos Viana, et. al.

A segunda explicação é sobre coesão. Mas, como "amarrar" as idéias no texto, através das ligações entre frases e parágrafos? Segundo Garcez (2001, p, 115), "quando os mecanismos de coesão textual não são bem utilizados, seja dentro do período, seja entre os períodos ou parágrafos, o texto se prejudica". Esses tecidos ajudam a ter relação na hora de dar significado ao ato de escrever. É complicado relacionar todos os problemas de coesão. Agora, para entender a coesão em profundidade:

A coesão, no entanto, não é só esse processo de olhar constantemente para trás. É também o de olhar para adiante. Um termo pode esclarecer-se somente na frase seguinte. Se minha frase inicial for Pedro tinha um grande desejo, estou criando um movimento para adiante. Só vamos saber de que desejo se trata na próxima frase: Ele queria ser médico. O importante é cada enunciado estabelecer relações estreitas com os outros a fim de tornar sólida a estrutura do texto. Mas não basta costurar uma frase a outra para dizer que estamos escrevendo bem. Além da coesão, é preciso pensar na coerência. Você pode escrever um texto coeso sem ser coerente. [...] (VIANA, et. al, 1998, p.28).

Isso quer dizer que para fazer qualquer texto, deve-se estar atento à coesão e à coerência. A turma tem que saber como ligar a frase seguinte à anterior, ou seja, não perder o fio do pensamento; e ainda, na frase não ter duplo sentido; para não ter incoerência.

Segundo Garcez (2001, p, 112-114), os recursos mais importantes para coesão são: preposições, conjunções, os pronomes pessoais, os tempos verbais; e além dessas formas gramaticais, existem outras, como: referencial, lexical, por elipse, por substituição.

Então, a coesão referencial é quando faz referência a alguém ou coisa do próprio texto, e são utilizados pronomes pessoais, possessivos, demonstrativos ou expressões adverbiais; a coesão lexical é quando tem certa carga de redundância, ou seja, repetição de idéias. Isso se faz, através dos sinônimos ou expressões equivalentes conhecidas pelo leitor; a coesão por elipse é, quando se omite como: pronomes, verbos, substantivos e frases inteiras e estão implícitos. Muitas vezes é marcada por vírgula; a coesão por substituição é quando substitui nomes, verbos, períodos ou largas parcelas de texto por conectivos. Alguns exemplos: tudo o que foi dito; diante do que foi exposto; em vista disso, a partir dessas considerações.

Fonte:
Autor: Gonzalo Pérez Publicação: 23/06/06
http://www.mailxmail.com/curso/idiomas/redaportugues/
http://gattors.blogspot.com (figura)

Folclore do Brasil (A Grande Mãe Brasileira)

O Brasil é o país que concentra o maior número de pessoas a cultuarem uma das manifestações da Grande Mãe, como Iemanjá, a deusa ancestral das águas, Senhora do Mar. Só perde para a Índia, onde inúmeras deusas são cultuadas até hoje.

Anualmente, às vésperas do Ano Novo e no dia dois de fevereiro, milhões de pessoas levam suas oferendas e orações para as praias brasileiras, ou saem em procissões marítimas ou fluviais, similares às antigas cerimônias egípcias e romanas – Navigium Isidi – dedicadas a Isis, Deusa Mãe protetora dos viajantes e das embarcações.

Apesar da devoção brasileira a Iemanjá, seu culto não é nativo - ele foi trazido ao Brasil no século XIII pelos escravos da nação ioruba. Yemojá ou YèYé Omo Ejá, a “Mãe cujos filhos são peixes” era o orixá dos Egbá, a nação ioruba estabelecida outrora perto do rio Yemojá, no antigo reino de Benin. Devido a guerras os Egbá migraram, e se instalaram às margens do rio Ogun, de onde o culto a Iemanjá foi trazido pelos escravos para o Brasil, Cuba e Haiti.

Nestes países, Iemanjá passou a ser venerada como a “Rainha do Mar”, orixá das águas salgadas, apesar de sua origem ter sido “o rio que corre para o mar”, sua saudação sendo Odo-Yiá, que significa “Mãe do Rio”.

Analisando os nomes Ya / man / Ya e Ye / Omo / Ejá conforme a “Lei de Pemba” – a grafia sagrada dos orixás -, postulada pela Umbanda Esotérica, encontram-se os mesmos vocábulos sagrados, que significam “Mãe das águas, Mãe dos filhos da água (peixes) e Mãe Natureza”.

Iemanjá é considerada pela Umbanda Esotérica como uma das sete Vibrações Originais, o princípio gerador receptivo, a matriz dos poderes da água, a representação do eterno e Sagrado Feminino. Portanto, Iemanjá personifica os atributos lunares e aquáticos da Grande Mãe, como padroeira da fecundidade e da gestação, inspiradora dos sonhos e das visões, protetora e nutridora, mãe primeva que sustenta, acalenta e mitiga o sofrimento dos seus filhos de fé.

No entanto, por mais que Iemanjá seja reconhecida e venerada no Brasil, ela não representa a Mãe Ancestral nativa, que tenha sido cultuada pelas tribos indígenas antes da colonização e da chegada dos escravos.

Infelizmente, muito pouco se sabe a respeito das divindades e dos mitos tupi-guarani. A cristianização forçada e a proibição pelos jesuítas de qualquer manifestação pagã, destruiu ou deturpou os vestígios de Tuyabaé-cuáa, a antiga tradição indígena, a sabedoria dos velhos payés.

Segundo o escritor umbandista W.W. da Matta e Silva e seus discípulos Rivas Neto e Itaoman, a raça vermelha original tinha alcançado, em uma determinada época distante, um altíssimo patamar evolutivo, expresso em um elaborado sistema religioso e filosófico, preservado na língua-raiz chamada Abanheengá , da qual surgiu Nheengatu, a “lingua boa”, origem dos vocábulos sagrados dos dialetos indígenas,

Com o passar do tempo a raça vermelha entrou em decadência, e após várias cisões, seus remanescentes se dispersaram em diversas direções. Deles se originaram os tupi-nambá e os tupi-guarani, que se estabeleceram em vários locais na América do Sul.

As concepções do tronco tupi eram monoteístas, postulando a existência de uma divindade suprema, um divino poder criador (às vezes chamado de Tupã) que se manifestava através de Guaracy (o Sol) e Yacy (a Lua), que, juntos, geraram Rudá (o amor), e por extensão, a humanidade. O culto a Guaracy era reservado aos homens, que usavam os tembetá, amuletos labiais em forma de T, enquanto as mulheres veneravam Yacy e Muyrakitã, uma deusa das águas, e usavam os amuletos em forma de batráquios e felinos, pendurados no pescoço ou nas orelhas.

Guaracy era a manifestação visível e física do poder criador representado pelo Sol. Apesar deste astro ser considerado o princípio masculino na visão dualista atual, a análise dos vocábulos nheengatu do seu nome revela sentido diferente. Guará significa “vivente”, e cy é “mãe”, o que formaria a “Mãe dos seres viventes”, a força vital que anima todas as criaturas da natureza, a luz que cria a vida animal e vegetal. Também em outras tradições e culturas (japonesa, nórdica, eslava, báltica, australiana e nativa americana), o Sol era considerado uma Deusa, o que nos faz deduzir que para os tupi a vida e a luz solar provinham de uma Mãe (CY) que só mais tarde foi transformada em Pai.

Yacy era a própria Mãe Natureza, seu nome sendo composto de Ya (senhora) e Cy (mãe), a senhora Mãe, fonte de tudo, manifestada nos atributos da Lua, da água, da natureza , das mulheres e das fêmeas.

Cy ou Ci representa, portanto, a origem de todas as criaturas, animadas ou não, pois tudo o que existe foi gerado por uma mãe que cuida da sua preservação, do nascimento até a morte. Sem Cy (mãe), não há nem perdura a vida, pois ela é a Mãe Natureza, o principio gerador e nutridor da vida.

Na língua tupi existem vários nomes que especificam as qualidades maternas – Yacy = a Mãe Lua, Amanacy = a Mãe da chuva, Aracy = a Mãe do dia, a origem dos pássaros, Iracy = a Mãe do mel, Yara = a Mãe da água, Yacyara = a Mãe do luar, Yaucacy = a Mãe do céu, Acima Ci = a Mãe dos peixes, Ceiuci = a Mãe das estrelas, Amanayara = a senhora da chuva, Itaycy = Mãe do rio da pedra, e tantas outras Mães – do frio e do calor, do fogo e do ouro, do mato, do mangue e da praia, das canções e do silêncio.

As tribos indígenas conheciam e honravam todas as mães e acreditavam que elas geravam seus filhos sozinhas, sem a necessidade do elemento masculino, atribuindo-lhes a virgindade, o que também em outras culturas simbolizava sua independência e auto-suficiência. Em alguns mitos e lendas as virgens eram fecundadas por energias numinosas em forma de animais (serpente, pássaros, boto), forças da natureza (chuva, vento, raios), seres ancestrais ou divindades.

A explicação da omissão, na mitologia indígena, do elemento masculino na criação, era o desconhecimento do papel do homem na geração da criança, além do profundo respeito e reverência pelo sangue menstrual, que, ao cessar “milagrosamente” se transformava em um filho. Somente pela interferência dos colonizadores europeus e pela maciça catequese jesuíta que, na criação do homem, o Pai assumiu um papel preponderante, o Filho tornou-se o segundo na hierarquia, salvador da humanidade, como Jurupary, e à Mãe coube apenas a condição de virgem (como Chiucy).

Porém, apesar do zelo dos missionários para erradicar os vestígios dos cultos nativos da cultura indígena e dos escravos, muitas das suas tradições sobrevivem nas lendas, nos costumes folclóricos, nas práticas da pajelança e encantaria que estão ressurgindo, cada vez mais atuantes, saindo do seu ostracismo secular.

Um outro arquétipo da Mãe Ancestral é descrito no mito amazônico da Boiúna, a Cobra Grande, dona das águas dos rios e dos mistérios da noite. Apresentada como um monstro terrível que vive escondido nas águas escuras do fundo do rio e ataca as embarcações e pescadores, a Boiúna ou Cobra Maria é, na verdade, a Face Escura da Deusa, a Mãe Terrível, a Ceifadora, que tanto gera a vida no lodo como traz a morte, no eterno ciclo da criação, destruição, decomposição e transformação.

Outro aspecto da Mãe Escura é Caamanha, a “Mãe do Mato”, que protege as florestas e os animais silvestres, e pune, portanto, os desmatamentos, as queimadas, e as violências contra a Natureza. Pouco conhecida ela foi transformada em dois personagens lendários: Curupira e Caapora. Descritos como seres fantasmagóricos, peludos, com os pés voltados para trás, às vezes com um aspecto feminino, são os guardiões das florestas, que levavam os caçadores e invasores do seu habitat a se perderem nas matas, punindo-os com chicotadas, pesadelos ou até mesmo a morte.

Nas lendas guarani relata-se a aparição da “Mãe do Ouro”, que surge como uma bola de fogo ou manifesta-se nos trovões, raios e ventos, mostrando a direção da mudança do tempo. Na sua representação antropomórfica ela torna-se uma linda mulher que reside em uma gruta no rio, rodeada pelos peixes e de onde se estende nos ares como raios luminosos, ou então surge na forma de uma serpente de fogo, punindo os destruidores das pradarias. Na sua versão original ela era considerada a guardiã das minas de ouro, que seduzia os homens com seu brilho luminoso, afastando-os das jazidas. Seu mito confunde-se com o do Boitatá, uma serpente de contornos fluídicos, plasmada em luz com dois imensos olhos, guardando tesouros escondidos, reminiscência dos aspectos punitivos da Mãe Natureza, defendendo e protegendo suas riquezas. A deturpação cristã do mito punitivo pode ser vista na figura da “Mula sem Cabeça”, metamorfose da concubina de padre, que assombra os viajantes nas noites de sexta-feira (dia dedicado, nas culturas pagãs, às deusas do amor, como Astarte, Afrodite, Vênus, Freyia) e do Teiniágua, lagarto encantado que se transforma em uma linda moça para seduzir os homens, desviando-os dos seus objetivos.

Quanto ao significado esotérico de Muyrakitã, devemos decompor seu nome em vocábulos, para compreender sua simbologia feminina: Mura = mar, água, Yara – senhora, deusa, Kitã = flor. Podemos então interpretá-lo como “A deusa que floriu das águas” ou “A Senhora que nasceu do mar”. Esta divindade aquática, considerada a filha de Yacy era reverenciada pelas mulheres que usavam uns amuletos mágicos chamados ita-obymbaé, confeccionados com argila verde, colhida nas noites de Lua Cheia no fundo do lago sagrado Yacy-Uaruá (“Espelho da Lua”), morada de Muyrakitã. Estes preciosos amuletos só podiam ser preparados pelas ikanyabas ou cunhãtay, moças virgens escolhidas desde a infância como sacerdotisas do culto de Muyrakitã, vetado, portanto, aos homens. Nas noites de Lua Cheia as cunhãtay devidamente preparadas esperavam que Yacy espalhasse sua luz sobre a superfície do lago e então mergulhavam à procura da argila verde. A preparação das virgens incluía jejum, cânticos e sons especiais (para invocar os poderes magnéticos da Lua), além da mastigação de folhas de jurema, uma árvore sagrada que contém um tipo de narcótico que facilitava as visões. Enquanto as cunhãs mergulhavam, as outras mulheres ficavam nas margens do lago entoando cânticos rítmicos ao som dos maracás (chocalhos).
Depois de “recebida” a argila das mãos da própria Muyrakitã, ela era modelada em discos com formato de animais, deixando um pequeno orifício no centro. Então todas as mulheres realizavam encantamentos mágicos, invocando as bênçãos de Muyrakitã e Yacy sobre os amuletos, até que Guaracy, o Sol, nascia, solidificando a argila com seus raios.

Estes amuletos, que ficaram conhecidos com o nome de muiraquitã, tinham cor verde, azul, ou cor de azeitona, e eram usados como pendentes no pescoço ou na orelha esquerda das mulheres. Acreditava-se que eles conferiam proteção material e espiritual, e que podiam ser utilizados para prever o futuro, em certas noites de Lua Cheia, depois de submersos na água do mesmo lago e colocados na testa das cunhãs, invocando-se as bênçãos de Yacy e Muyrakitã.

No nível esotérico, profano, o muiraquitã é conhecido como um talismã zoomorfo, geralmente em forma de sapo, peixe, serpente, tartaruga ou felinos, talhado em pedra (nefrita, esteatita, jadeíta ou quartzito), bem polido, ao qual se atribuíam poderes mágicos e curativos. Foram encontrados vários deles na área do baixo Amazonas, entre as bacias dos rios Trombetas e Tapajós, e foram chamados de “pedras verdes das Amazonas”.
Poderia ser uma confirmação do mito das Amazonas ou Ycamiabas, as “mulheres sem homens”, como foram chamadas pelo padre Carvajal, da expedição de Francisco de Orellana, em 1542. Os relatos míticos as descrevem como mulheres altas, belas, fortes e destemidas, longos cabelos negros, trançados, tez clara, que andavam despidas e utilizavam com maestria o arco e flecha para guerrear e caçar. Diz a lenda que elas escolhiam anualmente homens para serem futuros pais de seus filhos, e os presenteavam com muiraquitãs. Outras fontes afirmam que elas usavam ornamentos de pedras verdes esculpidos em forma de animais que serviam como objetos de troca com os visitantes e as tribos vizinhas.

Os missionários atribuíam aos índios tapajós a origem dos muiraquitãs, mas eles eram apenas seus portadores, e não os fabricantes, exibindo-os como símbolos de poder ou riqueza, ou ainda usados como compensação na realização de ritos fúnebres, nas cerimônias de casamento ou para selar alianças e acordos de paz entre as tribos.

Ocultos em mitos, lendas e crenças, existem ainda muitos resquícios das antigas tradições e cultos indígenas. Descartando as sobreposições e distorções cristãs e literárias, poderemos resgatar a riqueza original das diversas e variadas apresentações da Criadora ancestral brasileira, Mãe da Natureza e de tudo o que existe, que existiu e existirá. Cabe aos estudiosos e pesquisadores atuais desvendar os tesouros históricos do passado indígena brasileiro, com isenção de ânimo e sem distorções, em uma sincera dedicação e lealdade à verdade original, para oferecer às nossas mentes as provas daquilo que os nossos corações femininos sempre souberam:

“que a Terra é a nossa Mãe, que nos tempos antigos os seres humanos veneravam e oravam para uma Criadora, que abria os portais da vida e da morte, cujos templos eram a própria Natureza, que somos todos irmãos por sermos seus filhos, interligados por fazermos parte da teia cósmica e telúrica da Sua Criação”.


Fontes:
Mirella Faur, in http://www.xamanismo.com/lendas.asp?c=34
http://www.nforo.com/ (figura)

Edgar Allan Poe (O Retrato Oval)

O castelo em que o meu criado se tinha empenhado em entrar pela força, de preferência a deixar-me passar a noite ao relento, gravemente ferido como estava, era um desses edi­fícios com um misto de soturnidade e de grandeza que durante tanto tempo se ergueram nos Apeninos, não menos na realidade do que na imaginação da senhora Radcliffe. Tudo dava a enten­der que tinha sido abandonado recentemente. Instalamo-nos num dos compartimentos mais pequenos e menos sumptuosamente mobilados, situado num remoto torreão do edifício. A decoração era rica, porém estragada e vetusta. Das paredes pendiam col­gaduras e diversos e multiformes trofeus heráldicos, misturados com um desusado número de pinturas modernas, muito alegres, em molduras de ricos arabescos dourados. Por esses quadros que pendiam das paredes - não só nas suas superfícies principais como nos muitos recessos que a arquitetura bizarra tornara necessários - , por esses quadros, digo, senti despertar grande interesse, possivelmente por virtude do meu delírio incipiente; de modo que ordenei a Pedro que fechasse os maciços postigos do quarto, pois que já era noite; que acendesse os bicos de um alto candelabro que estava à cabeceira da minha cama e que corresse de par em par as cortinas franjadas de veludo preto que envolviam o leito. Quis que se fizesse tudo isto de modo a que me fosse possível, se não adormecesse, ter a alternativa de contemplar esses quadros e ler um pequeno volume que acháramos sobre a almofada e que os descrevia e criticava.

Por muito, muito tempo estive a ler, e solene e devotamente os contemplei. Rápidas e magníficas, as horas voavam, e a meia-noite chegou. A posição do candelabro desagradava-me, e estendendo a mão com dificuldade para não perturbar o meu criado que dormia, coloquei-o de modo a que a luz incidisse mais em cheio sobre o livro.

Mas o movimento produziu um efeito completamente ines­perado. A luz das numerosas velas (pois eram muitas) incidia agora num recanto do quarto que até então estivera mergulhado em profunda obscuridade por uma das colunas da cama. E assim foi que pude ver, vivamente iluminado, um retrato que passava despercebido. Era o retrato de uma jovem que começava a ser mulher. Olhei precipitadamente para a pintura e ato con­tínuo fechei os olhos. A principio, eu próprio ignorava por que o fizera. Mas enquanto as minhas pálpebras assim permane­ceram fechadas, revi em espírito a razão por que as fechara. Foi um movimento impulsivo para ganhar tempo para pen­sar - para me certificar que a vista não me enganava -, para acalmar e dominar a minha fantasia e conseguir uma observação mais calma e objetiva. Em poucos momentos voltei a contem­plar fixamente a pintura.

Que agora via certo, não podia nem queria duvidar, pois que a primeira incidência da luz das velas sobre a tela parecera dissipar a sonolenta letargia que se apoderara dos meus sentidos, colocando-me de novo na vida desperta.

O retrato, disse-o já, era de uma jovem. Apenas se repre­sentavam a cabeça e os ombros, pintados à maneira daquilo que tecnicamente se designa por vinheta - muito no estilo das cabe­ças favoritas de Sully. Os braços, o peito, e inclusivamente as pontas dos cabelos radiosos, diluíam-se imperceptivelmente na vaga mas profunda sombra que constituía o fundo. A moldura era oval, ricamente dourada e filigranada em arabescos. Como obra de arte, nada podia ser mais admirável que o retrato em si. Mas não pode ter sido nem a execução da obra nem a beleza imortal do rosto o que tão subitamente e com tal veemência me comoveu. Tampouco é possível que a minha fantasia, sacudida da sua meia sonolência, tenha tomado aquela cabeça pela de uma pessoa viva. Compreendi imediatamente que as particularidades do desenho, do vinhetado e da moldura devem ter dissipado por completo uma tal idéia - devem ter evitado inclusivamente qualquer distração momentânea. Meditando profundamente nes­tes pontos, permaneci, talvez uma hora, meio deitado, meio reclinado, de olhar fito no retrato. Por fim, satisfeito por ter encontrado o verdadeiro segredo do seu efeito, deitei-me de costas na cama. Tinha encontrado o feitiço do quadro na sua expressão de absoluta semelhança com a vida, a qual, a princípio, me espantou e finalmente me subverteu e intimi­dou. Com profundo e reverente temor, voltei a colocar o candelabro na sua posição anterior. Posta assim fora da vista a causa da minha profunda agitação, esquadrinhei ansiosamente o livro que tratava daqueles quadros e das suas respectivas histórias. Procurando o número que designava o retrato oval, pude ler as vagas e singulares palavras que se seguem:


«Era uma donzela de raríssima beleza e tão adorável quanto alegre. E maldita foi a hora em que viu, amou e casou com o pintor. Ele, apaixonado, estudioso, austero, tendo já na Arte a sua esposa. Ela, uma donzela de raríssima beleza e tão adorável quanto alegre, toda luz e sorrisos, e vivaz como uma jovem corça; amando e acarinhando a todas as coisas; apenas odiando a Arte que era a sua rival; temendo apenas a paleta e os pincéis e outros enfadonhos instrumentos que a pri­vavam da presença do seu amado. Era pois coisa terrível para aquela senhora ouvir o pintor falar do seu desejo de retra­tar a sua jovem esposa. Mas ela era humilde e obediente e posou docilmente durante muitas semanas na sombria e alta câmara da torre, onde a luz apenas do alto incidia sobre a pálida tela. E o pintor apegou-se à sua obra que progredia hora após hora, dia após dia. E era um homem apaixo­nado, veemente e caprichoso, que se perdia em divagações, de modo que não via que a luz que tão sinistramente se derramava naquela torre solitária emurchecia a saúde e o ânimo da sua esposa, que se consumia aos olhos de todos menos aos dele. E ela continuava a sorrir, sorria sempre, sem um queixume, porque via que o pintor (que gozava de grande nomeada) tirava do seu trabalho um fervoroso e ardente prazer e se empenhava dia e noite em pintá-la, a ela que tanto o amava e que dia a dia mais desalentada e mais fraca ia ficando. E, verdade seja dita, aqueles que contemplaram o retrato falaram da sua seme­lhança com palavras ardentes, como de um poderosa maravilha, - prova não só do talento do pintor como do seu profundo amor por aquela que tão maravilhosamente pintara. Mas por fim, à medida que o trabalho se aproximava da sua conclusão, ninguém mais foi autorizado na torre, porque o pintor enlou­quecera com o ardor do seu trabalho e raramente desviava os olhos da tela, mesmo para contemplar o rosto da esposa. E não via que as tintas que espalhava na tela eram tiradas das faces daquela que posava junto a ele. E quando haviam passado muitas semanas e pouco já restava por fazer, salvo uma pince­lada na boca e um retoque nos olhos, o espírito da senhora vacilou como a chama de uma lanterna. Assente a pincelada e feito o retoque, por um momento o pintor ficou extasiado perante a obra que completara; mas de seguida, enquanto ainda a estava contemplando, começou a tremer e pôs-se muito pálido, e apavorado, gritando em voz alta 'Isto é na verdade a pró­pria vida!', voltou-se de repente para contemplar a sua amada: - estava morta!»

Fonte: http://homepage.oninet.pt/670mzj/lit28.htm